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Violações dos Direitos Econômicos: Um Roteiro das Obrigações do Estados - e suas Falhas!

No capítulo 1 definimos a violação de um direito humano específico como um ato ou uma omissão por parte do Estado ou comunidade dos Estados, rompendo uma obrigação que lhe caberia em relação a este direito.  Levamos em conta as obrigações de respeitar, proteger e garantir.  Neste capítulo, daremos exemplos de algumas das mais flagrantes violações do direito a alimentar-se.

Em cada uma dessas categorias devemos distinguir entre as obrigações internas e as internacionais relativas ao direito a alimentar-se.  De maneira geral, isto quer dizer:  

As obrigações internas são obrigações do Estado relacionadas com as pessoas no interior de suas fronteiras, enquanto as obrigações internacionais se referem às pessoas em países estrangeiros.  

Começaremos por considerar as obrigações internas.  Adiante, vamos considerar as obrigações internacionais.  

As cláusulas dos direitos humanos da não discriminação e da sustentabilidade devem sempre ser consideradas.  O acesso à alimentação das gerações futuras deve ser respeitado, protegido e garantido, no mesmo plano de igualdade que o das gerações atuais.  

Esta cláusula tem consideráveis conseqüências para as medidas políticas econômicas, conseqüências que vão muito além de uma "maquiagem de sustentabilidade".  

2.1       Violação da Obrigação de Respeitar  

Uma classe importante de violações do direito alimentar-se são os atos dos Estados impedindo que pessoas ou grupos tenham acesso à alimentação, conduzindo-os à fome e desnutrição.  Acesso à alimentação significa geralmente, acesso aos recursos e às possibilidades de produção de alimentos: terras agricultáveis ou pastagens, florestas, zonas de pesca, mas também aos mercados, ou ao trabalho.  Sem uma compensação apropriada, as medidas de destruição ao acesso, implicam numa destruição dos meios de existência para indivíduos ou grupos vulneráveis.

2.1.1 Expulsão de terras praticada pelo Estado

A expulsão ou o confisco de terras praticado pelo Estado, sem indenização ou reassentamento, é uma das mais evidentes violações do direito a alimentar-se, sofridas por povos indígenas, camponeses e trabalhadores rurais, que dependem da terra para sua subsistência.  Esta expulsão está geralmente ligada a projetos governamentais corno os grandes projetos de desenvolvimento, mas também à requisição de terras para uso militar (campos de tiro), construção de estradas e outras obras públicas.

Em algumas situações - especialmente as que envolvem' povos indígenas - o reassentamento e indenização são impossíveis mesmo em teoria, pois a ligação das comunidades com a terra é muito grande.  Em outras situações, as compensações apropriadas podem ser feitas em teoria, mas extremamente improváveis de serem realizadas na prática.  Expulsar as populações nessas condições é uma violação do direito a alimentar-se, se' em conseqüência, as vítimas são ameaçadas pela fome e desnutrição.  Nesses casos, o Estado tira o acesso à alimentação, ao apropriar-se dos meios de produção dos alimentos - geralmente terras para agricultura, para a@ produção florestal, pecuária, ou zonas e Desca.  

Exemplo 

a) Expulsão de camponeses: Los Cimientos, Chajul, Quiché, Guatemaia, 1994

  Mais de 80% da população rural da Guatemala sofre de desnutrição.  Para estes camponeses, o acesso à terra é fundamental.  O sofrimento das 130famílias camponesas Maya-Quiché da comunidade de Los Cimientos, começou em 1981, com a invasão militar que assassinou vários camponeses.  Os militares disseram que se as famílias não deixassem suas terras, seriam bombardeadas.  Um ano mais tarde, os militares voltaram e as expulsaram.  As famílias foram divididas em grupos e deportadas para "povoaçoes modelo ", onde eram obrigadas a trabalhar como escravas para os proprietários das terras da região.  Um dos grupos conseguiu guardar seus títulos de propriedade das terras. Desde 1985, os camponeses de Los Cimientos estão lutando para recuperar as terras por meios legais.  Em abril de 1989, o presidente ordenou aos militares que garantissem a segurança dos camponeses, e reconheceu os títulos de propriedade das terras.  Porém, isto não impediu os militares de instalar sua base na área e entregar o resto das terras a 50 colonos.  Estes ameaçaram matar os Maya-Quiché se eles retomassem.  Em 1992, os títulos de propriedade das terras dos Maya-Quiché foram novamente reconhecidos, mas os militares se recusam a deixar a região.

Exemplo b)

A expulsão dos nômades: os Barabaig, Tanzânia, 1993

Em 1969, a Corporação Nacional da Tanzânia para a Agricultura e Alimentação (IVAFCO), com financiamento da organização para-estatal do Canadá para o desenvolvimento (CIDA), deu início ao cultivo extensivo do trigo "estilo Canadense", em enormes áreas e com máquinas importadas.  Para este projeto, foram expropriados 4.600 hectares da terra mais fértil, pertencente ao povo nômade Barabaig, indispensável para o sistema de pastoreio.  De acordo com lei aprovada em 1963 e 1973, a expropriação por interesse público só é possível se existirem programas de ressarcimento e reassentamento dos antigos proprietários.  Este não foi o caso dos Barabaig.  Além da falta de uma compensação adequada, o direito do acesso à água e o direito de passagem dos Barabaig por suas próprias terras foram violados.  Em junho de 1989, o Primeiro-Ministro Warioba assinou um decreto dizendo que os Barabaig nunca tinham sido proprietários das terras, contrariando seu direito consuetudinário, afirmado na constituição.  Em novembro de 1992, foi aprovada uma lei que abolia, retrospectivamente até 1970, todos os direitos consuetudinários e legalizava a expropriação.  Esta lei tira dos Barabaig o direito à terra e os meios de subsistência para muitos outros grupos étnicos juntamente com suas terras.

Em anos recentes têm sido cada vez mais numerosas as notícias de ameaças, estupros e prisões arbitrárias cometidos contra os Barabaigpela NAFCO.  Os Barabaig apelaram para a opinião pública internacional para defender seu direito à alimentar-se.  

2.1.2            Estados que bloqueiam o transporte de alimentos para uma área vulnerável  

Se o acesso ao alimento para grupos específicos é feito através do comércio e do transporte, o bloqueio do transporte do alimento é urna violação ao direito de alimentar-se, se a conseqüência for a fome e a desnutrição  

2.1.3            Estados que tomam medidas políticas econômicas que pn'vam as pessoas do acesso ao alimento  

Uma política do Estado que afeta o comércio, os preços, 'etc., de maneira que priva as pessoas do acesso ao alimento, deve ser considerada também uma violação de um direito humano.  Isto pode acontecer em políticas econômicas específicas, tais como políticas de preços ou subsídios, que de liberadamente atingem um setor específico, como a agricultura familiar, em uma situação que pode levar os camponeses à fome e à desnutrição.  Não devem ser adotadas políticas de "ajuste" estrutural, ou mudanças estruturais, se não forem tomadas medidas apropriadas para garantir o nível existencial das vítimas dessas mudanças.

Não devem ser tomadas medidas que destruam o acesso ao alimento das futuras gerações de setores hoje já pobres.  

2.2         Violação da Obrigação de Proteger

Grande parte do trabalho com direitos humanos se refere às violações destes direitos, quando Estados violam sua obrigação de respeitar.  Estes são temas que têm grande repercussão.  Mas uma falta de interesse para enfrentar outras violações de direitos humanos como questões igualmente importantes, desconsidera o verdadeiro papel dos direitos humanos, que é o de proteger contra a opressao do Estado.

No caso das obrigações de proteger, não é mais o próprio Estado que é o agente da privação, mas um terceiro que tenta privar uma pessoa ou um grupo de seu nível existencial.  A obrigação do Estado, neste caso, é a de proteger.  Por certo, não é tão fácil, nem imediatamente realizável, como manter uma obrigação de respeitar.

Com freqüência, se vê claramente, que o governo não faz aquilo que poderia e deveria fazer - e que as autoridades são coniventes com os agentes da privação. Não legislar sobre este efeito, e falhar na aplicação da legislação existente para a proteção das prováveis vítimas, são violações freqüentes da obrigação de respeitar.  

Um ato de privação cometido por um terceiro, não constitui necessariamente uma violação dos direitos humanos.  Este ato é simplesmente ilegal - se existem leis respectivas, como normalmente acontece - ou, em outros casos, pode ser chamado de crime contra os direitos humanos.  As obrigações legais em relação aos direitos humanos correspondem unicamente aos Estados e, portanto, somente os Estados podem violar os direitos humanos.  

Estender retoricamente a terminologia das violações de direitos a terceiros, como algumas vezes se faz, reduz o aspecto legal dos direitos humanos a uma condenação moral e amplia seu campo, permitindo que o Estado fuja de suas responsabilidades. 

2.2.1          O Estado é conivente ou não protege em caso de privação ou destruição dos meios de produção dos alimentos.  

Exemplo c)

Privação da terra dos povos indígenas: ARCO, Block 10, Equador, 1993.

Para os povos indígenas, a terra significa a vida.  Um dos principais mecanismos de expulsão de terras indígenas na América Latina, é a recusa de dar títulos coletivos de propriedade da terra às comunidades indígenas.  Sem eles, os povos indígenas não têm proteção legal para suas terras e para seu sustento.  Porém, muitas dessas comunidades que conseguiram, depois de muita luta, obter os títulos, sofrem ainda hoje a privação das terras.- depois de uma marcha espetacular de 600 quilômetros até Quito, emjunho de 1992, as comunidades indígenas da Província de Pastaza, na Amazônia equatoriana, obtiveram, finalmente, os títulos de propriedade de suas terras tradicionais.  Pouco tempo depois, a transnacional norte-americana ARCO, invadiu as terras procurando petróleo.  Muitas comunidades foram duramente afetadas.  Segundo informações, a ARCO realizou 13. 000 explosões durante 18 meses.  Esia é apenas uma amostra do que aconteceu à vida selvagens e à floresta tropical das quais dependem as comunidades indígenas.  Antes, as comunidades indígenas precisavam dê? apenas um dia de caça e coleta para reunir os suprimentos necessários para uma ou duas semanas. Hoje, porém, a fome, a desnutrição e as doenças estão disseminadas nas comunidades.  Ao mesmo tempo, a totalidade da área está sendo cada vez mais militarizada. A FIAN realizou uma campanha dirigida ao governo equatoriano para lembrá-lo de suas obrigações de proteger.  Houve uma resposta às cartas enviadas ao governo equatoriano, mas provinha da ARCO, nos Estados Unidos.

Exemplo d)

Privação das terras de camponeses em conivência com as autoridades: Uauá, Bahia, Brasil, 1991.

13 7 famílias de camponeses pobres foram ameaçadas de perder 3.500 hectares de terras de pastagem comunitária, em Carro Quebrado, perto de Uauá, no norte da Bahia.  Esta é a única área que as famílias possuem para alimentar suas ovelhas e cabras.  Nesta região árida a agricultura é impossível, e a pastagem comunitária é essencial para essas famílias se alimentarem.

O latifundiário, que é também prefeito de Uauá, se apossou de grande parte da pastagem e construiu uma cerca ao redor.  Os camponeses, tendo a lei ao seu lado, romperam a cerca: 16 deles foram processados judicialmente, o que provocou a solidariedade dos restantes.  Ao mesmo tempo, homens armados começaram a ,hostilizar os camponeses, que foram perseguidos e

ameaçados de morte.

Lamentavelmente, situações como esta são comuns no Brasil.  As autoridades locais que violam o direito a alimentar-se, estão em geral, estreitamente ligadas - ou, como neste caso, sao idênticas - aos proprietários locais.

Os camponeses recorreram à ajuda internacional e com a intervenção da FIAN conseguiram manter seus direitos.

Exemplo e)

Privação e destruição de zonas pesqueiras pela pesca industrial predatória, índia, Brasil,1994

Devido ao esgotamento das zonas pesqueiras do Norte, as frotas de pesca com alta tecnologia, pertencentes aos países industrializados, procuram cada vez mais, novas zonas de pesca no SuL O governo da índia vendeu licenças de pesca para suas águas a um grande número de barcos estrangeiros.  Desse modo, os pescadores artesanais indianos tiveram que enfrentar competidores com alta tecnologia e sem o menor interesse pela preservação das zonas pesqueiras.  Contra esta situação, foi criada uma coalizão dos pescadores artesanais indianos para realizar uma greve geral em novembro de 1994, e tentar reverter a decisão do governo que havia se negado a proteger o direito dos pescadores a alimentar-se.

Os direitos humanos econômicos não implicam necessariamente "protecionismo".  A competição estrangeira não conduz necessariamente à destruição dos recursos vitais.  No entanto, se isto acontece, as vítimas podem invocar a obrigação de proteger do Estado.

Na região do estuário do Rio Amazonas, é iminente a destruição dos recursos vitais para o sustento de 400. 000 pescadores na ilha de Marajó.  Para estas pessoas, isto significaria fome e desnutrição.  A tragédia é causada pela pesca industria predatória de companhias brasileiras que se especializam em um peixe, “piramatuba”. e no camarão. Elas usam redes de "arrasto " que recolhem todos os peixes e destroem suas áreas de reprodução.  Estima-se que depois da pesca, o desperdício de peixes de outras espécies é de sete quilos por cada quilo de camarão, e de quatro quilos por cada quilo de piramatuba.  O peixe que é rejeitado anualmente pela pesca industrial, equivale a um ano de pesca para os pescadores artesanais.  A pesca artesanal vai desaparecendo e a desnutrição aumenta.  A Assembléia Legislativa do Pará aprovou uma lei (lei estadual 17,24.01.94) que proíbe a pesca industrial em algumas áreas costeiras.  Contudo, a lei jamais foi aplicada corretamente e por isto, o Estado faltou com suas obrigações de proteção.

2.3         Violação da  Obrigação de Garantir

Garantir o acesso à alimentação àqueles que dela estão privados significa para o Estado, apoiá-los, nos seus esforços para alimentar-se.  Esta obrigação tem sido falsamente reduzida à idéia de transferir alimento ou dinheiro.  As obrigações de garantir formam um grupo coerente que inclui os seguintes componentes: primeiramente, o Estado deve identificar, no âmbito de sua jurisdição, as pessoas ou grupos carentes.  Isto significa que deve estar aberto às reivindicações das pessoas marginalizadas, e à sua participação no monitoramento da situação.

Em segundo lugar, o Estado deve ter uma Política de Segurança Econômica, que é uma combinação razoável de políticas econômicas e sociais com prazos determinados para superar a vulnerabilidade de grupos carentes.  Um desses grupos poderá ser o das futuras gerações dos setores hoje já pobres, a menos que seu acesso ao alimento seja garantido.

Em terceiro lugar, o Estado deve manter um Sistema de Recursos e Capacitação, para que cada pessoa tenha condições de satisfazer suas necessidades de alimento que, do contrário não. poderiam ser satisfeitas, fazendo uso de programas, em um dos seguintes níveis:

- Programas de recursos:

Transferência dos meios de produção de alimentos terra em um programa de reforma agrária, ou outros meios como o trabalho autônomo, a capacitação e a educação;

- Programas de emprego:

Abrir possibilidades de emprego, tais como em programas de garantia de emprego;

- Programas de alimentos ou dinheiro para os alimentos:

assegurar o alimento suficiente ou dinheiro às pessoas vulneráreis, que não podem beneficiar-se com os Programas de recursos ou de emprego - crianças, idosos, doentes, alguns desempregados, ou vítimas de calamidades naturais.

Estes programas não precisam ser necessariamente programas públicos.  A ajuda familiar, a cooperação informal da vizinhança, as organizações privadas, etc, formariam a combinação cultural específica do Sistema de Recursos e Capacitação.  O Estado poderia, no entanto, proporcionar um quadro político favorável à sua realização.  De qualquer maneira, o Estado tem a obrigação de intervir como um provedor, quando e onde o sistema informal fracassa.  Em conjunto, o Estado deve assegurar que o Sistema atinja todas as pessoas carentes, isto é, o Sistema de Recursos e Capacitação deve ser "completo": cada pessoa carente deve ser capaz de encontrar um lugar nesse Sistema para satisfazer sua necessidade de alimentos.  Além disso, manter as pessoas em programas de alimento e dinheiro, mesmo quando existem para elas programas de recursos ou emprego, não está de acordo com o direito a alimentar-se, que requer a implementação do direito ao trabalho, e a promoção da iniciativa e a participação das próprias pessoas.

Vários desses elementos das políticas e programas existem em uma grande quantidade de Estados.  Contudo, obrigações de garantir dos Estados não devem ser consideradas "atos de caridade": são uma questão de direito.  O Estado deve considerar estas obrigações como a mais alta prioridade, empregando todos os meios disponíveis para sua implementação.

Portanto, as violações das obrigações de garantir incluem o seguinte:

2.3.1         Ignorar Grupos Vulneráveis, Falta de Monitoramento

Se um Estado ignora a privação de certos grupos, embora possa ter conhecimento da situação, e se não atende às suas reivindicações, não se pode ser assumido que este Estado tem o compromisso de garantir as suas necessidades básicas.  Esta falta de compromisso deve ser considerada como uma violação ao direito de alimentar-se.

Exemplo f)

Monitoramento de Chiapas, México, dezembro de 1993

Em dezembro de 1993, a FIAN apresentou ao governo do México, na presença do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, um relatório detalhado com as reivindicações das ONGs mexicanas relativas à falta de monitoramento do Estado sobre o Sistema de Capacitação e seus efeitos sobre a privação dos camponeses indígenas, especialmente nos estados do sul,

como Chiapas.

Na ocasião, o representante do México rejeitou essas acusações de violações do direito a alimentar-se, com o pretexto de que o governo estava bem informado e tinha o controle da situação.  Três semanas depois, o México e o mundo inteiro foram surpreendidos quando os camponeses indígenas de Chiapas pegaram em armas, porque a situação econômica e social tinha se tornado insuportável.

2.3.2       Inadequação da Política de Segurança Econômica

A Política de Segurança Econômica, que tem o objetivo de superar a privação de certos setores da população, torna se inadequada em uma das seguintes situações, as quais devem ser vistas como violações do direito a alimentar-se.

2.3.2.1             Falta de um plano adequado com prazos determinados para superar a privação

A existência de um plano não significa uma "economia dirigida".  Um plano de políticas é simplesmente uma parte integrante de qualquer administração séria.  E deve ser parte integrante de qualquer Política de Segurança Econômica séria.

2.3.2.2             A Política de Segurança Econômica em contradição com a cláusula de sustentabilidade e não discriminação.

O acesso ao alimento adequado deve ser realizado sem discriminação de nível social, propriedade, raça, religião, etc.  Em uma situação onde alguns setores das futuras gerações têm possibilidades de estar privados de alimentos, é necessário resolvê-la imediatamente, pois algumas medidas atuais podem ter um impacto importante no acesso sustentável do alimento das futuras gerações.

Falhas no atendimento a estas questões e na tomada das medidas que são requeridas consistem em violações do direito a alimentar-se.

2.3.2.3                Inexistência ou não aplicação da legislação de salário mínimo.

O trabalho assalariado é um dos principais meios de acesso ao alimento - desde que permita comprar comida suficiente.  Muitos países têm uma lei de salário mínimo estipulando o pagamento de uma quantia mínima necessária para cobrir as necessidade básicas dos trabalhadores.  No entanto, muitas vezes essa legislação não é respeitada.  Algumas vezes, o governo mantém o salário mínimo muito baixo, ou não o ajusta de acordo com a inflação.  As falhas do governo em situações como essas, constituem uma violação da obrigação de garantir, de acordo com o direito a alimentar-se.  Alguns dos meios mais eficazes para a implementação dos salários mínimos freqüentemente mais eficazes que a justiça - são os sindicatos e a liberdade de associação.  

Exemplo g)

Plantações Malacanang e Califórnia, Filipinas, 1988

Os trabalhadores nos canaviais "Malacanang" e "Califórnia", na ilha Negros, nas Filipinas, recebiam somente dois terços do salário mínimo a que tinham direito. O salário mínimo dos canavieiros de Negros dava apenas para compra rpouco mais da metade da cesta básica para uma família de seis pessoas.  Quando os canavieiros entraram em greve, foram despedidos pelos donos dos canaviais.  Dois líderes sindicais foram presos.

2.3.3         Inadequação do Sistema de Recursos e Capacitação

O Sistema de Recursos e Capacitação, cujo objetivo é combater a privação de alguns setores da população, é insuficiente em uma das seguintes situações - sendo, portanto, violações do direito a alimentar-se:

2.3.3.1      Em uma situação onde a reforma agrária é a únicaforma de       implementar o direito

 a alimentar-se para os sem-terra,  a       recusa em realizar a reforma, ou as irregularidades

nos programas de reforma agrária existentes, são uma violação do direito a alimentar-se.

2.3.3.2 Uma grande irregularidade em um Programa de emprego - seja trabalho autônomo ou assalariado - ou a falta desses Programas (a menos que seja justificada pela ausência de meios disponíveis), é uma violação do direito a alimentar-se.

2.3.3.3 A recusa em transferir alimento ou dinheiro às pessoas que estão impossibilitadas de alimentar-se ou em situação de emergência.

É geralmente a família ou outras comunidades que se encarregam de alimentar as crianças, idosos, ou desempregados.  Em casos em que estas comunidades não possam se encarregar desta tarefa, a comunidade nacional, ou eventualmente a internacional, são obrigadas a providenciar o alimento para evitar a fome e a desnutrição.  Isto vale também para outros grupos vulneráveis em situações de escassez de alimento ou outras situações de emergência.  A recusa em resolver estas situações é uma violação do direito a alimentar-se.

Exemplo h)

Sultan Kudarat.  Filipinas, 1993 (conforme item 3.1.2, abaixo)

2.4       Violação das Obrigações Internacionais

As obrigações internas de um Estado estão diretamente relacionadas com o processo econômico nacional.  Contudo, com o crescente alcance da economia global, as obrigações internacionais tomaram-se cada vez mais importantes.

Um dos problemas mais sérios em relação aos direitos humanos econômicos são as limitações das medidas internas dos Estados para proteger e garantir o acesso de seus cidadãos ao alimento, uma vez que os agentes e políticas econômicas internacionais estão além do controle dos respectivos Estados. É preciso levar em consideração a crise da dívida, os programas de ajuste estrutural e os acordos internacionais de comércio, dominados pelos ricos e que se efetuam em detrimento dos pobres e das futuras gerações.  Desta cónstatação resultam mais obrigações internacionais que obrigações internas.  As pessoas que tomam as decisões, no Norte e no Sul, se acusam umas às outras pela sombria situação do mundo dos pobres: o Norte joga a culpa sobre o Sul pelos seus erros internos, enquanto o Sul acusa o Norte pela desordem econômica mundial e, particularmente pela crise da dívida. É preciso, portanto, ser claro a respeito das obrigações internacionais e sua relação com as obrigações internas.  Aqui apresentamos algumas propostas em relação às obrigações internacionais.

As instituições intergovemamentais podem, ou não ser mediadoras das obrigações internacionais.  Em nível multilateral, cada Estado é obrigado a aderir às suas obrigações nas suas próprias tomadas de decisões nas juntas intergovemamentais destas instituições.  Por isso, a tomada de decisões deve ser transparente.  Além disso, as próprias instituições, como qualquer autoridade estatal, devem ser responsáveis em relação aos direitos humanos.  Dessa maneira, a responsabilidade legal dos Estados junto aos fóruns de direitos humanos, nacionais e internacionais, deve ser complementada com a responsabilidade legal das instituições intergovemarnentais, em escala internacional.

Em conseqüência, tudo o que for dito sobre as obrigações internacionais dos Estados, valerá também para

obrigações das instituições intergovernamentais  internacionais.

2.4.1         Violação da obrigação internacional de respeitar

As obrigações internas de respeitar proíbem qualquer ato do Estado que priva as pessoas, sob sua jurisdição, do acesso ao alimento, enquanto que a obrigação intemacional de respeitar proíbe atos que privam as pessoas que s encontram em países estrangeiros.  As obrigações internacionais de respeitar são facilmente identificáveis um ato de um Estado não deve jamais destruir o acesso a alimento de um cidadão estrangeiro.  Esta obrigação inclui políticas como o dumping das exportações agrícola subsidiadas em um mercado estrangeiro, quando este destrói o acesso ao alimento a grupos vulneráveis Obviamente, um Estado ou instituição internacional deve respeitar os meios de subsistência dos povos indígenas, camponeses, pescadores artesanais e lavradores de um país estrangeiro afetado por um projeto econômico governamental na escala internacional.

Exemplo i)

Deslocamentos de populações por projetos do Banco Mundial sem reassentamento e ressarcimento apropiados, 1986-1993

Em 8 de abril de abril de 1994, o Banco Mundial, devido à pressão internacional das ONGS, publicou o relatório Cernea sobre "Deslocamentos Involuntários de 1986 a 1993 "fazendo um inventário sobre 142 projetos atualmente co-financiados pelo Banco Mundial Estes projetos, a maior parte deles na área da indústria energética, estio levando à expulsão de 2,5 milhões de pessoas, a maioria das quais não tem garantido nem o reassentamento nem o ressarcimento apropriados.

No dia 13 de agosto, ainda sem esperar a chegada da Junta de Diretores Executivos para discutir o relatório, o Banco Mundial concordou em co-financiar a represa Xiaolangdi, na China, o que deverá provocar a expulsão de 180 milpessoas.  A Junta dos Diretores Executivos cujos integrantes são delegados dos diferentes Estados-membro do Banco, é a direção política do Banco Mundial. (cfr. também itens 3.1.6 e 3.4)

Exemplo j)

Destruição dos meios de subsistência pelo dumping da carne bovina da Comunidade Européia (CE), Burkina Faso, 1993.

Para os pequenos produtores vulneráveis que dependem do mercado para sobreviver dignamente, a perda do acesso a este mercado significa aperda do acesso aos meios de subsistência.  No passado, acreditava-se que as pessoas deslocadas de um mercado, podiam facilmente encontrar uma nova forma de ganhar a vida.  Em um "mundo cheio ", isso já não é verdade.  O deslocamento do mercado era justificado pela racionalidade econômica, segundo a qual "o ganho para a sociedade ", em utilidade, iria superar os custos daqueles que perderam o acesso ao mercado.  No entanto, este argumento não considera que:

A "sociedade" nem sempre encontra formas de compensar aqueles que suportaram o custo da reestruturação do mercado, contentando-se unicamente em consumir os benefícios.  O próprio argumento d 66 ganho para a sociedade" é invalidado, se reestruturação do mercado não estiver baseada no verdadeiros custos da produção, mas no "dumping" Se este dumping é realizado através de subsídio estatais, que destroem o sustento de pequeno produtores vulneráveis, isto deve ser considerado um violação contra o direito a alimentar-se.

No âmbito do comércio agrícola internacional, ta dumping dos excedentes agrícolas do Norte nos mercado do Sul, deslocando os produtores vulneráveis do Sul ' viola o direito a alimentar-se.  Nos Estados do Sahel - Burkina Faso, Mali e Niger - cerca de quatro milhões de pessoas vivem da criação do gado e de seu comércio com agricultores do sul, ou nas cidades.  Este grupo nômade é extremamente vulnerável e sua expectativa de vida está abaixo dos 50 anos.  As tribos nômades dependem, para sua sobrevivência, do funcionamento do comércio de gado e carne bovina.  Em um espaço de poucos anos, porém, seu mercado foi destruido.  De 1984 a 1990, a Comunidade Européia (CE) aumentou sua participação no mercado de carne bovina da África Ocidental, de 18 a 44%, vendendo mais barato que os produtores locais devido aos subsídios da CE.  Na Costa do Marfim, por exemplo, a carne da África Ocidental era vendida, em 1991, por US$ 2,75 o quilo, enquanto a carne congelada da CE, deveria ser vendida a US$ 3,75 o quilo, para que os produtores europeus pudessem cobrir apenas os seus custos.  No entanto, graças aos subsídios de exportação da CE, a carne congelada inundou o mercado ao preço US$ 2, ]O o quilo, enquanto muitos produtores nômades foram incapazes de vender o seu gado e perderam assim seu sustento.  Sua vulnerabilidade converteu-se em privação por uma violação internacional do direito a alimentar-se.

Para que o ato de privação ocorresse foram necessários os subsídios da CE.  Portanto a CE estava envolvida não somente em uma violação da obrigação de proteger - como teria sido o caso se estivesse apenas conivente com a atitude dos produtores de carne europeus ou se os tivesse favorecido através de uma política de não intervenção. Neste caso, foi violada uma obrigação de respeitar, pois', são medidas da própria CE que privam os nômades do Sahel do acesso ao alimento.

Depois de uma campanha desenvolvida por numerosas ONGs na África ocidental e Europa, incluindo a FIAN, a CE reduziu consideravelmente os subsídios ao dumpi . ng da carne e com isso melhorou a situação dos nômades.  No entanto, estes subsídios europeus foram de fato transferidos para o dumping da carne da Europa oriental.

2.4.2         Violações da obrigação internacional de proteger

A obrigação internacional de proteger se reporta à proteção do acesso ao alimento de pessoas que habitam um país estrangeiro.

A obrigação internacional de proteger deve complementar as obrigações nacionais do governo em favor dos cidadãos lesados.  A responsabilidade primária, em muitos casos, é do respectivo governo dos cidadãos.  Contudo, há algumas situações, onde as obrigações internacionais do Estado estrangeiro são muito mais importantes - por exemplo, quando o cidadão vive em um país estrangeiro.

Um caso semelhante ocorre se o agente privador.  Dor exemplo uma corporação transnacional, tem sua  sede  central em um país estrangeiro ou é cidadão de um pais estrangeiro.  Então, este país tem a obrigação de intervir

em qualquer atividade externa equivalente a um crime contra os direitos humanos.  Todo Estado que procura se esquivar da obrigação de proteger, viola os direitos humanos.

Exemplo k)

Destruição da agricultura camponesa pelo consórcio internacional de minas "Minera Yanacocha", Peru, 1993.

As terras de um grande número de camponeses da Província de Cajamarca, no Peru, foram destruídas pelo consórcio internacional de minas de ouro "Minera Yanacocha S.A. ", que envolve corporações dos Estados Unidos, França e Peru.  Suas atividades são financiadas pelo IFC, afiliado ao Banco Mundial, e pela para-estatal Corporação Alemã para o Desenvolvimento (DEG).  Os camponeses foram deslocados por meio de procedimentos duvidosos.  O ouro é extraído através de cianeto a céu aberto, destruindo assim o melhor solo agricultável e ameaçando o lençol freático.  Os camponeses perderam o seu sustento.  A mineração com cianeto não seria possível no quadro legal da Alemanha.  A cooperação de uma agência governamental alemã com uma atividade considerada ilegal na própria Alemanha, deve ser considerada como uma violação da obrigação internacional de respeitar.  Além disso, os governos da França e dos Estados Unidos, como Estados de origem dos agentes privadores, têm a obrigação de proteger, independentemente das medidas tomadas ou omitidas pelas autoridades peruanas.

Uma situação semelhante ocorre com as atividades da corporação petrolífera ARCO no Equador, mencionadas no Exemplo c), 2.2. 1. Os Estados Unidos têm a obrigação de proteger e não podem se esquivar da responsabilidade pelas atividades desta corporação norte-americana com o governo equatoriano. Ê significativo, o fato de governo equatoriano não ter sequer respondido à demanda internacional para cumprir sua obrigação de proteger, mas ter enviado as cartas à direção da ARCO, nos Estados Unidos.

2.4.3. Obrigação Internacional de Garantir

A primeira responsabilidade da obrigação de garantir é com o governo dos respectivos cidadãos.  Existe, porém, uma obrigação internacional subsidiária de garantir para cada Estado, através da qual ele deve cooperar bilateralmente ou em instituições internacionais específicas.  Em primeiro lugar, isto se refere às instituições que implementam Políticas de Segurança Econômica globais centradas na realização do direito a alimentar-se de pessoas ou grupos carentes, no mundo inteiro.  Ern segundo lugar, isto significa que o comércio internacional, as finanças, etc., devem estar submetidos aos direitos humanos econômicos.  Em terceiro lugar, isto se refere ao fato de que instituições intergovernamentais devern complementar os Sistemas de Recursos e Capacitação nacionais de uma forma eqüitativa.

 

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