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Cidadania e sociedade civil

Na última década do século XX, assistimos, em todo o mundo, a uma multiplicação dos estudos sobre o tema da cidadania, envidando-se um grande esforço analítico para enriquecer a abordagem conceitual da noção de cidadania. Em recente trabalho, Janoski (1998) destaca três vertentes teóricas que se ocupam de fenômenos relacionados à cidadania, quais sejam a teoria de Marshall acerca dos direitos de cidadania; a abordagem de Tocqueville/Durkheim a respeito da cultura cívica; e a teoria marxista/gramsciana acerca da sociedade civil.

O conceito de cidadania, enquanto direito a ter direitos, foi abordado de variadas perspectivas. Entre elas, tomou-se clássica, como referência, a concepção de Thomas H; Marshall, que, em 1949, propôs a primeira teoria sociológica de cidadania ao desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão. Centrado na realidade britânica da época, em especial no conflito frontal entre capitalismo e igualdade, Marshall estabeleceu uma tipologia dos direitos de cidadania. Seriam os direitos civis, conquistados no século XVIII, os direitos políticos, alcançados no século XIX - ambos chamados direitos de primeira geração - e os direitos sociais, conquistados no século XX chamados direitos de segunda geração (Marshall 1967, Vieira. 1997).

Posteriormente, autores diversos analisaram suas realidades nacionais valendo-se desta concepção, à qual acrescentaram nuances teóricas, come se vê: em Reinhard Bendix (1964),que enfocou a ampliação da cidadania às classes trabalhadoras, por meio dos direitos de associação, educação e voto, bem como em Turner (1986),que, voltando sua atenção para a teoria do conflito, considera os movimentos sociais como força dinâmica necessária ao desenvolvimento dos direitos de cidadania.

Para as teorias durkheimianas, a cidadania não se restringe àquela sancionada por lei e tem na virtude cívica outro aspecto capital. Em decorrência desta concepção, abre-se espaço para que,na esfera pública, grupos voluntários, privados e sem fins lucrativos, formem a assim denominada sociedade civil.

As teorias marxistas, por sua vez, enfatizam a reconstituição da sociedade civil - idéia primeiramente ventilada por Hegel, retomada por Marx e significativamente revisitada por Gramsci em 1920. Na realidade, pode-se afirmar que Gramsci opera uma mudança paradigmática com sua visão tripartite Estado-mercado-sociedade civil, uma vez que, para Marx e Hegel, a noção de sociedade civil abrangia todas as organizações e atividades fora do Estado, inclusive as atividades econômicas das empresas.

A atual referência à sociedade civil traz o viés gramsciano de proteção contra os abusos estatais e do mercado. Esta terceira vertente teórica pode ser compreendida como uma intermediação entre o enfoque estatal adotado por Marshall e o enfoque da virtude cívica centrada na sociedade, característico das teorias durkheimianas.

Com o fito de melhor compreender a cidadania, contudo, vale lançar mão de elementos de outras linhas teóricas.

Para definir a cidadania

Não obstante constituir a língua franca da socialização, a reivindicação de diversos movimentos sociais e mesmo palavra reiteradamente repetida em discursos, a cidadania não constitui idéia central nas ciências sociais. Buscando os atributos do termo, Janoski agrupa as perspectivas encontradas em diversos dicionários - considerando esta última mais própria a uma possível reconstrução de uma teoria da cidadania:

Cidadania é a pertença passiva e ativa de indivíduos em um Estado-nação com certos direitos e obrigações universais em um específico nível de igualdade (Janoski, 1998).

Por pertença a um Estado-nação entende-se o estabelecimento de uma personalidade em um território geográfico. Historicamente, a cidadania foi concedida a restritos grupos de elite - homens ricos de Atenas e barões ingleses do século XIII - e posteriormente estendida a uma grande porção dos residentes de um país. Há, assim duas possibilidades de pertença: a interna, que pauta o modo pelo qual um não-cidadão nos limites do Estado - grupos estigmatizados por etnia, raça, gênero, classe, entre outros - adquire direitos e reconhecimento como cidadão; e a externa, que estabelece como estrangeiros fora do território nacional obtêm entrada e naturalização de forma a conquistar a cidadania.

Quanto ao segundo elemento de definição - a distinção entre direitos e deveres ativos e passivos -, pode-se dizer que a cidadania é constituída tanto por direitos passivos de existência, legalmente limitados, como por direitos ativos que propiciam a capacidade presente e futura de influenciar o poder político.

A terceira idéia-força da definição exclui o caráter informal ou particularista dos direitos de cidadania, que necessariamente devem ser direitos universais promulgados em lei e garantidos a todos. Pessoas e coletividades podem possuir seus próprios imperativos morais, costumes ou mesmo direitos específicos, mas estes só se tornarão direitos de cidadania se forem universalmente aplicados e garantidos pelo Estado.

O quarto elemento da definição – a distinção entre direitos e deveres ativos e passivos -, pode-se dizer que a cidadania é uma afirmação de igualdade, equilibrando-se direitos e deveres dentro de certos limites. A igualdade é forma, garantindo a possibilidade de acesso aos tribunais, legislaturas e burocracias. Não se trata de igualdade completa, mas em geral garante-se aumento nos direitos dos subordinados em relação às elites dominantes.

A definição de cidadania fornecida pelas ciências sociais, conforme explicitada acima, difere das demais, seja por não se restringir ao processo de naturalização, como as definições legais, por exemplo, seja por não se esforçar em definir o que seja um ‘bom cidadão’. É assim que Somers rejeita a cidadania como status e propõe sua definição como ‘processo’, constituído por uma rede de relações e idiomas políticos que acentuam a pertença e os direitos e deveres universais em uma comunidade nacional (Somers, 1993).

Por sua vez, considera a cidadania como um conjunto de práticas políticas, econômicas, jurídicas e culturais que definem uma pessoa como membro competente da sociedade. No entanto, a inclusão do elemento 'competência’ no conceito é passível de críticas, uma vez que se podem encontrar no seio de uma sociedade cidadãos que não se acham em condições de exercer direitos políticos, e nem por isso perdem direitos civis ou sociais, como é o caso dos portadores de deficiências mentais ou das pessoas em como, por exemplo (Janoski, 1998).

Os direitos e as obrigações de cidadania existem, portanto, quando o Estado valida as normas de cidadania e adota medidas para implementa-las. Nesta visão, os processos de cidadania – lutas por poder entre grupos e classes – não são necessariamente direitos de cidadania, mas constituem variáveis independentes para sua formação. Em outras palavras, tais processos seriam partes constitutivas da teoria, mas não do conceito definidor de cidadania.

Sociedade civil e cidadania

A cidadania concerne, desse modo, à relação entre Estado e cidadão, especialmente no tocante a direitos e obrigações. Teorias acerca da sociedade civil, preocupadas com as instituições mediadoras entre o cidadão e o Estado, adicionam à compreensão dessa relação uma gama mais variada de possibilidades. É importante observar, contudo, que assim como a cidadania, a noção de sociedade civil nunca foi uma idéia central nas ciências sociais.

Foram principalmente as construções teóricas de Habermas (especo público) e de Cohen e Arato (reconstrução da sociedade civil) – proporcionando a interação de quatro esferas da sociedade: a esfera privada, a do mercado, a pública e a estatal – que permitiram a conexão entre os conceitos de sociedade civil e cidadania.

No entanto, da mesma maneira que o termo ‘cidadania’, também ‘sociedade civil’ constitui alvo de discussão. Também aqui poderíamos isolar tr^}es perspectivas principais. Para a teoria marxista, sociedade civil constituiria uma esfera não-estatal de influência que emerge do capitalismo e da industrialização; Por sua vez, a definição normativa leva em conta o desenvolvimento de efetiva proteção dos cidadãos contra abusos de direitos. Já a visão das ciências sociais enfatiza a interação entre grupos voluntários na esfera não-estatal, conforme a definição abaixo:

Sociedade civil representa uma esfera de discurso público dinâmico e participativo entre o Estado, a esfera pública composta de organizações voluntárias, e a esfera do mercado referente a empresas privadas e sindicatos[1].

Constata-se que cidadania e sociedade civil são noções diferentes: ao passo que a primeira é reforçada pelo Estado, a última abrange os grupos em harmonia ou conflito, mas ambas são empiricamente contingentes. A sociedade civil cria grupos e pressiona em direção a determinadas opções políticas, produzindo, conseqüentemente, estruturas institucionais que favorecem a cidadania. Uma sociedade civil fraca, por outro lado, será normalmente dominada pelas esferas do Estado ou do mercado. Além disso, a sociedade civil consiste primordialmente na esfera pública, onde associações e organizações se engajam em debates, de forma que a maior parte das lutas pela cidadania são realizadas em seu âmbito per meio dos interesses dos grupos sociais, embora - cabe a ressalva - a sociedade civil não possa constituir o lotus dos direitos de cidadania, por não se tratar da esfera estatal, que assegura proteção oficial mediante sanções legais.

Na busca da relação entre cidadania e sociedade civil[2], a integração entre a teoria política e um viés mais empírico se torna impositiva. Para tal, é preciso avaliar a comparar as teorias política com tipos particulares de regimes, isto é, a teoria liberal com os regimes liberais, o comunitarismo com os regimes tradicionais e a teoria da democracia extensiva com os regimes de social-democracia. Para melhor compreensão das distinções entre tais regimes, importa considerar os direitos e as obrigações do cidadão em cada circunstância (Janoski, 1998).


[1] Janoski (1998). Para a discussão do conceito de sociedade civil, consultar nosso livro Cidadania e globalização (Vieira, 1997).

[2] Consultar mais adiante o Capítulo 2.

 
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