
Uma breve
História do Ser Humano
no Espaço do Coração...
Washington Araújo
Muito antes de Platão descrever sua
analogia acerca dos homens das cavernas, que tão acostumados com a
escuridão em que viviam, condenavam aquele que encontrara a luz como um
simples cego, que renunciando a luz da escuridão invocava a escuridão
como única e possível luz, esses mesmos homens - e mulheres, diga-se -
sentiam essa fisgada na alma, essa louca escapada do plano do ser para o
plano do espírito e que depois, com o correr do tempo e surgimento
(in)consequente de filosofias mil que pareciam vir à tona em baldes d’agua
fundos e transbordantes, apareceu com o nome de desejos humanos.
Um dia ao entardecer aquele homem desejou
com toda a intensidade que lhe era peculiar, um céu estrelado. Olhou
dentro de si mesmo o suficiente para que não visse o tempo passar e eis
que exausto com tão imensa demanada de desejos olhou para fora e
encontrou um vasto campo semeado de estrelas acima de seus olhos. Era
demais o espetáculo. E este mesmo homem desejou outra vez uma
preliminar do céu estrelado, aqueles minutos em que as cores se
embriagam de luz e se personificam as velhas tragédias que em breve
vestiriam os próximos milênios: um crepúsculo desejado por um humano.
Ele viu que uma vida vale tanto quanto
essa fisgada de desejo que atravessando seu coração e mente
aterrissava no vasto plano das probabilidades humanas. E cada
probabilidade traz em seu bojo nada menos que 1844 desejos humanos.
Dentre esses quase dois mil desejos humanos ele descobria embevecido que
era fruto do desejo e que o desejo estivera por aí antes dele pisar na
terra dos que amam e também, para sua crescente surpresa e
encantamento, compreendia pela primeira vez que no amor se encontravam
herméticamente acondicionadas 72 loucuras.
Desejou lançar uma mensagem de paz e
fraternidade aos demais territórios habitados por alguma coisa
inteligível: seu pensamento e sua vontade. E como seus desejos humanos
eram muito intensos entendeu que deveria remetê-la em 19 partes,
lançando 19 garrafas com pedidos de esperança e satisfação da carne
e do espírito.
As garrafas seguiram, estritamente
conforme seus desejos, nos diferentes destinos:
1. Em um vilarejo chileno onde um homem
desejava concluir seus 20 poemas de amor. A garrafa lhe trazia uma
canção desesperada. Era o canto geral ecoando por minas de carvão,
por corpos esquálidos e subnutridos de uma região que depois se
chamaria América Latina.
2. Em um asteróide. Era o B-670, prenhe
de desejos de pureza e inocência. Seu habitante havia colocado o
cachecol e aproveitando o vôo de pássaros selvagens que imigravam,
trouxe à Terra a busca da pureza original em contraponto àqueles
tempos em que o pecado original a tudo dominava e... perseguia.
3. Em uma nave que cruzando o espaço
desejava encontrar alguma inteligência viva. Hal 9000 seria o
destinatário da terceira mensagem. Enquanto Hal lia a mensagem
lágrimas de metal liquefeito jorravam em abundância calando os
últimos acordes de Assim Falou Zaratustra. Hal desejou então que
Kubrick não tivesse acesso à mensagem. E esta ficou então guardada em
algum armário do Vaticano junto com o segredo de uma portuguesa chamada
Fátima.
4. Em uma rua cheia de pedestres que
olhavam o céu aterrorizado e embevecidos com a estranha flor que surgia
no céu, fazendo uma chuva de areia inédita naquela parte do Japão.
Hiroshima passava a ter uma rosa que desejava ler a mensagem da garrafa.
Era a quarta e ninguém poderia continuar ouvindo os rostos se amassando
e mudando de forma a cada nova ventania. Gritos do silêncio que somente
poderiam ser ouvidos então por Steve Biko. Mas, ele desejou que ele
ainda não houvesse nascido.
5. Em Eldorado de Carajás, uma mulher
com um facão o brandia destemida contra seu forte oponente, fardado e
que após se desfazer de sua cédula de identidade, portava uma
metralhadora com pouca munição. Mas munição suficiente para desejar
interromper 19 vidas em plena mata paraense. Ocorria nesse exótico e
surpreendente país chamado por uns Brasil e por outros, com mais
propriedade, Brazil.
6. Três garrafas chegaram ao mesmo tempo
em uma região muito próxima: Treblinka, Sobibor, Auschwitz. Seis
milhões de pessoas desejavam-nas desesperadamente e por elas trocariam
suas roupas por uma lufada de gás puro que asfixiava não apenas seus
pulmões mas também toda essa idéia que muitas vezes vaga atende pelo
nome de humanidade. Esses milhões desejaram encontrar humanidade e
encontraram um estranho silêncio no mundo. O silêncio dos cúmplices
que depois poderia ser chamado de o Silêncio dos Inocentes.
7. Ema uma casa norte-americana onde
nasceria Holden Caulfield que muito antes de ser um
"apanhador" no campo de centeio, seria um esboço bem acabado
(quase uma arte-final segundo os entendidos) da hipocrisia que dominaria
as classes dominantes nos séculos seguintes.
8. As outras dez garrafas ainda não
foram encontradas. Diz-se que uma delas viera sob encomenda para um
músico surdo e continha a partitura daquela que viria a ser o que
conhecemos como a 9a. Sinfonia. Uma outra, mas e rumor, teria sido
encontrada pela Anistia Internacional e descrevia em detalhes os desejos
ocultos dos que interrompiam, diariamente, as vidas dos menos preparados
para viver sob a lei da selva de Mãe Luíza. Em tempo: essa notícia
chegava de Natal.
Ele se cansou de desejar. O desejo lhe
trazia dor. E na dor, uma certa desesperança. O desejo - enquanto
filtrado pela luz da consciência - lhe conduzia, na maioria das vezes,
a lugares que não deveriam ser visitados uma segunda vez. A
deseperança dos que sempre desejaram (desde aquela primeira aurora logo
depois do Big Bang) um mundo unido e sem fronteiras, sem ismos e sem
quistos.
Um mundo tão cheio de arte e música, de
vida e alegria que instituições como a Anistia Internacional, America’s
Watch, Centros de Direitos Humanos e MNDHs, Greenpeace, Foruns Bertrand
Russel... somente poderiam ser visitados através de museus virtuais,
uma vez que deixaram de existir há muito, por absoluta falta de
utilidade.
Agora estavam sendo implantados Centros
de Desejos Humanos em toda a cidade com de três habitantes. Em todos os
Centros um desejo
Anistia para os Desejos
Humanos
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