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A Área de Livre comércio das Américas
 

E a Ameaça aos Programas Sociais, à Sustentabilidade Ambiental e à Justiça Social nas Américas

 

Por Maude Barlow

Resumo

 

Atualmente em negociação por 34 países das Américas, a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pretende ser o acordo comercial de maior alcance na história. Embora se fundamente no modelo do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), vai mais longe no seu âmbito e poder. A ALCA, conforme se encontra agora, introduziria no Hemisfério Ocidental todas as disciplinas do acordo de serviços proposto da Organização do Comércio Mundial (OCM) – o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) – com os poderes do fracassado Acordo Multilateral sobre o Investimento (MAI), a fim de criar um novo poço de energia comercial com nova autoridade de alcance geral sobre todos os aspectos da vida no Canadá e nas Américas.

O GATS, atualmente em negociação em Geneva, está incumbido de liberalizar o comércio global de serviços, incluindo todos os programas públicos, e eliminar gradualmente todos os “obstáculos” do governo à competição internacional no setor dos serviços. O Comitê de Negociações Comerciais da ALCA propõe um acordo de serviços semelhante, mesmo ampliado, para o pacto do hemisfério. Propõe também manter, e talvez alargar, as condições estado-investidor do NAFTA, que concede às companhias direitos sem precedents para prosseguirem seus interesses comerciais por meio de tribunais legalmente obrigatórios.

A combinação destes dois poderes em um acordo proporcionará novos e inigualáveis direitos às companhias transnacionais do hemisfério para competirem, e até contestarem, todos os serviços dos seus governos com financiamento público, incluindo assistência médica, educação, segurança social, cultura e proteção do meio ambiente. 

A proposta da ALCA contém também condições sobre políticas de concorrência, contratos públicos, acesso ao mercado e resolução de disputas que, juntas com a inclusão de serviços e investimento, podiam retirar a todos os governos das Américas a capacidade de criar ou manter leis, normas e regulamentos para proteger a saúde, a segurança e o bem-estar dos cidadãos e do meio ambiente que partilham. Parece também que os negociadores da ALCA optaram por tentar seguir o exemplo da OCM em vez do NAFTA em áreas fundamentais de criação de normas e resolução de disputas, onde as normas da OCM são mais firmes. 

Fundamentalmente, o que os negociadores da ALCA fizeram, animados pela grande comunidade empresarial de cada país, é agarrar nos elementos mais ambiciosos de todos contratos comerciais e de investimento mundiais – existentes ou propostos – e os juntar neste pacto do hemisfério publicamente ambicioso.

Mais uma vez, como aconteceu em acordos comerciais anteriores como o NAFTA e a OCM, este acordo de livre comércio não compreenderá salvaguardas em seu contexto para proteger trabalhadores, direitos humanos, segurança social nem normas de saúde e ambientais. Mais uma vez, a sociedade civil e a maioria dos cidadãos que desejam uma espécie diferente de acordo comercial foram excluídos das negociações e serão impedidos de participar nas deliberações na cidade de Quebec em abril de 2001.

Todavia, para os povos das Américas os riscos nunca foram tão elevados: parece inevitável uma confrontação.

 

O que é a ALCA?

A Área de Livre Comércio das Américas é o nome dado ao processo de expansão do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) a todos os restantes países do Hemisfério Ocidental, exceto Cuba. Com uma população de 800 milhões e um PDB combinado de $11trilhões americanos, a ALCA seria a maior zona de livre comércio do mundo. Se os relatórios provenientes dos Grupos de Negociação que se ocupam dos elementos fundamentais do acordo estiverem corretos, a ALCA se tornará o acordo de livre comércio de maior alcance no mundo, com um âmbito que penetrará em todos os aspectos da vida dos cidadãos das Américas.

A ALCA foi lançada pelos líderes de 34 países da América do Norte, Central e do Sul e do Caribe durante a Cúpula das Américas em Miami, Flórida, em dezembro de 1994. Durante esse encontro, o então presidente Bill Clinton se comprometeu a realizar o sonho do anterior presidente George Bush de um acordo de livre comércio que se estendesse desde Anchorage até Tierra del Fuego, unisse as economias do hemisfério, aumentasse a integração social e política entre os países e se baseasse no mesmo modelo de livre comércio que o NAFTA.

Todavia, pouco se progrediu verdadeiramente até à Cúpula das Américas seguinte, que se realizou em abril de 1998, em Santiago, Chile, durante a qual os países estabeleceram um Comitê de Negociações Comerciais (CNC), que era composta de vice-ministros do comércio de cada país.

Com o apoio de um Comitê Tripartido composto do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, da Organização de Estados Americanos e da Comissão Econômica das NU para a América Latina e Caribe (CEALC), se estabeleceram nove Grupos de Trabalho para se ocuparem das principais áreas das negociações: serviços; investmentos; contratos públicos; acesso ao mercado (abrangendo tarifas, medidas não tarifárias, procedimentos aduaneiros, regras de origem, normas e obstáculos técnicos ao comércio); agricultura; direitos da propriedade intelectual; subsídios; direitos anti-dumping e de compensação; política de competição; e resolução de disputas.

Também se estabeleceram três comitês especiais não negociadores para tratar de questões sobre as economias mais pequenas, a sociedade civil e o comércio eletrônico. Tanto os comitês como os grupos de trabalho se têm reunido com bastante freqüência durante 1999 e 2000 e no princípio de 2001, levando regularmente mais de 900 negociadores do setor comercial e enormes quantidades de documentos para Miami onde se realiza a maioria dos encontros.

Desde o início, as grandes empresas, suas associações e grupos de pressão têm sido parte integrante do processo. Nos Estados Unidos, diversos comitês empresariais aconselham os negociadores americanos e, segundo o sistema do Comitê Consultivo Comercial, mais de 500 representantes empresariais têm permissão de segurança e acesso a documentos de negociação da ALCA. Durante o Encontro Ministerial em novembro de 1999 realizado em Toronto, os ministros do comércio das Américas concordaram com a implementação de 20 “medidas de facilitação do comércio”, no prazo de um ano, para acelerar a integração aduaneira.  

Uma das tarefas dos negociadores é comparar e consolidar os componentes principais de diversos acordos comerciais e de investimento por toda a área, abrangendo: o NAFTA – um acordo de livre comércio e investimentos entre o Canadá, os E.U. e o México; o Mercosul – um Mercado Comum dos países do Cone Sul do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai; o Pacto Andino; o Caricom – a Comunidade Caraíba. Igualmente têm sido assinados diversos Tratados de Investimento Bilateral (TIB) entre países individuais, baseados no modelo do NAFTA de “Estado-Investidor”, em que as empresas podem processar diretamente os governos por pretensas violações dos direitos de propriedade sem envolverem primeiramente seus próprios governos.  

Existem algumas diferenças entre estes pactos e acordos: por exemplo, o objetivo do Mercosul é tornar-se um mercado comum, ao passo que o NAFTA não tem tentado estabelecer normas comuns de trabalho entre seus três membros e os E.U. não suportariam claramente o movimento livre de mão-de-obra do México. E o Mercosul não contém algumas disposições e programas sociais para trabalhadores deslocados e que são inexistentes no NAFTA.

Mas as semelhanças entre estes tratados são de longe maiores que as diferenças. Tanto o NAFTA como o Mercosul contêm medidas para liberalizar o investimento estrangeiro e conceder aos investidores estrangeiros direitos de tratamento (não discriminatório) nacional. Ambos proibem “requisitos de desempenho” pelos quais o investimento estrangeiro deve melhorar a economia local e apoiar os trabalhadores locais.

E ambos se fundamentam em um modelo de liberalização do comércio e investimento que encerra os Programas de Adaptação Estrutural (PAE) introduzidos anteriormente na América Latina pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo estes programas, a maioria dos países em desenvolvimento eram forçados a abandonar a indústria doméstica em favor de interesses empresariais transnacionais; a converter os melhores terrenos agrícolas visando a exportação de culturas para liquidação da dívida nacional; a reduzir as despesas públicas em programas sociais e a abandonar a assistência médica universal, a educação e os programas de previdência social; a liberalizar os setores da eletricidade, transportes, energia e recursos naturais; e a remover obstáculos regulamentares ao investimento estrangeiro.   

Nas negociações existem tensões de liderança. Desde 1995, a Administração dos E.U. tem conseguido obter a prorrogação de sua legislação acelerada que, basicamente, autoriza o Congresso a adotar integralmente acordos de livre comércio. Isto tem proporcionado ao Brasil, o líder econômico incontestável da América Latina, a oportunidade de desafiar a supremacia dos E.U. nas negociações e solicitar a liderança no processo de integração econômica das Américas.

Também a intrusão da comunidade comercial da União Européia na América Latina, sobretudo no setor bancário, das telecomunicações, automóvel e produtos de consumo, tem servido como catalisador para os E.U. reafirmarem sua liderança no hemisfério. A UE tem vindo intensificando sua presença na região, negociando acordo individuais de livre comércio e investimento com países como o Chile, o México e o Brasil. Os E.U. estão contando com a conclusão bem sucedida da ALCA para manter a dominância do setor empresarial na região.

Mais pressão se tem aplicado para o sucesso da ALCA à luz da derrota do Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI), tanto durante o primeiro encontro ministerial da OCM em 1996 como durante o da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1998, e da paralização do encontro “Ciclo do Milênio” da OCM, em dezembro de 1999, em Seattle.  Na realidade, os oficiais da OCM estão mesmo deparando com dificuldades em conseguir um ponto de encontro para o novo encontro ministerial. Também o APEC – Fórum de Cooperação Econômica para a Ásia-Pacífico – está vacilando e há poucas  expectativas de conseguir o tão esperado avanço que o tornará uma zona de livre comércio e investimento.

Muitos observadores do setor comercial e entendedores têm identificado a ALCA como a herdeira natural deste projetos fracassados e receiam que outro fracasso possa adiar, durante anos, todo o conceito destes extensos acordos de livre comércio. Na realidade, durante uma declaração em janeiro de 2000, Peter Allegeier, representante para o setor comercial dos Estados Unidos, afirmou que a ALCA assumiu nova importância após o fiasco em Seattle e pode bem aspirar a ir mais longe que a OCM, livre da necessidade de colocar os negócios uns contra os outros.   

A próxima Cúpula das Américas ao nível ministerial se realizará na cidade de Quebec em abril de 2001. Durante esta Cúpula, será apresentado aos líderes um primeiro projeto, densamente agrupado no mesmo plano, de um Acordo de Livre Comércio das Américas, do qual começarão a formar um texto completo. O acordo pretendia originalmente ficar terminado para implementação até ao ano 2005. Todavia, alguns países, inclusive o Chile e os Estados Unidos, estão fazendo pressão para mudar a data de ratificação para 2003, dependendo dos avanços conseguidos pelos negociadores durante a Cúpula na cidade de Quebec.

 

Qual o conteúdo da ALCA?

Fundamentalmente, o projeto da ALCA é uma expansão do atual NAFTA, não só relativamente por incluir muitos novos países no pacto mas também por alargar o âmbito do livre comércio em novos setores, baseados em medidas novas e difíceis da OCM. Em uma declaração que acompanhou a Cúpula original de Miami em 1994, os ministros fizeram uma série de recomendações sob a forma de uma Declaração para a qual se conseguiu um acordo em vários “Objetivos e Princípios” essenciais, incluindo:

*  Integração econômica do hemisfério;

*  Promoção da integração dos mercados de capitais;

*  Concordância com a Organização do Comércio Mundial (OCM);

*  Eliminação de obstáculos e barreiras não aduaneiras ao comércio;

*  Eliminação de subsídios de exportação de produtos agrícolas;

*  Eliminação de obstáculos ao investimento estrangeiro;

  Uma estrutura legal para proteger investidores e seus investimentos;

  Melhores medidas para contratos públicos; e

  Novas negociações na inclusão de serviços.

Desde então, a informação sobre o que está exatamente contido nos documentos de trabalho da ALCA tem sido escassa. Todavia, dos encontros com o gabinete do representante para o setor do comércio dos Estados Unidos, os membros do Grupo de Vigilância ao Comércio Global do Public Citizen referem que os E.U. estão resolvidos a liberalizar serviços, inclusive a assistência médica, a educação, os serviços ambientais e a água. Também a ALCA incluirá condições sobre o investimento semelhantes às que fracassaram no Encontro Multilateral sobre Investimentos e no Capítulo II do NAFTA, pelas quais as empresas poderão processar diretamente os governos por lucros perdidos resultantes da aprovação de leis criadas para proteger a saúde e a segurança, as condições de trabalho ou as normas ambientais.

O “Grupo de Miami” – os E.U., o Canadá, a Argentina e o Chile – estão também resolvidos a forçar todos os países das Américas a aceitarem a biotecnologia e os alimentos geneticamente modificados (AGM), promovendo deste modo os interesses das companhias de biotecnologia, tais como a Cargill, a Monsanto e a Archer Daniels Midland, acima das necessidades de sobrevivência dos pequenos agricultores, camponeses e comunidades de toda a América Latina. Por fim, o Public Citizen refere que os E.U estão tentanto expandir as normas do NAFTA sobre protecionismo empresarial de patentes, normas que proporcionam às companhias que têm uma patente em um país os direitos de monopólio e comercialização do produto em toda a região privando, deste modo, a população local do acesso aos medicamentos tradicionais.  

Também os relatórios dos negociadores penetraram inadvertidamente no domínio público. Um relatório confidencial do Grupo de Negociação sobre Serviços, datado de 7 de outubro de 1999 e recentemente divulgado, contém  planos detalhados referentes à prestação de serviços da ALCA. Sherri M. Stephenson, diretora adjunta para o comércio da Organização de Estados Americanos, preparou um documento para uma conferência sobre comércio em março de 2000 em Dallas, Texas, em que apresenta um relatório sobre o mandato e progresso por setor dos nove Grupos de Trabalho. Os sites da ALCA na Web e os documentos do governo canadense contêm também informação importante.

Juntos, estes relatórios expõem um plano para criação de um acordo de comércio de maior alcance jamais negociado. A combinação de um novo acordo geral sobre serviços, junto com as condições de investimento atuais (e até mesmo alargadas) do NAFTA, representam uma nova ameaça geral para todos os aspectos da vida das populações das Américas. Esta forte combinação concederá às empresas transnacionais do hemisfério direitos novos e importantes, mesmo nas áreas supostamente protegidas como a assistência médica, a previdência social, a educação, os serviços de proteção do meio ambiente, a distribuição de água, a cultura, a proteção dos recursos naturais e todos os serviços do governo – federal, provincial e municipal. 

 

Mandatos dos Nove Grupos de Negociação:

1. Serviços

O mandato do Grupo de Negociação em Serviços é compacto: “Estabelecer matérias para liberalizar progressivamente o comércio em serviços, visando o avanço de uma área de livre comércio no hemisfério em condições de certeza e transparência” e  desenvolver uma estrutura “incluindo direitos e obrigações abrangentes em serviços”. É um novo acordo e pretende ser compatível com o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (GATS) – as negociações da OCM sobre serviços agora em andamento. 

O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços foi criado em 1994,  durante a conclusão do “Ciclo de Uruguai” do GATT e foi um dos acordos comerciais adotados para inclusão quando a OCM foi criada em 1995. As negociações começaram cinco anos mais tarde com a intenção de “aumentar progressivamente o nível de liberalização”. Estes temas entraram em marcha em fevereiro de 2000, presididos por Sergio Marchi, Embaixador Canadense para a OCM (e anterior ministro do comércio internacional). O objetivo comum da Europa, E.U. e Canadá é alcançar um acordo geral até dezembro de 2002. 

É o que se chama um “acordo de estrutura multilateral”, o que significa que sua comissão ampla foi definida no começo e, depois, através de negociações contínuas, serão acrescentados novos setores e normas.

Fundamentalmente, o GATS está incumbido de restringir as ações do governo quanto a serviços, através de um conjunto de limitações legalmente obrigatórias reforçadas por sanções comerciais com execução obrigatória pela OCM. O seu objetivo mais fundamental é refrear todos os níveis de governo na distribuição de serviços e facilitar o acesso das empresas transnacionais aos contratos do governo em diversos setores, inclusive: assistência médica; assistência hospitalar; atendimento domiciliar; assistência dentária; assistência infantil; assistência a idosos; educação – primária, secundária e pós-secundária; museus; bibliotecas; direito; assistência social; arquitetura; energia; serviços de água; serviços de proteção do meio ambiente; bens imobiliários; seguros; turismo; serviços postais; transportes; indústria editorial; radiodifusão e muitos mais.

O acordo de negociação de serviços da ALCA é ainda mais vasto que o GATS.

Assim como inclui “direitos e obrigações abrangentes”, também se aplicará a “todas as medidas (definidas pelo Canadá como ‘leis, regras e outros regulamentos oficiais’) que afetem o comércio de serviços prestados por autoridades governamentais de todos os níveis do governo”. Além disso, tenciona aplicar-se a "todas as medidas que afetem o comércio de serviços prestados por instituições não governamentais de todos os níveis do governo quando funcionam com poderes conferidos por autoridades do governo”.

O Grupo de Negociação afirma que o acordo de serviços deve ter “alcance universal em todos os setores de serviços”. Aos governos é concedido o direito de “moderar” estes serviços, mas somente mediante maneiras compatíveis com as “matérias estabelecidas no contexto do acordo da ALCA”. A estrutura do acordo de serviços contém seis elementos de consenso.

E que abrangem:  

  Alcance setorial (“cobertura universal de todos os setores de serviços”);

  Tratamento de nação mais favorecida (o acesso concedido a investidores/empresas de qualquer país da ALCA deve ser concedido a investidores/empresas de todos os países da ALCA);

  Tratamento nacional (investidores/empresas de todos os países da ALCA devem ter o mesmo tratamento que os fornecedores domésticos e de serviços locais);

*  Acesso ao mercado (“matérias adicionais que atendam medidas que reduzam a capacidade dos fornecedores de serviços de terem acesso ao mercado”);

*  Transparência (matérias que “tornem publicamente disponível todas as medidas pertinentes que possam abranger, entre outras, novas leis, regulamentos, diretrizes administrativas e acordos internacionais adotados a todos os níveis do governo e que afetem o comércio de serviços”); e 

*  Negação de benefícios (“os membros da ALCA deverão poder negar os benefícios do acordo de serviços a um fornecedor de serviços que não satisfaça os critérios”. Os critérios poderão incluir “propriedade, controle, residência e atividades comerciais importantes”).

 

Esta lista representa as novas e extensas jurisdições de um acordo comercial que invalidam os regulamentos do governo e concedem poderes novos e gigantescos a empresas de serviços, de acordo com uma ALCA expandida. Por exemplo, se os direitos de tratamento nacional estão incluídos na ALCA, todos os serviços públicos de todos os níveis do governo teriam de estar abertos à concorrência de empresas estrangeiras de serviços com fins lucrativos. Este acordo proibirá a qualquer governo ou governo sub-nacional financiamento preferencial aos fornecedores de serviços domésticos em serviços tão diversificados como a assistência médica, a assistência infantil, a educação, os serviços municipais, as bibliotecas, a cultura e os serviços de esgotos e fornecimento de água.

A combinação deste acordo de serviços de grande alcance com a extensão proposta das normas de investimento, concede novos e inéditos poderes à ALCA e aos interesses particulares que apoia. Pela primeira vez em qualquer acordo de comércio internacional, as empresas de serviços transnacionais obterão direitos competitivos para a série completa de fornecimento de serviços do governo e terão o direito de processar qualquer governo que se oponha à indenização financeira. Que o verdadeiro objetivo deste jamanta de serviços/investimento é reduzir ou destruir a capacidade dos governos do hemisfério fornecerem serviços com financiamento público (considerados “monopólios” no mundo do comércio internacional), é visto claramente nas palavras do Sr. Stephenson, diretor adjunto para o comércio da OEA:

“Visto que os serviços não enfrentam barreiras comerciais sob a forma de tarifas ou impostos nas fronteiras, o acesso ao mercado é restringido através de regulamentos nacionais. Assim, a liberalização do comércio de serviços implica alterações das leis e regulamentos nacionais, tornando estas negociações mais difíceis e mais sensíveis para os governos”.

O Grupo de Negociação em Serviços da ALCA solicitou a organização de inventários nacionais de medidas que afetem (i.e. inibam) o livre comércio de serviços.

 

2. Investimento

O mandato do Grupo de Negociação em Investimentos é estabelecer “uma estrutura legal justa e transparente visando incentivar o investimento através da criação de um ambiente estável e previsível que proteja o investidor, seu investimento e movimentos afins, sem criar obstáculos aos investimentos provenientes do exterior do hemisfério”. Fundamenta-se numa área de investimentos do NAFTA, o Capítulo 11, que é, conforme explica o perito canadense em comércio legal Barry Appleton “ o verdadeiro coração e alma do NAFTA”.

O NAFTA foi o primeiro acordo de comércio internacional do mundo que permitiu a um interesse privado, normalmente uma empresa ou um setor da indústria, evitar seu próprio governo e, embora não seja signatário do acordo, contestar diretamente as leis, políticas e práticas de outro governo NAFTA se estas leis, políticas e práticas infringem os “direitos” estabelecidos da empresa em questão. O Capítulo 11 concede à empresa o direito de intentar uma ação para compensação de lucros perdidos atuais e futuros devido às ações do governo, não importa como legais possam ser estas ações ou qual o objetivo por que foram iniciadas.   

O Capítulo 11 foi utilizado com êxito pela Ethyl Corp., sediada em Virgínia, para forçar o governo canadense a revogar a legislação que proibe a venda transfronteiras do seu produto, MMT, um aditivo da gasolina que tem sido proibido em muitos países e que o Primeiro-Ministro canadense Jean Chretien outrora chamou “uma neurotoxina perigosa”. S.D. Myers, uma empresa de eliminação de desperdícios de PCB, utilizou também com sucesso uma ameaça do Capítulo 11 para forçar o Canadá a revogar a proibição das exportações de PCB – uma proibição que o Canadá empreendeu de acordo com a Convenção de Basel e que proibe o movimento transfronteiras de desperdícios perigosos – intentando com sucesso uma ação contra o governo canadense no valor de $50 milhões (americanos) em danos perdidos quando a breve proibição esteve em vigor.

Sun Belt Water Inc., de Santa Barbára, Califórnia, uma companhia de exportação de água, está processando o governo canadense em $14 bilhões porque a Colômbia Britânica proibiu a exportação de água a granel em 1993, deste modo bloqueando as oportunidades da companhia se meter no negócio de exportação de água naquela província. Methanex, uma companhia canadense e o maior produtor mundial de metanol, está processando o governo dos E.U. em US $ 970 sobre uma encomenda de 1999 da Califórnia para retirar gradualmente o controverso e altamente poluidor aditivo da gasolina. 

Em 1996, a Metalclad Corporation, uma empresa de eliminação de desperdícios dos E.U., acusou o governo do México de violar o Capítulo 11 quando o estado de San Luis Potosi recusou a autorização para reabertura de instalações de processamento de desperdícios. O governador estadual ordenou o encerramento do local depois de uma auditoria geológica ter revelado que as instalações contaminavam o fornecimento de água local. Depois, o governor declarou o local parte de uma zona ecológica com 600.000 acres. A Metalclad reclamou que tal decisão era considerada um ato de exploração e procurou obter indenização. Em agosto de 2000, um tribunal do NAFTA decidiu a favor da companhia e ordenou ao governo mexicano o pagamento da indenização de $ 16.7 milhões de dólares americanos.

O Grupo de Negociação sobre Investimentos conseguiu avanços importantes ao incluir na ALCA os mesmos direitos, ou outros melhores, de estado-investidor, que existem atualmente no NAFTA, incluindo:

  * definições básicas de investimento e investidor;

  * âmbito de aplicação (muito amplo);

  Tratamento nacional (pelo qual nenhum país pode discriminar em favor de seu setor doméstico);

*  Tratamento de nação mais favorecida (pelo qual o acesso aos investidores de um país da ALCA deve ser concedido aos investidores de todos os países da ALCA);

    Expropriação e indenização por perdas (pelas quais um “investidor” ou empresa pode exigir indenização financeira por perda de negócio e lucros proveniente da criação ou implementação de regulamentos, incluindo leis ambientais, do governo de outro signatário NAFTA);

    Pessoal fundamental (a capacidade das empresas movimentarem seus profissionais e técnicos transfronteiras fora do processo normal de imigração);

    Requisitos de desempenho (limites ou eliminação do direito de um país aplicar requisitos de desempenho ao investimento estrangeiro); e

    Resolução de disputas (pela qual um painel de burocratas nomeados podem anular a legislação do governo ou forçar o governo em questão a pagar indenização para manter a legislação).

 

A inclusão de tais medidas vastas de investimento é uma maneira de inserir uma forma do Acordo Multilateral sobre o Investimento, a proposta de um tratado da OCDE sobre investimentos que foi abandonada diante da enorme resistência da sociedade civil, na ALCA. Combinadas com a proposta de condições reforçadas sobre o acesso ao mercado, o setor agrícola, os direitos da propriedade intelectual e novas e vastas condições propostas sobre serviços e contratos públicos, estas condições sobre investimento concederão novos poderes às empresas do hemisfério permitindo contestar todos os regulamentos e atividades do governo e destruirão gradualmente a capacidade de todos os governos proporcionarem previdência social e proteção na saúde aos seus cidadãos.

 

3. Contratos Públicos do Governo

O mandato do Grupo de Negociação do Governo é muito claro: “Aumentar o acesso aos mercados de contratos públicos nos países da ALCA” no seio de um novo acordo. Tal será conseguido através de “uma estrutura normativa que garanta a imparcialidade e a transparência dos processos envolvidos nos contratos públicos”, garantindo “a não discriminação dos contratos públicos” e “a revisão imparcial e justa na resolução de queixas referentes a contratos públicos”.

Este mandato da ALCA sobre contratos públicos parece ir mais longe que o da homóloga OCM da ALCA, o Acordo da OCM sobre Contratos Públicos, cujo objetivo é impedir que os governos fomentem o desenvolvimento econômico doméstico quando compram mercadorias. As medidas visadas pela OCM abrangem a proteção aos fornecedores locais ou nacionais, estabelecendo normas de conteúdo a nível interno ou impondo normas de investimento comunitário. Mas, por agora, a OCM não força o cumprimento de normas de acesso ao mercado ou de tratamento nacional na compra de bens e serviços diretos do governo.

Todavia, o Grupo de Negociação da ALCA parece ir mais longe e abrir todos os contratos, serviços e bens, a licitações competitivas de empresas de outros países da ALCA. O Grupo de Negociação solicitou um inventário dos sistemas pertinentes de classificação internacional e uma compilação das estatísticas de contratos públicos de cada governo.  

 

4. Acesso ao Mercado

O mandato do Grupo de Negociação sobre o Acesso ao Mercado está para selecionar uma metodologia e um esquema para eliminação de todas as tarifas restantes e obstáculos “não tarifários” e combinar o ritmo da redução de tarifas. As tarifas são impostos aplicados nas fronteiras: segundo o NAFTA e a OCM, têm sido suprimidas em grande parte no Canadá e nas Américas.

Os obstáculos não tarifários são todas as normas, políticas e práticas dos governos, além de tarifas, que podem impactar o comércio. Potencialmente, podem abranger tudo o que os governos fazem, inclusive o fornecimento de serviços e a proteção da saúde e segurança dos cidadãos. Sua inclusão no mandato deste Grupo de Negociação  expande consideravelmente o âmbito das condições de acesso ao mercado do NAFTA.  

Estas medidas são alargadas de uma outra maneira importante. Segundo o NAFTA, o acesso ao mercado está sujeito a tratamento nacional. Tal significa que as mercadorias importadas que entrem em um país provenientes de outro país do NAFTA não devem ter tratamento “menos favorável” que as mercadorias domésticas.  Mas o tratamento nacional constante do NAFTA não se estendeu aos contratos públicos nem aos subsídios domésticos, sendo somente aplicado aos serviços sob uma forma limitada, o que protegeu a maioria dos programas do governo de contestarem o tratamento nacional.

No entanto, segundo a proposta das regras da ALCA, parece que os serviços serão abrangidos mais completamente por normas de acesso ao mercado. Também as restrições inerentes aos contratos públicos que permitem aos governos proteger os fornecedores locais, estarão mais abertas ao desafio de um mandato expandido das medidas referentes a contratos públicos. E a capacidade das empresas estrangeiras de serviços com fins lucrativos utilizarem a medida de tratamento nacional para desafiarem os monopólios de serviços do governo alargará bastante, de acordo com a proposta de um novo acordo sobre serviços.

Além disso, o Grupo de Negociação sobre Acesso ao Mercado tem também sido acusado de identificar e eliminar quaisquer “obstáculos técnicos ao comércio” desnecessários de acordo com a OCM.

O Acordo sobre Obstáculos Técnicos ao Comércio (OTC) da OCM é um regime internacional visando harmonizar normas ambientais e outras e criando efetivamente um teto sem soalho para os citados regulamentos. De acordo com suas normas, uma nação deve estar preparada para provar, quando desafiada, que suas normas ambientais e de segurança são ambas “necessárias” e o modo “menos restritivo para o comércio” de alcançar as metas desejadas de conservação, segurança dos alimentos ou nível de saúde. Isto significa que um país suporta o fardo de provar negativamente – que nenhuma outra medida compatível com a OCM está razoavelmente ao dispor para proteger as questões ambientais. O Acordo de OTC da OCM também expõe um código processual oneroso e tão árduo na instituição de novas leis e regulamentos que é difícil satisfazer qualquer nação.

Enquanto existem condições no NAFTA sobre Normas Técnicas, estas não são tão rigorosas como as que foram encontradas no Acordo sobre OTC da OCM. O NAFTA requer que os obstáculos técnicos não constituam “um obstáculo desnecessário ao comércio”. Porém, o NAFTA reconhece o direito de todas as partes a manterem normas e medidas regulamentares que resultem em um nível superior de proteção que seria alcançado por medidas baseadas em normas internacionais, contanto que apliquem estas normas em uma maneira que não discrimine entre mercadorias nacionais e internas. Escolhendo as medidas mais sólidas da OCM, os negociadores da ALCA introduziram restrições mais duras para os governos das Américas e o seu direito de regular no melhor interesse dos cidadãos.

    

5. Agricultura

O mandato do Grupo de Negociação para a Agricultura deve eliminar os subsídios de exportação de produtos agrícolas que afetam o comércio do hemisfério se baseando no Acordo Agrícola (AA) da OCM; “disciplinar” outras práticas agrícolas que desvirtuem o comércio; e garantir que não se utilizam “medidas sanitárias e fitosanitárias” como uma restrição disfarçada ao comércio, usando o acordo da OCM como modelo.

As medidas agrícolas do AA da ALCA estabelecem normas sobre o comércio de alimentos e limitam a política agrícola doméstica, até ao nível de apoio aos agricultores, a capacidade de manter estoques de produtos alimentícios de emergência, instaurar regras de segurança de alimentos e garantir o fornecimento de alimentos.

O Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitosanitárias (MSF) da OCM estabelece limitações sobre as políticas do governo inerentes à segurança dos alimentos e à saúde dos animais e das plantas, desde pesticidas e substâncias contaminantes biológicas até à inspeção alimentar, rotulagem de produtos e alimentos geneticamente modificados. Quanto aos OTC, o Acordo de MSF da OCM vai mais longe que o NAFTA.

As condições do NAFTA não impõem nenhumas normas específicas: estabelecem uma abordagem geral para garantir que as MSF são utilizadas por razões cientificamente genuínas, não como obstáculos disfarçados ao comércio. Aos países-membros ainda é permitido tomar MSF para proteger a vida humana, animal ou  vegetal e a saúde ao nível que consideram “adequado”. Enquanto o NAFTA “incentiva” as partes a harmonizarem suas medidas baseadas em medidas internacionais pertinentes, a OCM procura retirar decisões referentes à saúde, alimentos e segurança aos governos nacionais e as delegar aos órgãos internacionais que criam normas, tais como o Codex Alimentarius, um clube de cientistas de elite situado em Geneva, bastante controlado por grandes empresas agro-alimentares e de produtos alimentícios.

Os Acordos da OCM sobre as MSF têm sido utilizados para anular o uso do “princípio preventivo” que não é considerado uma base justificável para estabelecer controle regulamentar (O princípio preventivo permite a ação regulamentar quando existe risco de dano, mesmo se há incerteza quanto à extensão e natureza dos impactos potenciais de um produto ou prática). Escolhendo o Acordo da OCM sobre as MSF acima das condições das MSF do NAFTA, os responsáveis pelo plano da ALCA estão avançando para retirarem completamente aos governos individuais das Américas o direito de estabelecerem normas em setores cruciais da saúde, segurança dos alimentos e meio ambiente.

 

6. Direitos da Propriedade Intelectual

O mandato do Grupo de Negociação sobre os Direitos da Propriedade Intelectual deverá  “reduzir deturpações existentes no comércio do hemisfério e fomentar e garantir a proteção adequada e eficaz dos direitos da propriedade intelectual”.

A propriedade intelectual refere-se a tipos de propriedade intangíveis como patentes, que generalmente concedem um poder exclusivo ao seu proprietário. As normas comerciais sobre a propriedade intelectual expandem este direito exclusivo, freqüentemente mantido por empresas, aos outros países signatários do acordo. A partir de 1 de janeiro de 2000, todos os países da ALCA estão atualmente sujeitos às normas do Acordo sobre aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (DPIRC).

Este acordo estabelece normas globais, de execução obrigatória, sobre patentes, direitos autorais e marcas registradas. Ultrapassou seu âmbito inicial de proteção das invenções originais ou de produtos culturais e permite atualmente patentear plantas e animais, bem como sementes. Fomenta os direitos privados das empresas sobre as comunidades locais e sua herança genética e medicamentos tradicionais. Permite que as empresas farmacêuticas transnacionais mantenham o preço elevado dos medicamentos. Recentemente, o DPIRC foi solicitado por impedir que os países em desenvolvimento fornecessem medicamentos genéricos e mais baratos aos doentes com AIDS no Terceiro Mundo.

O Grupo de Negociação da ALCA sobre a Propriedade Intelectual tem especulado que poderá ir mais longe que o Acordo DPIRC da OCM em determinadas áreas não especificadas. Certamente que, tendo os poderes adicionais do Capítulo 11, a cláusula estado-investidor, os direitos da propriedade intelectual da ALCA terão poderes adicionais de execução obrigatória através de multas em dinheiro e penas severas.

 

7. Subsídios, Anti-dumping e Direitos de Compensação

O mandato do Grupo de Negociação sobre Subsídios, Anti-Dumping e Direitos de Compensação deverá “examinar maneiras de aprofundar as matérias existentes estabelecidas no Acordo da OCM sobre Subsídios e Medidas de Compensação e conseguir um entendimento comum com a intenção de aperfeiçoar, onde for possível, as normas e procedimentos referentes ao funcionamento e aplicação de leis de recurso visando não criar obstáculos injustificados ao comércio do hemisfério”.

O Acordo da OCM estabelece limites quanto ao que os governos podem e não podem subsidiar. Ele tem sido fortemente criticado por muitos países em desenvolvimento por favorecer os países do norte e por grandes questões agro-alimentares. Também o Artigo XXI do GATT dispensa atividades no âmbito militar, incluindo bastante pesquisa e subsídios do governo para a exportação, a fim de proteger “interesses indispensáveis sobre a segurança” do governo. Devido à isenção sobre a segurança proteger a indústria de armamento do desafio da OCM, incita os gastos públicos sobre a indústria militar e qualquer outra relacionada com a segurança nacional. Visto que a maioria dos gastos militares globais está concentrada nas economias de alguns países do norte, a isenção da OCM sobre a segurança proporciona a estes países uma margem competitiva enorme sobre outros países mais pequenos.

 

8. Política de Competição

O mandato do Grupo de Negociação sobre a Política de Competição deve “garantir que os benefícios do processo de liberalização da ALCA não sejam prejudicados por práticas comerciais anti-competitivas”. O Grupo de Negociação concordou em “avançar com vistas ao estabelecimento de cobertura jurídica e institucional ao nível nacional, sub-regional ou regional que condena a realização de práticas comerciais anti-competitivas” e em “desenvolver mecanismos que facilitem e fomentem a política de competição e garantam a execução obrigatória de regulamentos sobre competição livre entre e dentro dos países do hemisfério”. 

Essencialmente, o objetivo da política de competição, relativamente novo nas negociações comerciais, é reduzir ou eliminar práticas que parecem proteger os monopólios internos. O Canadá está propondo que cada país adote medidas e “tome a atitude adequada” para “condenar o procedimento anti-competitivo”. 

Aparentemente, a meta é fomentar a competição. Todavia, o resultado, especialmente para os países em desenvolvimento, é que estes são freqüentemente forçados a dissolver seus monopólios existentes, acabando por verificar que concederam às empresas transnacionais sediadas no estrangeiro oportunidades excelentes para entrarem, destruirem as companhias internas mais pequenas e estabelecerem um novo monopólio completo protegido pelos acordos da OCM, tais como o DPIRC e o Acordo de Serviços Financeiros, ambos protegendo mega-empresas consolidadas.

 

9. Resolução de Disputas

O mandato do Grupo de Negociação sobre Resolução de Disputas deve “fundar um mecanismo justo, transparente e eficaz para a resolução de disputas entre os países da ALCA” e “criar maneiras de facilitar e fomentar a utilização de arbitragem e outros mecanismos alternativos de resolução de disputas, para resolver controvérsias particulares na estrutura da ALCA”.

Ainda se espera ver se o mecanismo de resolução de disputas da ALCA refletirá o modelo do NAFTA ou da OCM. Todavia, o mandato do Grupo de Negociação inclui “levar em consideração, entre outras coisas, o Acordo da OCM sobre Normas e Procedimentos que determinam a Resolução de Disputas”. Se for este caso, então é provável que o sistema de resolução de disputas da ALCA entre governos se assemelhe ao sistema mais punitivo da OCM que ao do NAFTA.

Segundo o NAFTA, um país que perde um caso diante de um painel de resolução de disputas, deve aceitar a decisão judicial e oferecer “indenização adequada” ao outro governo ou se arriscar à retaliação de “benefícios equivalentes”. O NAFTA não cria um conjunto comum de leis comerciais para os países-membros. Os painéis de disputa do NAFTA decidem com base nas leis comerciais internas do país importador.

Todavia, a função de um painel de disputas da OCM é decidir se a prática ou política disputada de um país é um “obstáculo para o comércio” e anular a citada prática ou política ofensora se assim for considerada. Segundo o Órgão de Resolução de Disputas da OCM, um país que atue freqüentemente em favor dos seus próprios interesses empresariais, pode contestar as leis, políticas e programas de outro país e derrubar as suas leis internas. O país que perde tem três opções: alterar sua lei para se ajustar à decisão da OCM, pagar  ao país vencedor uma indenização permanente em dinheiro ou enfrentar sanções severas e permanentes do país vencedor.

Dezenas de leis sobre a saúde, a segurança dos alimentos e o meio ambiente dos estados-nações têm sido derrubadas através deste processo da OCM. Desnecessário dizer que as decisões afetam os países pobres de forma diferente dos países ricos. As sanções contra um país que dependa de uma ou duas colheitas para sobreviver podem ser devastadoras. Pouco nos surpreende que a maioria das contestações da OCM sejam provenientes de países ricos. Na realidade, os Estados Unidos iniciaram quase metade das 117 contestações da OCM desencadeadas entre 1995 e 2000.

Certamente que o recurso aos “investidores” privados (i.e., empresas) no Capítulo 11 do NAFTA não existe na OCM. Parece que os negociadores da ALCA preferirão conservar os poderes das resoluções de disputas privadas contidos nas condições investidor-para-estado do NAFTA, enquanto optam por condições da OCM mais rígidas para resolverem disputas estado-para-estado. Tal estaria em harmonia com as outras propostas para a ALCA. Qualquer que seja o modelo existente ou mesmo proposto, ele contém as “matérias” mais sólidas, que é o modelo preferido da ALCA.

Os três comitês não negociadores também se têm reunido.

O Comitê sobre as Economias mais Pequenas tem “reconhecido as assimetrias” entre os diferentes países das Américas e a necessidade de surgir com um plano “para criar oportunidades de participação total das economias mais pequenas e aumentar seu nível de desenvolvimento”. Porém, o plano parece vago, consistindo principalmente em proporcionar “uma base de dados das necessidades de auxílio técnico das economias mais pequenas”. Em lugar nenhum deste mandato do Comitê há um reconhecimento da disparidade enorme entre a riqueza e a pobreza do hemisfério, tanto entre países como em seu interior.

O Comitê sobre a Sociedade Civil reconhece que “a sociedade civil surgiu como um novo ator no diálogo do comércio”. Apesar do seu mandato ser “receber as opiniões da sociedade civil para as analisar e apresentar a série de pareceres aos ministros do comércio da ALCA”, o objetivo de qualquer diálogo é “manter a transparência do processo de negociação e conduzir as negociações de modo a alargar o entendimento e o apoio do público sobre a ALCA”. Parece que a verdadeira função do Comitê não é escutar, mas manter a aparência de verdadeiro diálogo. De fato, afirma Stephenson, o benefício dos trabalhos deste Comitê “pode espalhar as pressões inerentes a questões sobre mão-de-obra e meio ambiente”.

Por outro lado, o Comitê Conjunto de Peritos em Comércio Eletrônico do Governo-Setor Privado, é um Comitê muito importante cuja matéria tem todas as marcas de um setor emergente. O comércio eletrônico explodiu nos últimos anos. As vendas através de comércio eletrônico nos E.U. estiveram perto dos $30 bilhões americanos no ano 2000, subindo 75 por cento em um ano, podendo ser responsáveis por um quarto do comércio mundial até 2005, o ano em que a ALCA será ratificada. Os E.U. identificaram um objetivo de adoção de normas mundiais para um regime de comércio eletrônico global, não regulamentado e orientado para o mercado. Poderiam perder-se muitos bilhões de dólares anualmente se se aplicassem impostos a este tipo de comércio, deixando os governos com bases de financiamento ainda mais reduzidas para os seus programas.

O Comitê, excessivamente dominado pelas empresas produtares de equipamento de hardware, software e de comunicações para a Internet mais fortes, tais como a Microsoft e a AT&T, já realizou análises extensivas a questões sobre comércio eletrônico estando trocando opiniões com outras organizações, como a OCM e a OCDE. Implicou diversos estudos fundamentais sobre todos os aspectos do comércio e comércio eletrônico, sendo claramente uma fonte de influência em crescimento no seio do grupo da ALCA. 

Finalmente, o Comitê de Negociações Comerciais da ALCA identificou três áreas para os “acordos de resultados antecipados” – em silvicultura, energia e pescas – que espera venham a ser aprovados em abril de 2001, durante a Cúpula Ministerial na cidade de Quebec. Significa que, nestas áreas, se pode obter um acordo de ratificação geral da ALCA antes do prazo final de 2005 para retirar as tarifas destes recursos sensíveis ao meio ambiente sem oportunidade de recolher a opinião pública.

Qual o impacto da ALCA sobre a população das Américas?

 

Previdência Social

O aumento de poderes propostos para a ALCA, combinado com o Capítulo 11 do NAFTA e a introdução da “cobertura universal de todos os setores de serviços”, são uma ameça séria aos programas sociais. A assistência médica universal, a educação pública, a assistência infantil, as pensões, a assistência social e muitos outros serviços sociais são proporcionados atualmente sem fins lucrativos por muitos governos.

Até às negociações recentes do GATS e, atualmente, as negociações da ALCA, muitos governos têm afirmado que este programas sociais foram um direito fundamental da cidadania, tendo sido isentos de acordos comerciais. Todavia, com estes dois acordos, todos os governos das Américas estão abertos a ameaças sancionadas pelo comércio por empresas transnacionais de serviços ansiosas por destruirem os restantes monopólios do governo do hemisfério.

Os serviços são o setor do comércio internacional em crescimento mais rápido e, os serviços inerentes à, saúde, educação e água, estão fazendo progressos para serem os mais potencialmente lucrativos de todos. Os gastos globais em serviços de água superam atualmente $1 trilhão por ano; no ensino superam $2 trilhões; e na saúde os gastos superam os $3.5 trilhões. 

Estes e outros serviços têm sido o alvo de empresas transnacionais ávidas e poderosas que estão visando nada menos que o desmantelamento completo dos serviços públicos os sujeitando às regras da competição internacional e à disciplina da OCM e da ALCA (Mais de 40 países, incluindo todos os da Europa, já indicaram a educação na lista para o GATS, abrindo os setores do ensino público à competição de empresas estrangeiras, e quase 100 países fizeram o mesmo na assistência à saúde).

Nos E.U., a assistência à saúde tornou-se um tal negócio que empresas gigantescas de assistência à saúde estão registradas na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Rick Scott, presidente da Columbia, a maior empresa do mundo de produtos hospitalares com fins lucrativos, afirma que a saúde é um negócio, que não é diferente da indústria de transportes aéreos ou de rolamentos de esferas, tendo prometido destruir todos os hospitais públicos na América do Norte porque não são “bons cidadãos empresariais”. Empresas de investimentos como a Merrill Lynch e a The Lehman Brothers prevêem que o ensino público será privatizado no hemisfério na próxima década, da mesma maneira que a saúde pública o tem sido, afirmando que se prevê um lucro incalculável quando tal acontecer. 

Se os serviços estão inseridos na ALCA como parecem claramente estar, as empresas estrangeiras com fins lucrativos no setor da saúde, educação e outros serviços sociais por toda a parte do hemisfério terão o direito de estabelecer uma “presença comercial” em qualquer parte da América do Norte, Central e do Sul. Terão o direito de competir pelos dólares públicos com instituições públicas como hospitais, escolas e creches. As normas para os profissionais do setor da saúde, educação, assistência infantil e assistência social ficarão sujeitas às regras e à revisão da ALCA a fim de garantir que não são uma obstrução ao comércio. A todas as empresas do hemisfério dedicadas à educação será concedida autoridade para conceder títulos acadêmicos. Serviços de telemedicina baseados no estrangeiro se tornarão legais. E nenhum país conseguirá parar a competição transfronteiras de profissionais de saúde e do ensino a preço reduzido.

Se algum governo de qualquer nível tentar resistir a estes progressos e manter os citados serviços sob controle doméstico, qualquer empresa de serviços do hemisfério terá o direito legal de processar por indenização financeira de receitas perdidas, de acordo com as cláusulas estado-investidor da ALCA. Isto não é especulação; em áreas abrangidas pelo atual NAFTA, tem havido presentemente muitos precedentes de governos que modificam radicalmente as decisões e pagam pacotes de indenizações onerosas aos interesses privados afetados pela política pública.

A realidade é simples: uma vez estabelecida a privatização em qualquer setor público, seria quase impossível virar na direção oposta. Com o tempo, os governos não poderiam mais suportar e financiar publicamente a assistência médica, os programas de previdência social e o ensino, visto que teriam de estar preparados para conceder acesso igual a tal financiamento a contratantes privados de outros países da ALCA. 

 

Meio Ambiente

O plano da ALCA, conforme se encontra, não abrange a proteção do meio ambiente. O mandato original da ALCA redigido durante a primeira Cúpula das Américas em 1994, em Miami, continha uma promessa de fomentar a integração econômica do hemisfério de certo modo a “garantir o desenvolvimento sustentável enquanto protege o meio ambiente”. Em 1996, na Bolívia, realizou-se uma grande Cúpula sobre o Desenvolvimento Sustentável visando garantir que os princípios da Cúpula de 1992 sobre a Terra, realizado no Rio, seria parte integrante do processo da ALCA. O citado encontro (durante o qual foi bastante notada a ausência de grupos da sociedade civil e ecologistas), originou sessenta e cinco iniciativas conhecidas como o “Plano de Ação de Santa Cruz”, e um novo órgão, o Comitê Inter-Americano para o Desenvolvimento Sustentável da OEA.

No entanto, todo o processo foi mal financiado e não tinha nenhum mandato definido para ação: tem sido extremamente considerado como um fracasso. Como conseqüência, o objetivo integral do desenvolvimento sustentável foi completamente retirado do novo mandato da ALCA durante a Cúpula de Santiago em 1998, e o curso do comércio e do meio ambiente foram totalmente separados. Com a presença de George W. Bush na Casa Branca ainda será mais certo que as questões ambientais do acordo de livre comércio do hemisfério serão postas de lado.

 

Capítulo 11

Conforme brevemente documentado (veja Investimento em “Qual o conteúdo da ALCA?”), e bem documentado em outras fontes, as condições estado-investidor do NAFTA já tiveram um impacto muito sério na política ambiental do governo. Não só um número de regulamentos ambientais e sobre a saúde no Canadá, Estados Unidos e México já foram contestados com sucesso por empresas do continente, o Capítulo 11 é utilizado para criar um “efeito gelado”, pelo qual os governos são avisados para não pensarem em certas medidas regulamentares novas com receio de se meterem em dificuldades com as medidas do NAFTA sobre o investimento.

Steven Shrybman, perito canadense em comércio legal, explica: “As provisões do processo estado-investidor do NAFTA nada representam a não ser um afastamento radical das normas legais internas e internacionais em, pelo menos, três modos fundamentais. Primeiro, concedendo às empresas o direito de execução obrigatória direta de um tratado internacional no qual não existem partes nem quaisquer obrigações. Segundo, estendendo a arbitragem comercial internacional a reclamações que nada têm a ver com contratos comerciais e tudo a ver com política e lei pública. Terceiro, criando direitos legais essenciais – referentes à expropriação e ao tratamento nacional que estão bastante acima dos que estão disponíveis para os cidadãos ou as firmas locais”.

Quaisquer regulamentos novos introduzidos em qualquer nível do governo podem ser contestados por empresas do hemisfério com interesses no setor em questão. Em sua essência, os governos têm de estar preparados para pagarem caro o direito de proteger as questões ecológicas e da saúde humana e animal dentro do seu mandato. Conforme explica Barry Appleton, advogado para questões comerciais: “Podiam introduzir plutônio líquido nos alimentos para crianças; se for proibido e a empresa que o fizer for americana, tem de se pagar indenização”.

Presentemente, os ministros do meio ambiente têm menos poder sobre sua jurisdição que seus homólogos que se ocupam do comércio. Quando os ministros do  meio ambiente dos três países do NAFTA anunciaram em dezembro de 1998 que iriam permitir à Comissão para a Cooperação Ambiental (CCA) – o acordo que tomou o partido do NAFTA e que tem sido o “vigia ambiental” ineficaz – examinar minuciosamente estes casos do Capítulo 11, eles foram além do limite estabelecido pelo DRECI e seus órgãos congêneres em Washington e na Cidade do México. Meses mais tarde, os ministros do meio ambiente retiraram completamente os novos poderes, que predominavam até então, cessando precisamente no momento da sua destruição completa.    

Dado os antecedentes e o afastamento do objetivo do desenvolvimento sustentável dos princípios do processo da ALCA, existem poucas razões para acreditar que as questões ambientais terão mais sucesso no pacto do comércio do hemisfério.

 

Energia

Embora não haja nenhum Grupo de Negociação da ALCA separado para o setor da energia, existe um consenso que surgirá com um acordo sobre a energia com “resultados antecipados” durante a Cúpula na cidade do Quebec em abril. Realmente, é bastante provável que a ALCA reflita as medidas controversas sobre a energia que eram parte integrante do NAFTA.

Com este acordo, os negociadores criaram uma política continental de energia anti-ambiente, anti-conservação e liberada baseada em exportações a curto prazo, de custo elevado, com lucros enormes e controlada por empresas transnacionais com pouco interesse em aumentar os preços ou nas conseqüências ambientais das suas ações. Se este regime liberado de energia se estender ao hemisfério, terá consequências devastadoras no combate para reduzir nos países das Américas o uso excessivo de combustíveis fósseis causadores do aquecimento do clima.  

Seria útil para os países produtores de energia da América Latina, como a Venezuela e a Bolívia, saberem o que aconteceu às reservas de energia do Canadá sujeitas a estas regras, visto que se aplicarão também a todos os países da América Latina que façam parte da ALCA. 

No Canadá, para cumprir com estas medidas do NAFTA, a Junta de Energia Nacional foi despojada dos seus poderes e a “salvaguarda da provisão vital”, que exigia que o Canadá mantivesse um excedente de vinte e cinco anos de gás natural foi desmantelada. Nenhum órgão do governo ou lei existe atualmente para garantir que os canadenses têm uma provisão adequada da sua própria energia para o futuro (No entanto, os Estados Unidos declararam que sua reserva de 25 anos era necessária para fins de segurança nacional e a mantiveram). ((The United States, however, declared that its 25-year reserve was necessary for national security purposes, and maintained it.)  

Aos candidatos canadenses ou americanos a exportações não foi mais exigida a apresentação de uma avaliação do impacto da exportação e todo o sistema canadense de distribuição de gás foi abandonado, colocando em funcionamento um ciclo frenético de construção de gaseodutos de norte a sul. Os impostos de exportação do fornecimento de energia canadense foram retirados, perdendo os governos uma fonte de receitas e proporcionando aos clientes americanos  preços preferenciais como clientes internos.

O mais importante é que o acordo de comércio impôs um sistema de “participação proporcional” pelo qual os fornecimentos de energia canadense aos E.U. estão garantidos para sempre. Em uma espantosa entrega da soberania, o governo do Canadá concordou que já não tem o direito de “recusar aos Estados Unidos a emissão de uma licença ou de anular ou alterar uma licença de exportação de energia”,  mesmo para práticas ambientais ou de conservação.

Esta situação conduziu a um aumento impressionante na venda de gás natural aos mercados dos E.U.. Em uma década, as exportações têm mais que quadruplicado ultrapassando os 8.5 bilhões de pés cúbicos diários. Cerca de 55 por cento da produção total de gás canadense é exportada para os E.U., onde as companhias americanas de distribuição, fornecendo uma população maior, têm podido assinar contratos a longo prazo a preços extremamente baixos. Os consumidores canadenses terão de disputar os seus próprios recursos energéticos contra uma economia dez vezes maior com reservas a decrescerem rapidamente e uma procura acelerante. A história com o petróleo é a mesma. O Canadá produz atualmente 2.3 milhões de barris diários e envia 1.3 milhões para os E.U.

Os acordos de livre comércio comprometeram o Canadá a uma política de energia impelida por exportações enormes e garantidas para os E.U., controle dos fornecimentos por empresas e uma política econômica mais dependente que nunca da exploração de recursos primários. Devido a isentarem os subsídios do governo canadense do desafio do comércio para a exploração de petróleo e gás, garantiram que os fundos públicos canadenses continuariam a pagar a exploração incontrolada e a destruição do ambiente de combustíveis fósseis, um processo que já destruiu habitats no norte e que ameaça áreas sensíveis de desova em frente à costa de Cape Breton e Terra Nova, tudo em proveito de empresas transnacionais.

Na ALCA, estas medidas se estenderão a todos os países das Américas, que deverão ficar cientes da consequente perda de soberania quanto aos fornecimentos de energia e responsabilidade ecológica que vise uma boa economia dos recursos.

 

Água

         Da mesma maneira, é improvável que os Estados Unidos não alargarão as condições do NAFTA referentes à água aos outros países do hemisfério incluídos na ALCA. Estas medidas estabelecem um mercado continental no caso de se iniciarem as exportações comerciais de água; para os países da América Latina preocupados com planos de privatização de água, este é um assunto urgente que requer atenção.

O Capítulo 3 do NAFTA define obrigações, incluindo direitos de tratamento nacional, referentes ao acesso ao mercado para o comércio de mercadorias. Utiliza a definição do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de “bem” que define “águas, incluindo águas naturais ou artificiais, e águas gasosas” como um bem e introduz uma nota explicativa que a “água natural comum de todas as espécies, além de água do mar” está incluída.

Quando o NAFTA estava sendo negociado, os oponentes exigiram claramente que a água ficasse isenta. Os governos argumentaram que não havia água a ser comercializada naquele momento em nenhum dos países do NAFTA. Portanto, a água no seu estado “natural” estava segura. Os críticos argumentaram que uma tal proteção era temporária na melhor das hipóteses e que no momento em que qualquer jurisdição iniciasse a venda da sua água para fins comerciais, seriam aplicadas as medidas essenciais do NAFTA, ficando em perigo o controle público da água.

São três as medidas fundamentais do NAFTA que põem a água em perigo quando esta for comercializada. A primeira é o tratamento nacional, em que nenhum país pode discriminar em favor de seu próprio setor privado quanto à utilização comercial dos recursos de água. Depois que uma licença para exportação de água é concedida a uma empresa interna, os “investidores” – isto é, empresas – dos outros países do NAFTA têm o mesmo “direito de estabelecimento” para a utilização comercial da água que as companhias internas. 

A segunda medida é o Capítulo 11, a cláusula estado-investidor, que se aplicará à água de duas maneiras. Primeiro, se algum país, estado ou província do NAFTA tenta dar autorização para exportação de água somente a companhias internas, as empresas de outros países do NAFTA terão o direito de intentar uma ação para indenização financeira. Segundo, se algum governo do NAFTA introduziu legislação que proibe a exportação de água a granel, segundo a citada lei a água se tornaria automaticamente um “bem” comercial. Os direitos dos investidores estrangeiros citados no Capítulo 11 seriam desencadeados pela mesma lei que os exclui, podendo exigir indenização financeira por oportunidades perdidas.

A terceira medida fundamental é o Artigo 315, “participação proporcional”, a mesma medida que criou um mercado continental para a energia. De acordo com os Artigos 315 e 309, nenhum país pode reduzir ou restringir a exportação de um recurso assim que o comércio for estabelecido. Nem o governo pode aplicar uma taxa de exportação ou cobrar mais aos consumidores de outro país do NAFTA do que cobra a nível interno. As exportações de água seriam garantidas ao nível adquirido durante os 36 meses precedentes; quanto mais água fosse exportada, mais água seria necessária para exportar. Mesmo que se descobrisse que enormes movimentos de água eram prejudiciais para o meio ambiente, os citados requisitos continuariam a vigorar.

A proposta da ALCA acrescenta outra ameça à soberania e conservação da água. Os “serviços ambientais” estão incluídos na lista de serviços que estão sendo negociados pelo GATS. É muito provável que os serviços ambientais, que incluem serviços de água, serão da mesma maneira incluídos na ALCA. Isto significa que  que os serviços de água pública podem ser contestados, segundo as medidas de tratamento nacional do acordo proposto, forçando os serviços públicos, como o fornecimento de água e o tratamento de águas residuais, a serem privatizados e subcontratados por empresas transnacionais de água como a Suez Lyonnaise des Eaux e a Vivendi. Se algum governo tentar entregar seus serviços de água a empresas públicas, estas terão direitos de indenização enormes segundo o Capítulo 11.  

            Esta perda de controle público da água, é um assunto de grande urgência para os países da América Latina, onde a privatização da água, fortemente fomentada pelo Banco Mundial, está a alastrar rapidamente.

Combinado com os acordos OBT e MSF da OCM e os planos dos acordos de “resultado antecipado” no setor das florestas e das pescas, a proposta da ALCA parece ser um desastre para a administração ecológica das Américas.

          

Agricultura e Segurança dos Alimentos

Os agricultores das Américas já sentiram a influência perniciosa da competição global segundo as ordens onerosas dos Programas de Adaptação Estrutural do Banco Mundial e do FMI, bem como as medidas da OCM no setor agrícola. A “cultura” foi retirada da agricultura e substituída por “negócio”. De acordo com o novo sistema global de alimentos, a agricultura, em que os agricultores cultivam alimentos para a população e as comunidades, foi substituída por um sistema agro-alimentar em que as empresas transnacionais de alimentos produzem para obterem lucro e em que as normas de segurança dos alimentos e os direitos dos agricultores pouca ou nenhuma importância têm.

Devido à OCM proibir as importações e exportações, apenas as grandes – fazendas, países, empresas – conseguem sobreviver. Como conseqüência, o Acordo Agrícola da OCM já quase beneficiou exclusivamente as grandes empresas agro-alimentares de todo o mundo, não importa qual o seu país de origem.

Escolhendo os acordos agrícolas da OCM (AA) e as medidas (MSF e OTC), os negociadores da ALCA tencionam dar novos poderes, através deste pacto, para reduzir os direitos tradicionais dos agricultores e desvalorizar as leis sobre a segurança dos alimentos. Segundo as disciplinas da OCM, os agricultores não poderão mais negociar conjuntamente os preços dos produtos com os compradores domésticos e estrangeiros. E a eliminação dos apoios dos preços agrícolas internos para proteção dos agricultores, deixou-os à mercê dos preços internacionais.

Além disso, o ataque do AA da OCM às medidas não tarifárias, como as normas ambientais e os programas de administração de provisões, têm sido utilizado para reduzir a salvaguarda da saúde pública e a proteção dos agricultores. Por exemplo: através da OCM, os E.U. têm contestado com sucesso os requisitos do Japão quanto à verificação de resíduos de pesticidas relacionados com a saúde nas importações agrícolas. Os países já não podem manter provisões de produtos alimentícios de emergência como previsão em caso de seca ou insuficiência de colheitas: agora têm de comprar o que precisam no mercado  livre. “Auto-suficiência de alimentos” significa atualmente ter dinheiro suficiente para comprar alimentos, não a capacidade interna de os produzir.

O acordo das MSF da OCM tem tido um impacto terrível sobre o direito dos cidadãos do mundo a alimentos seguros. O Canadá e os Estados Unidos utilizaram com sucesso o acordo das MSF para derrubarem uma proibição européia sobre a carne de vaca norte-americana que continha hormonas nocivas e, possivelmente, causadoras de câncer. Os E.U., profundamente sensíveis a questões persistentes sobre a doença das vacas loucas, implementaram uma proibição sobre a utilização não terapêutica de hormonas na sua indústria alimentar, citando muitos estudos que as associavam com a doença. O painel da OCM exigiu “exatidão científica” que confirmasse que as hormonas causavam câncer e outros efeitos desfavoráveis para a saúde, enfraquecendo deste modo o princípio preventivo como base dos regulamentos de segurança dos alimentos.  

A ALCA parece pronta para fomentar um modelo agrícola para o hemisfério: os resultados serão devastadores para os agricultores da América Letina.

 

Qual será o futuro da América Latina sob o domínio da ALCA?

Os países da América Central e do Sul e do Caribe estão tendo toda a espécie de promessas acerca da ALCA: são informados que mais comércio e investimento liberalizados criarão a maior potência comercial na história estendendo, deste modo, a prosperidade a muitos milhões da região atualmente sem trabalho ou esperança.

Os latino-americanos deviam examinar muito cuidadosamente estas promessas antes da assinatura deste pacto.

A realidade é que há mais de uma década que a América Latina tem vivido de acordo com o modelo da ALCA. Este se baseia em programas de Adaptação Estrutural do Banco Mundial e do FMI que os latino-americanos conhecem bem. Foram as imposições da liberalização e da privatização da adaptação estrutural que forçaram a maioria a desmantelar suas infraestruturas públicas em primeiro lugar. Para terem direito a atenuação da dívida, muitas dezenas de países das Américas foram forçados a abandonar programas sociais públicos, permitindo a entrada de empresas estrangeiras com fins lucrativos e a venda dos seus “produtos” de saúde e ensino a “consumidores” com recursos.

Presentemente, é permitido a estes países manter o mais básico dos serviços públicos apenas para os pobres. Todavia, estes serviços são tão insuficientes que as empresas não estão interessadas neles e muitos milhões de pessoas do hemisfério passam sem os mais básicos serviços de saúde e educação. Não surpreendentemente, os países da América Latina estão sofrendo uma invasão das empresas de assistência médica dos E.U., como a Aetna International e a American International, que comunicam terem tido um crescimento de 20 por cento por ano na região.

Segundo a ALCA, este processo acelerará, destruindo a medicina tradicional, a educação e a diversidade cultural. Na realidade, o objetivo é a harmonização econômica e cultural universal, afirma um oficial superior norte-americano da OMC, que acrescenta: “Basicamente, este processo não cessará até os estrangeiros finalmente começarem a pensar como os americanos, a agirem como os americanos e – principalmente – a comprarem como os americanos”.

         A última década da liberalização do comércio e investimento já causou grande sofrimento na América Latina.  As taxas de juros sobre o pagamento de dívidas subiram de 3 por cento em 1980 para mais de 20 por cento atualmente. Como uma região, a América Latina tem a taxa mais elevada de distribuição injusta de renda do mundo. Depois de engolir o medicamento do mercado livre, a pobreza é mais elevada que em 1980 e o poder de compra dos trabalhadores latino-americanos é 27 por cento mais baixo. Oitenta e cinco por cento do aumento de empregos tem sido no setor precário sem quaisquer benefícios ou proteção.

Há oito anos inserido na ALCA, o México indica atualmente elevadas taxas de pobreza na ordem dos 70 por cento; o salário mínimo médio perdeu mais de três quartos do seu poder de compra durante aquele período. Noventa milhões de latino-americanos estão necessitados atualmente e 105 milhões não têm acesso a nenhuma assistência médica. A mão-de-obra infantil aumentou dramaticamente; pelo menos, existem atualmente 19 milhões de crianças trabalhando em condições terríveis. A vasta degradação do meio ambiente é o resultado do ímpeto desesperado para explorar os recursos naturais e o uso de pesticidas e fertilizantes triplicaram desde 1996; atualmente existem 80.000 substâncias químicas produzidas e utilizadas nas Américas.

A exploração dos recursos naturais latino-americanos a decorrer atualmente por empresas canadenses e estadunidenses aumentará dramaticamente com o pacto do hemisfério. Empresas transnacionais de exploração de minas, energia, água, engenharia, silvicultura e pescas terão novo acesso à preciosa base de recursos de cada país e o direito de estado-investidor para desafiar qualquer governo que tente reduzir o acesso aos supracitados recursos. A capacidade dos governos protegerem a ecologia ou estabelecerem normas ambientais referentes à extração de recursos naturais ficará bastante reduzida, bem como o direito de garantir os empregos locais em qualquer setor empresarial estrangeiro.

A coligação de sindicatos dos países do Cone Sul afirma que a adesão à ALCA perante tais circunstâncias seria o “equivalente ao suicídio”. Em dezembro de 2000, os principais sindicatos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai realizaram a Cúpula de Sindicatos do MERCOSUL e convidaram os governos a entregar a ALCA aos plebiscitos nacionais, crendo que a derrota seria a conseqüência. Os líderes sindicais afirmaram que o processo da ALCA está aumentando a pobreza na região, impondo “limites sobre as instituições nacionais que devem decidir o futuro de cada país, enquanto afastam os mecanismos que permitem à sociedade garantir uma administração democrática do estado”.

 

Conclusão

Se os termos e recomendações dos Grupos de Negociação da ALCA são a base essencial para um pacto comercial no hemisfério, todo o processo é totalmente inaceitável e os cidadãos das Américas devem agir para o derrotarem completamente. Apesar dos protestos do governo que afirmam terem negociado novas normas para o comércio e investimento com a colaboração total dos seus cidadãos, a proposta da ALCA nada reflete sobre as questões expressadas pela sociedade civil e, ecologistas, grupos de defesa dos direitos humanos e da justiça social, agricultores, povos indígenas, artistas, trabalhadores e muitos outros, consideram que contém as mais chocantes medidas. De acordo com a proposta da ALCA, todos os programas sociais, regulamentos ambientais e recursos naturais estão em perigo. Confome se encontra atualmente, não há colaboração possível que torne este pacto comercial aceitável.

Isto não significa que os cidadãos das Américas se oponham às normas que predominam nos vínculos comerciais e econômicos entre nossos países; desde que se fundamentem em um conjunto diferente de suposições fundamentais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, e em normas ambientais sólidas, os cidadãos das Américas estariam preparados para iniciar um processo que desencadeasse laços mais fortes no mundo inteiro. Todavia, não é possível partir das suposições e objetivos descritos neste plano da ALCA.

Este processo deve começar com a revisão dos acordos atuais do comércio internacional como a OCM e o NAFTA. Chegou o momento de iniciar um novo sistema de comércio internacional baseado nos princípios de democracia, sustentabilidade, diversidade e desenvolvimento, e muito trabalho se tem feito nestes setores. O mais importante é que o mundo do comércio internacional não pode pertencer ao domínio exclusivo de elites protegidas, burocratas comerciais e intermediários de empresas. Quando compreenderem o que está em jogo neste acordo do hemisfério, os povos das Américas se concentrarão para a vitória. É o destino que merece ter.

Maude Barlow é presidente nacional do Conselho de Canadenses, o maior grupo público canadense de defesa dos cidadãos, e diretora do Fórum Internacional para a Globalização. É autora e co-autora  de 12 livros best-sellers. Seu último livro, Global Showdown: How the New Activists are Fighting Global Corporate Rule, com a colaboração de Tony Clarke, será publicado pela Stoddart em fevereiro de  2001.  

FONTES

The State of the FTAA Negotiations at the Turn of the Millennium, documento preparado para a conferência “O Comércio e o Hemisfério Ocidental” ("Trade and the Western Hemisphere"), organizada pela Southern Methodist University, Dallas, Texas, 25 de março de 2000, por Sherri M. Stephenson, Diretora Adjunta para o Setor Comercial, Organização de Estados Americanos 

Report to the Trade Negotiations Committee, documento reservado do Grupo de Negociação da ALCA para o Setor dos Serviços, em que se faz uma descrição do seu mandato, divulgado em outubro de 2000 

Services and Trade in the Western Hemisphere: Liberalization, Integration and Reform, coleção editada por Sherri. M. Stephenson, Brookings Institute, Washington, 2000 

Social Exclusion, Jobs, and Poverty in the Americas, documento preparado para o Fórum sobre a Sociedade Civil das Américas, novembro de 1999, Toronto, pela Aliança Social do Hemisfério e Fronteiras Comuns - Canadá  

Forgotten Promises and Forgotten Lessons: The OAS, the FTAA and Environmental Protection, documento preparado para o Seminário do Centro Internacional para o Desenvolvimento Democrático, Windsor, 5 de junho de 2000, por Christine Elwell, do Sierra Club of Canada  

Navigating NAFTA, A Concise User's Guide to the North American Free Trade Agreement, Barry Appleton, Carswell, Toronto, 1994 

MAI, The Multilateral Agreement on Investment and the Threat to Canadian Sovereignty, Tony Clarke and Maude Barlow, Stoddart, Toronto, 1997  

Whose Trade Organization? Corporate Globalization and the Erosion of Democracy, Lori Wallach and Michelle Sforza, Public Citizen, Washington DC, 1999 

GATS: How the World Trade Organization's New "Services" Negotiations Threaten Democracy, Scott Sinclair, The Canadian Centre for Policy Alternatives, Ottawa, Ontario, 2000

The World Trade Organization, A Citizens' Guide, Steven Shrybman, The Canadian Centre for Policy Alternatives, Ottawa, Ontario, and James Lorimer and Co. Ltd, Halifax, Nova Scotia, 1999   

Invisible Government, the World Trade Organization: Global Government for the New Millennium?, Debi Barker and Jerry Mander, Fórum Internacional sobre a Globalização, San Francisco, 2000 

Este documento teve também a contribuição de Ellen Gould, Vancôver, sobre pesquisa em serviços; de Sarah Anderson, do Instituto de Estudos sobre Políticas, Washington, sobre comércio eletrônico; e de Karen Hansen-Kuhn, da Lacuna do Desenvolvimento, Washington, sobre a América Latina. 

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