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Genocídio e pós-modernidade

Luís Carlos Lopes

Data das atrocidades cometidas durante a Primeira Guerra Mundial a ideia de genocídio, da possibilidade de serem cometidos crimes contra a humanidade e de se preverem punições para tais factos. Entende-se, por consenso, que houve genocídio, sempre que civis ou militares desarmados, presos ou em situação inferior, frente a um poder militar ou policial, são abatidos ou mutilados, havendo ou não um estado de guerra. O direito internacional considera-o como um crime gravíssimo. Obviamente, estes crimes só são reconhecidos e punidos pelos que detêm o poder. Se quem tem o poder os comete, permanecem impunes e não são considerados como tais.

Em nome das bandeiras da paz, democracia, civilização, justiça, religião e, sobretudo, do dinheiro, mercado e riquezas naturais foram e continuam a ser cometidos infindáveis delitos dessa natureza. A maioria deles permanece impune, sofrendo, quando muito, a condenação pública dos intelectuais (escritores, professores, jornalistas, artistas, etc.) que registam informações sobre esses factos. Estes, em diversos países e situações de crise, são também alvos fáceis, porque normalmente ??m??E? as 'armas' que usam apenas produzem ideias. Logicamente, não faltaram e não faltarão intelectuais prontos para racionalizar e justificar genocídios, com argumentos débeis que desafiam o senso crítico daqueles que os ouvem mas que agradam ao poder que servem.

Em matéria de horror, a Segunda Grande Guerra, deixou para trás, em preto e branco, a memória das carnificinas do período compreendido entre 1914 e 1918. Parecia que tínhamos chegado ao limite nos campos de concentração, na política de terra queimada, nos bombardeamentos convencionais e com armas atómicas contra alvos civis. A história do século XX foi de uma violência tremenda, documentada a cores e a preto e branco pelo cinema e por outros registros macabros de triste memória. A matança continuou nos chamados episódios quentes da Guerra Fria, que deixaram o saldo de milhões de mortos e mutilados.

A defesa mais vigorosa da ideia da paz e os documentos contemporâneos relativos aos direitos humanos nasceram dos escombros da Segunda Guerra, assim como a Convenção de Genebra nasceu da Primeira, na tentativa de limitar o horror ou, talvez, de atender aos protestos populares. O movimento pacifista do pós-guerra foi um dos responsáveis por impedir que se usassem de novo as armas nucleares. Juntamente com o equilíbrio de poder bipolar, o pacifismo concorreu para limitar a tragédia e para a localizar, impedindo a generalização. Mas foi incapaz de evitar inúmeros casos de genocídio. Uma lista, a mais violenta que a natureza já produziu, que deveria envergonhar-nos como espécie biológica.

A descolonização da África e da Ásia não impediu o aparecimento de inúmera??m??E?s guerras, com incontáveis casos de genocídio passados e presentes. O fim do "socialismo real", representado pela queda do Muro de Berlim, também não trouxe a paz, nem impediu a sucessão de casos similares. De certa forma, estimulou-a, como nos casos da antiga Jugoslávia e da velha União Soviética. Aliás, já se tinham verificado antes, no leste europeu e na Ásia vermelha, inúmeros casos. O pacifismo norte-americano dos anos sessenta e setenta, como outro exemplo, foi uma das razões da retirada do Vietname, uma guerra, como todas as outras, começada e ganha no terreno da política. Mas nada disto evitou a continuação dos crimes contra a humanidade.

Os Estados contemporâneos usaram e usam da força para punir, aterrorizar e ganhar qualquer guerra ou simples conflito social, quebrando a moral do 'inimigo' com a síndrome do medo. Mesmo quando este 'inimigo' é nacional e civil. Este 'inimigo' na maioria dos casos era infinitamente mais fraco e impotente e sua força residia sobretudo nas suas convicções ou inocência. Se ele não existe, o poder inventa-o, desenvolvendo uma série de justificativas para o massacre. Fazem parte delas, a necessidade nunca revelada publicamente de usar o arsenal, de o testar e de fazer girar o negócio altamente lucrativo das armas de guerra. Tem havido sempre uma razão maior a considerar, tal como a luta contra o comunismo ou sua defesa, a superioridade de raças e de crenças religiosas e a justificativa ocidental de superioridade civilizacional. Do outro lado, o ocidente é diabolizado e considerado a terra dos males sem fim. O oriente veste o manto da pureza e da crença de que os seus problemas são apenas aqueles que, desigualmente, vêm de fora para d??m??E?entro da sua realidade.

Quando se trata de 'inimigos' estrangeiros, tudo fica mais fácil, principalmente, quando se divide a humanidade no binómio civilização-barbárie. O desenvolvimento económico e tecnológico não conferiu a qualquer país a posição de superioridade civilizacional, que incluiria, por exemplo, não praticar o genocídio. Aliás a barbárie e a civilização existem, em graus distintos, em todas a culturas.

Na América Latina, o sequestro, a tortura e a execução extra-judicial, formas contundentes de genocídio, foram usadas sistematicamente pelos governos, durante os períodos ditatoriais, contra opositores armados e desarmados. Mesmo depois, continuam, como antes das ditaduras, a serem usadas em alguns conflitos sociais e, especialmente, na repressão violenta ao crime comum, filho directo da miséria, da ignorância, da corrupção do Estado e da celebração política e social da cultura da violência. Os exemplos são muitos e variados. Não é fácil classificá-los, tal a diversidade e a complexidade que os envolvem. Entretanto, não é possível naturalizá-los, acreditando que não poderia ser de outro modo.

A acção directa do século passado, uma das bases do velho anarquismo, tinha quase sempre endereço certo. Atentados contra o poder, os seus representantes e beneficiários. A acção directa contemporânea, desenvolvida a partir dos anos sessenta, foi perdendo direcção e legitimando progressivamente a mesma lógica do inimigo. Tudo começou com a crença de que podiam substituir à ação colectiva pela acção de pequenos grupos. Esta crença, levada ao paroxismo nos anos sessenta, explica o desdobra??m??E?mento de vários fenómenos posteriores. Nos anos setenta, estava pronto o quadro da catástrofe. Nenhum destes movimentos chegou ao poder. Os que estiveram ou estão perto, foi porque se aproximaram da acção colectiva.

Alguns destes movimentos revolucionários crepusculares legitimaram o uso da força bruta contra inocentes. Entende-se o desespero destes grupos, frente ao facto de estarem em estado de suprema opressão e, em muitos casos, de desvinculamento de suas bases sociais. Mas, o seu destempero e falta de cuidado na escolha dos alvos, facilitou a acção dos inimigos que se propunham combater. O que a média e os governos ocidentais chamam de 'terror' brota do sal da terra e fica mais difícil de funcionar quando as causas de sua criação são atenuadas. Mas é bom lembrar que toda guerra é política e apenas é possível ganhá-la neste terreno. As acções tácticas destes movimentos acreditam certamente em conceitos muito antigos, de fundamentação religiosa, tais como as ideias de pecado e de castigo. Infelizmente, este moralismo antigo também é apropriado por nações ricas e militarmente poderosas

O militarismo extremado, por mais que se auto-considere legítimo e como resposta à opressão, pode levar à perda do sentido das coisas e reabilitar a ideia do castigo ao que lhe parece diferente. O perigo reside neste tipo de juízo, afinal o mesmo do opressor. Como as guerras só podem ser ganhas ou perdidas no terreno da política, a lógica do problema consiste em aproximar-se ou diferenciar-se, ganhando aliados ou minando qualquer possibilidade de apoio. O isolamento político equivale à morte em qualquer conflito. Ganha, quem sabe negociar e propor soluções. Perde, qu??m??E?em acredita piamente que o "poder está na ponta do fuzil".

Os atentados perpetrados no fatídico dia 11 de Setembro, nos EUA, foram genocídios. Assim como, a política externa do mesmo país contabiliza inúmeros casos de genocídio, sempre justificados e jogados para debaixo do tapete. Mas, o que confere o carácter de genocídio ao caso norte-americano é o facto de, sem quaisquer justificativas plausíveis, terem sido vitimados centenas de inocentes, desarmados e sem quaisquer possibilidades de defesa. Nenhuma crença política ou religiosa pode justificar tal barbaridade. Nem mesmo a humilhação, raiva e ressentimento causados por se ver tanta injustiça no mundo, justificam matar civis sem qualquer envolvimento directo e, na maioria dos casos, nem sequer indirecto, com a política externa da maior potência do mundo. Assim como, não temos quaisquer dúvidas de que, sob a benção de uma retaliação, têm vindo a ser cometidos crimes similares no Afeganistão, apesar da visão parcial e cerceada dos factos que envolvem esta guerra. Como sempre, com o tempo, teremos maiores e assombrosas revelações.

Neste contexto mediático de propaganda política de guerra, fica difícil saber com maior exactidão o que realmente aconteceu no dia 11 de Setembro de 2001. Não há interesse em esclarecer com mais detalhes os factos. Só podemos dizer que não é possível acreditar integralmente nas versões que vêm sendo apresentadas, que têm o claro intuito de mobilizar e justificar qualquer acção no cenário de guerra e nos países que se consideram directamente atingidos e ameaçados. Muitos justos estão pagando pelos pecadores. Os tradicionais direitos de cidadania foram re??m??E?lativizados em nome da segurança nacional, aliás um argumento típico da época da Guerra Fria. A pós-modernidade não consegue produzir nada muito diferente do passado moderno, os seus signos continuam os mesmos. Quando necessário são recuperados, tais como a onda de conservadorismo político, mediático e social que percorre o mundo no momento presente.

Quaisquer formas de genocídio devem ser abominadas por quem ainda acredita que é possível criar contextos mais favoráveis à melhoria das condições de vida e de liberdade dos povos. Mas, também, é preciso entender em que condições tais práticas nascem, para poder combatê-las nas suas verdadeiras raízes.

Dez.01

 

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