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Cultura dos Direitos Humanos

André Franco Montoro*


Não basta ensinar direitos humanos. É preciso criar uma cultura prática desses direitos. As palavras voam. Os escritos permanecem. Os exemplos arrastam. O caminho é avançar no exercício da solidariedade.


Resumo
Da Primeira Guerra Mundial (1914-1919) resultaram – como reação e protesto – o movimento dadaísta, o surrealismo e a angústia existencialista. A Náusea. O Ser e o Nada.

Da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) resultou – como reação positiva contra o totalitarismo e a explosão nuclear – a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.
A Declaração Universal é o maior documento do século 20 e afirma – contra o subjetivismo ético e a pretensa neutralidade do pensamento positivista – um valor fundamental, universal e objetivo: a pessoa humana e reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana (Preâmbulo).
O desrespeito aos direitos humanos fundamentais resulta – como lembra a Declaração – em atos bárbaros que revoltam a consciência da humanidade.
E o respeito a esses direitos constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, na família, na cidade, no país e no mundo.

Antecedentes Históricos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, como "o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações" é resultado de uma longa história.
Atribui-se a Nietzsche a afirmação de que o século 20 seria o século das guerras. Mas a guerra não é apenas luta armada entre nações. Ela tem conseqüências sociais e culturais imprevisíveis.

A guerra de 1914 correspondeu ao fim de uma época histórica. Nas trincheiras de batalha enterrou-se a Belle Époque e ruíram as grandes esperanças do século 19, marcado pelo notável desenvolvimento da ciência e da tecnologia, com as descobertas do automóvel, do telefone, do avião. A Exposição Mundial de Paris, em 1900, mostrava orgulhosamente ao mundo todas as conquistas do século 19 e foi o coroamento da época do otimismo burguês. O pensamento filosófico dominante era o positivismo de Auguste Comte, que reduzia toda a sabedoria humana à ciência positiva, físico-matemática. Era o estado definitivo da humanidade aberto ao progresso.
Com a guerra, a ciência e a técnica passaram a produzir armamentos terríveis, metralhadoras, tanques, aviões de bombardeio. A euforia da Belle Epoque se transformou em pesadelo. Milhares de jovens perderam a vida de forma estúpida. As novas gerações tomaram consciência da falência dos ideais do século 19 e ergueram-se em protesto. A manifestação artística dessa revolta eclodiu em plena guerra, em 1915, com o dadaísmo – Dadá, nome escolhido a esmo num dicionário, com o significado de cavalinho na linguagem infantil – movimento contra os valores da burguesia, do dinheiro, do progresso material e da moral de aparências. Nos anos 20, surge em Paris o movimento surrealista: o que o homem civilizado chama de realidade é apenas aparência. É preciso ver além das aparências e ir à vida profunda das coisas. Dadaístas e surrealistas procuravam desmistificar uma sociedade que acreditava na ciência e no progresso, mas produzia destruição e tragédias. É nesse quadro histórico que surge a náusea, de Sartre e as diferentes manifestações do existencialismo, com a consideração pessimista da tragédia existencial. "O ser e o nada".
A esse clima de negativismo, de desânimo e negação de valores, seguem-se dias piores, com a crise econômica e o surgimento dos fascismos, o nazismo e a Segunda Guerra Mundial.

O desastre da Segunda Guerra e a experiência totalitária, com os horrores do nazismo e do stalinismo provocam não apenas a reação negativa de protesto, mas, pela primeira vez na história, uma resposta afirmativa em escala mundial: a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Pessoa, Valor Fundamental

Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a Declaração Universal é a afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: "a dignidade inerente a todos os membros da família humana". As pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas.
Essa "reconstrução dos direitos humanos", na feliz expressão de Celso Lafer, significa o retorno aos valores da ética nos múltiplos campos da cultura e da vida social.
Na segunda metade do século 20, é impressionante o volume de publicações sobre ética em todas as partes do mundo e em todos os setores do conhecimento. Ética na política, no direito, na indústria, no comércio, na administração, na saúde, na educação, na justiça, nos negócios, no esporte, na ciência, na economia, na comunicação. As obras sobre ética em seus múltiplos aspectos enchem as estantes das bibliotecas e das livrarias.

"Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico contemporâneo? pergunta José Arthur Gianotti, em estudo que integra a obra coletiva sobre Ética, editada pela Secretaria Municipal de Cultura, de São Paulo e a Companhia das Letras, em 1992.

A resposta talvez possa ser indicada no título de um romance célebre, Ilusões perdidas. Quiseram construir um mundo sem ética. E a ilusão se transformou em desespero. No campo do direito, da economia, da política, da ciência e da tecnologia, as grandes expectativas de um sucesso pretensamente neutro, alheio aos valores éticos e aos direitos humanos, tiveram resultado desalentador e muitas vezes trágico.
No Campo do Direito
"Uma consideração do direito cega aos valores é inadmissível" (Radbruch).


"Se o direito se reduzisse a um imperativo da força coercitiva da sociedade, os atentados à dignidade humana praticados nos campos de concentração seriam juridicamente inatacáveis".


No campo do direito, teorias do positivismo jurídico, que prevaleceram a partir do final do século 19, sustentavam que "só é direito aquilo que o poder dominante determina e o que ele determina só é direito em virtude dessa circunstância". Ética, direitos humanos, justiça são considerados elementos estranhos ao direito, extrajurídicos. Pensavam com isso construir uma ciência pura do direito e garantir a segurança da sociedade.
A ilusão desse formalismo jurídico foi desfeita com a trágica experiência das guerras mundiais e, especialmente, pela atuação dos regimes totalitários, em que o poder político dominante, principalmente o de Hitler na Alemanha, determinaram normas de extermínio, genocídio e violação de direitos humanos fundamentais. Essa violência provocou a revolta da consciência mundial e a constituição de um Tribunal Internacional, em Nuremberg, para julgar os crimes contra a humanidade, violadores dos fundamentos éticos da vida social. E deu origem ao movimento impulsionado pelas aspirações da população de todo mundo, culminando com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que constitui um dos documentos fundamentais da civilização contemporânea. A Declaração abre-se com a denúncia histórica dos "atos bárbaros, que revoltam a consciência da humanidade". E afirma solenemente como valores universais, os direitos humanos básicos, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à educação, à saúde e outros, que devem ser respeitados e assegurados por todos os Estados e por todos os povos.

Na base da Declaração Universal, há um duplo reconhecimento: Primeiro, que acima das leis emanadas do poder dominante, há uma lei maior de natureza ética e validade universal. Segundo, que o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana. Que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica. É a fonte das fontes do direito.

"A dignidade do homem é inviolável", são as primeiras palavras do artigo 1º da Constituição ou Lei Fundamental da Alemanha, no após guerra. Como texto constitucional, essa expressão tem caráter normativo. Não se trata de simples enunciado ou declaração. "Inviolável", no caso, significa "não pode ser violada". Trata-se de uma norma proibitiva de qualquer ação contrária à dignidade da pessoa humana no território da Alemanha. Qualquer norma legal, administrativa ou ato jurídico que desrespeitar essa dignidade será inconstitucional e, por isso, sem validade. É a reafirmação expressa do valor da pessoa humana como fundamento de toda a ordem jurídica.

Esse reconhecimento retoma a antiga sabedoria jurídica, expressa de forma lapidar no Digesto Romano: "Por causa do homem é que se constituiu todo o direito" (Hominum causa omne jus constitutum est, Justiniano, d. 1.5.2.).
No Campo da Economia
"Não podemos deixar que o mundo se transforme num mercado global, sem outra lei que a do mais forte". (Mitterrand)

No plano da economia, as grandes ilusões perdidas são, de um lado, as esperanças nos grandes planos qüinqüenais da economia estatal centralizada e, de outro, a expectativa das "harmonias econômicas", prometidas por Bastiat e outros mestres do liberalismo econômico, para os quais, como conseqüência do livre jogo das forças de mercado e sem quaisquer compromissos éticos, se estabeleceria um mundo de progresso e felicidade.

O julgamento severo desses dois modelos de desenvolvimento econômico foi feito, em escala universal, pela Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Social, convocada pela ONU, que reuniu em Copenhague, em março de 1995, Chefes de Governo e representantes de 185 países, além de milhares de delegados de organizações não governamentais.

Depois de sucessivas assembléias mundiais dedicadas ao "desenvolvimento econômico", a ONU, por iniciativa do ex-Presidente do Chile, Patrício Aylwin, tomou a decisão histórica de convocar uma reunião de Chefes de Governo de todos os países do mundo para debater os problemas do atual modelo de desenvolvimento, em seus aspectos mais amplos, "Economia e desenvolvimento são assuntos complexos demais para ficar apenas em mãos de economistas e financistas", lembrava um dos participantes do encontro.

A mundialização da economia e o progresso das tecnologias aumentam, cada dia, a interdependência entre as nações. Caminhamos para um mundo só. Chegou-se a admitir que essa mundialização beneficiaria a todos. Mas a globalização oferece contrastes gritantes. Ao lado das conquistas e avanços do desenvolvimento econômico, cresce e se agrava continuamente um quadro de miséria, desemprego, marginalização e desigualdades inadmissíveis.

Os dados são estarrecedores:

- mais de 1 bilhão de pessoas, isto é, uma quinta parte da população mundial passa fome e vive em condições de extrema pobreza;
- no plano mundial, 30% de toda população em idade economicamente ativa estão desempregados;
- em países altamente industrializados, e não apenas nos demais, o desemprego e a exclusão social tornaram-se endêmicos. "Tanto nos Estados Unidos como na Comunidade Européia cerca de 15% da população vivem abaixo do limiar da pobreza", diz textualmente o Documento de Antecedentes da Reunião de Copenhague.
Pobres, desempregados, sem teto, trabalhadores migrantes, meninos de rua, periferias das grandes cidades, minorias marginalizadas, constituem em todo o mundo grupos carentes, vítimas de discriminações de toda ordem. Em lugar da igualdade desejada e das "harmonias" prometidas, existe o contínuo agravamento das desigualdades. "Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres", enfatizou o ex-Secretário Geral das Nações Unidas, Boutros Ghali. A persistência e o contínuo agravamento dessa realidade mostram que não se trata de uma situação conjuntural, mas de um quadro de pobreza estrutural, grave e ameaçadora.
É urgente modificar esse quadro. A pobreza estrutural não é uma fatalidade histórica, mas um desafio à sociedade e uma tarefa a enfrentar. Trata-se de um imperativo ético, de um apelo de nossos povos, que não podemos abafar. Como disse o Presidente da França, Mitterrand: "não podemos deixar que o mundo se transforme num mercado global, sem outra lei que a do mais forte. Precisamos repensar esse mundo e introduzir o social entre os pontos maiores de nossas preocupações".
Na conclusão e síntese de todos os debates, o Documento Final da Conferência recomenda, como ponto fundamental de uma nova visão do progresso: "Pôr o ser humano no centro do desenvolvimento e orientar a economia para satisfazer mais eficazmente as necessidades humanas".

Na mesma linha, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) vem publicando, a partir de 1991, um Informe Anual sobre o Desenvolvimento Humano, que se abre com as seguintes palavras: "Uma onda irresistível de liberdade percorre inúmeros países. Os povos começam a assumir seu próprio destino. Tudo isso evoca o avanço do espírito humano. No meio desses sucessos, estamos descobrindo a verdade elementar de que o centro de todo o desenvolvimento deve ser a pessoa humana".
É a condenação dos programas econômicos, que só enxergam a eficiência e o lucro. Contra a afirmação de que "tudo é negociável" e de que o "lucro é o critério supremo da economia" levanta-se a voz da Assembléia Mundial das Nações para recolocar a pessoa humana como valor ético fundamental da economia e do desenvolvimento.

No Campo da Política

O totalitarismo é a maior negação dos direitos humanos. A pessoa passa a ser simples peça da máquina estatal, sem nenhum direito próprio. Nada fora do Estado, nada sem o Estado, nada contra o Estado.

A trágica experiência das ditaduras totalitárias, que levaram o mundo à guerra, à opressão e à violência, despertaram a consciência humana para o valor fundamental da vida pública, que é a democracia, governo do povo, para o povo e com o povo.
Mas, não tenhamos ilusões, a democracia não é um prato feito, mas um processo, a caminho do modelo desejável. Como lembra Maritain, "a tragédia das democracias é que ainda não conseguiram realizar a democracia. Mas apesar de suas imperfeições e limitações, a democracia é o único caminho por onde passam as energias progressivas da humanidade".

Com esse fundamento, a Declaração Universal define no artigo 21, os seguintes direitos:
"1. Toda pessoa tem direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas de seu país.

3. A vontade do povo é a base da autoridade do governo; esta vontade deve ser expressa em eleições periódicas e honestas, por sufrágio universal, voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade do voto."
A democracia, não apenas representativa, mas também participativa é assim definida como um dos direitos humanos universais. E tem seu fundamento ético na igual dignidade pessoal de todos os seres humanos.
No Campo da Ciência
"A ciência pode apenas determinar o que é, não o que deve ser" (Einstein)
"No campo das ciências e da tecnologia, as ilusões perdidas foram as expectativas provocadas pelas promessas cientificistas do iluminismo do "século das luzes".
O iluminismo é a expectativa de triunfo da razão. Vive no anseio messiânico de advento do reino da ciência e da tecnologia. Os escritores da Enciclopédia são todos otimistas sobre o futuro das ciências. Acreditam firmemente no progresso e no sa-neamento da sociedade graças à difusão das luzes da razão. A ciência e a técnica resolveriam todos os problemas da humanidade.
Mas o surgimento da era atômica, com as tragédias de Hiroshima e Nagasaki, revelou ao mundo um quadro dramático. Atônitos e desiludidos, os homens passaram a não acreditar que a ciência e a técnica possam garantir por si o progresso e a felicidade humana.
O drama dos homens de ciência pode ser sintetizado na angústia de um cientista de gênio como Einstein.
"Nós, cientistas, cujo trágico destino tem sido ajudar a fabricar os mais hediondos e eficazes métodos de aniquilação, devemos considerar nossa missão fazer tudo o que estiver em nosso poder para evitar que essas armas sejam usadas para propósitos brutais. Que missão poderia ser mais importante para nós? Que finalidade social estaria mais próxima de nossos corações?"
E acrescenta: "Por uma penosa experiência, aprendemos que o pensamento racional não é suficiente para resolver os problemas de nossa vida social. O intelecto tem um olho aguçado para os métodos e ferramentas, mas é cego quanto aos fins e valores".
"A ciência pode apenas determinar o que é, não o que deve ser. Esse é o campo da ética e da religião".
Foi-se o tempo em que se esperava da ciência e da técnica a solução de todos os problemas humanos, com a superação da ética, da filosofia e da religião. É ainda de Einstein a advertência:
"A função da educação não pode se limitar à transmissão de conhecimentos. Ela deve ajudar o jovem a crescer num espírito tal que os princípios éticos fundamentais (de honradez, veracidade, respeito ao próximo, solidariedade) sejam para ele como o ar que ele respira. O mero ensino não pode fazer isso" (ibidem)
Por isso, a Declaração Universal estabelece:
"A educação será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do respeito aos direitos e liberdades fundamentais. Ela promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em favor da manutenção da paz."
Uma Ética de Princípios Universais
"O moderno é ler Platão" (Umberto Eco)
"Queiramos ou não, nós fazemos parte do mundo e da sociedade."
Nessa altura de nossas reflexões, é oportuno lembrar a afirmação de Umberto Eco: "O moderno é ler Platão". Não se trata, evidentemente, da figura isolada do filósofo grego, mas de uma referência às linhas fundamentais do pensamento clássico, que atravessa séculos e mantém permanente atualidade.
Na grande tradição clássica, que se desenvolve principalmente a partir de Sócrates, a lei humana ou ética tem o sentido de uma ética cósmica, universal. Isto é, fundada na situação do homem no mundo. Nessa perspectiva, a ética não é apenas um sentimento subjetivo. Mas tem um fundamento numa realidade extramental e objetiva: a lei cósmica universal, a natureza das coisas e, especialmente, a natureza humana. É a perspectiva da consciência comum da humanidade. É claro que as circunstâncias e os costumes variam no tempo e no espaço. Mas há princípios fundamentais que se impõem à consciência humana. Nesse sentido, podemos falar num "realismo ético", cujos valores fundamentais foram proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Essa concepção se opõe às filosofias éticas subjetivistas, que, a partir de Kant, propõem uma ética inteiramente subjetiva, independente, separada do universo e da natureza. Éticas subjetivas, acósmicas e idealistas, na feliz expressão de Maritain, em sua Philosophie Morale, na qual faz um exame histórico e crítico dos grandes sistemas morais.
Em nossos dias, Habermas define a tarefa da filosofia moral como "a reconstrução do núcleo universal de nossas instituições morais."
Como nos lembra o movimento ecológico universal, queiramos ou não, nós fazemos parte do mundo e da sociedade. O que nos impõe a necessidade de respeitar a natureza e o dever ético de "conservá-la para as futuras gerações". É a "ordem cósmica" da natureza a comandar a "ordem ética" do comportamento humano.
Dentro do universo, o mundo humano ocupa um lugar eminente. Aparece o conhecimento reflexivo e a liberdade. É de forma consciente e fundamentalmente livre que o homem desenvolve sua atividade, subordinada às leis da natureza e da ordem universal. Liberty, its use and abuse, é o sugestivo título do tratado de Ética de W. Cox. "Somos à força livres", diz Ortega y Gasset, a nos lembrar que o campo da ética é o campo da liberdade e, acima de tudo, que não somos "coisas", somos "pessoas".
Esse é o sentido da atual reivindicação de ética em amplos setores da vida so-cial. A exigência do respeito à dignidade da pessoa humana – em todas as suas dimensões e em todos os lugares – traduzida na luta universal pelos direitos humanos, é um dos movimentos mais importantes da história contemporânea. A Declaração Universal de 1948 define essa exigência ética e marca a esperança de um mundo mais humano.
Luta pelos Direitos Humanos

Não basta ensinar direitos humanos. É preciso lutar pela sua efetividade. E, acima de tudo, trabalhar pela criação de uma cultura prática desses direitos.
É oportuno lembrar a lição do histórico Relatório da Comissão Internacional sobre a educação da UNESCO, "Aprender a Ser", presidida por Edgar Faure:
"A educação deve oferecer aos jovens conhecimentos científicos e técnicos, mas deve, também, formar, dando-lhes um sentido que oriente suas ações."

Ou, retornando a lição de Einstein:
"A educação deve ajudar o jovem a crescer num espírito tal que os princípios éticos fundamentais sejam para ele como o ar que respira."
Esse tema se situa no centro dos problemas de nossa época e abre caminhos para a construção de um mundo mais humano.

Nos últimos dias, tivemos a oportunidade histórica de assistir um episódio dessa luta. Diante da perspectiva iminente da deflagração de uma luta armada dos EE.UU. contra o Iraque, com conseqüências ameaçadoras de uma nova guerra mundial, um homem de nacionalidade africana, cidadão de Gana e Secretário da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan tomou a iniciativa corajosa de procurar uma solução de entendimento. Ele acreditou na força dos direitos humanos, prestou um serviço à humanidade e deu uma lição exemplar de dedicação à causa da justiça, do entendimento e da paz.

Todos nós sabemos que não é possível de um dia para outro eliminar as injustiças e a violência. Mas torna-se cada vez mais claro que o caminho é avançar na luta pelos direitos humanos e no exercício da solidariedade.
Tarefa dos cidadãos e dos governos democráticos, a construção de um mundo mais humano não será uma dádiva dos poderosos, mas a conquista dos que souberem lutar pela justiça e pela liberdade.

* O autor foi Procurador do Estado de São Paulo, Professor Universitário, Deputado Federal, Senador, Governador do Estado de São Paulo e Ministro do Trabalho.
1. Einstein, Albert. Escritos da maturidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 161, 162 e 277.

 
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