Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

    

O Esporte e o Lazer à Luz dos Direitos Humanos

Maria do Rosário
Deputada Estadual PT/RS

O Seminário Estadual de Esporte e Lazer, realizado pelo DESP – Departamento de Desportos do Governo do Rio Grande do Sul, possibilita um debate contemporâneo e indispensável à sociedade e ao governo, em especial ao poder executivo, abarcando-se dimensões essenciais da vida, educação, saúde e cultura. Nossa contribuição está em pontuarmos o tema "Gestão do Esporte e Lazer: Direitos Humanos e/ou Necessidades Sociais?"

Saudando a iniciativa, apresentamos aqui, brevemente, nossa compreensão do esporte e do lazer na perspectiva dos Direitos Humanos, enquanto direitos sociais imprescindíveis do ser humano e, portanto, com reconhecimento universal.

A universalidade e a indivisibilidade dos DH

 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) está estruturada de modo que o 1°, o 2° e o 3° artigos fundamentam todos os demais e, do 4° ao 21° se agrupam os artigos referentes aos direitos civis e políticos e, por fim, do 22° ao 30°, os artigos que sustentam os direitos econômicos, sociais e culturais.

Adotada e proclamada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) na sua Resolução 217A(III) de 10 de dezembro de 1948, a DUDH responde ao clamor dos povos diante do terror que se abateu sob a comunidade internacional durante a segunda Guerra Mundial (1939-1945). Pode-se dizer que, a Segunda Guerra Mundial trouxe ao cotidiano dos povos a preocupação com a garantia do respeito aos Direitos Humanos. Passando a ser inadmissível a tolerância a conflitos e fenômenos desumanos experimentados pela humanidade durante a guerra, sob o verniz de supostas verdades científicas e da ideologia nazifascista.

No seio da DUDH estão as noções de universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos. Universalidade por referir-se ao conjunto da humanidade e a cada ser humano em particular, à comunidade de nações e à cada nação em particular, afirmando princípios universais de direitos à vida, à liberdade, à igualdade em dignidade e direitos. Ao lado de seu caráter universal, os Direitos Humanos são indivisíveis. Este caráter de indivisibilidade foi reconhecido de forma incontestável pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, em 1993. Afirmou-se a impossibilidade de associar os chamados direitos de primeira geração, direitos civis e políticos, dos direitos econômicos, sociais e culturais. Por razão muito simples: como afirmar-se o direito à vida sem o necessário provimento das condições básicas como alimentação, moradia e vestuário que, afinal, dignificam a vida? Como assegurar o direito à liberdade de expressão sem o acesso garantido à educação de qualidade, através da qual as pessoas asseguram de fato a possibilidade de serem críticas, criativas e livres para se expressarem? E o direito ao voto sem trabalho, emprego e renda mínima, não se constitui numa noção muito limitada de democracia? Enfim, à medida em que se expandiu a conscientização quanto os Direitos Humanos se firmou a dimensão de inclusão de absolutamente todos em todos os direitos.

Outro aspecto da DUDH a ser considerado diz respeito a afirmação de que os Direitos Humanos são uma conquista da humanidade que reagiu a um processo histórico que violentou a dignidade humana e se destinava a privá-la se modo permanente do exercício da liberdade e da vivência da solidariedade entre os povos. Conforme diz o "Preâmbulo" da DUDH :

"Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; ... que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos gozem de liberdade de palavra e de crença, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta aspiração do homem; ... que é essencial a proteção dos direitos do homem através de um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão; ... que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações; considerando que, na Carta, aos povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declararam resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla; ... que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efetivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais;

Estes "considerando..." do Preâmbulo da DUDH preparam o caminho para a proclamação dos direitos que principiam no 1° e fundamental, a referenciar os que o seguem: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade."

Portanto, a DUDH não pode ser entendida apenas como uma proclamação de propósitos, mas como um instrumento consensual que sinaliza para os Estados signatários, o que efetivamente devem integrar e concretizar em seus ordenamentos jurídicos, políticos, econômicos e culturais para a proteção dos Direitos Humanos.

Passados 52 anos da proclamação da DUDH seus princípios se vêem ameaçados por uma nova concepção totalitária de sociedade fundada na absolutização do mercado financeiro e na atribuição de poderes sem precedentes a corporações empresariais e grupos econômicos com braços estendidos ao conjunto das nações do mundo contemporâneo. Esta nova ordem internacional subordina interesses de nações e povos, bem como sacrifica princípios consagrados na DUDH em nome da desregulamentação e flexibilização dos direitos em plano global.

Décadas se passaram e problemas estruturais permanecem: o endividamento externo dos países que formavam o "Terceiro Mundo"; o abismo existente em termos de desenvolvimento humano existente entre os países europeus e norte-americanos e os países do continente africano, especialmente da África subsaárica; as crises cíclicas da economia, associadas às reservas de energia (petróleo) e à crescente financeirização do mercado internacional; ao lado disto, acrescenta-se a permanência de conflitos étnicos e políticos que precederam às guerras mundiais como a questão palestina ou confrontos nos Balcãs e no leste europeu.

Paradoxalmente, chegamos ao final do século XX, com um agravamento das violações dos Direitos Humanos e com ameaças cotidianas à paz mundial, mas a DUDH está aí, em vigor, como instrumento permanente para referenciar a luta pela paz e pelos Direitos Humanos. Ao lado dela, vieram a somar-se os pactos, tratados e as convenções como documentos de direitos produzidos ao longo das décadas que se sucederam a 1948, além disto, muitos países, inclusive o Brasil, produziram seus planos internos de Direitos Humanos de modo integrado aos instrumentos internacionais. A própria Constituição Federal brasileira, de 1988, em seus artigos, especialmente do 1° ao 5°, insere-se neste espírito de garantia de direitos e de respeito ao ordenamento jurídico mundial em relação aos Direitos Humanos.

Entretanto, no caso brasileiro, é voz comum a inoperância do governo federal para assegurar as garantias previstas no Plano Nacional de Direitos Humanos, que, inclusive, é considerado limitado porque não se refere aos direitos sociais, econômicos e culturais.

Os direitos econômicos, sociais e culturais

O artigo 22 da DUDH faz a abertura do grupo de direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis no trato da dignidade humana: "Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país."

Os princípios presentes no artigo 22 da DUDH foram reafirmados, através do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), juntamente com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, na Assembléia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, ambos ratificados pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992 e em vigor desde 24 de abril de 1992 e promulgados em 6 de julho de 1992, através dos decretos 591 e 592, respectivamente. Estes Pactos Internacionais têm o objetivo de conferir o caráter de obrigatoriedade aos compromissos estabelecidos na DUDH. A violação dos direitos consagrados nos Pactos por Estados signatários os tornam passivos de responsabilização internacional.

Encontramos os direitos ao descanso e ao lazer no artigo 7° do PIDESC, conforme segue:

"Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

  1. uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores:

  2. um salário eqüitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção;

  3. em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles, por trabalho igual;

  4. uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto;

  5. condições de trabalho seguras e higiênicas;

  6. igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo, de trabalho e de capacidade;

  7. ______

(6). descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados."

Direito ao esporte e ao lazer

Na Constituição Federal, abre-se o Capítulo II, dos Direitos Sociais, na perspectiva do PIDESC:

"Art. 6° São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XV — repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;"

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), refere, em seu Art. 4°, que:

"É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."

O conjunto destas legislações consagra os direitos econômicos, sociais e culturais como direitos imprescindíveis à dignidade humana, que promovem o bem-estar e desenvolvem as habilidades da pessoa e da coletividade.

À luz desta perspectiva, entendemos o esporte e o lazer como direitos sociais assentados nos direitos fundamentais da pessoa humana e da coletividade. Esta compreensão supõe uma visão da indivisibilidade dos direitos humanos que, por sua vez, assenta-se na integridade da pessoa humana, sua complexidade e suas potencialidades sociais que atingem, através do esporte do lazer, espaços propícios ao seu desenvolvimento saudável. Idosos, jovens, crianças e adolescentes constituem o público alvo e diferenciado dos direitos sociais, necessitando, portanto, políticas públicas específicas às faixas etárias correspondentes:

"Uma vez que entendemos que na prática esportiva se formam identidades sociais que se reúnem em grupos e categorias de pessoas simbolizadas pelos jogadores ou por seus times, ampliando as oportunidades de expressão de diferenças sociais e culturais, além de diferenças em relação ao conhecimento que uns têm dos outros e da própria prática que se faz... Por sua vez, lazer tem para nós o sentido da vivência privilegiada do lúdico que materializa a experiência sociocultural movida pelos desejos de quem joga e é coroada pelo prazer. Prazer que se funda no exercício da liberdade e, por isso, representa conquista de quem pôde sonhar, sentir, decidir, arquitetar, aventurar e agir, esforçando por superar os desafios da brincadeira, consumindo o processo do brinquedo, recriando o tempo, o lugar e os objetos em jogo e usufruindo do seu processo/produto que, em sua exuberância, é uma festa."

Portanto, o esporte e o lazer se constituem em espaços de ação educativa, onde são afirmados e vivenciados valores positivos para o indivíduo e para a vida em sociedade. Valores como os afirmados no Manifesto Mundial da Educação Física – FIEP - 2000: educação física como direitos de todos, como questão de saúde e educação e educação física como fator para uma cultura da paz:

"A Educação Física deve contribuir para a Cultura da Paz, ao ser usada no sentido de uma sociedade pacífica de preservação da dignidade humana através de iniciativas de aproximação das pessoas e dos povos, com programas que promovam cooperações e intercâmbios nacionais e internacionais."

Neste aspecto, atribuímos ao Estado um papel fundamental na proposição das políticas sociais e, neste caso, promovendo ações voltadas para a valorização do esporte e do lazer na perspectiva dos direitos humanos e, portanto da valorização da pessoa humana e de sua vivência sociocomunitária.

O Estado constitui-se em um centro capaz de articular outras esferas de poder em torno de um projeto hegemônico e conferir estabilidade e continuidade a uma política de garantias direitos, além da positivação da mesma em seu sistema legal. Essa ação do Estado deve combinar-se às iniciativas da sociedade em suas diversas formas de organização autônomas, potencializando-as. A garantia de direitos genericamente inscritos na legislação necessita de instrumentos (programas e serviços) concretos para sua efetivação. A política de garantia dos direitos humanos deve ser desenvolvida combinadamente entre a sociedade e o Estado, porém, a continuidade dessa política não pode ser comprometida pela dinâmica da vida das organizações não-governamentais e o financiamento da mesma deve ter a participação preponderante dos governos. A criação de organismos de controle do Estado pela sociedade, por outro lado, objetiva conter as tendências burocráticas e autoritárias próprias do aparato estatal.

Embora, o poder econômico tenha suplantado ao poder político e à cultura, afinal, gigantescas corporações empresariais, as multinacionais, cada vez menos necessitam intermediários políticos para dominar o mundo, ainda insistimos em atribuir ao Estado um papel decisivo nas políticas sociais.

A práxis que vivenciamos em nossa atuação parlamentar, através da CCDH, é testemunho ocular e epidérmico desta conjuntura. Vivemos em um tempo de contradições, no qual , por um lado, todas as condições para o bem estar das pessoas são atingidas pelo extraordinário avanço da ciência e da técnica, mas que, em outra perspectiva, privatizações, automatizações e terceirizações põem parcelas expressivas da sociedade na marginalidade social, vulnerabilizando-as ao máximo.

Na cidade de Porto Alegre, como experiência de poder local, ocorre a participação direta da população na elaboração do orçamento, no seu controle e na sua execução, bem como na definição das políticas na área da criança e adolescente, mulher, idosos, assistência social, esporte, lazer e desenvolvimento econômico, entre outras áreas. Através dos conselhos a sociedade passa a ter instrumentos para determinar o que é prioritário. Esse conceito contrapõem-se à ideologia do Estado Mínimo e afirma um Estado de garantias e sob o controle da sociedade.

Esporte e lazer para todos

Uma reflexão final gostaríamos de pontuar a necessidade de o Estado promover uma política voltada para o esporte e o lazer à luz dos direitos humanos. Isto significa propor políticas em primeiro plano, de inserção das camadas mais excluídas e discriminadas, das crianças e dos adolescentes, enquanto prioridade efetiva, dos portadores de deficiência, dos negros e negras, dos povos indígenas e dos pobres de um modo geral.

É paradoxal, mas real. O Brasil notabiliza-se internacionalmente pela injustiça social imposta historicamente, a qual produziu um abismo social só comparável às nações mais subdesenvolvidas do mundo. Conforme o Relatório do Desenvolvimento Humano 2000 da ONU, o Brasil ocupa a 74ª posição no Índice do Desenvolvimento Humano (IDH). Se fosse considerado somente as camadas mais empobrecidas, exceto as camadas médias e alta da pirâmide social brasileira, despencaríamos no IDH para posições semelhantes as da Nigéria, Uganda etc., ou seja, os mais baixos índices de desenvolvimento humanos, enfim, de vida no mundo. Entretanto, também nos notabilizamos por já termos o principal piloto da Fórmula 1 e hoje temos o tenista número 1 do mundo. Ao lado disso, os jogadores de futebol mais bem pagos, a seleção de futebol mais cara, os contratos milionários entre clubes e empresas multinacionais etc.

O que queremos dizer com isto? Que, simultaneamente, participamos da elite mundial do esporte e do lazer e lideramos o que poderíamos chamar de índice de exclusão social, o ranking do atraso nas políticas sociais de inclusão das camadas populares, de todos, em termos de direitos sociais, econômicos e culturais e, portanto, no acesso ao esporte e ao lazer.

Pelo exposto, é imperativo que ocorra uma aplicação rigorosa dos recursos públicos e da captação de recursos privados em uma nova lógica de investimento em esporte e lazer, isto à luz dos direitos humanos que referimos e sustentamos em nossa prática política, parlamentar, na gestão do Estado e nos movimentos sociais.

 
Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar