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Comentários do Governo brasileiro ao informe do Relator Especial sobre a Tortura da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas
Sir Nigel Rodley (documento E/CN.4/2001/66/Add. 2)
Genebra, 11 de abril de 2001

O Governo brasileiro agradece ao Relator Especial sobre a Tortura, Sir Nigel Rodley, por haver aceito convite para realizar missão ao Brasil em agosto/setembro de 2000, e pela elaboração de relatório circunstanciado sobre a visita, apresentado à 57a Sessão da Comissão de Direitos Humanos (CDH), em Genebra, no dia 11 de abril de 2001. Sir Nigel visitou cinco Estados brasileiros e o Distrito Federal, tendo-lhe sido assegurado acesso desimpedido a todos os estabelecimentos de detenção, incluindo visitas sem aviso prévio a delegacias de polícia, casas de custódia e presídios. O Relator Especial se entrevistou com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, com o Ministro da Justiça e com autoridades dos três poderes da República e dos Estados visitados, além de representantes de organizações não-governamentais.

2. A promoção e a proteção dos direitos humanos se incluem entre as políticas públicas prioritárias do Governo brasileiro. Nesse contexto, o combate à tortura constitui objeto de atenção especial da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, órgão encarregado do assunto no âmbito do Ministério da Justiça. A maneira objetiva e transparente com que o Governo Federal aborda essa questão e reconhece a existência de problemas no sistema de justiça penal ficou evidenciada no relatório inicial do Brasil sobre a implementação da Convenção contra a Tortura (documento CAT/C/9/Add. 16), a ser apresentado oralmente perante o Comitê contra a Tortura (CAT), em Genebra, no mês de maio vindouro. Essa postura construtiva também se depreende da atuação brasileira no grupo de trabalho encarregado de elaborar Protocolo Opcional à Convenção contra a Tortura, o qual visa a estabelecer mecanismo preventivo de visitas a locais de detenção.

3. O Brasil apóia a cooperação e o diálogo com todos os mecanismos e organismos de direitos humanos, convencionais e extra-convencionais das Nações Unidas. O Governo brasileiro espera que todos os países, independentemente da avaliação que possam fazer de suas realidades internas, recebam os Relatores Especiais da Comissão e cooperem com eles para a execução de seus mandatos. Na avaliação do Brasil, nenhum país, por mais ou menos desenvolvido que seja, pode colocar-se acima do escrutínio da comunidade internacional, pois ao fazê-lo estaria relativizando a própria universalidade dos direitos humanos, consagrada na Declaração e Programa de Ação de Viena (1993).

4. A visita de Sir Nigel Rodley não foi a primeira de um Relator Especial da CDH ao Brasil. Visitaram anteriormente o país os Relatores sobre venda de crianças, prostituição e pornografia infantis; sobre violência contra a mulher; sobre o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlata; e sobre direitos humanos e resíduos tóxicos. Todos eles desenvolveram livremente suas atividades e apresentaram ao Governo brasileiro conclusões e recomendações de grande utilidade para o aprimoramento de diagnósticos e identificação de medidas concretas em seus respectivos campos de ação.

5. A Constituição Federal de 1988 oferece um arcabouço jurídico não apenas compatível, mas absolutamente imperativo quanto à observância dos direitos humanos no Brasil. São vários os dispositivos da Constituição que se referem a princípios e padrões universais de direitos humanos, e a aplicabilidade dos tratados internacionais de direitos humanos é nela plenamente reconhecida. O Brasil é, ademais, parte dos Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e das quatro principais Convenções da ONU sobre direitos humanos.

6. Nos planos interno e internacional, o Brasil foi um dos primeiros países a adotar um Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), atendendo a recomendação da Conferência Mundial de Viena (1993). O Programa Nacional, lançado em 1996, resultou de amplo esforço participativo, no qual as organizações da sociedade civil tiveram a oportunidade de oferecer sugestões e aportes em seminários realizados nas principais Capitais do país. O PNDH está sendo objeto de revisão, com vistas a seu aperfeiçoamento e à plena incorporação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Encerrada a fase de consulta à sociedade civil, a cargo do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos está procedendo à revisão final das propostas e a consultas aos Ministérios interessados. O tema da erradicação da tortura deverá, evidentemente, figurar entre as prioridades do novo PNDH.

7. O Governo Federal tampouco tem sido omisso no combate à prática da tortura no país. Diversas medidas importantes foram adotadas nos últimos anos com o objetivo de adaptar o ordenamento jurídico brasileiro às normas e padrões internacionais e às obrigações assumidas pelo Estado brasileiro perante os tratados internacionais de direitos humanos. As medidas introduzidas pelo Governo tiveram também por finalidade induzir mudanças comportamentais na sociedade vis-à-vis o crime de tortura e promover a defesa dos direitos das pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou objeto de investigações criminais.

8. A adoção da Lei que tipificou o crime de tortura (Lei 9.455, de 7 de abril de 1997) constituiu um marco referencial no combate àquela prática no Brasil. No plano concreto, porém, a aplicação da lei pelos poderes competentes não tem sido satisfatória. Em muitos casos posteriores a 1997, alegações de prática de tortura não têm tido seguimento através de processos penais, seja pela ausência de denúncia do Ministério Público, seja pelo redirecionamento da denúncia para crimes menos graves como lesões corporais ou abuso de autoridade, por parte de juízes. Há, de modo geral, um problema de falta de percepção da tortura como um crime grave contra o Estado Democrático de Direito, talvez porque o fenômeno atinja quase exclusivamente as camadas menos favorecidas da sociedade. Esse quadro exige não apenas uma ação decidida de conscientização e de mudança de mentalidades no seio da sociedade brasileira, mas requer também a sensibilização dos operadores do direito para essa questão, de modo a criar uma jurisprudência de aplicação da Lei da Tortura.

9. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos apoiou a realização, no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, de 30 de outubro a 1o de novembro de 2000, do Seminário Internacional sobre Aplicação da Lei de Tortura, que contou também com o co-patrocínio do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O seminário, o primeiro do gênero no Brasil, reuniu mais de mil participantes, incluindo juristas e especialistas nacionais e internacionais, e serviu para evidenciar a complexidade que reveste o combate à tortura no país, o qual deve necessariamente envolver esforços de toda a sociedade brasileira e de todos os poderes do Estado. Ao final do seminário, as entidades co-patrocinadoras firmaram um compromisso genérico no sentido de envidar esforços para combater a prática de tortura.

10. Com vistas a dar um sentido concreto a esse compromisso e a ampliar seu alcance a todos os segmentos da sociedade brasileira, o Governo Federal estará lançando, a partir de maio vindouro, campanha nacional contra a tortura, a ser divulgada por canais de televisão, estações de rádio, jornais e revistas. Através de filmes, anúncios e cartazes, espera-se mobilizar os três níveis da administração pública, o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público, os demais operadores do direito e um amplo espectro de organizações da sociedade civil num pacto nacional contra a tortura. Trata-se da primeira iniciativa desse gênero adotada pelo Executivo Federal no Brasil, em consulta com setores expressivos da sociedade civil organizada.

11. O lançamento da campanha na mídia se dará de forma simultânea com a inauguração de uma central de denúncias, que processará as chamadas realizadas para um número 0800 com ligação gratuita em todo o território nacional. A central de denúncias deverá ser operada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, entidade não-governamental com a qual a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos estará assinando proximamente convênio de cooperação. As denúncias recebidas na central e consideradas prima facie procedentes serão encaminhadas às entidades estaduais, governamentais e não-governamentais, que tenham aderido à campanha e ao pacto nacional contra a tortura, para a adoção de providências e/ou o acompanhamento das investigações e dos processos penais.

12. Por iniciativa da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), instância presidida pelo Ministro de Estado da Justiça e composta por representantes de órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, estabeleceu, em reunião realizada em 18 de abril corrente, uma comissão permanente de combate à tortura, a ser integrada por altos funcionários, juristas e especialistas na matéria, com a finalidade de respaldar a campanha nacional, formular sugestões ao Governo Federal e acompanhar - inclusive por meio de missões in loco - casos de denúncias de tortura em todo o país. A comissão terá a sua disposição os dados compilados pela central de denúncias e divulgados por intermédio da Rede Nacional de Direitos Humanos, vinculada à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. A página web da rede (http://www.rndh.gov.br), que entrará em operação a partir do próximo dia 15 de maio, permitirá não apenas a apresentação de denúncias de atos de tortura pela Internet, como também o acesso eletrônico ao banco de dados da central de denúncias pelas entidades participantes em todo o Brasil.

13. Está sendo também prevista, no âmbito da campanha nacional contra a tortura, a realização, no transcurso de 2001, de quatro cursos regionais de capacitação de operadores do direito, em datas e locais ainda a serem definidos. Uma versão em português - adaptada ao ordenamento jurídico brasileiro e à arquitetura internacional dos direitos humanos - do "Torture Reporting Handbook" da Universidade de Essex, Reino Unido, faria parte do material a ser utilizado nos cursos de capacitação. Paralelamente, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, em articulação com a Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça, organismos internacionais e agências de cooperação de outros países, apoiará a realização de cursos de treinamento de policiais em direitos humanos e em técnicas modernas de investigação. Da mesma forma, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos estimulará a discussão do plano de ação para 2001 da Secretaria Nacional de Justiça, com vistas à implementação de políticas destinadas a aliviar a superlotação e a melhorar as condições materiais dos estabelecimentos prisionais.

14. O Governo brasileiro está examinando de forma atenta e pormenorizada o informe do Relator Especial, havendo constituído para esse fim grupo de trabalho composto por representantes do Ministério das Relações Exteriores, da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e das Secretarias Nacionais de Segurança Pública e de Justiça, do Ministério da Justiça. Embora severo, o relatório representa, na visão do Governo Federal, uma ferramenta útil que servirá de orientação para a discussão, adoção e implementação de políticas públicas no campo da promoção e proteção dos direitos humanos, especialmente no que tange ao combate à tortura.

15. As trinta recomendações formuladas por Sir Nigel Rodley ao final do relatório incluem sugestões de medidas concretas e análises conceituais importantes, que merecem consideração mais detida. Para o Brasil, a apresentação à CDH do informe do Relator Especial não representa o fim desse processo, mas sim o início de uma nova etapa no diálogo com Sir Nigel, que o Governo Federal deseja fortalecer e ampliar. É com esse espírito de cooperação e franqueza que o Governo brasileiro encaminha, a seguir, seus comentários preliminares sobre as recomendações do Relator Especial:

(1) Em primeiro lugar, as mais altas lideranças políticas federais e estaduais precisam declarar inequivocamente que não tolerarão a tortura ou outras formas de maus tratos por parte de funcionários públicos, principalmente as polícias militar e civil, agentes penitenciários e monitores de instituições destinadas a menores infratores. É preciso que os líderes políticos tomem medidas vigorosas para agregar credibilidade a tais declarações e deixar claro que a cultura de impunidade precisa acabar. Além de efetivar as recomendações que se apresentam a seguir, essas medidas deveriam incluir visitas sem aviso prévio por parte dos líderes políticos a delegacias de polícia, centros de detenção provisória e penitenciárias conhecidas pela prevalência desse tipo de tratamento. Em particular, deveriam ser pessoalmente responsabilizados os encarregados dos estabelecimentos de detenção quando forem perpetrados maus tratos. Tal responsabilidade deveria incluir - porém sem limitação - a prática prevalecente em algumas localidades segundo a qual a ocorrência de maus tratos durante o período de responsabilidade da autoridade encarregada afeta adversamente suas perspectivas de promoção e, com efeito, deveria implicar afastamento do cargo, sem que tal afastamento consista meramente em transferência para outra instituição.

A declaração de repúdio à tortura por parte de todas as autoridades nos níveis federal e estadual e nos três poderes se dará por ocasião do lançamento da campanha nacional contra a tortura, em cerimônia na qual as entidades participantes formalizarão sua adesão a um pacto nacional contra a tortura. O pacto estabelecerá obrigações específicas para as entidades participantes (ex: demissão de funcionários que tenham praticado atos de tortura, realização de visitas a locais de detenção, etc.), de modo a dar um sentido concreto ao compromisso político por elas firmado.

(2) O abuso, por parte da polícia, do poder de prisão de qualquer suspeito sem ordem judicial, em caso de flagrante delito, deveria ser cessado imediatamente.

O abuso de poder do policial nas prisões em flagrante deve ser combatido através do fortalecimento das ouvidorias de polícia já existentes (10) e da criação de novas nos demais Estados da Federação. Propõe-se também a criação de ouvidoria na Polícia Federal, como estímulo aos Estados que ainda não estabeleceram esse mecanismo externo de controle policial. A disciplina de direitos humanos deve ser incluída no currículo de todas as academias policiais. Em atendimento ao Compromisso 12 do Plano Nacional de Segurança Pública, o Fundo Nacional de Segurança Pública liberou recursos da ordem de R$ 251 milhões para cooperação com os Estados em diferentes áreas, inclusive na de capacitação profissional de policiais. No âmbito do projeto SENASP/Cruz Vermelha Internacional/Embaixada do Reino Unido, foram capacitados em direitos humanos 910 policiais brasileiros, num custo total de R$ 451.000,00. Em 2001, existe a previsão de treinamento de 390 policiais, a um custo estimado de R$ 576.000,00.

(3) As pessoas legitimamente presas em flagrante delito não deveriam ser mantidas em delegacias de polícia por um período além das 24 horas necessárias para a obtenção de um mandado judicial de prisão provisória. A superlotação das cadeias de prisão provisória não pode servir de justificativa para se deixar os detentos nas mãos da polícia (onde, de qualquer modo, a condição de superlotação parece ser substancialmente mais grave do que até mesmo em algumas das unidades prisionais mais superlotadas).

A detenção em carceragens de delegacias de polícia por prazo superior às 24 horas estabelecidas em lei tem relação direta com o problema da superlotação dos estabelecimentos prisionais. Faz-se necessário adotar um conjunto integrado de medidas, tais como a construção de novas unidades e reforma das existentes, a aplicação mais sistemática de penas alternativas (com a criação de varas de aplicação de penas alternativas), a revisão da situação processual dos detentos (através de mutirões de execução penal), e a criação de varas especializadas em dependentes químicos. Quanto às carceragens, há uma tendência em alguns Estados da Federação, que deve ser apoiada pelo Governo Federal, no sentido de desativar as celas das delegacias de polícia. Mencione-se, por exemplo, a transformação, no Rio de Janeiro, de delegacias de polícia em "delegacias legais" (vide comentário à recomendação no. 20). Em São Paulo, os presos aguardando julgamento estão sendo transferidos das delegacias de polícia para centros de detenção provisória (CDP). Cada CDP tem capacidade para abrigar 768 detentos e seu objetivo principal é o de tornar possível a desativação de carceragens dos distritos policiais. Segundo esta tendência, já foram desativadas as carceragens dos seguintes distritos policiais da capital do Estado: DEPATRI, 6º, 15º, 21º, 22º, 23º, 30º, 42º, 48º, 51º, 56º, 59º, 75º, 81º, 93º e 95º.

(4) Os familiares próximos das pessoas detidas deveriam ser imediatamente informados da detenção de seus parentes e deveriam poder ter acesso a eles. Deveriam ser adotadas medidas no sentido de assegurar que os visitantes a carceragens policiais, centros de prisão provisória e penitenciárias sejam sujeitos a vistorias de segurança que respeitem sua dignidade.

A informação aos familiares sobre pessoas detidas é direito assegurado em lei que deve ser enfatizado nos cursos de capacitação de delegados e agentes policiais. O procedimento de revistas dos familiares dos detentos deve ser modificado, de modo a preservar a dignidade dos visitantes. A instalação de equipamentos de detecção de metais nos estabelecimentos prisionais permitirá mudança no procedimento de revista, que passará a concentrar-se na pessoa do preso e não em seus familiares.

(5) Qualquer pessoa presa deveria ser informada de seu direito contínuo de consultar-se em particular com um advogado a qualquer momento e de receber assessoramento legal independente e gratuito, nos casos em que a pessoa não possa pagar um advogado particular. Nenhum policial, em qualquer momento, poderá dissuadir uma pessoa detida de obter assessoramento jurídico. Uma declaração dos direitos dos detentos, tais como a Lei de Execução Penal (LEP), deveria estar prontamente disponível em todos os lugares de detenção para fins de consulta pelas pessoas detidas e pelo público em geral.

O direito da pessoa detida a consultar advogado é assegurado em lei e deve ser reiterado nos cursos de capacitação de delegados e agentes policiais e penitenciários. As defensorias públicas, nos níveis federal e estadual, devem ser fortalecidas, através da contratação de maior número de advogados. A criação desses órgãos de defesa deve ser estimulada nos Estados onde ainda não existam. No âmbito da campanha nacional contra a tortura, deverá ser elaborada uma cartilha dos direitos e deveres do preso, que "traduza" em linguagem mais popular os dispositivos legais pertinentes (Código Penal, Código de Processo Penal e LEP). A cartilha deveria ser entregue a cada indivíduo, no momento de sua detenção, e a seus familiares, em todo o território nacional. Uma cartilha sobre os direitos e deveres dos guardas penitenciários também mereceria ser objeto de consideração.

(6) Um registro de custódia separado deveria ser aberto para cada pessoa presa, indicando-se a hora e as razões da prisão, a identidade dos policiais que efetuaram a prisão, a hora e as razões de quaisquer transferências subseqüentes, particularmente transferências para um tribunal ou para um Instituto Médico Legal, bem como informação sobre quando a pessoa foi solta ou transferida para um estabelecimento de prisão provisória. O registro ou uma cópia do registro deveria acompanhar a pessoa detida se ela fosse transferida para outra delegacia de polícia ou para um estabelecimento de prisão provisória.

Dentre as medidas previstas no plano de ação da Secretaria Nacional de Justiça para o ano de 2001, figura a implantação do sistema INFOPEN (Programa de Informatização do Sistema Penitenciário), banco nacional de dados com informações pormenorizadas sobre o sistema prisional e cadastro individualizado do detento, contendo seu perfil sócio-biográfico e criminal e histórico de sua passagem pelo sistema. É intenção do Governo Federal estabelecer arranjo institucional para o cruzamento de informações com o sistema da SENASP (INFOSEG - Programa de Integração Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública), de modo a assegurar o acompanhamento da situação prisional de cada indivíduo que faça contato com o sistema de justiça criminal, desde o momento de sua entrada no sistema (delegacia de polícia, casa de custódia ou centro de detenção provisória), sua transferência para o sistema penitenciário, seus deslocamentos no interior do mesmo (inclusive quando é levado a exames médicos e aos tribunais), até o momento de sua saída, por cumprimento da pena ou recebimento de benefício legal.

(7) A ordem judicial de prisão provisória nunca deveria ser executada em uma delegacia de polícia.

Vide comentário à recomendação no. 3.

(8) Nenhuma declaração ou confissão feita por uma pessoa privada da liberdade, que não uma declaração ou confissão feita na presença de um juiz ou de um advogado, deveria ter valor probatório para fins judiciais, salvo como prova contra as pessoas acusadas de haverem obtido a confissão por meios ilícitos. O Governo é convidado a considerar urgentemente a introdução da gravação em vídeo e em áudio das sessões realizadas em salas de interrogatório de delegacias de polícia.

A lei brasileira confere legitimidade à confissão como meio de prova. Qualquer alteração dessa disposição legal requereria o envio de projeto de lei ao Congresso Nacional. A recomendação do Relator Especial será levada ao conhecimento da comissão de juristas encarregada da revisão do Código Penal. Não obstante, está sendo estudada a possibilidade de instituir, nas regiões metropolitanas priorizadas pelo Plano Nacional de Segurança Pública, projeto-piloto para instalação de equipamentos de vídeo nas salas de interrogatório.

(9) Nos casos em que as denúncias de tortura ou outras formas de maus tratos forem levantadas por um réu durante o julgamento, o ônus da prova deveria ser transferido para a promotoria, para que esta prove, além de um nível de dúvida razoável, que a confissão não foi obtida por meios ilícitos, inclusive tortura ou maus tratos semelhantes.

A regra que atribui o ônus da prova a quem alega deriva de dispositivo legal, cuja inversão, no caso de tortura ou de maus-tratos, dependeria de envio de projeto de lei ao Congresso Nacional. A recomendação do Relator Especial será levada ao conhecimento da comissão encarregada da revisão do Código de Processo Penal.

(10) As denúncias de maus tratos, quer feitas à polícia ou a outro serviço, à corregedoria do serviço policial ou a seu ouvidor, ou a um promotor, deveriam ser investigadas com celeridade e diligência. Em particular, importa que o resultado não dependa unicamente de provas referentes ao caso individual; deveriam ser igualmente investigados os padrões de maus tratos. A menos que a denúncia seja manifestamente improcedente, as pessoas envolvidas deveriam ser suspensas de suas atribuições até que se estabeleça o resultado da investigação e de quaisquer processos judiciais ou disciplinares subseqüentes. Nos casos em que ficar demonstrada uma denúncia específica ou um padrão de atos de tortura ou de maus tratos semelhantes, o pessoal envolvido deveria ser peremptoriamente demitido, inclusive os encarregados da instituição. Essa medida envolverá uma purgação radical de alguns serviços. Um primeiro passo nesse sentido poderia ser a purgação de torturadores conhecidos, remanescentes do período do governo militar.

Dentro dos limites do Direito Administrativo, as entidades participantes da campanha nacional contra a tortura comprometer-se-ão a exercer maior rigor nas apurações de ilícitos e demissões de funcionários envolvidos em atos de tortura. Um dos objetivos da campanha nacional será o de fortalecer as corregedorias e ouvidorias de polícia. O Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, entidade de caráter consultivo vinculada à Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, deverá desempenhar papel essencial nesse processo.

(11) Todos os Estados deveriam implementar programas de proteção a testemunhas, nos moldes estabelecidos pelo programa PROVITA, para testemunhas de incidentes de violência por parte de funcionários públicos; tais programas deveriam ser plenamente ampliados de modo a incluir pessoas que têm antecedentes criminais. Nos casos em que os atuais presos se encontram em risco, eles deveriam ser transferidos para outro centro de detenção, onde deveriam ser tomadas medidas especiais com vistas à sua segurança.

Conforme meta estabelecida no PNDH, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos estabeleceu o Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, que integra o serviço de proteção federal aos serviços estaduais (12 Estados participam até a presente data). Em 2000, o Sistema Nacional foi responsável pela proteção e assistência de 328 pessoas, das quais 256 permaneciam inseridas na rede ao final do ano. Esse dado, aliado ao fato de nunca ter sido registrada qualquer baixa ou atentado contra um de seus beneficiários, reforça a credibilidade do modelo brasileiro. Para 2001, o Governo Federal destinou orçamento dez vezes superior ao valor dos recursos inicialmente disponibilizados em 2000, o que deve permitir o aperfeiçoamento do sistema e sua expansão para até mais seis Estados até o final do primeiro semestre de 2002. O Serviço de Proteção ao Depoente Especial, coordenado pelo Departamento de Polícia Federal e destinado a garantir a proteção a réus colaboradores e testemunhas que não se enquadrem nos requisitos do Sistema Nacional, se encontra em funcionamento desde junho de 2000. Faz-se necessário promover uma reflexão sobre possíveis medidas especiais de proteção a detentos ameaçados por agentes policiais e penitenciários, em função de denúncias de tortura e maus-tratos. Entre essas possíveis medidas de proteção sobressai a transferência do preso para estabelecimento prisional em outro Estado ou para carceragens da Polícia Federal, por tempo determinado e enquanto perdurar a situação de risco.

(12) Os promotores deveriam formalizar acusações nos termos da Lei Contra a Tortura de 1997, com a freqüência definida com base no alcance e na gravidade do problema, e deveriam requerer que os juízes apliquem as disposições legais que proíbem a concessão de fiança em benefício dos acusados. Os Procuradores-Gerais de Justiça, com o apoio material das autoridades governamentais e demais autoridades estaduais competentes, deveriam destinar recursos suficientes, qualificados e comprometidos para a investigação penal de casos de tortura e maus tratos semelhantes, bem como para quaisquer processos em grau de recurso. Em princípio, os promotores em referência não deveriam ser os mesmos responsáveis pela instauração de processos penais ordinários.

No âmbito da campanha nacional contra a tortura, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos promoverá cursos de sensibilização e capacitação operadores do direito, inclusive membros do Ministério Público e do Poder Judiciário. Tais cursos deverão ressaltar, entre outros aspectos, o caráter inafiançável do crime de tortura e as circunstâncias especiais de risco que comporta o eventual relaxamento de prisão. Desde a realização do seminário de Brasília sobre aplicação da lei da tortura tem havido um número crescente de denúncias de atos de tortura por parte do Ministério Público. Casos recentes em Sorocaba, Estado de São Paulo, e nos Estados de Goiás e de Minas Gerais, envolvendo grande número de delegados e agentes policiais indiciados na Lei 9.455, constituem exemplo dessa tendência.

(13) As investigações de crimes cometidos por policiais não deveriam estar sob a autoridade da própria polícia. Em princípio, um órgão independente, dotado de recursos próprios de investigação e de pessoal - no mínimo o Ministério Público - deveria ter autoridade de controlar e dirigir a investigação, bem como acesso irrestrito às delegacias de polícia.

A decisão de retirar o inquérito policial da esfera de competência das polícias civil e militar depende de profunda reformulação das forças policiais no Brasil, a qual vem sendo objeto de amplo e extenso debate no Congresso Nacional. O projeto de lei no. 22/97, em tramitação no Congresso Nacional, visa a alterar a Lei 9.299/97, que atribui à justiça comum competência para julgar policiais militares por crimes dolosos contra a vida. O PL amplia essa competência aos crimes de lesão corporal dolosa e àqueles previstos em legislação extravagante, contendo dispositivo que reforça o papel do Ministério Público no acompanhamento dos inquéritos policiais. Conviria discutir a possibilidade de adotar dispositivo semelhante para a investigação de crimes praticados por policiais civis.

(14) Os níveis federal e estadual deveriam considerar positivamente a proposta de criação da função de juiz investigador, cuja tarefa consistiria em salvaguardar os direitos das pessoas privadas de liberdade.

Conforme o ordenamento jurídico brasileiro, os juízes de execução penal são os responsáveis pela salvaguarda dos direitos das pessoas condenadas a penas privativas de liberdade. Da mesma forma, os juízes de instrução devem zelar pelos direitos dos réus até que a decisão de pronúncia seja eventualmente prolatada. Na fase do inquérito policial, o juiz à presença do qual o acusado deve ser conduzido no prazo legal de 24 horas deveria também se encarregar de acompanhar mais de perto a condição física do preso, e tomar providências imediatas caso venha a constatar quaisquer irregularidades no procedimento policial. Esse aspecto deverá ser enfatizado nos cursos de capacitação.

(15) Se não por qualquer outra razão que não a de pôr fim à superlotação crônica dos centros de detenção (um problema que a construção de mais estabelecimentos de detenção provavelmente não poderá resolver), faz-se imperativo um programa de conscientização no âmbito do Judiciário a fim de garantir que essa profissão, que se encontra no coração do Estado de Direito e da garantia dos Direitos Humanos, torne-se tão sensível à necessidade de proteger os direitos dos suspeitos e, com efeito, de presos condenados, quanto evidentemente o é a respeito da necessidade de reprimir a criminalidade. Em particular, o Judiciário deveria assumir alguma responsabilidade pelas condições e pelo tratamento a que ficam sujeitas as pessoas que o Judiciário ordena permaneçam sob detenção pré-julgamento ou sentenciadas ao cárcere. Em se tratando de crimes comuns, nos casos em que a conduta delituosa possa dar margem a diversas interpretações, o Judiciário deveria ser relutante em enquadrar a ação delituosa como crime inafiançável, que exclua a aplicação de penas alternativas, que requeira a custódia sob regime fechado, e que impeça a progressão de regime.

Com relação a medidas para aliviar o problema da superlotação, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos estimulará a implementação das propostas mencionadas no comentário à recomendação no. 3, e procurará sensibilizar o Judiciário para a importância daquele elenco de medidas. No ano de 2000, o Fundo Nacional de Segurança Pública destinou recursos da ordem de R$ 102 milhões para a construção e reforma de unidades prisionais.

(16) Pela mesma razão, a Lei de Crimes Hediondos e outros diplomas legais aplicáveis deveriam ser emendados de modo a assegurar que períodos de detenção ou prisão, muitas vezes longos, não sejam passíveis de imposição por crimes relativamente menos graves. O crime de "desrespeito à autoridade" (desacatar a funcionário público no exercício da função) deveria ser abolido.

Uma das medidas destinadas a reduzir a superlotação de presídios, centros de detenção provisória e delegacias de polícia diz respeito à imposição de critérios mais precisos no enquadramento da conduta ilícita nos tipos penais definidos na Lei de Crimes Hediondos. À guisa de exemplo, pessoa detida por porte de pequena quantidade de entorpecentes, ainda que não para consumo próprio, deveria ter sua conduta enquadrada no artigo 16 da Lei de Tóxicos (Lei no. 6.368/76), e não no artigo 12 da mesma lei, o qual configura tráfico de entorpecentes, ilícito cuja pena deve ser cumprida integralmente em regime fechado, de acordo com disposição da Lei de Crimes Hediondos. Os cursos de sensibilização do Judiciário e do Ministério Público deverão cobrir esse aspecto. A extinção do crime de desacato à autoridade se afigura, porém, mais problemática, uma vez que esse dispositivo legal constitui na prática a única forma de defesa de agentes do Estado no exercício legítimo de suas funções contra atitudes repreensíveis por parte de particulares.

(17) Deveria haver um número suficiente de defensores públicos para garantir que haja assessoramento jurídico e proteção a todas as pessoas privadas de liberdade desde o momento de sua prisão.

A Defensoria Pública da União deverá expandir seu quadro de funcionários. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos propugnará pela criação, em todos os Estados da Federação, de defensorias públicas dotadas dos recursos necessários ao desempenho eficiente de suas funções.

(18) Instituições tais como conselhos comunitários, conselhos estaduais de direitos humanos e ouvidorias policiais e prisionais deveriam ser mais amplamente utilizadas; essas instituições deveriam ser dotadas dos recursos que lhe são necessários. Em particular, cada estado deveria estabelecer conselhos comunitários plenamente dotados de recursos, que incluam representantes da sociedade civil, sobretudo organizações não-governamentais de direitos humanos, com acesso irrestrito a todos os estabelecimentos de detenção e o poder de coletar provas de irregularidades cometidas por funcionários.

Conforme as prioridades definidas no PNDH, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos vem estimulando a criação de conselhos estaduais e a elaboração de programas estaduais de direitos humanos, assim como de ouvidorias de polícia. Através de ações específicas da Secretaria Nacional de Justiça, o papel do Conselho Penitenciário Nacional e dos conselhos comunitários deverá ser fortalecido, especialmente no que diz respeito à realização de visitas não anunciadas a estabelecimentos prisionais.

(19) A polícia deveria ser unificada sob a autoridade e a justiça civis. Enquanto essa medida estiver pendente, o Congresso pode acelerar a apreciação do projeto de lei apresentado pelo Governo Federal que visa transferir para tribunais ordinários a jurisdição sobre crimes de homicídio, lesão corporal e outros crimes, inclusive o crime de tortura cometida pela polícia militar.

Existem várias propostas de alteração da estrutura das polícias civil e militar em tramitação no Poder Legislativo. Proposta de unificação das duas polícias foi apresentada pelo Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. Esse debate, ainda inconclusivo, vem tendo seguimento no Congresso Nacional. O projeto de lei no. 22/97 poderá ficar superado caso seja aprovada proposta de emenda constitucional no. 29/2000, que introduz, inter alia, a competência singular do juiz de direito da justiça comum para julgar os militares nos crimes praticados contra civis.

(20) As delegacias de polícia deveriam ser transformadas em instituições que ofereçam um serviço ao público. As delegacias legais implementadas em caráter pioneiro no estado do Rio de Janeiro são um modelo a ser seguido.

Há algumas experiências em Estados da Federação quanto à transformação de delegacias de polícia em instituições efetivamente prestadoras de serviços públicos. No Rio de Janeiro, o governo estadual vem expandindo o programa de "delegacias legais", que somam hoje 14 unidades, devendo atingir 80 até o final deste ano e todo o universo das delegacias de polícia até fins de 2002.

(21) Um profissional médico qualificado (um médico escolhido, quando possível) deveria estar disponível para examinar cada pessoa, quando de sua chegada ou saída, em um lugar de detenção. Os profissionais médicos também deveriam dispor dos medicamentos necessários para atender às necessidades médicas dos detentos e, caso não possam atender a suas necessidades, deveriam ter autoridade para determinar que os detentos sejam transferidos para um hospital, independentemente da autoridade que efetuou a detenção. O acesso ao profissional médico não deveria depender do pessoal da autoridade que efetua a detenção. Tais profissionais que trabalham em instituições de privação de liberdade não deveriam estar sob autoridade da instituição, nem da autoridade política por ela responsável.

As Secretarias Nacionais de Justiça e de Segurança Pública procurarão celebrar convênios com Faculdades de Medicina, Enfermagem e Odontologia, a fim de assegurar aos detentos tratamento médico e odontológico adequado. Faz-se necessário estimular o debate sobre formas de evitar que a decisão de conduzir presos para atendimento médico recaia exclusivamente sobre os responsáveis pela custódia dos detentos (delegados, diretores de presídios, agentes policiais e penitenciários).

(22) Os serviços médico-forenses deveriam estar sob a autoridade judicial ou outra autoridade independente, e não sob a mesma autoridade governamental que a polícia; nem deveriam exercer monopólio sobre as provas forenses especializadas para fins judiciais.

O projeto de lei do Fórum Nacional dos Ouvidores de Polícia sobre unificação das polícias prevê a inclusão dos peritos forenses nos quadros de carreira do Poder Judiciário. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos considera a independência dos peritos forenses e funcionários dos Institutos Médico-Legais condição essencial para uma investigação isenta.

(23) A assustadora situação de superpopulação em alguns estabelecimentos de prisão provisória e instituições prisionais precisa acabar imediatamente; se necessário, mediante ação do Executivo, exercendo clemência, por exemplo, com relação a certas categorias de presos, tais como transgressores primários não-violentos ou suspeitos de transgressão. A lei que exige a separação entre categorias de presos deveria ser implementada.

A Secretaria Nacional de Justiça montou um projeto de expansão significativa do uso das penas alternativas, visando evitar que ingressem em penitenciárias pessoas cujas penas não sejam superiores a quatro anos. Centrais estaduais de apoio e acompanhamento a penas alternativas já estão sendo financiadas em sete Estados (o projeto foi iniciado em setembro de 2000), em convênio firmado com outros quinze Estados. Espera-se que todos os Estados brasileiros possam contar com essas centrais até o final de junho de 2001. Também com vistas a mudar a política de ingresso em penitenciárias, a Secretaria Nacional de Justiça está apoiando os Juizados Especiais para Dependentes Químicos (Drug Courts), destinados a desviar da prisão aqueles que cometem pequenos delitos direta ou indiretamente relacionados com drogas e a tratá-los médica e psicologicamente. Segundo a lei brasileira, os condenados podem beneficiar-se de anistia, graça ou indulto. Na prática, o indulto tem sido o único benefício concedido, sobretudo na época de Natal. A concessão da anistia ou da graça depende de um conjunto de requisitos estabelecidos no ato do Poder Legislativo ou Executivo que concede o benefício. Não tem sido prática da política penitenciária brasileira a concessão desses benefícios. Dentro do plano de ação para 2001 da Secretaria Nacional de Justiça, a separação de presos por categorias, conforme o disposto na Lei de Execução Penal, deve merecer atenção prioritária.

(24) É preciso que haja uma presença de monitoramento permanente em toda instituição dessa natureza e em estabelecimentos de detenção de menores infratores, independentemente da autoridade responsável pela instituição. Em muitos lugares, essa presença exigiria proteção e segurança independentes.

No caso de adolescentes sujeitos a medidas de internação ou ressocialização, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) deve atuar de forma cada vez mais participativa no monitoramento e acompanhamento de denúncias de atos de tortura em centros de atendimento a adolescentes em conflito com a lei. O CONANDA vem realizando reuniões em diferentes Estados para abordar problemas específicos de instituições como a FEBEM de São Paulo, amplamente mencionada no informe do Relator Especial. Com relação aos adultos, a Secretaria Nacional de Justiça deve celebrar convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações não-governamentais, com vistas a estabelecer sistema independente de monitoramento integrado aos conselhos comunitários.

(25) É preciso providenciar, urgentemente, capacitação básica e treinamento de reciclagem para a polícia, o pessoal de instituições de detenção, funcionários do Ministério Público e outros envolvidos na execução da lei, incluindo-se temas de direitos humanos e matérias constitucionais, bem como técnicas científicas e as melhores práticas propícias ao desempenho profissional de suas funções. O programa de segurança humana do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas poderia ter uma contribuição substancial a fazer nesse particular.

Vide comentários anteriores sobre as recomendações do Relator Especial que tratam da questão da capacitação de agentes policiais e penitenciários, membros do Ministério Público e demais aplicadores da lei. A questão da cooperação técnica no campo da capacitação poderá ser discutida por ocasião da visita ao Brasil de missão técnica do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas, em junho próximo.

(26) Deveria ser apreciada a proposta de emenda constitucional que permitirá, em determinadas circunstâncias, que o Governo Federal solicite autorização do Superior Tribunal de Justiça para assumir jurisdição sobre crimes que envolvam violação de direitos humanos internacionalmente reconhecidos. As autoridades federais do Ministério Público necessitarão de um aumento substancial dos recursos a elas alocados para poderem cumprir efetivamente a nova responsabilidade.

A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos incluiu a proposta de emenda constitucional sobre a federalização dos crimes de direitos humanos entre as iniciativas legislativas prioritárias do Ministério da Justiça para o ano de 2001.

(27) O financiamento federal de estabelecimentos policiais e penais deveria levar em conta a existência ou não de estruturas para se garantir o respeito aos direitos das pessoas detidas. Deveria haver disponibilidade de financiamento federal para se implementarem as recomendações acima. Em particular, a Lei de Responsabilidade Fiscal não deveria ser um obstáculo à efetivação das recomendações.

A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos tem estabelecido, como requisito para a liberação de verbas para a implementação de projetos, o atendimento pelos Estados de certas condições relacionadas com a promoção e proteção dos direitos humanos. As Secretarias Nacionais de Justiça e Segurança Pública devem adotar sistemática semelhante na liberação de recursos de suas respectivas rubricas orçamentárias.

(28) O Governo deveria considerar séria e positivamente a aceitação do direito de petição individual ao Comitê contra a Tortura, mediante a declaração prevista nos termos do Artigo 22 da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

O Governo brasileiro está considerando o assunto e se pronunciará oportunamente sobre a sugestão do Relator Especial.

(29) Solicita-se ao Governo considerar convidar o Relator Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias a visitar o país.

Conforme decisão do Ministro da Justiça referendada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), o Governo brasileiro estará formulando, por intermédio da Missão Permanente em Genebra, convite à Relatora Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias para que visite proximamente o Brasil, em data a ser determinada.

(30) O Fundo Voluntário das Nações Unidas para Vítimas da Tortura fica convidado a considerar com receptividade as solicitações de assistência por parte de organizações não-governamentais que trabalham em prol das necessidades médicas de pessoas que tenham sido torturadas e pela reparação legal da injustiça a elas causada.

O Brasil apóia o trabalho realizado pelo Fundo Voluntário das Nações Unidas para Vítimas da Tortura e fez contribuições para o mesmo nos anos de 1985, 1986, 1988, 1992 e 1997. O Governo brasileiro deverá regularizar as contribuições anunciadas para os anos de 1995, 1996 e 1998, bem como considerar a possibilidade de fazer nova contribuição ao Fundo.

16. As informações recebidas de autoridades estaduais sobre os casos individuais mencionados no informe do Relator Especial serão encaminhadas diretamente ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

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