Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais
Uma Aproximação da Realidade Brasileira
Brasil
Abril de 2001
À memória de todas as vítimas de Execuções
Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais nesses 500 anos de Brasil.
Primeira Parte
1.
Apresentação
2.
Resumo Executivo
3.
Breve Histórica das Execuções Sumárias, Arbitrárias
Extrajudiciais no Brasil
4.
Homicídios no Brasil
5.
Algumas Considerações sobre a segurança e a
violência no Brasil
6.
Aspectos Jurídico das execuções sumárias,
arbitrárias ou extrajudiciais no Brasil
SEGUNDA
PARTE
2.
Recomendações para o enfrentamento do problema no
Brasil
ANEXO
1. APRESENTAÇÃO
A presente publicação bilíngüe
(português-inglês) é o resultado do esforço conjunto do Movimento Nacional de
Direitos Humanos (MNDH), Movimento Nacional de Direitos Humanos – Regional
Nordeste (MNDH-NE), Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
(GAJOP), Centro de Justiça Global, Seção Brasileira da Plataforma Interamericana
de Direitos Humanos, Federação Internacional de Direitos Humanos, Franciscans
International /Domenicans for Justice and Peace, associado aos apoios
prestados pela Catholic Relief Services (CRS), Fundação Ford – Brasil e
Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE).
As entidades associadas neste projeto têm
a finalidade de chamar a atenção da sociedade brasileira e da comunidade
internacional para a grave situação das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais no Brasil, resultantes da violência rural, de grupos de
extermínio, da violência policial, do ódio étnico, cultural ou sexual. O
problema histórico na área dos direitos humanos parece não ter solução, dado o
descaso com que os governos, em nível estadual e federal, antes e depois da
ditadura militar de 1964-1985, se sucedem sem que estabeleçam mecanismos e metas
destinadas ao controle, e, posteriormente, à eliminação do fenômeno no
Brasil.
Ao contrário do que insiste em acreditar a
maioria dos órgãos governamentais, é possível criar a cultura, no seio da
violenta sociedade brasileira, de que os direitos humanos são uma conquista
histórica da humanidade, que precisa ser abraçada por todos, dentro da idéia da
universalidade e da indivisibilidade com que vimos construindo este referencial
ético.
Por essa razão, as entidades associadas
resolveram denunciar o problema no Brasil e no exterior, através de uma
apresentação simultânea qualificada – constante do conteúdo do presente livro –
em cinco cidades brasileiras (Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e
Belém); e em Genebra (Suíça), no espaço paralelo da Comissão de Direitos Humanos
das Nações Unidas, durante a sua 57a. Sessão, em abril de 2001. Ao
mesmo tempo em que chama a atenção da sociedade mundial para o que vem
acontecendo no Brasil, na imensa maioria das vezes com absoluta impunidade, o
presente livro apreende, historifica, resgata, parte do cotidiano brutal
a que a população brasileira tem-se visto submetida.
Ao chamar a atenção em particular da ONU
para a grave situação das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais no
Brasil, as entidades associadas querem provocar uma reação em termos de
investimentos dos diversos mecanismos de proteção dos direitos humanos das
Nações Unidas no monitoramento do Estado brasileiro em relação aos compromissos
internacionais assumidos. Não basta que o Brasil, desde a sua
(re)democratização, venha ratificando instrumentos internacionais de proteção
dos direitos humanos; é fundamental que o país estabeleça medidas claras e
eficazes para a superação do problema.
No que diz respeito em particular ao papel
desenvolvido pelos diversos Relatores Especiais da ONU, as entidades associadas
desejam provocar o convite do governo brasileiro para a visita oficial ao
Brasil, no ano de 2001, da Relatora Especial sobre Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais, Sra. Asma Jahangir. Através da Resolução 1982/29,
da Comissão de Direitos Humanos da ONU, de março de 1982, endossada pela
Resolução 1982/35, do Conselho Econômico e Social da ONU, de 7 de março de 1982,
o cargo foi criado com o mandato de "examinar a questão relacionada às Execuções
Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais", devendo o(a) mandatário(a) "procurar e
receber informações dos governos e de agências especializadas
intergovernamentais e não governamentais, com status consultivo junto ao
Conselho Econômico e Social", com a finalidade de atender à necessidade de
cumprir a definição do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de
1966, que estabelece: todo ser humano tem o direito inalienável à vida, direito
esse que deve ser protegido por lei e ninguém deve ser privado arbitrariamente
de sua vida". A resolução 2000/31, de abril de 2000, acrescenta ao mandato
original, a orientação de "apresentar conclusões e recomendações à Comissão de
Direitos Humanos da ONU", além de prestar especial atenção diante de casos de
violações aos direitos de crianças e adolescentes e defensores de direitos
humanos, entre outras indicações.
Com esse espírito, as entidades associadas
construíram um livro que inclui aspectos conceituais, sociais, jurídicos e
históricos das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais no Brasil,
articulando-os a informações estatísticas recentes sobre o fenômeno e casos
concretos de violações ao direito à vida com tais características. Por fim,
apresenta propostas para a solução do problema por parte das autoridades
constituídas.
Que esta iniciativa das entidades
associadas ajude para que os governos federal e estaduais, no Brasil,
estabeleçam a adoção efetiva dos instrumentos internacionais e das leis
nacionais de proteção e dos direitos humanos.
2. RESUMO EXECUTIVO
Mata-se muito no Brasil. O índice de
homicídios no país fica entre os mais altos das Américas e do mundo. Entre os
milhares de homicídios que acontecem todo ano, destacam-se os incidentes de
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais. Trata-se de casos nos quais
as autoridades, ou agentes particulares que contam com o apoio explícito ou
implícito das autoridades, matam civis sem justificava, como seria o caso de
legítima defesa. Infelizmente, no Brasil, as autoridades não mantêm cifras
nacionais sobre a incidência dessa prática abusiva. Essa é uma prova triste da
falta de prioridade que os governos atribuem ao problema grave tratado nestas
páginas.
Este relatório pretende chegar a uma
aproximação tanto das cifras nacionais quanto da natureza da prática desses
crimes. Sabe-se, por exemplo, conforme cifra lançada pelo Ministério da Justiça,
como o relatório cita, que no primeiro semestre de 1999 aconteceram 23,3 mil
homicídios no Brasil, o que daria um total de 46,6 mil no ano. Desse total, em
18 estados, a imprensa noticiou 13.917 casos em 1999, o ano base da nossa
pesquisa. Entre esse universo, houve 1.148 casos noticiados como sendo cometidos
por policiais ou por grupos de extermínio, o que equivale 8,25 % do total. Se
aplicasse essa razão (de 8,25%) ao total aproximado de 46,6 mil homicídios em
1999, daria aproximadamente 3,840 casos de homicídios cometidos por policiais e
grupos de extermínio, naquele ano.
Ao mesmo tempo, os dados que temos de
alguns estados permite uma visão mais clara da natureza desses homicídios. Se
bem é certo que pode existir um ou outro grupo de extermínio sem ligação direta
com policiais, os levantamentos feitos nos últimos anos comprovam que esses
grupos quase sempre contam com um ou mais integrantes da polícia, e mesmo quando
não, freqüentemente com o apoio discreto da polícia. Da mesma forma, nem todos
os homicídios cometidos por policiais são casos de Execução Sumária, Arbitrária
ou Extrajudicial. Mas, por certo, um percentual altíssimo desses casos cabe
claramente nessa rubrica. Nesse sentido, o caso de São Paulo é bem
ilustrativo.
Pesquisa da Ouvidoria da Polícia de São
Paulo, citada no relatório, analisou os laudos de 222 pessoas assassinadas pela
polícia em 1999 (um terço das vítimas de ações fatais no estado), concluindo que
52.6% delas foram atingidas pelas costas, 23% receberam cinco ou mais disparos e
cerca de 36% recebeu projéteis na cabeça. Esses resultados sugerem que
muitas—pode-se dizer a maioria—delas foram sumariamente executadas, e não
legitimamente em tiroteios, como as autoridades normalmente alegam. Vamos
trabalhar, então, com 50% como estimativa do percentual dos homicídios cometidos
por policiais que poderiam ser classificados com Execuções Sumárias, Arbitrárias
ou Extrajudiciais.
No total, a polícia paulista matou 489
civis nos primeiros seis meses do ano 2000, ou uma pessoa a cada 9 horas. Se
presumirmos que 50% do total destes homicídios cometidos pela polícia foram
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais, só no estado de São Paulo
daria um total de quase 500 vítimas por ano. Se aplicarmos essa razão (50%) à
projeção dos homicídios cometido por policiais e grupos de extermínio no país,
no ano 1999, daria um total de 1.920 execuções sumárias, em 1999, no
Brasil.
O relatório não apenas traz levantamentos
que permitem uma aproximação da gravidade do problema em termos globais, como
também avalia as cifras para entender como, quando, e porque, contra quem são
cometidos os homicídios, e em particular as Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais. Dos casos cometidos por policiais e grupos de extermínio,
destaca se a participação de policiais, que são tidos como os responsáveis por
81,79% do total, contra 16,90% dos grupos de extermínio. Em termos da
vitimização, percebe-se, por exemplo, que enquanto 2,35% das pessoas mortas em
geral são femininas, ao avaliar os casos com indícios de serem execuções
sumárias, esse percentual sobe para 10,34—levando à conclusão de que as mulheres
têm quatro vezes mais chance de serem vítimas de execuções sumárias do que
homicídios em geral. Em termos raciais, a pesquisa demonstra que os negros e
pardos tendem a ser os alvos preferências dos homicídios com indícios de
execuções sumárias. Enquanto entre os homicídios noticiados em geral os negros e
pardos constituem 71,28% das vítimas cuja cor é identificada (7,77% do
total)—uma cifra já extremamente alta—nos casos de homicídios cometidos por
policiais e grupos de extermínio, esses "não brancos" chegam a compor 84,96%
(14,29 do total) das vítimas. O percentual de vítimas brancas cai pela metade,
sendo de 28,7% (3,13% do total) para todos os homicídios noticiados, mas apenas
15,04% (2,53% do total) dos homicídios de autoria da polícia ou dos grupos de
extermínio.
Através de outras análises das cifras
existentes e textos analíticos, este relatório pretende explicar o fenômeno das
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais para os públicos brasileiro e
internacional. Para tal, nos capítulos que se seguem, apresentamos um breve
histórico da prática no Brasil, assim como algumas considerações sociais e
jurídicas, entre essas, uma avaliação das normas nacionais e internacionais
pelas quais as autoridades brasileiras devem pautar a atuação
policial.
No intuito de esclarecer a natureza das
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais, as entidades que elaboraram
este relatório levantaram casos exemplares em seis estados. Trata-se,
concretamente, de 42 casos com indícios e provas de serem execuções sumárias com
um total de, pelo menos 70, e, possivelmente, até 90 vítimas. São casos que
ceifaram as vidas de adolescentes, jovens, homens e mulheres, suspeitos e
pessoas sem antecedentes, profissionais liberais, assim como presos indefesos.
Os casos envolvem diversas modalidades, como a operação de grupos de extermínio
com atuação de policiais, de uso ilegítimo de força letal por policiais em
serviço, homicídios cometidos por policiais em folga, muitas vezes fazendo
"bico" de segurança, de queima de arquivo, de tentativa de extorsão seguida de
execução, de pessoas seqüestradas e depois assassinadas e de "chacinas"
(execuções com três ou mais vítimas) com envolvimento de policiais. Os casos
demonstram o horror das execuções sumárias, com cara humana e não só
numérica.
Finalmente, no último capítulo o relatório
traz uma série de recomendações concretas para lidar com o grave problema que o
país enfrenta nessa área. Entre essas, destaca-se a de tomar conhecimento da
gravidade real do problema, através da manutenção e divulgação de dados
confiáveis em nível nacional sobre a prática desse crime, assim como a de
convidar a Relatora Especial sobre as Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais para visitar o país, levantar a situação atual e, baseando-se na
sua profunda experiência na área, fazer recomendações concretas ao governo
brasileiro.
3. BREVE HISTÓRICO DAS EXECUÇÕES
SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS OU EXTRAJUDICIAIS NO BRASIL
As Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais não são um fenômeno novo no Brasil. Desde que a terra
brasilis foi ocupada por portugueses, há cinco séculos, toda a sua história
apresenta fartos casos dessa natureza. Afinal, o que são as Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais, a não ser todo e qualquer homicídio praticado por
forças de segurança do estado (policiais, militares, agentes penitenciários,
guardas municipais) ou similares (grupos de extermínio, justiceiros), sem que a
vítima tenha tido a oportunidade de exercer o direito de defesa num processo
legal regular, ou, embora respondendo a um processo legal, a vítima seja
executada antes do seu julgamento ou com algum vício processual; ou, ainda,
embora respondendo a um processo legal, a vítima seja executada sem que lhe
tenha sido atribuída uma pena capital legal.
A começar pela população nativa de 500
anos atrás, estima-se que pelo menos 1 milhão de índios tenham sido mortos, ao
longo dos últimos séculos, nas lutas por conquista do território brasileiro e
pela imposição da cultura branca. Os negros, trazidos da África para o trabalho
escravo, estiveram também entre as primeiras populações objeto de execuções
sumárias, sempre em nome de uma dominação política, cultural e
econômica.
No século XVII, existiram no Brasil
diversos quilombos – comunidades de resistência nas periferias das cidades,
habitadas por escravos fugidos. O mais famoso deles, situado, à época, na
Capitania de Pernambuco, foi destruído numa ação sangrenta. Seu líder, Zumbi,
que conseguiu fugir ao massacre de Palmares, foi morto dois anos depois e sua
cabeça exposta em praça pública como prova de sua morte e para aterrorizar a
população negra. Esse episódio demonstra a extrema violência das penas
infligidas aos escravos no país. O Brasil e Cuba, diga-se de passagem, foram os
últimos países do mundo a abolir a escravidão negra, em 1888.
Os que lutaram pela independência do
Brasil em relação a Portugal (entre eles Tiradentes, Frei Caneca, e tantos
outros) - não se pode esquecer -, foram também vítimas de todo tipo de
atrocidades, incluindo torturas e Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais. No final do século XIX, toda a comunidade de Canudos, uma das
cidades mais populosas do Estado da Bahia, à época, com pretensões de
auto-suficiência, organizada por um religioso - Antonio Vicente Mendes Maciel,
mais conhecido como Antonio Conselheiro – foi destruída com extrema violência.
"Tudo foi queimado, destruído, e degolados, indistintamente, guerrilheiros,
velhos, mulheres e crianças".
Mais que tudo os negros, os índios, os
trabalhadores rurais e os pobres em geral têm sido vítimas de massacres no
Brasil. O que diz Paulo Sérgio Pinheiro em relação à tortura, vale também para
as execuções sumárias: "As classes populares no Brasil - ao contrário das
classes médias e da burguesia, que só conheceram a ditadura no Estado Novo"
(1930) "e no atual regime autoritário" (1964/1985) "convivem com a
tortura desde que o Estado brasileiro se formou."
A vinculação das Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais com a tortura, aliás, é algo que sempre foi
presente na realidade brasileira, cometidas contra a população comum. Percival
de Souza ilustra a utilização da tortura e das Execuções Sumárias, Arbitrárias
ou Extrajudiciais pelas forças de segurança do estado brasileiro, contra presos
comuns: "(...) com marcas visíveis de tortura, principalmente no rosto (alguns
torturadores preferiam desferir socos e pontapés), eram enrolados dentro de
tapete e retirados de prédio como se fossem objetos de mudança. Jogados em
qualquer ponto da cidade, os cadáveres engrossavam a lista dos desaparecidos.
Nascia, assim, com prisioneiros comuns, a cultura dos desaparecidos."
"Anos adiante", prossegue o próprio
Percival de Souza, "mediante o uso desses e de outros métodos, seria a vez de
prisioneiros políticos desaparecerem". Contra os presos políticos, no período do
regime militar ditatorial, a utilização da tortura e das Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais adquiriu ares de defesa da segurança nacional, em
nome de cuja doutrina "criaram no país um clima de ódio e de violência, de total
insegurança, pois qualquer um, a qualquer hora e em qualquer lugar, por qualquer
motivo, ou sem motivo algum, podia ser preso, algemado e desaparecer para
sempre, como aconteceu com tantos".
Tortura e
Execução
O esquema de repressão clandestino,
violento e degradante, montado pelo regime militar, instalado no país em
1964, para torturar e assassinar presos políticos, é ilustrado mais uma
vez por Percival de Souza:
"- Luz vermelha chamando
UTI...
- Aqui é o médico de
plantão.
- Cirurgia urgente. Prepare os
instrumentos.
- Sala de operações
pronta.
- Chame o diretor do
hospital.
- Cruz vermelha I
chamando...
- UTI em estado de
alerta.
- Ambulância a caminho do hospital.
Internações confirmadas.
- Macas prontas à entrada do
hospital.
- Luz vermelha chamando UTI.
Prioridade. Convocar médicos e enfermeiros.
- Cruz vermelha 2 chamando UTI.
Preparar bisturi.
- Diretor do hospital falando.
Providências tomadas. Estamos aguardando.
(...)
As inconfundíveis peruas eram
equipadas com rádio freqüência especial, mas mesmo assim o código com
linguagem hospitalar ficava reservado para os defensores da segurança
nacional. A UTI referida nas comunicações aludia ao centro nevrálgico do
DOI-Codi e a luz vermelha significava que alguém importante ia chegar: O
caso era mesmo urgente. Por isso, quem atendia ao chamado pelo rádio era o
médico de plantão, ou seja, o oficial-de-dia do quartel, responsável pelo
turno de serviço em andamento. "Cirurgia urgente" significava que inimigos
procurados com insistência haviam sido capturados, sendo preciso preparar
o instrumental para uma equipe de interrogatório, que já devia estar a
postos para arrancar informações - a todo custo e a qualquer preço, para o
desdobramento das investigações. Assim, a codificada sala de operações
devia estar rapidamente em condições de uso; tratava-se do lugar ao qual
os presos seriam levados, sem perda de tempo. A partir daí, o que viesse a
acontecer ali dentro não teria limites, escrúpulos, ética ou
piedade."
Fonte: Souza, Percival de. Autópsia do
Medo. Vida e Morte do Delegado Sérgio Paranhos Fleury. Editora Globo. São
Paulo. 2000. P.
7-8. |
Com o fim da ditadura militar, que
aconteceu de forma "lenta e gradual", por volta de 1985, as Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais de presos comuns voltaram a ser a regra,
reforçadas pela ação de esquadrões da morte ou grupos de extermínio. Esses podem
ser definidos como organizações criminosas que, em sua origem, contaram com a
participação e o treinamento de policiais – junto a traficantes, seguranças
privados e marginais em geral - para a prática de Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais contra os presos comuns, como decorrência e em
face do mercado de trabalho constituído durante o regime militar. Não
contando mais com o apoio financeiro do regime militar, passaram a cobrar
"segurança" de comerciantes que se sentiam inseguros com o aumento crescente da
violência comum. Com o tempo, esses grupos passaram a expandir sua ação
criminosa para outros crimes: "Tem grupo que se especializa no tráfico de
drogas, outros em seqüestros, roubos - inclusive de carros -, e outros em tudo
isso junto, assegura o delegado Cleurinaldo Lima, ex-titular da delegacia de
Homicídios (...)", no estado de Pernambuco.
O mais lastimável – e o que faz com que se
considere ação de grupos de extermínio um tipo de Execução Sumária, Arbitrária
ou Extrajudicial, no Brasil - é a participação do poder instituído na formação
(e nas atividades) desses grupos criminosos. "Governadores de estado biônicos e
funcionários do estado estiveram associados (...), desde o seu primeiro
instante, à criação dos bandos de execução conhecidos como o Esquadrão da
Morte." Seguidores dos grupos de extermínio, os justiceiros são "na sua grande
maioria policiais aposentados ou nos seus períodos de folga, ou pessoas ligadas
à polícia -, que se juntam a líderes das pequenas comunidades e, dentro delas,
aplicam aquilo que consideram justiça. (...) E o fazem impunemente, porque
contam com o respaldo da própria polícia, que deixa a essas organizações aquilo
que poderíamos chamar de ’serviço sujo’".
As Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais de hoje, reforçadas pela experiência nefasta do regime militar,
são o resultado de uma visão de segurança, que está presente nos órgãos do
estado e em parcela considerável da sociedade brasileira, enquanto combate da
criminalidade. "A principal desculpa para essa política de extermínio é a
‘guerra’ contra a criminalidade. (...) O inimigo interno agora são os suspeitos
criminosos e delinqüentes ‘infiltrados’ nas massas populares, no ‘povão’, como
gostam afetuosamente de dizer os comandos da PM. Nessa guerra, as garantias
constitucionais para o criminoso são um luxo a que a PM não pode se curvar: os
princípios do Direito são uma limitação incômoda a seus combates".
O que parece evidente é que o processo de
(re)democratização do país, iniciado em 1985, não contou com a criação de
mecanismos democráticos necessários ao controle da criminalidade, seja ela
cometida por criminosos comuns, seja por agentes do estado. Falta, na realidade,
uma política de justiça e segurança, ou, como se costuma falar mais
modernamente, de segurança cidadã - no sentido de se orientar para o controle da
criminalidade com o devido respeito aos direitos humanos.
Por sua vez, os homicídios ligados a
conflitos no campo enquadram-se num tipo de ação criminosa que tem contado, há
séculos, com a conivência, e, muitas das vezes, com a participação, das polícias
brasileiras. É senso comum, no Brasil, que as polícias servem apenas às elites,
em particular às elites rurais, detentoras de "latifúndios" improdutivos. Sem
acesso à terra para trabalhar e morar dignamente, quantidades crescentes de
brasileiros passaram a ocupar terras sem uso, como um meio de pressionar o
governo para que venha a cumprir as promessas de realizar reforma
agrária.
A prática das ocupações de terras enfrenta
forte resistência dos proprietários de terra e de todo o sistema de justiça e
segurança (polícias, juizes, promotores, secretários de estado). Embora as
práticas criminosas possam ser atribuídas mais a pistoleiros contratados por
fazendeiros, é certo que a "polícia, com ou sem a ordem judicial de despejo, tem
usado força excessiva em várias ocasiões, atirando em multidões de trabalhadores
e suas famílias, espancando-os e queimando suas casas para forçá-los a abandonar
a terra" e torna-se conivente com os homicídios na medida em que não os
investiga corretamente. De primeiro de janeiro de 1964 a 31 de dezembro de 1989,
a CPT - Comissão Pastoral da Terra - registrou um total de 1.566 assassinatos de
trabalhadores rurais, índios, advogados, religiosos e outros profissionais
ligados à luta pela terra. "Dos 1566 assassinatos em 26 anos, houve apenas 17
julgamentos e apenas 8 condenações - em 9 casos houve absolvição." Dados mais
recentes, da mesma CPT, "revelam que de 1988 até 2000, 1570 trabalhadores rurais
foram assassinados", cuja maioria dos crimes também ficou impune.
A violência no sistema penitenciário
brasileiro, por outro lado, é ilustrada aqui pelo massacre cometido por
policiais militares do Estado de São Paulo, de 111 presos, em outubro de 1992,
na Casa de Detenção (Carandiru). Esse fato significou a exacerbação de uma
situação de extrema precariedade do sistema penitenciário nacional, cronicamente
assolado por problemas como a superpopulação, a tortura e os maus tratos, a
ausência de serviços de saúde, e a falta de acompanhamento dos processos dos
presos, entre outros.
Várias outras Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais recentes, - como as que vitimaram adolescentes de
rua na Candelária (São Paulo), moradores da favela de Vigário Geral (Rio de
Janeiro) e trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás (Pará) - se sucederam,
causando indignação na opinião pública nacional e internacional, mas ficando, em
regra, impunes.
Particularmente após a (re)democratização
do país, com o surgimento de diversos movimentos sociais e organizações não
governamentais de promoção e defesa dos direitos humanos, inúmeros defensores de
direitos humanos vêm sendo vítimas de Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais. O caso de Margarida Maria Alves – líder sindical do Estado da
Paraíba – causa indignação, em função de serem conhecidos os seus matadores, sem
que, após 17 anos do cometimento do crime, tenha sido feita justiça. Falta uma
preocupação do Estado brasileiro com a proteção para a atividade de alta
relevância, para a democracia, dos defensores de direitos humanos.
Na abordagem dos aspectos históricos
recentes das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais, no Brasil, uma
situação merece atenção, por suas especificidades: os homicídios de
homossexuais.
Com efeito, sabe-se ser grande o número de
homossexuais (gays, lésbicas e travestis) assassinados, muitas vezes por
grupos de extermínio ou em contendas com policiais, mas há muito poucos dados a
respeito, em função do preconceito que ainda cerca a condição da
homossexualidade. Na percepção do Grupo Gay da Bahia, um dos grupos de defesa
dos direitos humanos dos homossexuais mais atuantes do país, "ao findar o século
XX, lastimavelmente, o panorama relativo aos homicídios de homossexuais em nosso
país é tenebroso e altamente preocupante: 1999 é o ano em que mais gays,
travestis e lésbicas foram assassinados em toda a história do Brasil: 169
vítimas." Entre os quais, os chamados profissionais do sexo são a categoria mais
exposta aos homicídios. Embora nem todos os homicídios contra homossexuais
possam ser caracterizados como Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais
(em razão de nem todos os crimes serem praticados por agentes do estado ou
grupos de extermínio), a situação preocupa pelo alto grau de participação de
agentes do estado e de grupos de extermínio e pela impunidade que tem
representado.
Diversos relatórios elaborados por
organizações nacionais e internacionais preocupadas com os direitos humanos
apontam que as execuções sumárias são um dos mais sérios problemas de direitos
humanos do Brasil. Anualmente, são centenas os brasileiros que morrem a mando de
grandes proprietários de terras, nas mãos de grupos de extermínio, em conflitos
privados (com a tolerância do estado) ou em confrontos com a polícia. A razão
para que esses crimes continuem acontecendo é a inexistência no Brasil de uma
política de estado destinada a punir exemplarmente as Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais, sejam patrocinadas por agentes do estado, seja
por cidadãos comuns. Falta uma política do estado brasileiro que demonstre
claramente sua determinação em coibir a ocorrência desse tipo de crimes. Falta,
igualmente, uma atuação do estado brasileiro no sentido da formação democrática
da cidadania brasileira, de modo a evitar a banalização do homicídio, como tem
acontecido no país.
4. HOMICÍDIOS NO BRASIL
Os dados analisados nesta parte da
publicação foram pesquisados por entidades filiadas ao Movimento Nacional de
Direitos Humanos, que mantém um Banco de Dados sobre homicídios noticiados em
jornais nas 27 Unidades da Federação brasileira. Os critérios para escolha dos
jornais são os de circulação diária, de âmbito estadual e que publicam
informações privilegiadas sobre ocorrências de homicídios.
Inicialmente, são expostos números oficiais que
revelam a gravidade da violência no Brasil. As tabelas, na seqüência, situam o
total de homicídios noticiados pelos jornais
no ano de 1999, em 18 Unidades da Federação: Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do
Norte, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Acre, Sergipe, Tocantins, Paraná, São Paulo,
Mato Grosso, Distrito Federal, Piauí, Amapá, Roraima, Rio de Janeiro e Espírito
Santo.
Entrar o mapa do
Brasil
Em seguida, são analisados os crimes de
homicídios no Brasil, noticiados pelos jornais, atribuídos às ações das Polícias
e dos Grupos de Extermínio.
4.1. Homicídios no Brasil: dos dados
oficiais à visibilidade nos jornais impressos
Antes da apresentação e análises dos
dados, é importante e necessário fazer considerações acerca da produção e da
qualidade dos dados estatísticos oficiais sobre violência e criminalidade no
Brasil. Em primeiro lugar, é importante dizer que a produção desses dados é
bastante precária. Em segundo lugar, a fonte mais completa sobre mortes/óbitos
no Brasil, com possibilidade de recorte sobre causas externas (homicídios,
suicídios e acidentes de trânsito), é o DATASUS (Base de Dados Nacional do
Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Justiça). Dada a natureza
deste Sistema, só são armazenadas informações e dados sobre as vítimas. Mesmo
assim, segundo Walselflsz, "o próprio SIM estima que os dados apresentados em
1992 podem representar algo em torno de 80% dos óbitos acontecidos no
país".
Além dos aspectos mencionados nos estudos
supracitados, salienta-se que os dados oficiais, produzidos no Brasil sobre
violência e criminalidade, de um modo geral, não apresentam um padrão de coleta
que permita traçar, com precisão, o perfil dos
suspeitos/acusados pelos crimes, inclusive, dos homicídios. A caracterização das
ocorrências também é negligenciada, não possibilitando um diagnóstico
concreto sobre motivos/circunstâncias que geram
crimes violentos ou não.
Isto posto, ressalta-se que não é possível
realizar uma análise mais apurada sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais no Brasil, tendo por base dados estatísticos provenientes de
fontes oficiais.
De outra parte, é possível lançar mão dos
dados que são publicados em jornais impressos, estabelecendo o perfil das
vítimas, dos suspeitos/acusados, bem como a caracterização das ocorrências de
homicídios. Portanto, os dados apresentados e analisados, no tópico 4.3., visam
proporcionar, a partir dos homicídios atribuídos pelos jornais a ações das
Polícias e dos Grupos de Extermínio, uma aproximação com as Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais, nas 18 Unidades da Federação com dados
disponíveis.
4.2. Homicídios no Brasil: o que as
fontes e os números mostram
A violência no Brasil
atingiu índices alarmantes e tem levado o Brasil a ocupar uma posição
desconfortável no cenário internacional. Segundo o pesquisador Ib Teixeira, da
FGV – Fundação Getúlio Vargas, "o Brasil ostenta a vergonhosa taxa de 38 mil
homicídios ao ano nos últimos 10 anos, contra 35 mil no mesmo período na
Colômbia, país em guerra civil. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Rio Branco
são as cidades mais violentas. No Brasil, o crime de sangue foi banalizado, e
vem se matando mais do que nas guerras da Chechenia, Kosovo e
Bósnia".
Dados do Ministério da
Justiça revelam que, "no primeiro semestre de 1999, foram registrados, em
todo o país, 23,3 mil homicídios. Em duas décadas, o índice de homicídios no
país cresceu 173,73%. Passou de 9,44 por 100 mil
habitantes, em 1979, para 25,84 por 100 mil habitantes em 1998." A violência
no Brasil chega a custar, segundo o pesquisador Ib Teixeira da FGV-Fundação
Getúlio Vargas, 8% do Produto Interno Bruto nacional
- PIB. Vários empresários já começam a questionar a possibilidade de investir no
Brasil, devido ao problema da violência e do custo com a
segurança.
A sensação
da população é de que há um Brasil sem lei, sem perspectivas de mudanças.
Paulo Sérgio Pinheiro, um dos grandes estudiosos do tema, diz que "até o Estado
democrático não teve condições de fazer cessar a existência dessas ‘zonas de
terror..." Paira sempre sobre os cidadãos uma nuvem de ameaça de violência,
ilegal .
Por outro
lado, a população, para se proteger contra a criminalidade cada vez maior, vem
buscando alternativas, seja pagando por segurança (vigilantes, vidros blindados,
segurança eletrônica etc), seja fazendo justiça pelas próprias mãos, a exemplo
dos diversos linchamentos ocorridos nos últimos tempos e dos crimes entre
cidadãos comuns. Estes, em muitos casos, resolvem desavenças pessoais de forma
privada, devido à ausência do Estado.
Passando a analisar os
homicídios noticiados, cabe assinalar que os dados
apresentados representam uma amostra expressiva desta modalidade de crime, uma vez que em 1999, segundo o Banco de Dados do MNDH,
foram noticiados 13.917 assassinadas,
em 18 Estados da Federação, detalhados na tabela 01. Isto significa que
aproximadamente 39 homicídios são noticiados por dia, nas 18 Unidades da
Federação ou 1.160 homicídios, por mês.
Tabela 01: Homicídios noticiados em
1999
Vítimas por Unidade da
Federação |
Freqüência |
% |
São Paulo |
4.070 |
29,24% |
Rio de Janeiro |
1.986 |
14,27% |
Pernambuco |
1.757 |
12,62% |
Espírito Santo |
1.464 |
10,52% |
Bahia |
1.306 |
9,38% |
Paraná |
547 |
3,93% |
Goiás |
535 |
3,84% |
Paraíba |
456 |
3,28% |
Mato Grosso |
402 |
2,89% |
Sergipe |
240 |
1,72% |
Minas Gerais |
208 |
1,49% |
Piauí |
205 |
1,47% |
Distrito Federal |
200 |
1,44% |
Tocantins |
161 |
1,16% |
Roraima |
103 |
0,74% |
Rio Grande do Norte |
102 |
0,73% |
Amapá |
95 |
0,68% |
Acre |
80 |
0,57% |
TOTAL |
13.917 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Os 13.917
assassinatos noticiados no Brasil, apresentados pelo Banco de Dados do MNDH no
ano de 1999, não são exclusivamente relacionados às ações das Polícias e dos
Grupos de Extermínio. Englobam casos de
chacina, pistolagem, homicídios decorrentes de criminalidade de rua, atribuídos
a cidadãos comuns, entre tantos outros tipos de homicídios.
A maior
parte das 13.917 vítimas, em 1999, é do sexo masculino, representando 12.428
(89,30%) contra 1.439 (10,34%) do sexo feminino. Em apenas 50 vítimas (0,36%),
os jornais não informaram o sexo. A constatação é de que os homens morrem mais e
matam mais. Uma explicação possível para esta afirmação tem a ver com os
aspectos culturais presentes na formação da sociedade brasileira, contribuindo,
assim, de sobremaneira para um comportamento machista, em que o homem é educado
para ser o forte/viril e a mulher a dócil/pacata.
Quanto à
cor das vítimas, dos 13.917 assassinatos, em 12.400 casos – que representam
89,10% - os jornais não forneceram essa informação. A soma das vítimas de cor
"não branca" (negra, morena e parda) totaliza 1.082 (7.77%) das vítimas, contra
435 (3,13%) das vítimas de cor branca.
A questão
da cor no Brasil não é pacífica. Discutir esta questão é complexa e de uma
difícil tentativa de análise quantitativa de dados, tendo em vista o preconceito
da sociedade brasileira. Tem razão Marilena Chauí quando diz: "o preconceito
é o obstáculo maior ao conhecimento e à transformação. Ignorante, o preconceito
é conservador."
Em relação
aos dias das ocorrências, pode-se perceber que os homicídios concentram-se nos
finais de semana, tendo seu pico no domingo (2.748) com 19.75% dos casos, em 2º
lugar o sábado( 2.031), ou 14.59%, e o ponto mais baixo na sexta-feira (1.730)
ou 12.43%. Vale destacar que entre a
sexta-feira e domingo ocorrem 46,77% dos homicídios, percentual
significativo.
Tabela 02: Distribuição dos homicídios por dias da
semana
Vítimas por dias da
semana |
Freqüência |
% |
Domingo |
2.748 |
19,75% |
Sábado |
2.031 |
14,59% |
Segunda |
2.000 |
14,37% |
Quarta |
1.833 |
13,17% |
Terça |
1.804 |
12,96% |
Quinta |
1.771 |
12,73% |
Sexta |
1.730 |
12,43% |
TOTAL |
13.917 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
A
concentração de crimes nos finais de semana dá-se principalmente à noite,
representando (4.896) 35,18% dos casos ou de madrugada, representando (3.481)
25.01%. Ou seja, no período da noite/madrugada, foram assassinadas 8.377
pessoas, representando o percentual significativo de 60,19%, contra 3.283
(23,59%) no período do dia (manhã/tarde). E para 2.257 vítimas (16.22%) os
jornais não noticiaram o período.
A maior incidência nos
finais de semana pode ser explicada pelo fato de que as pessoas saem de casa
para o lazer e ficam mais vulneráveis à violência, tendo em vista a falta de
segurança preventiva nos finais de semana. "As pessoas
não trabalham, e nos quais estão menos expostos aos mecanismos sociais de
controle e regulação de diversas naturezas presentes nos ambientes de trabalho,
são os dias que concentram o maior número de ocorrências de
homicídios."
4.3. Das
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais noticiadas no Brasil: uma
aproximação com os dados disponíveis
Dos 13.917
assassinatos noticiados no Brasil, apresentados pelo Banco de Dados do MNDH,
1.148 casos são relativos a ação das Polícias e dos Grupos de
Extermínio, o que equivale a 8.25%, configurando um índice bastante
significativo. Dizendo de outra maneira: são mais de 03 homicídios/dia
atribuídos pela imprensa às Polícias e aos Grupos de Extermínio, representando,
portanto, uma média mensal de aproximadamente de 100 crimes de homicídios
nas 18 Unidades da Federação brasileira, pesquisadas no ano de 1999.
Os cinco
estados com maior número de homicídios, noticiados pelos jornais, são pela
ordem: São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo e Bahia, conforme
demonstrado anteriormente. Quando se considera os homicídios decorrentes da ação
das Polícias e dos Grupos de Extermínio, o primeiro lugar é ocupado pelo Rio de
Janeiro e o segundo pela Bahia, conforme tabela seguinte.
Tabela
01: Homicídios atribuídos a ações das Polícias e Grupos de Extermínio, por
Unidades da Federação, em 1999
Vítimas por Unidades da
Federação |
Freqüência |
% |
Rio de
Janeiro |
259 |
22,56% |
Bahia |
250 |
21,78% |
São
Paulo |
223 |
19,43% |
Pernambuco |
152 |
13,24% |
Espírito
Santo |
87 |
7,58% |
Paraná |
34 |
2,96% |
Paraíba |
25 |
2,18% |
Piauí |
23 |
2,00% |
Goiás |
18 |
1,57% |
Distrito
Federal |
15 |
1,31% |
Minas
Gerais |
15 |
1,31% |
Sergipe |
12 |
1,05% |
Rio Grande do Norte |
9 |
0,78% |
Tocantins |
9 |
0,78% |
Acre |
6 |
0,52% |
Mato
Grosso |
4 |
0,35% |
Roraima |
4 |
0,35% |
Amapá |
3 |
0,26% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Dados relevantes são os que expressam que
81,79% dos casos de homicídios têm as polícias militar e civil como autoras.
Aqui se expressa a violência institucional em que os policiais formados por uma
cultura da violência e do combate não estão preparados para a cultura da defesa
da vida. Em segundo lugar, vêm os grupos de extermínio, com 16,90% dos
casos.
Estes dados evidenciam a aprovação tácita
das autoridades brasileiras aos crimes de homicídios atribuídos pelos jornais a
ações das Polícias e dos Grupos de Extermínio. É a aprovação da pena de morte,
ainda que não institucionalizada ou legalizada. O que se pode constatar é
que esses homicídios são um mecanismo cruel de controle criminal ilegal,
mostrando o fracasso do sistema de justiça e segurança pública do
país.
Tabela 02: Distribuição por ação de
grupos, sem distinção de atuação, em
1999
Vitimas por ação de grupos, sem
distinção de atuação |
Freqüência |
% |
Polícias Militar e
Civil |
939 |
81,79% |
Grupos de
Extermínio |
194 |
16,90% |
Agentes
Penitenciários |
11 |
0,96% |
Forcas Armadas |
4 |
0,35% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Os
homicídios atribuídos à policia militar, exercendo a função, representam 48,34%
dos casos (conferir, tabela abaixo). Este dado de realidade mostra uma "zona
cinzenta’ em que os agentes policiais são exemplos da violência, o que é mais
grave, no exercício da função. Se somamos os casos referentes às
polícias militar e civil, no exercício da função, o percentual sobe para 58,09%,
totalizando 667 dos assassinatos noticiados.
Vale
salientar que a Polícia Militar tem um efetivo maior que a Polícia Civil, bem
como encontra-se mais exposta a situações de conflito e de confronto. Por outro
lado, a Polícia Militar não exercendo a função comete mais crimes de homicídio
do que a Polícia Civil no exercício da função. Não menos grave é o fato da
Polícia Civil, que tem o papel exclusivamente judiciário e investigativo, ser
responsável por, aproximadamente, 8% dos homicídios noticiados.
03: Distribuição por ação de
grupos, por distinção de atuação, em
1999
Vitimas por grupos de ação, com
distinção de atuação |
Freqüência |
% |
Polícia Militar Exercendo a
Função |
555 |
48,34% |
Grupos de
Extermínio |
194 |
16,90% |
Polícia Militar Não Exercendo a
Função |
112 |
9,76% |
Polícia Civil Exercendo a
Função |
91 |
7,92% |
Polícia (quando o jornal não
precisa a informação) |
42 |
3,66% |
Polícia Militar (quando o jornal
não precisa a informação) |
37 |
3,22% |
Polícia Exercendo a
Função |
28 |
2,44% |
Polícia Não Exercendo a Função
(quando o jornal não precisa a
informação) |
23 |
2,00% |
Ação Conjunta da Polícia Civil e
Polícia Militar Exercendo a
Função |
21 |
1,83% |
Polícia Civil Não Exercendo a
Função |
20 |
1,74% |
Outros |
25 |
2.17% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
A VIOLÊNCIA DA
POLÍCIA
No Estado de São Paulo, o número de civis mortos pela
polícia vem aumentando desde 1996. Em 1998 foram 525 civis mortos, em 1999
foram 664, um crescimento de 26%- o maior índice desde 1992, ano em que a
polícia matou 111 presidiários em um massacre na casa de detenção do
Carandiru, e o total de mortos chegou a 1532. Nos últimos nove anos, 6.672
pessoas foram mortas em ações da polícia militar no Estado de São Paulo.
Essa tendência se intensificou ao longo dos seis primeiros meses do ano
2000, quando a polícia de São Paulo matou 489 civis, o que significa um
aumento de 77.2% em relação à cifra de 1999. A média de pessoas mortas
pela polícia de São Paulo no primeiro semestre de 2000 foi de uma a cada 9
horas, o que representa quase três homicídios por dia. Esse crescimento
acompanha a evolução de presos e bate o aumento de 8% no índice geral de
homicídios dolosos cometidos no Estado. A polícia de São Paulo mata uma
média de 1000 pessoas por ano, enquanto que a polícia de Nova York mata
uma média de 20 pessoas por ano, ou seja, a polícia paulista mata quase 50
vezes mais que a nova iorquina, ou mais de 12 vezes, per capita.
Para cada policial morto em São Paulo, há 24 civis mortos. Em Novas York,
esse número é de 77.
Um estudo divulgado em julho pela Ouvidoria da Polícia
ajudou a explicar estes índices. Analisando os laudos de 222 pessoas
assassinadas pela polícia em 1999 (um terço das vítimas de ações fatais),
concluindo-se que 52.6% delas foram atingidas pelas costas, 23% receberam
cinco ou mais disparos e cerca de 36% recebeu projéteis na cabeça. Esses
resultados sugerem que muitas delas foram sumariamente executadas, e não
legitimamente em tiroteios, como as autoridades normalmente alegam.
Aproximadamente 60% das vítimas não tinham antecedentes criminais enquanto
55.8% das pessoas atingidas não estavam em flagrante delito. A pesquisa
também indicou que 43.5% das 193 ocorrências não tiveram testemunhas e que
45.9% das vítimas eram jovens entre 18 e 25 anos. Os outros 11% eram
menores de idade (Texto do Centro de Justiça Global/ Rio/São Paulo/ 2001,
citando documento da Ouvidoria de São Paulo).
Quanto às vítimas, os homens são em maior número em
relação às mulheres, obedecendo ao mesmo padrão para os homicídios de um
modo geral. Os primeiros representam 97,39% das vítimas contra 2,35% das
mulheres. No entanto, só para efeito de comparação, quando se faz a
análise sobre o total das vítimas de homicídios, as mulheres perfazem
10,34% das vítimas e os homens 89,30%. Assim, pode-se afirmar que os
homens são, proporcionalmente, mais vítimas das Polícias e dos Grupos de
Extermínio do que as
mulheres. |
Tabela 04: Distribuição das vítimas
de homicídios por sexo , em 1999
Vítimas por
sexo |
Freqüência |
% |
Masculino |
1.118 |
97,39% |
Feminino |
27 |
2,35% |
Não informado |
3 |
0,26% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados –
MNDH
Analisando os dados sobre a cor das vítimas da ação das Polícias e dos
Grupos de Extermínio e relacionando com os
dados gerais dos homicídios noticiados, em 1999, é possível fazer algumas
constatações. A primeira, revela que o percentual que não informa sobre a cor da
vítima, relativo a ações das Polícias e dos Grupos de Extermínio, é de 83,19%.
Inferior, portanto, ao encontrado para os homicídios no geral, que ficou em
89,10%. Esta diferença repercute nos percentuais para as categorias "não branca"
e "branca".
A segunda constatação é que, considerando os homicídios no geral, o
percentual das vítimas de cor "não branca" (negra, morena e parda), atinge
7.77%. Ao passo que, para a ações das Polícias e dos Grupos de Extermínio, o
percentual sobe para 14,29%, sobre o total das vítimas. As vítimas, no geral, de
cor branca, perfazem 3,13%, contra 2,53% para as das Execuções.
Tabela 05: Distribuição das vítimas de
homicídios por cor, em 1999
Vítimas por cor |
Freqüência |
% |
Não informado |
955 |
83,19% |
Negra |
118 |
10,28% |
Morena |
35 |
3,05% |
Branca |
29 |
2,53% |
Parda |
11 |
0,96% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Em relação a idade, 66,06% dos casos
são de vítimas com até 35 anos de idade. São, portanto, os mais jovens que estão
sendo assassinados. Considerando a faixa etária estabelecida no Estatuto da
Criança e do Adolescente (até 18 incompletos), o número de vítimas chega a 82
casos, 7,14%, representando um índice elevado.
Tabela 06: Distribuição das vítimas
de homicídios por faixa etária, em
1999
Vítimas por faixa
etária |
Freqüência |
% |
22-35 anos |
431 |
37,54% |
Não informado |
325 |
28,31% |
18-21 anos |
211 |
18,38% |
36-49 anos |
81 |
7,06% |
0 -17 anos |
88 |
7,14% |
50 ou mais |
18 |
1,57% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Quanto aos dias dos homicídios
noticiados, decorrentes das ações das Polícias e dos Grupos de Extermínio,
observa-se que há uma certa freqüência de assassinatos em todos os dias da
semana, sendo a quarta-feira, o dia com maior incidência (16,99%), das vítimas.
O sábado aparece em último lugar, com
12,37%.
Marcos Eduardo da Silva, Alcenor
Gomes da Silva, Rinaldo Inocêncio, Josenildo dos Santos – 24 anos, Célio
Vicente de Miranda.
Na noite do dia treze de maio de 1999, doze homens,
alguns encapuzados e fortemente armados, invadiram a cadeia da cidade de
Alhandra - PB. Obrigaram o carcereiro a abrir as celas um e dois e
dispararam vários tiros contra os presos que se encontravam
nelas.
Cinco detentos morreram e oito ficaram feridos. O motivo
da chacina teria sido vingança, pois três homens suspeitos de envolvimento
na morte de um policial no distrito de Mata Redonda estavam presos em
Alhandra.
O inquérito instaurado atribui o incidente à omissão dos
policiais e do carcereiro de plantão, já que a guarda do presídio não
tomou nenhuma providência no sentido de evitar a invasão da cadeia ou de
efetuar a prisão dos invasores.
Origem do Relato: Gabinete do Deputado Luiz Couto –
PB. |
Tabela 07: Distribuição das vítimas de
homicídios por dias da semana, em
1999
Vítimas por dias da
semana |
Freqüência |
% |
Quarta |
195 |
16,99% |
Sexta |
170 |
14,81% |
Segunda |
169 |
14,72% |
Domingo |
163 |
14,20% |
Quinta |
159 |
13,85% |
Terça |
150 |
13,07% |
Sábado |
142 |
12,37% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Analisando os homicídios noticiados
decorrentes das ações das Polícias e dos Grupos de Extermínio, é possível
afirmar que os crimes também ocorrem mais à noite, representando 57.93% do total
de 1.148 vítimas.
Tabela 08: Distribuição por ação de
grupos, por distinção de atuação, em
1999
Vítimas por
período |
Freqüência |
% |
Noite |
382 |
33,28% |
Madrugada |
283 |
24,65% |
Tarde |
169 |
14,72% |
Não informado |
161 |
14,02% |
Manhã |
153 |
13,33% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Chama-se atenção para o fato de que
98.35% dos homicídios atribuídos a ações das Polícias e dos Grupos de
Extermínio, são praticados com armas de fogo. Percentual inferior é encontrado
para esta modalidade de arma, quando é considerado o total de homicídios. Para
estes, a arma de fogo é usada em 80% dos crimes. Por estes percentuais, é
possível afirmar e reconhecer a intencionalidade da ação das Polícias e dos
Grupos de Extermínio, pois o percentual é muito próximo a 100%.
Tabela 09: Distribuição das vítimas
de homicídios por tipos de armas, em
1999
Vítimas por tipos de
armas |
Freqüência |
% |
Arma de Fogo |
1.129 |
98,35% |
Não Informado |
7 |
0,61% |
Arma Branca / Arma de
Fogo |
4 |
0,35% |
Arma/Objeto
Contundente |
5 |
0,44% |
Arma Branca |
2 |
0,17% |
Arma de Fogo / Instrumento
Asfixiante |
1 |
0,09% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Quanto à localidade, salta à vista que
49,13%, representando 564 assassinatos, ocorrem em via pública. Apenas 5,79% dos
homicídios não teve o local informado pelos jornais. Tal percentual é importante
porque revela que a atuação, tanto das Polícias quanto dos Grupos de Extermínio,
acontece em lugares públicos e/ou privados conhecidos. Não havendo, portanto,
nenhuma preocupação com a possibilidade de alguém testemunhar, confiante no
ciclo da impunidade presente em nosso
país.
Fábio Oliveira dos Santos,
mecânico.
No dia cinco de julho de 1998, o adolescente Fábio
Oliveira dos Santos trafegava em uma motocicleta por uma das avenidas
principais de Recife - PE, quando foi abordado por uma blitz do
BPTRAN.
Com intuito de atender à determinação policial e
retornar o veículo, que estava na mão oposta, a vítima iniciou uma manobra
de retorno, momento em que o policial militar soldado Daniel Gomes do
Nascimento atirou contra a vítima, causando-lhe a morte. A vítima não
oferecia qualquer risco a atividade policial, no momento do fato, já que
não portava qualquer tipo de arma.
O policial militar, que em nenhum momento o réu negou a
autoria do delito, está sendo processado por homicídio qualificado. A
sentença de pronúncia já foi prolatada.
Origem do relato: CENDHEC - Centro Dom Hélder Câmara de
Estudo e Ação. |
Tabela 10: Distribuição das vítimas de
homicídios por localidade, em 1999
Vítimas por
localidade |
Freqüência |
% |
Via Pública |
564 |
49,13% |
Ocupação Urbana |
137 |
11,93% |
Residência |
101 |
8,80% |
Local Ermo |
71 |
6,19% |
Estabelecimentos Comercias,
Financeiros e Serviços |
60 |
5,23% |
Local para o Lazer |
52 |
4,53% |
Meio Rural |
43 |
3,75% |
Não Informando |
63 |
5,49% |
Estabelecimentos
Prisionais |
32 |
2,62% |
Logradouros
Públicos |
25 |
2,17% |
Local de Trabalho |
2 |
0,17% |
TOTAL |
1.148 |
100,00% |
Fonte: Banco de Dados – MNDH
Por fim, um fato relevante a ser
considerado é que nos casos gerais de homicídios noticiados, 53,34% dos
acusados/suspeitos não são identificados através do nome ou apelido. Quando se
parte para analisar os casos de homicídios noticiados e atribuídos, pelos
jornais, as Polícias e aos Grupos de Extermínio, constata-se que mais da metade,
62,27% dos acusados/suspeitos são identificados. Este dado, por si só,
possibilitaria aos órgãos do sistema de segurança pública tomar as providências
cabíveis, no sentido de elucidação e punições dos suspeitos/acusados, quando
comprovada a autoria e/ou participação direta ou indireta dos agentes do sistema
de justiça e segurança, bem como dos integrantes dos grupos de extermínio, nos
casos de homicídios.
5. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A
SEGURANÇA E A VIOLÊNCIA NO BRASIL
Ao se abordar a violência recente no Brasil, percebe-se que a partir do momento em que já não havia
prisioneiros políticos a defender, os militantes de direitos humanos voltaram a
sua atenção para os presos comuns, tradicionalmente tratados no Brasil com
absoluto desprezo pelos seus direitos humanos mais
elementares.
Criminosos verdadeiros, ou meros "suspeitos" assim identificados pelos
estereótipos de sempre numa sociedade profundamente injusta e discriminatória
como a nossa, esses presos comuns partilhavam – partilham ainda – o mesmo fardo
de serem pessoas de condição sócio-econômica desfavorável. Esse componente
classista, inegavelmente presente nas práticas repressivas das nossas forças
policiais desde sempre, levou os seus críticos a enfatizar tal aspecto,
levando-os por conseguinte a um nível explicativo situado nas profundezas da
nossa formação histórico-social, dentro da qual os "desclassificados" que saíam
da linha (primeiro os escravos, depois os favelados e moradores da periferia)
sempre foram tratados na base da repressão física mais escancarada.
É assim que Nancy Cardia fala na "exclusão moral" de que são vítimas
essas pessoas, a partir da qual "ações bárbaras" das forças repressivas podem
atingi-las sem que isso cause indignação na opinião pública, diferentemente do
que aconteceu quando os atingidos pela repressão estatal durante o regime
militar foram pessoas bem situadas socialmente. Da mesma maneira que Teresa
Caldeira considera que o sentido mais profundo da campanha contra os direitos
humanos, levada a efeito entre nós, reside na "manutenção de privilégios e de
uma ordem excludente."
O
discurso que qualifica os militantes de direitos humanos como "defensores de
bandidos" é tão eivado de má-fé que, como tal, não estaria a merecer outra coisa
senão desdém, não fosse o fato particularmente preocupante de que ele tem grande
aceitação popular. Por quê? De acordo com a linha que
se quer desenvolver neste texto, ele se assenta numa base concreta: o
crescimento da criminalidade violenta, uma dura realidade que as pessoas
vivenciam cotidianamente e da qual querem de qualquer forma se livrar – por
meios legais, se possível; e se não for possível, por qualquer meio.... Como diz a própria Nancy Cardia, analisando as reações
das pessoas "cindidas entre o medo da polícia e o medo do delinqüente", quanto
mais expostas elas ficam ao crime, "mais aceitam as ações arbitrárias da polícia
e da comunidade (como o uso de tortura e a violência fatal contra ‘suspeitos’).
Isso indica que quanto maior o estado de desespero do grupo, mais receptivo às
violações de direitos humanos ele é".
Daí o sucesso do discurso securitário. Ora, como esse discurso se faz
denegrindo os direitos humanos, a tendência dos seus defensores é, muitas vezes,
virar-lhe as costas. Só que a recusa desse discurso capcioso, que é legítima,
não deve obscurecer o fato de que o bem por ele enaltecido, a segurança, não
deve de forma alguma ser desconsiderado. Tanto por razões, digamos,
pragmáticas, quanto por razões legitimamente programáticas. Com
isso, há uma constatação de que a segurança é,
também, um direito humano!. E, está-se falando textualmente, com base nos
documentos fundamentais dessa tradição, sejam as Declarações inaugurais da
Revolução Francesa de fins do século XVIII, seja a Declaração da ONU de
1948.
Está lá, já no artigo 2o da primeira Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão de 1789: os direitos "naturais e imprescritíveis do homem"
são: "a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão"
– grifamos. Declaração tipicamente burguesa, dir-se-ia. Mas é bom não esquecer
(ou lembrar) que em 1793, no momento em que a Revolução empreende uma guinada
num sentido social ausente na primeira – uma guinada à esquerda, na linguagem de
hoje –, uma nova Declaração aparece estabelecendo, em idêntico artigo
2o, praticamente os mesmos direitos: "a igualdade, a liberdade, a
segurança, a propriedade" –. grifo. Mais adiante, o artigo 8o
definia: "A segurança consiste na proteção acordada pela sociedade a cada um de
seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas
propriedades" Cento e cinqüenta anos depois, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos da ONU – na qual figuram, ao lado dos direitos civis e políticos da
tradição liberal clássica, vários direitos sócio-econômicos do movimento
socialista moderno – repetia no seu artigo 3o: "Todo indivíduo tem
direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" – grifo
meu.
Ou
seja: por razões que são, reconhece-se,
compreensíveis, a segurança pessoal como direito humano, quando aparece na
literatura produzida pelos militantes, é sempre a segurança pessoal de presos
políticos, ou mesmo de presos comuns, violados na sua integridade física e moral
pela ação de agentes estatais. Ora, com isso produz-se um curioso esquecimento:
o de que o cidadão comum tem também direito à segurança, violada com crescente e
preocupante freqüência pelos criminosos. Aqui, julga-se necessário e importante,
novamente para evitar mal-entendidos, fazer duas advertências enfáticas: a
primeira é a de que, com isso, não se está aderindo ao conhecido e, no contexto
em que é dito, estúpido slogan "e os direitos humanos da vítima?" – com
que os inimigos dos direitos humanos procuram desacreditar a dura luta a seu
favor num país como o nosso. A segunda é a de que de forma alguma se está
considerando com o mesmo metro as violações de direitos humanos perpetradas por
regimes ditatoriais e as violências praticadas por bandidos – mesmo se ambos são
celerados.
Remeta-se a um texto do colombiano Rodrigo Uprimny, uma vez que se julga
importante ressalvar a especificidade das violações desses direitos quando elas
são perpetradas pelo Estado, por razões que são a um só tempo históricas – pois
essas garantias foram concebidas para fazer frente aos abusos do poder estatal
–, jurídicas – pois são os Estados que se comprometem mediante pactos
internacionais a respeitar os direitos humanos – e práticas: quando outros
particulares praticam ações que ameaçam seus direitos, o cidadão pode sempre
recorrer à autoridade estatal para que esta o proteja. Mas quando é o Estado que
vulnera seus direitos, o cidadão não tem mecanismos de proteção distintos dos
direitos humanos. Assim, concorda-se com ele quando diz que "o conceito de
violação de direitos humanos, para que estes não percam sua especificidade, deve
ser reservado a ações estatais".
A essas razões, acrescente-se uma outra: aceitar que os criminosos e
agentes do Estado sejam igualmente violadores dos direitos humanos, equivaleria,
num certo sentido, a igualá-los! Ora, isso é impossível pela simples razão,
entre outras, de que a sociedade não exige criminosos respeitadores desses
direitos; o que ela deseja é simplesmente que não haja criminosos. Na verdade,
do ponto de vista lógico chega a não fazer sentido exigir de criminosos que
sejam respeitadores de direitos humanos, na medida mesma em que é da essência da
criminalidade ser uma violadora de direitos... Já no que diz respeito ao Estado,
a exigência é oposta: a de que ele exista, mas que exista enquanto depositário
da violência legítima – isto é, enquanto respeitador e protetor de
direitos, inclusive dos direitos humanos. É nesse sentido que é mais
insuportável que o Estado os desrespeite. Lógico que, quanto à dor da vítima,
essa é a mesma...
Mas se concordarmos com o autor colombiano, por que então está-se
chamando a atenção para a violação da segurança das pessoas cometida pelos
criminosos como um item importante a ser considerado numa reflexão sobre
direitos humanos? Porque a insegurança promovida pela criminalidade gera um
terreno propício à aceitação das violações perpetradas pelo Estado! Sobre isso é
necessário fazer algumas reflexões a partir de
alguns dados de pesquisa que dão o que pensar.
Alguns estudos sobre criminalidade e formas de punição têm notado que a
chamada opinião pública não é algo unívoco; que ela está sujeita a flutuações a
depender de eventos criminosos particularmente revoltantes. Pegue-se, por
exemplo, a questão da pena de morte. Em setembro de 1991, uma pesquisa do
Datafolha encontrou 46% de brasileiros favoráveis à pena capital, e 43% contra.
Praticamente um empate em termos estatísticos. Um ano e meio depois, em
fevereiro de 1993, sob o impacto de dois crimes revoltantes – o da atriz Daniela
Perez, no Rio de Janeiro, e o da menina Míriam Brandão, seqüestrada e morta em
Belo Horizonte –, o mesmo Datafolha constatou que esses números tinham saltado
para uma posição inequívoca: 55% dos brasileiros eram a favor, e 38%
contra.
Outro exemplo, esse mais próximo: em outubro de 1999, sob o impacto das
rebeliões e fuga de menores das várias unidades da FEBEM – com direito a imagens
televisadas de selvageria explícita –, a população de São Paulo, em pesquisa
realizada pelo Instituto Brasmarket, foi praticamente unânime em considerar que
a responsabilidade penal deveria diminuir de 18 para 16 anos de idade: 91,4% dos
paulistanos foram a favor, e apenas 6,8% foram contra a medida!, segundo a
revista IstoÉ, de 13.10.99. Aliás, nessa mesma pesquisa, os números sobre
a pena de morte sugerem um avanço da opinião favorável: apenas 27,8% foram
claramente contra, enquanto 38,6% foram francamente a favor, e 28,5% disseram
"depende". Se considerarmos que esta última posição significa, pelo menos a
princípio, a possibilidade de sua admissão, teremos um percentual altíssimo (se
consideramos os números tradicionalmente obtidos no Brasil a esse respeito) de
67,1% de paulistanos que já não são contra a medida... E os exemplos poderiam se
multiplicar.
Em resumo, dados como esses sugerem que quanto mais as pessoas ficam
expostas ao crime, mais elas tenderão a apoiar soluções "de força" para o
problema da violência que as aflige. Nesse caso, os esforços de
"conscientização" da população sobre a importância dos direitos humanos, que
tanto caracterizam a atuação dos seus militantes, podem se revelar um tanto
limitados na sua capacidade de forjar convicções a seu favor. Com isso não se
está de forma alguma querendo dizer que as ações educativas não têm importância.
Ao contrário, resultados de outras pesquisas sugerem igualmente que o cabedal
cultural das pessoas é um fator que influi na sua opinião a respeito de formas
de combate ao crime.
Freqüentemente, em tais pesquisas, as opiniões sobre formas de punição à
criminalidade não são igualmente distribuídas por todos os estratos que compõem
a chamada opinião pública. Ao contrário, uma certa regularidade tem sido
observada: quanto mais nos aproximamos dos estratos sociais desfavorecidos em
termos de escolaridade, mais encontramos pessoas dispostas a aderir a soluções
violentas para o problema da criminalidade. Na segunda pesquisa do Datafolha
citada mais acima, por exemplo, o apoio à pena capital diminuía à medida em que
aumentava o grau de escolaridade dos entrevistados. Mais recentemente, uma outra
pesquisa sobre o apoio dos cidadãos a ações extrajudiciais da polícia (ações que
constituem, portanto, violações dos direitos humanos) entrevistou 1.043 pessoas
no Rio de Janeiro, perguntando-lhes, entre outras questões, o seguinte: "Em
alguns casos se justifica que a polícia torture os suspeitos para obter
informações?" Os que deram respostas positivas ("de acordo" e "muito de acordo")
não são, felizmente, maioria; ao contrário, são minoria: "apenas" 12,5% assim
responderam. Vista a gravidade da violação aos direitos humanos em jogo (a
tortura!), entretanto, não deixa de ser preocupante. Mas o que se deseja destacar, na seqüência do raciocínio que se está, é
que, ao se agregarem as respostas por nível de escolaridade, constata-se que
"são os menos escolarizados que apóiam a tortura".
Correlações desse tipo são também detectáveis quando se diferenciam os
respondentes por renda, o que de um modo geral também significa uma diferença no
nível educacional, na medida em que uma renda mais alta significa, de um modo
geral, também uma educação mais alta – e vice-versa Exemplo disso é uma outra
pesquisa de opinião feita em 1984 pela mesma Folha de S. Paulo sobre uma
forma extremamente cruel e desumana de se fazer "justiça", o linchamento. Nela,
os paulistanos foram perguntados se eram a favor dos "linchamentos de marginais
que vêm ocorrendo na cidade". Pois bem, 48,2% dos entrevistados disseram sim. No
interior desse percentual geral, entretanto, foram detectadas diferenças a
partir da variável "renda": até 2 salários-mínimos, eles eram 59,0% a favor;
entre 2 e 5 salários-mínimos, 49,8%; e acima de 5 salários-mínimos, "apenas"
32,0%.
Tentando testar essas correlações, uma pesquisa entrevistou no Recife
dois segmentos bem diferenciados em termos de renda e de escolaridade –
professores universitários de um lado, motoristas de táxi de outro – a respeito
de sua tolerância à violência policial como forma de combate à criminalidade. Os
dois segmentos foram ainda escolhidos tendo em vista uma outra variável crucial:
o grau de exposição à violência criminal a que ambos estavam submetidos. Segundo
tudo indicava, o segmento motoristas de táxi estava muito mais submetido a essa
variável: só para se ter uma idéia, no ano de 1989 foram assassinados no Grande
Recife 26 motoristas de táxi, enquanto neste ano de 1999, até meados de
novembro, 20 taxistas já tinham sido mortos! Uma vez escolhidos os dois
segmentos, foram entrevistados 20 integrantes de cada um deles.
Os resultados são interessantes. Em primeiro lugar, o grau de exposição
diferenciada à criminalidade revelou-se menos nítido do que se supunha: se de um
lado é verdade que 13 motoristas, entre os 20 respondentes, já tinham sido
assaltados, de outro nada menos do que 11 professores, entre os 20 que
responderam à pesquisa, também já tinham sido. Isso praticamente tornou-os
"empatados" – pelo menos considerando-se a resposta a esse quesito – no que diz
respeito à exposição à criminalidade violenta. Entretanto, apesar disso, a
atitude de ambos os segmentos no que diz respeito à aceitação da violência
policial para combater os criminosos não se igualou: dos 20 taxistas
entrevistados, 11 eram a favor; enquanto apenas um professor, entre os 20
entrevistados, revelou-se favorável– resultado que reforça a hipótese de que a
posse de um cabedal cultural superior funciona como um bom antídoto contra
reações epidérmicas ao problema da criminalidade, ou seja, contra a adesão
acrítica à violência da polícia como uma boa solução para a violência dos
criminosos.
Por tudo isso, já se vê que longe se está
de desconsiderar a importância de uma educação para os direitos humanos.
Apesar disso, julga-se de boa prudência também continuar considerando a questão
da segurança como sendo crucial. É verdade que, segundo os dados da pesquisa com
professores e motoristas de táxi, uma educação superior seria aparentemente
capaz de neutralizar os efeitos perversos da exposição à violência – isto é, da
ausência de segurança. Mas, neste ponto, julga-se importante fazer uma indagação
no sentido não de falsificar, mas pelo menos de matizar essa hipótese: a
não-influência do fator exposição à violência sobre a opinião dos professores,
não decorreria do fato de os assaltos que os vitimaram já não serem parte de sua
experiência presente? – de serem eventos desagradáveis, certo, mas já
pertencentes ao passado? Não teria o tempo transcorrido entre tais eventos e a
entrevista permitido aos respondentes um certo distanciamento capaz de
afastá-los da tentação de sucumbir à solução violenta?
6. ASPECTOS JURÍDICOS DAS EXECUÇÕES SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS OU
EXTRAJUDICIAS NO BRASIL
6.1. A Proteção dos Direitos Humanos na Ordem Jurídica
Brasileira
Após o longo período de vinte e um anos de regime militar ditatorial, que
perdurou de 1964 a 1985 no país, deflagra-se o processo de democratização no
Brasil. Durante o regime autoritário, os mais básicos direitos e liberdades
foram suprimidos, sob as marcas da tortura sistemática, das detenções
arbitrárias, dos desaparecimentos forçados, da perseguição político-ideológica,
da censura e da ditadura do poder Executivo Federal em relação aos demais
poderes, com o rechaço aos princípios da separação dos poderes e da federação.
As Forças Armadas, agindo como instituição, tomaram controle direto das funções
governamentais, celebrando a fusão entre os militares e o poder.
O ano de 1985 demarca o processo de transição lenta e gradual à
Democracia. Ainda que este processo tenha se iniciado, originariamente, pela
liberalização política do próprio regime autoritário — em face de dificuldades
em solucionar problemas internos — as forças de oposição da sociedade civil
aceleraram o processo de queda dos militares. Como grande beneficiária do
processo de abertura, a sociedade civil fortalece-se, mediante formas de
organização, mobilização e articulação, que permitiram importantes conquistas
sociais e políticas. Surgem novos atores sociais e novos movimento sociais, que
reforçam a democratização do cenário brasileiro, com suas demandas e
reivindicações.
A transição democrática, lenta e gradual, permitiu a formação de um
controle civil sobre as forças militares. Exigiu ainda a elaboração de um novo
código, que refizesse o pacto político-social. Este processo culminou na
promulgação de uma nova ordem constitucional — nascia, assim, a Constituição
Brasileira de 05 de outubro de 1988.
A Carta de 1988 é o marco jurídico da transição democrática e da
institucionalização dos direitos humanos no país. O texto demarca a ruptura com
o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso
democrático "pós ditadura". Após 21 anos de regime autoritário, objetiva a
Constituição resgatar o Estado de Direito, a separação dos poderes, a Federação,
a Democracia e os direitos fundamentais, à luz do valor da dignidade humana
(art.1º, III).
Introduz o texto constitucional avanço extraordinário na consolidação dos
direitos e garantias fundamentais, situando-se como o documento mais abrangente
e pormenorizado sobre os direitos humanos adotado no Brasil.
Não obstante os tantos avanços constitucionais, capazes de refletir a
ânsia pela democratização do país, pode-se, contudo, afirmar que a transição
democrática não foi capaz de automaticamente assegurar a Democracia plena e nem
tampouco a universalização da cidadania no Brasil. Adota-se a classificação de
Guillermo O’Donnell, para quem: "É útil conceber o processo de democratização
como processo que implica em duas transições. A primeira é a transição do regime
autoritário anterior para a instalação de um Governo democrático. A segunda
transição é deste Governo para a consolidação democrática ou, em outras
palavras, para a efetiva vigência do regime democrático".
Constata-se que, na experiência brasileira, a construção democrática
envolveu, em um primeiro momento, a ruptura com regime militar ditatorial, o que
deflagrou o período de transição democrática, com o gradativo resgate da
cidadania e das instituições representativas. A transição democrática, por sua
vez, fez surgir como maior desafio a efetiva consolidação da Democracia,
mediante o pleno exercício de direitos e liberdades fundamentais, na medida em
que a garantia de eleições livres, por si só, não resultaram automaticamente em
uma sociedade justa e igualitária. Acredita-se que, embora a primeira etapa do
processo de democratização já tenha sido alcançada — a transição do regime
autoritário para a instalação de um regime democrático — a segunda etapa do
processo de democratização, ou seja, a efetiva consolidação do regime
democrático, ainda está se concretizando, sob as dificuldades geradas pelo peso
do legado de 21 anos de cultura autoritária, que em grande parte remanesce na
cultura brasileira, a exemplo da repugnante prática das Execuções Sumárias,
Arbitrárias ou Extrajudiciais, que é o foco deste relatório.
No âmbito jurídico-normativo, o período pós-1988 é marcado pela produção
de uma extraordinária normatividade nacional voltada à proteção dos direitos
humanos, ao que se conjuga a crescente adesão do Brasil aos principais tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos.
Desde o processo de democratização do país e em particular a partir da
Constituição Federal de 1988, o Brasil tem adotado importantes medidas em prol
da incorporação de instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos
humanos. Dentre os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo
Brasil, destaque-se a ratificação: a) da Convenção sobre a Eliminação de todas
as formas de Discriminação contra a Mulher, em 1o de fevereiro
de 1984; b) da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20
de julho de 1989; c) da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; d) da Convenção sobre os
Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; e) do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; f) do Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; g) da
Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; h) da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher, em 27 de novembro de 1995; i) do Protocolo à Convenção Americana
referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996 e f) do Protocolo
à Convenção Americana em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996. A estes avanços, somam-se
o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em
1998 e a assinatura do Estatuto do Tribunal Internacional Criminal Permanente,
em 2000.
Além dos significativos avanços decorrentes da incorporação, pelo Estado
Brasileiro, da normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, o
pós-1988 apresenta a mais vasta produção normativa de direitos humanos de toda a
história legislativa brasileira. Pode-se afirmar que a maior parte das normas de
proteção aos direitos humanos – concebidos como o exercício de direitos civis,
políticos, sociais, econômicos e culturais – foi elaborada após a Constituição
de 1988, em sua decorrência e sob a sua inspiração. Neste sentido, destacam-se
os seguintes atos normativos: a) Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989 – Define os
crimes resultantes de preconceito de raça e cor, prevendo o racismo como crime
inafiançável e imprescritível (anteriormente à Constituição de 1988, o racismo
era considerado mera contravenção penal); b) Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 –
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente, considerada uma das
legislações mais avançadas a respeito da matéria, ao estabelecer a proteção
integral à criança e ao adolescentes, destacando os seus direitos fundamentais,
bem como a política de atendimento destes direitos; c) Lei 9.140, de 04 de
dezembro de 1995 - Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão da
participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período
de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e fixa a responsabilidade do
Estado por estas mortes, concedendo indenização aos familiares das vítimas; d)
Decreto 1904, de 13 de maio de 1996 – Institui o Programa Nacional de Direitos
Humanos, que ineditamente atribui aos direitos humanos o status de política
pública governamental, contendo propostas de ações governamentais para a
proteção e promoção dos direitos civis e políticos no Brasil; e) Lei 9.299, de
07 de agosto de 1996 - Determina a transferência da Justiça Militar para a
Justiça Comum do julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por
policiais militares; f) Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997 – Institui o
Sistema Nacional de Armas (SINARM) e estabelece condições para o registro de
armas, tornando crime o porte ilegal de armas; g) Lei 9.455, de 7 de abril de
1997 - Define e pune o crime de tortura, como crime inafiançável e insuscetível
de graça ou anistia, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,
podendo evitá-lo, se omitirem, em consonância com o disposto no artigo 5o, XLIII
da Constituição de 1988; h) Lei 9.459, de 13 de maio de 1997 – Altera e aprimora
a Lei 7.716/89 (que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de
cor), prevendo também a punição de crimes resultantes de preconceito de etnia,
religião ou procedência nacional; i) Lei 9.807, de 13 de julho de 1999 –
Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de
proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas e institui o Programa Federal de
Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.
Esta é apenas uma síntese da vasta normatividade de proteção aos direitos
humanos editada após a Constituição Brasileira de 1988, capaz de conjugar os
parâmetros internacionais com os parâmetros nacionais de proteção.
6.2. Aspectos Jurídicos das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais
Neste cenário, sob o prisma jurídico, são assegurados direitos
fundamentais que repugnam de forma expressa e veemente a prática das execuções
sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais. Como já foi definido anteriormente,
consideram-se Execuções sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais todo e qualquer
homicídio praticado por forças de segurança do Estado (policiais, militares,
agentes penitenciários, guardas municipais) ou similares (grupos de extermínio,
justiceiros), sem que a vítima tenha a oportunidade de exercer o direito de
defesa num processo legal regular, ou, embora respondendo a um processo legal, a
vítima seja executada antes de seu julgamento ou com algum vício processual; ou
ainda, embora respondendo a processo legal, a vítima seja executada sem que lhe
tenha sido atribuída uma pena capital legal.
O direito à vida, o direito à integridade física e moral, bem como a
garantia de proteção judicial, do devido processo legal e de ampla defesa são
direitos assegurados tanto no âmbito nacional, como no âmbito internacional,
mediante os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados
pelo Estado Brasileiro.
No sistema global de proteção, declarações e convenções reforçam a
proibição à execução sumária, arbitrária ou extrajudicial. A Declaração
Universal de 1948, em seu artigo III, consagra que toda pessoa tem direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal. No mesmo sentido, o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, prevê a proteção
ao direito à vida, adicionando que ninguém poderá ser arbitrariamente privado de
sua vida (artigo 6o). O Pacto ainda estabelece os direitos à liberdade e
segurança pessoais, afirmando que ninguém poderá ser privado da liberdade, sem o
devido processo legal (artigos 9o e 14). No âmbito do sistema regional
interamericano, destacam-se os preceitos da Convenção Americana de Direitos
Humanos relativos ao direito à vida (artigo 4o), ao direito à integridade
pessoal (artigo 5o), ao direito à liberdade pessoal (artigo 7o) e à garantia de
proteção judicial (artigos 8o e 25).
No plano nacional, a Constituição Brasileira de 1988 é enfática ao
assegurar a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade e à segurança,
estabelecendo o direito à integridade física e moral, bem como a garantia do
devido processo legal, observados o contraditório e a ampla defesa (artigo 5o,
caput e incisos LIV e LV).
Em face deste catálogo de direitos, cabe ao Estado Brasileiro a obrigação
de respeitar e assegurar o livre e pleno exercício destes direitos e liberdades,
sem qualquer discriminação. Isto é, a estes direitos correspondem deveres por
parte do Estado brasileiro, decorrentes de obrigações jurídicas internacionais e
nacionais, concernentes à prevenção, eliminação e punição das execuções
sumárias, arbitrárias e extrajudiciais, na medida em que estas constituem
flagrante violação a direitos fundamentais e sério obstáculo para o livre e
pleno exercício destes direitos.
Somam-se, assim, obrigações de natureza preventiva e repressiva a serem
implementadas pelo Estado Brasileiro, para que seja assegurado o direito a não
ser submetido a execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais.
6.3. O Direito a Não Ser Submetido a Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais: Obstáculos e Desafios para sua Implementação
Considerando os parâmetros internacionais e nacionais que impõem deveres
jurídicos ao Estado Brasileiro, no sentido de assegurar a todas as pessoas o
direito a não ser submetido a execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais,
há que se avaliar quais os principais desafios e obstáculos à implementação
deste direito, à luz dos dados que compõem a grave realidade
brasileira.
De acordo com os dados apresentados neste relatório, tendo por fonte o
Banco de Dados sobre homicídios baseado nos jornais de 18 unidades da Federação
brasileira, constata-se a flagrante violação por parte do Estado Brasileiro dos
direitos à vida, à integridade física e moral, à proteção judicial e à garantia
do devido processo legal de brasileiros, vítimas da prática de execuções
sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais no Brasil. Adicione-se ainda a violação
do Estado Brasileiro aos deveres de investigar, processar e punir, quando da
ocorrência das execuções sumárias, tendo em vista a persistência da impunidade
em relação aos perpetradores destes crimes.
De acordo com o artigo 144 da Constituição Brasileira de 1988, a
segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos,
devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio. Para o exercício desta função, a Constituição
estabelece os órgãos da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia
ferroviária federal, policiais civis, polícias militares e corpo de bombeiros
militares. A polícia civil ou judiciária tem a competência de apurar os delitos
e a polícia militar tem a competência de exercer o policiamento ostensivo e
preventivo. Vale dizer, é a polícia militar que age quando os crimes estão em
curso e a polícia civil investiga os crimes uma vez ocorridos.
Ora, ao contrapor os ditames constitucionais com a realidade fática dos
dados apresentados, conclui-se pela absoluta afronta à ordem constitucional, na
medida em que agentes estatais são atores centrais da prática da violência
ilegal no país. De garantes de direitos os agentes policiais convertem-se em
violadores de direitos, em episódios que afrontam os mais basilares direitos e
liberdades. Este dado permite ainda invocar a reminiscência autoritária da
cultura de segurança pública no país, incapaz de adequar-se às exigências do
Estado Democrático de Direito.
O elevado índice de participação dos agentes estatais nos lamentáveis
casos de violência ilegal revela o grau de violência institucional, bem como a
lógica do "combate" e da "aniquilação do inimigo", tal como ocorria durante o
regime militar ditatorial. Como já apontado neste relatório, este quadro reflete
uma visão de segurança pública que está presente nos órgãos de Estado e em
parcela considerável da sociedade brasileira, que têm como "inimigo interno" os
suspeitos criminosos e delinqüentes. Nessa ótica, os direitos, liberdades e
garantias constituem uma limitação incômoda à agressividade do
combate.
Se o aparato de segurança pública ao longo do regime militar ditatorial,
que perdurou no país por vinte e um anos, de 1964 a 1985, era orientado
fundamentalmente para a defesa da lei e da ordem e para o combate ao inimigo,
mediante perseguições de natureza político-ideológica, é necessário romper em
definitivo com este legado autoritário e introjetar a lógica e os valores do
Estado Democrático de Direito. Pela lógica democrática consagrada na
Constituição, a segurança pública é dever do Estado, é política pública a ser
por ele prestada, a qual correspondem direitos fundamentais do cidadão. Há que
se romper com o legado autoritário, para que a polícia atue como prestadora de
um relevante serviço público, de que é credor o cidadão. À eficiência policial
no combate à impunidade, há de se conciliar o absoluto respeito à dignidade
humana e aos direitos fundamentais.
Se cabe ao Estado não apenas a obrigação de respeitar os direitos
fundamentais, mas também de assegurar o livre e pleno exercício destes direitos,
isto significa que o Estado tem, conseqüentemente, obrigações positivas e
negativas. De um lado, há a obrigação de não violar direitos (ex: não matar, não
torturar, não privar de um julgamento justo) e por outro lado há a obrigação do
Estado em adotar medidas afirmativas necessárias para assegurar o pleno
exercício dos direitos garantidos (ex: coibir desaparecimentos forçados, proibir
a atuação de grupos de extermínio,…). Nesta última hipótese, ainda que os
agentes estatais não sejam diretamente responsáveis por tais atos, há a
responsabilidade do Estado em adotar medidas efetivas contra tal
violação.
Segundo os dados do relatório, os casos de execuções sumárias,
arbitrárias ou extrajudiciais, sejam perpetrados diretamente por agentes
estatais ou por grupos de extermínio, não recebem por parte do Estado a devida
punição. O manto da impunidade alimenta a prática destas violações, em um
perverso ciclo vicioso, em que a execução ocorre sob a certeza da impunidade,
que, por sua vez, estimula a prática das execuções. É violado o dever jurídico
do Estado de investigar, processar e punir os agentes perpetradores da
violência. Embora a Lei 9.299, de 07 de agosto de 1996, tenha transferido da
Justiça Militar para a Justiça Comum o julgamento de crimes dolosos contra a
vida cometidos por policiais militares, esta medida tem se mostrado insuficiente
para o eficaz combate da impunidade, ao não envolver os demais crimes (por
exemplo, os culposos). Além disso, é necessário fortalecer os programas
especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, nos termos da Lei
9.807, de 13 de julho de 1999, já que medida essencial para o combate à
impunidade.
Como já se ressaltou no relatório, inexiste no Brasil uma política de
Estado destinada a punir exemplarmente as execuções sumárias, arbitrárias ou
extrajudiciais. A respeito, basta mencionar que 49,13% dos casos de violência
ilegal ocorrem na via pública, o que aponta para a certeza da
impunidade.
Um dos maiores desafios, no tocante à implementação do direito a não ser
submetido a execuções arbitrárias, sumárias ou extrajudiciais, está na
implantação de uma política de segurança que se oriente pelo controle da
criminalidade com o devido respeito aos direitos humanos.
Além disso, é fundamental que à atividade de repressão policial sejam
conjugadas atividades de prevenção, que tenham como fonte a legalidade
democrática. Ao combinar a ótica repressiva e preventiva, há que se estabelecer
uma polícia democrática, integrada com a comunidade, sob o controle do poder
civil, que respeite toda e qualquer pessoa, independentemente de sua raça,
etnia, gênero, idade ou classe social.
É urgente que o processo de democratização alcance de maneira densa e
profunda a estrutura do aparato de segurança pública, a fim de que se tenha uma
polícia pautada na eficiência e na defesa intransigente dos valores
democráticos, que têm na pessoa humana a fonte e o sentido de sua
existência.
Se a violência cometida ao longo do regime militar ditatorial
orientava-se pelo critério político-ideológico, com o processo de democratização
a violência orienta-se fundamentalmente pelo critério econômico-social, ao ter
como alvo preferencial as populações mais vulneráveis.
Neste cenário, o Estado de Direito não alcança grande parte da população
brasileira, que se vê sistematicamente aviltada nos seus direitos e liberdades
mais básicas.
A violência inspira-se em uma lógica discriminatória, orientada pela
intolerância, que nega a condição de plenos sujeitos de direitos a pessoas, em
virtude de sua raça, etnia, gênero, orientação sexual, condição econômica e
social, dentre outros critérios. Com isto, são violadas as cláusulas de
igualdade, que reforçam o dever do Estado Brasileiro em assegurar a todos o
livre e pleno exercício de direitos, proibidas quaisquer discriminações.
Observe-se que este dever tem como base os tratados internacionais ratificados
pelo Brasil, como também as normas constitucionais e legais vigentes no
país.
6.4. Resposta do Estado Brasileiro
O direito a não ser submetido a execuções arbitrárias, sumárias ou
extrajudiciais demanda do Estado Brasileiro medidas preventivas e
repressivas.
O quadro dos casos de execuções arbitrárias, sumárias ou extrajudiciais
aponta à incapacidade do Estado em adotar tais medidas, o que, de um lado,
significa a afronta a direitos fundamentais nacional e internacionalmente
enunciados e, por outro lado, significa a afronta a deveres jurídicos assumidos
pelo Estado brasileiro perante a comunidade internacional e nacional.
Se no âmbito estritamente jurídico normativo houve um considerável avanço
na proteção dos direitos humanos, e especialmente no que tange ao direito a não
ser submetido a execuções arbitrárias, sumárias ou extrajudiciais, constata-se
que as instituições estatais devem incorporar tais avanços nas suas práticas, à
luz das exigências do Estado Democrático de Direito.
A incorporação de uma lógica renovada e democrática há de se inspirar nos
parâmetros internacionais e nacionais, que consagram a absoluta prevalência à
dignidade humana, rompendo-se definitivamente com a cultura autoritária
responsável por violações fatais que privam brasileiros/as do exercício pleno de
sua cidadania.
SEGUNDA PARTE
1. CASOS DE EXECUÇÕES SUMÁRIAS, ARBITRÁRIAS OU EXTRAJUDICIAIS NO
BRASIL
1.0. CEARÁ
1.1. Francisco Carneiro de Souza Filho, Francisco Araújo de Barros e
Valdeci Ferreira Izaquiel.
As três vítimas acima nominadas foram executadas em função de sua
participação nos movimentos sociais, que lutavam por uma melhor distribuição
fundiária no Brasil. As três vítimas eram de Itarema, Ceará, uma das regiões
onde a luta pela terra se deu mais violentamente. Os três casos remontam à
década de oitenta, mas o processo referente a última vítima nunca foi à
Julgamento.
a) A primeira execução ocorreu em 28 de julho de 1985, quando, por volta
das 20h, Francisco Luiz Tavares e Manoel Luiz Tavares, empregados de um dos
proprietários de terras da região, assassinaram com dezesseis facadas Francisco
Carneiro de Souza Filho, integrante das Comunidades Eclesiais de Base (CEB). A
vítima era filho de um dos líderes das CEBs, e por isso estava no centro dos
conflitos.
b) A segunda execução ocorreu no dia 12 de agosto de 1987, quando cerca
de trezentas pessoas ligadas às Comunidades Eclesiais de Base ocuparam uma
fazenda com a intenção de nela iniciar algum cultivo.
Os empregados dos donos da terra em questão, receberam os membros das
CEBs a tiros.
Os disparos atingiram os agricultores Francisco Araújo de Barros, Antônio
Alonso de Castro, Moacir Sebastião de Souza e José Eduardo dos Santos. O
primeiro foi assassinado com um tiro, e os demais vítimas de lesões corporais de
diversas naturezas.
A violência deste confronto é explícita. Francisco Araújo de Barros foi
morto porque, desafortunadamente, enquanto tentava escapar dos tiros, foi
surpreendido por Manoel Luiz Tavares, que lhe alvejou com um tiro na região do
tórax. A vítima sofreu, ainda, um golpe de foice que praticamente separou sua
cabeça do corpo, dada a violência utilizada.
c) A terceira vítima Valdeci Ferreira Ezequiel, trabalhador rural,
também era ligado à Comunidades Eclesiais de Base do segmento de
Itarema.
O crime foi cometido no dia 10 de Fevereiro de 1988, quando o réu e a
vítima, já oponentes antigos encontraram-se ao acaso em uma via de passagem na
Vila dos Patos. Tal confronto teve como resultado o assassinato de Valdeci
Ferreira Ezequiel, morto com dois tiros.
Origem do relato: Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da
Arquidiocese
2.0. PARÁ
2.1. Hider Sirnei dos Santos Coelho, 16 anos, estudante.
No dia três de abril de 1999, na cidade de Marabá, Hider Sirnei dos
Santos Coelho foi acusado de furtar um videocassete de um amigo do policial
Valdenor Miguel de Freitas. Três dias depois, os policiais militares Valdenor
Freitas e Jessé Medina da Cruz (vulgo Jacundá) prenderam um dos acusados,
Hidevaldo, e o torturaram enquanto ameaçavam matá-lo, juntamente com Hider e
Jhony, que também forma acusados do furto.
Em nove de abril, os dois policiais foram à residência de Hilder e
determinaram que ele comparecesse a uma casa na Rua José Cursino de Abreu, em
Marabá. Hilder compareceu com sua namorada, e tentou falar com o policial Jessé,
negando qualquer participação no furto. O policial pediu que Rosilene voltasse
para casa, para que ele e a vítima pudessem conversar a sós. Ela saiu e se
escondeu nas proximidades, ouvindo a conversa. Momentos depois, ouviu gritos e
viu quando os policiais Jessé e Valdenor levaram Hider para fora da casa e
começaram a bater nele com chutes, socos e coronhadas. Depois disso, atiraram
seis vezes contra a vítima.
Rosilene correu para pedir ajuda. Quando retornou ao local, encontrou uma
multidão e o policial Valdenor, que provavelmente pensava que ninguém havia
testemunhado o assassinato. Imediatamente, ela começou a gritar que ele havia
matado a vítima.
A perícia médica revelou que Hider foi atingido por quatro disparos, além
dos ferimentos na cabeça.
A ação penal está na fase inicial. Os policiais Valdenor e Jessé foram
presos no dia treze de junho de 1999. Em nove de novembro de 1999, o Ministério
Público os denunciou por homicídio. Até agora
o Juízo do distrito de Marabá não pronunciou os acusados para julgamento pelo
Tribunal do Júri. Devido a este atraso, os acusados foram libertados para
aguardar o julgamento em liberdade em julho de 2000.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH
2.2. Dalvi Araújo da Silva, 16 anos, estudante.
Na cidade de Abaetetuba, em vinte e oito de abril de 1999, por volta das
18:30h, Dalvi Araújo da Silva estava em sua motocicleta quando foi seguido por
uma viatura com três policiais. Os policiais pensaram que ele era um ladrão e
que havia furtado uma bolsa que levava consigo. A viatura o jogou fora da
estrada e quando Dalvi caiu da motocicleta, um policial conhecido como
"Dilsinho" atirou na coxa direita da vítima, a qual ficou de joelhos, levantou
os braços e implorou para não ser morta, afirmando não ser um criminoso. O
policial atirou novamente em sua mão direita, enquanto outro policial dizia que
ele deveria ter atirado na cabeça.
Em seguida, os policiais tiraram as roupas da vítima e a espancaram,
arrastaram-na pela estrada e atiraram contra seu queixo e têmpora. Enquanto
isso, as pessoas que presenciaram a cena pediram que os policiais tivessem
piedade, ao que estes responderam que ninguém deveria interferir, ou seria
morto, e que ele estavam apenas demonstrando como se mata um
criminoso.
Um dos policiais foi identificado como o Investigador Dilsinho, mas os
outros dois não foram identificados.
Após a família da vítima ter registrado uma queixa perante a Corregedoria
de Polícia do Estado do Pará, o caso foi enviado ao Promotor do Ministério
Público de Abaetetuba. Nada mais foi feito.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH
2.3. Antônio Gleison Silva Gomes, 17 anos; Sérgio Néris de oliveira, 19
anos; Francisco Natanael, 14 anos; A. S., 16 anos e Gilvandro Pinheiro Amorim,
14 anos.
Na cidade de Paragominas, em vinte e quatro de agosto de 1999, por volta
das quatro horas da madrugada, Antônio Gleison Silva Gomes e seu amigo, Sérgio
Néris de Oliveira, estavam retornando de uma feira de gado quando um veículo
começou a segui-los. Testemunhas alegam terem ouvido gritos e tiros, e o som de
carros fugindo do local.
As vítimas apresentavam contusões por todo o corpo. Havia escoriações em
suas cabeças e faces, indicando que teriam sido espancados a coronhadas, e seus
pulsos mostravam marcas de algemas. O olho esquerdo de Antônio foi dilacerado.
Ambos tinham sido mortos a tiros.
Acredita-se que os assassinos eram policiais porque Antônio Gomes estava
recebendo ameaças de policiais há sete meses, desde quando ele foi preso e
torturado com choques elétricos em uma unidade da Polícia Militar por ter
furtado uma batedeira. Além disso, as vítimas estavam acusando os policiais
militares Leomar Alves da Silva, Evaldo Chaves Pereira e Rômulo da Silva Neves
da prática de crimes como tráfico de drogas, roubos, tortura e corrupção. Os
policiais conhecidos como Elesbão, Fred, Chaves, Messias, Everaldo, Tomé, Baby,
Elvis, Lima, Pittbul e Giovani também foram citados como integrantes da
quadrilha.
Após os dois primeiros assassinatos, outros adolescentes que denunciavam
os policiais também foram mortos. O primeiro foi Francisco Natanael, em abril de
2000. Em seguida, A. S. foi encontrado morto em onze de maio, e, por fim,
Gilvandro Pinheiro. Suspeita-se que os policiais formaram um grupo de extermínio
para matar todos os que os acusaram, bem como os que presenciaram seus
crimes.
Apenas um policial foi preso, Rômulo da Silva Neves, pelo homicídio de
Francisco Natanael. Os demais continuam em liberdade, e as mortes dos
adolescentes permanecem sem solução.
Entidades que trabalham com direitos do menor na região têm trabalhado na
proteção dos adolescentes que permanecem vivos. Seis deles foram transferidos
para Belém, e um deles foi incluído no Programa Federal de Proteção a
Testemunhas.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH
2.4. Geovani Raimundo Pereira Barros, 25 anos, agente de
segurança.
Em vinte e seis de maio de 1999, na cidade de Icoaraci, dois policiais
foram à casa da vítima, acusando-o de ser o criminoso conhecido como o "maníaco
do bisturi". Geovani Barros negou a acusação, mas os policiais disseram que seu
vizinho o havia identificado como o "maníaco do bisturi". A vítima, então,
correu e conseguiu fugir dos policiais.
Os policiais invadiram a casa de Geovani Barros e algemaram seu irmão,
Gilber Pereira Barros, levando-o ao distrito policial de Icoaraci. Lá, ele foi
apresentado a uma das vítimas do maníaco, uma mulher chamada "Lea", que afirmou
que ele não era o maníaco. Então, lhe foi mostrada uma foto de Geovani Barros, e
ela disse que ele nem mesmo se parecia com o agressor.
Enquanto isso, por volta das 13:30h, na área conhecida como "Invasão
Paracuri II", em Icoaraci, Geovani Barros foi abordado pelo policial Hilário
Hilton da Silva Júnior. Este sacou sua arma e a apontou para a vítima, que
implorou para que ele não atirasse. O policial atirou em seu peito, ferindo-o
fatalmente. Hilário Júnior arrastou o corpo de Geovani Barros por cerca de cinco
metros, e atirou cinco vezes com outra arma, que foi colocada na mão da vítima,
a fim de fazer parecer que estava armado quando foi atingido pelo
disparo.
Após o irmão da vítima ter registrado uma queixa perante a Corregedoria
de Polícia do Estado do Pará, o caso foi enviado ao Ministério Público, e uma
sindicância foi instaurada na Polícia. Entretanto, a sindicância concluiu que
não teria ocorrido execução, e que o policial Hilário Júnior agiu no estrito
cumprimento de seu dever quando matou Geovani Barros, já que ele teria resistido
à prisão e estava armado.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH.
2.5. Márcio Alessandro Pontes Martins, 23 anos, motorista.
Em Belém, no dia vinte e seis de abril de 1999, por volta das duas horas
da madrugada, Márcio Martins e um amigo chamado "Léo" estavam caminhando pela
Passagem Nossa Senhora das Graças. Foram então abordados pela viatura policial
militar número 301. Os ocupantes da viatura saíram e começaram a bater em Léo,
que posteriormente foi liberado.
Márcio Martins, por sua vez, teve suas mãos e pés algemados e foi
espancado seriamente. Os policiais militares chutaram todo o seu corpo, e
atiraram nele por três vezes, duas contra o peito e uma nas costas. Depois, o
levaram ao Pronto Socorro Municipal, onde chegou sem vida.
Após a mãe da vítima ter preenchido uma queixa na Corregedoria de Polícia
do Estado do Pará, o caso foi enviado ao Ministério Público. A partir disso,
dois inquéritos foram instaurados, um na Polícia Civil e outro na Polícia
Militar. O primeiro ainda não foi concluído, enquanto o inquérito da Polícia
Militar concluiu que havia provas de crime comum contra dois policiais
(Sargentos Carlos Eugênio Santana Ferreira e Silvério Afonso Dias da Silva), bem
como provas de transgressão da disciplina policial militar contra cinco
policiais (o Sargento Carlos Alberto Souza de Amorim, os policiais Joaquim
Roberto da Silva Alfaia e Antônio Emiliano de Assunção Farias e os dois oficiais
já citados).
Os Sargentos Carlos Eugênio e Silvério Afonso receberam uma detenção de
oito dias como punição, e os outros foram punidos com quatro dias de detenção.
Além desses policiais, outro policial militar, Heitor Vale da Silva, que já
havia ameaçado a vítima de morte, também foi identificado pelas testemunhas como
um dos participantes da execução. Neste momento ele ameaça matar a viúva de
Márcio Martins.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH.
2.6. Alessandro dos Reis Moraes da Silva, 20 anos,
desempregado.
Em Belém, no dia vinte e cinco de julho de 1999, a vítima estava dormindo
com seus dois irmãos quando quatro policiais conhecidos como Moreira, Pestana,
Júnior e Toninho invadiram a casa com suas armas em punho. Alessandro da Silva
acordou com o barulho, e assim que saiu da cama, os policiais atiraram diversas
vezes contra ele.
Em seguida, arrastaram seu corpo, colocaram-no em uma viatura policial e
o levaram ao Pronto Socorro Municipal. Os policiais disseram que Alessandro era
o assaltante conhecido como "Lamparinha", que praticava roubos no distrito de
Juruna, e que a vítima teria atirado contra eles primeiro, a fim de evitar sua
prisão.
A mãe da vítima registrou queixa na Corregedoria de Polícia do Estado do
Pará, mas até o momento nenhum inquérito policial foi instaurado.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH.
2.7. Pedro Dantas, coveiro.
Em Belém, no dia primeiro de novembro de 1999, Pedro Dantas retornava do
trabalho com um amigo, Jesus Nazareno Cardoso Alho, quando um investigador da
polícia chamado Remilton dos Santos Rodrigues e um homem conhecido como "Zé
Miséria" os abordou em um carro. O policial saiu do veículo e puxou Pedro pela
camisa, colocou uma arma contra o seu peito e disparou cinco vezes, matando-o
instantaneamente. Em seguida, começou a chutar o corpo da vítima, para se
certificar de que ele estava morto, e só parou quando uma multidão se juntou ao
seu redor. Então, ele e "Zé Miséria" foram embora no carro.
De acordo com testemunhas, Remilton Rodrigues teria sido contratado por
"Zé Miséria" para encontrar dois ladrões que haviam roubado o supermercado de
seu irmão naquela manhã. Eles pensaram que Pedro Dantas era um dos bandidos, e
isso motivou a morte da vítima.
Remilton Rodrigues foi preso, mas "Zé Miséria" conseguiu escapar e seu
paradeiro permanece desconhecido.
Após uma queixa ter sido registrada perante a Corregedoria de Polícia do
Estado do Pará, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos requisitou
informações sobre este caso ao Ministério Público, em dez de novembro de 1999. O
Promotor respondeu que ele iria denunciar o policial, que encontrava-se
preso.
Origem do relato: Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos -
SDDH.
3.0. PARAÍBA
3.1. Marcos Eduardo da Silva, Alcenor Gomes da Silva, Rinaldo Inocêncio,
Josenildo dos Santos – 24 anos, Célio Vicente de Miranda.
No dia treze de maio de 1999, por volta das 21:30h, doze homens, alguns
encapuzados e fortemente armados, invadiram a cadeia da cidade de Alhandra.
Obrigaram o carcereiro a abrir as celas um e dois e dispararam vários tiros
contra os presos que se encontravam nessas celas.
Cinco detentos morreram e oito ficaram feridos. Acredita-se que o motivo
da chacina teria sido vingança, pois três homens suspeitos de envolvimento na
morte de um policial no distrito de Mata Redonda estavam presos em
Alhandra.
O inquérito atribui o incidente à omissão dos policias e do carcereiro de
plantão, já que mesmo tendo ocorrido a invasão da cadeia, nenhum dos policiais
da guarda retirou qualquer das armas a eles destinadas, demonstrando que não
tinham a menor intenção de evitar a invasão da cadeia ou de efetuar a prisão dos
invasores.
Origem do Relato: Gabinete do Deputado Luiz Couto – PB.
3.2. Severino do Ramo Gonzaga Matos, ajudante de pedreiro, 20 anos e
Carlos Roberto Gonçalves do Nascimento, ajudante de pedreiro, 24
anos.
No dia trinta de maio de 1999, as vítimas foram presas por policiais
militares no bairro do Rangel para averiguações. Três dias depois, seus corpos
foram encontrados crivados de balas no matagal da Mata do Buraquinho, na rodovia
BR-230.
O laudo policial informa que Carlos do Nascimento foi atingido com cinco
tiros na cabeça, enquanto Severino Matos recebeu quatro tiros. Segundo relato,
as vítimas teriam sido brutalmente espancadas desde as portas de suas casas,
colocadas na mala de uma viatura da Polícia Militar, e não foram conduzidos à
Delegacia de Polícia.
Como a sessão de espancamento foi realizada em via pública, várias
pessoas teriam testemunhado o ocorrido. Os depoimentos prestados perante a
Polícia Civil e Militar levaram ao indiciamento dos policiais militares Johnson
Cleyton de Albuquerque Dinis, Weldson de Melo Oliveira, Cosme Edílson Borges,
Gilvanício Francisco Pontes e Joabe do Amaral Bezerra.
Origem do Relato: Gabinete do Deputado Luiz Couto – PB.
3.3. Execuções em Pedras de Fogo e Juripiranga.
Entre agosto de 1997 e setembro de 1999, observa-se nas cidades de Pedras
de Fogo e Juripiranga a ação de um grupo de extermínio, que teria assassinado
mais de 20 pessoas nesse período. As mortes acontecem dentro de casa, em frente
a estabelecimentos comerciais e nas vias públicas. Os corpos freqüentemente são
encontrados crivados de balas, e mesmo carbonizados.
Acredita-se que o esquema seja financiado por comerciantes e usineiros em
represália aos trabalhadores rurais que reivindicam seus direitos na Justiça do
Trabalho. Pelo menos cinco das mortes foram motivadas pelas ações dos
trabalhadores contra seus patrões.
As informações fornecidas apontam como responsáveis pelos homicídios os
soldados da polícia militar Flávio Inácio Pereira e "Luís", os cabos Dantas e
César, o agente penitenciário Severino Augusto da Silva, Serafim (indicado como
"jagunço"), Renan Virgulino e Lula (indicados como pistoleiros), o policial de
trânsito Noronha, Lulão de Mirim (proprietário de terras da região), além de
dois motoqueiros cujas identidades não foram determinadas. O relatório fornecido
também informa que o Promotor de Justiça da Cidade, Edjacir Luna da Silva, seria
omisso quanto ao combate às execuções.
Origem do Relato: Gabinete do Deputado Luiz Couto – PB.
3.4. José Leandro Correia.
No dia vinte e cinco de março de 1997, José Correia foi encontrado morto
em uma cela da Delegacia Distrital de Cruz das Armas, em João Pessoa.
O primeiro laudo pericial indicava como causa mortis ruptura de
formação aneurística, que provocou hemorragia interna e paradas cardíaca e
respiratória. Após várias denúncias de familiares, colegas de trabalho e da
Comissão de Direitos Humanos, o cadáver foi exumado, e um novo laudo pericial
foi produzido. Este apontou como causa da morte da vítima rótula vascular
abdominal e hemorrágica consecutiva, provavelmente de origem
traumática.
O inquérito policial instaurado para apurar o caso indiciou os agentes
Sérgio Souza Azevedo e José Ramos do Nascimento como responsáveis pela morte da
vítima.
Origem do Relato: Gabinete do Deputado Luiz Couto – PB.
3.5. Clebis Silvestre, 22 anos.
Na madrugada do dia dezessete de outubro de 2000, policiais militares e
civis fortemente armados cercaram a casa de Clébis Silvestre. Por volta das
03:00h, iniciou-se uma troca de tiros entre os policiais e a vítima que durou
mais de três horas.
Segundo pronunciamento à imprensa local do Capitão do 5º BPM, 2ª Seção,
Gutemberg Nascimento, a vítima, ao ser atingida na perna teria se suicidado com
um tiro na cabeça para evitar ser capturado pela polícia. Investigações
posteriores teriam indicado que Clebis Silvestre não cometera suicídio, pois
apresentava diversas perfurações a bala na cabeça e no tórax. Ele teria sido
executado pela Polícia Militar, como "queima de arquivo", já que a quadrilha por
ele liderada contava com a participação de três policiais militares, Robson
Araújo de Lima, Jocelém Oliveira e Geraldo de Souza Azevedo. Os policiais
forneceriam armas e munições em troca de celulares roubados.
Foi solicitada cópia do laudo cadavérico e da perícia do local ao
Secretário de Segurança Pública, mas não se obteve resposta. O relatório informa
que o pai da vítima vem recebendo ameaças de morte através de telefonemas
anônimos, e que diversas vezes policiais militares e agentes da polícia civil
teriam ido a sua casa a fim de obter documentos da vítima ou de localizar onde o
corpo foi sepultado. A família teme que localizado os restos mortais da vítima
desapareçam, já que desmonta a versão oficial do suicídio.
Origem do Relato: Gabinete do Deputado Luiz Couto – PB.
4.0. PERNAMBUCO
4.1. Fábio Oliveira dos Santos, mecânico.
No dia cinco de julho de 1998, o adolescente Fábio Oliveira dos Santos
trafegava em uma motocicleta pela Avenida Agamenon Magalhães, no sentido Boa
Viagem – Olinda, quando foi abordado por uma blitz do BPTRAN (Batalhão de
Polícia de Trânsito), que estava realizando uma operação de fiscalização de
transportes alternativos.
Com intuito de atender à determinação policial e retornar o veículo, que
estava na mão oposta, a vítima iniciou uma manobra de retorno, momento em que o
agente público, policial militar soldado Daniel Gomes do Nascimento atirou
contra a vítima, causando-lhe a morte.
A vítima não oferecia qualquer risco a atividade policial, no momento do
fato, já que não portava qualquer tipo de arma.
Quando da instrução do processo criminal o acusado/agente público, em
nenhum momento negou que tivesse sido autor do delito de homicídio. Atualmente,
ele figura como réu no processo por crime de homicídio qualificado, tendo sido
inclusive pronunciado em sentença prolatada pelo juiz da Vara Privativa dos
Crimes Contra Criança e Adolescente do Recife, como incurso na pena do artigo
121, § 2º, IV, do Código Penal Brasileiro.
Origem do relato: CENDHEC - Centro Dom Hélder Câmara de Estudo e
Ação.
4.2. Welington Carlos de Melo, 17 anos.
O adolescente Welington Carlos de Melo residia na cidade de Limoeiro/PE,
juntamente com sua genitora. No dia treze de maio de 1998 o adolescente, por ser
acusado do roubo de uma arma na cidade de Caruaru- PE, foi apreendido e teve
como sentença a medida sócio-educativa de internamento na unidade de Paratibe,
localizada no município de Abreu e Lima.
No dia trinta de junho de 1998, sua genitora procurou o Centro Dom Hélder
Câmara de Estudo e Ação - CENDHEC, solicitando ajuda no sentido de elucidar a
causa da morte do seu filho, ocorrida no dia dezesseis de junho de 1998 na
unidade de internamento de Paratibe. A mesma relatou que em uma de suas visitas,
mais precisamente no dia 31 de maio de 1998, encontrou o adolescente bastante
nervoso, vindo a ter uma crise de choro solicitando que a ela não fosse embora.
Quando iria relatar para sua genitora o que estava acontecendo, o adolescente
foi surpreendido por uma policial militar, que fiscalizava a visita dizendo "que
o se passa aqui não se pode dizer a ninguém", vindo o adolescente a calar-se por
se sentir ameaçado.
A família do adolescente por ser do interior do estado poderia visitá-lo
sempre que estivesse no Recife. Ocorre que passando-se 13 dias da data da última
visita, a genitora voltou a Paratibe com o intuito de rever o filho, o que não
foi possível, pois, para sua surpresa não foi permitido o seu ingresso na
Unidade.
No dia catorze de junho de 1998, já de volta a Limoeiro a genitora do
adolescente manteve contato telefônico com a Unidade, a fim de saber notícias do
seu filho, mas novamente não permitiram contato com o seu filho. No mesmo dia,
por volta das vinte horas, quatro funcionários da FUNDAC, acompanhados por um
policial de Limoeiro, chegaram à residência da genitora de Welington trazendo o
corpo do mesmo em um caixão coberto de flores. Informaram que Welington tivera
um ataque epiléptico, causando a sua morte. Desconfiando da atitude dos
funcionários, bem como dos policiais de Limoeiro, a família resolveu tirar as
flores do caixão. Encontraram o cadáver maquiado, sendo necessário passar óleo
para permitir melhor visualização. Foram observadas várias marcas
correspondentes às deixadas por tortura no pescoço, crânio, face, mãos e
pernas.
O caso ainda se encontra em fase investigatória. A identidade de quem
praticou o homicídio é desconhecida.
Origem do relato: CENDHEC - Centro Dom Hélder Câmara de Estudo e
Ação
4.3. Alexandre Bezerra das Chagas Silva, dezoito anos
No dia onze de julho de 1999, por volta das dezoito horas, Alexandre
Silva retornava para casa, no bairro de Afogados Recife, juntamente com sua
esposa Luciana Pórfirio Silva.
Enquanto se deslocava, percebeu que estava sendo seguido. Ao constatar
que se tratava de André Willians de Santana, passou a correr pelas ruas do
bairro em busca de um local seguro, pois já havia sido ameaçado por este senhor.
Sua companheira conseguiu abrigo no posto policial mais próximo.
A vítima se escondeu no banheiro da casa de n.º 47 da Rua Uberaba. Não
obstante os homens perseguiram a vítima até o fim e, ao encontrá-lo, desferiram
15 tiros levando Alexandre Silva à morte.
O principal acusado, André Willians de Santana, foi detido e passou cerca
de dois anos preso, até dezembro de 2000, quando conseguiu a revogação da prisão
alegando excesso de prazo.
Segundo o processo que tramita na 1ª Vara Privativa do Júri da Capital,
tratou-se de um acerto de contas, visto que a vítima já havia participado dos
empreendimentos criminosos do acusado.
Origem do Relato: GAJOP
4.4. Márcia Maria Eugênia de Carvalho e Odete Medeiros
Cavalcanti
A advogada Márcia Carvalho vinha obtendo expressivas vitórias
na Justiça Trabalhista da Comarca de Bonito/PE. Sua clientela era composta em
sua maioria por camponeses de Usinas da região de Ribeirão e Cortês.
Para conter as condenações na Justiça do Trabalho, os proprietários das
usinas da área passaram a formular ameaças a advogada, contudo, sem obter
êxito.
Em vinte de janeiro de 1993 a advogada Márcia Carvalho foi executada
enquanto se deslocava por uma estrada secundária do município de Bonito,
juntamente com uma amiga de nome Odete Medeiros Cavalcanti e o oficial de
justiça John Kenedy Melo.
A emboscada teve início quando um carro que transportava três homens fez
menção de ultrapassar o da advogada. Quando a vítima permitiu a passagem do
outro veículo, um homem efetuou um disparo com uma espingarda calibre 12,
ferindo Odete Cavalcanti.
O susto fez que o carro dirigido pela advogada estancasse, e enquanto
tentava fazer o automóvel retornar, esta foi atingida por dois disparos. Os
autores dos disparos fugiram velozmente. Ao perceber que o outro carro já estava
distante, John Kenedy Melo conduziu as vítimas até o hospital, onde ambas vieram
a falecer.
O carro utilizado no crime pertencia ao fazendeiro Verinaldo José de
Oliveira, já famoso por sua truculência e por uma longa ficha de antecedentes. O
processo vem se arrastando desde então devido aos vários recursos impetrados
pela defesa.
Origem do Relato: GAJOP
4.5. Amaro Celestino da Silva e Laércio Celestino da Silva
Na madruga do dia onze de janeiro de 2001, o lar do Sr. Amaro Celestino
da Silva, localizado em uma favela de Jaboatão dos Guararapes/PE, foi invadida
por cinco homens, que imediatamente passaram a atirar contra o dono da casa, sua
companheira (grávida de nove meses) e seu irmão.
O Sr. Amaro e seu irmão Laércio morreram imediatamente. A Sra. Maria José
Lopes Barbosa, mesmo ferida, resistiu. Encaminhada ao Ministério Público a
referida senhora relatou que seu companheiro não tinha envolvimento criminoso e
reconheceu como autores do delito as pessoas de "Ao", "Fal" Adelson e
Paulo.
Segundo a Sra. Maria José Lopes, seu companheiro presenciou em várias
oportunidades os acusados transportando objetos furtados. Certa vez denunciou ao
seu patrão que o bando planejava roubar-lhe o automóvel, frustando as pretensões
do grupo.
Origem do Relato: GAJOP
4.6. Maria Quitéria da Silva, Taciana Maria da Silva, Antônio Marcelo da
Silva, Flávio José da Silva e José Carlos da Silva.
Maria Quitéria da Silva jantava com sua família por volta das dezenove
horas do dia onze de fevereiro de 2001 quando cerca de dez homens armados
invadiram a sua residência atirando em todos que ali se encontravam.
Somente o filho mais novo da Sra. Quitéria da Silva e seu companheiro
conseguiram sobreviver à chacina. Na Delegacia, reconheceram como autores do
crime pessoas envolvidas com o tráfico de drogas no bairro de Caetés / Abreu e
Lima/PE.
A chacina foi atribuída à disputa por pontos de venda de drogas no local.
Consta que a Sra. Maria Quitéria da Silva distribuía drogas na região e usava
seus filhos no empreendimento criminoso, já tendo inclusive, cumprido pena por
este motivo.
Origem do Relato: GAJOP
4.7. Jefferson José dos Santos
Na noite de dois de outubro de 1999, por volta das 00:20h, quatro homens
em duas motos abordaram com disparos de arma de fogo os jovens Jefferson e
"Uarlei", ferindo letalmente o primeiro.
O adolescente Uarlei conseguiu fugir. O crime está relacionado a ação de
grupos de extermínio que atuam na cidade do Cabo de Santo Agostinho/PE. Estes
grupos contam com a conivência e o apoio dos comerciantes locais, que patrocinam
essas pessoas com o objetivo de promover a segurança de seus estabelecimentos
comerciais.
Dentre os acusados está o Sr. Inaldo, assessor de um vereador da cidade,
e o mototaxista Inaldo.
Origem do Relato: GAJOP
4.8. Jefferson Santos de Barros e Valmir Francisco de
Barros
Na tarde do dia seis de março de 2001, Adriel Barbosa da Silva, Maurício
Rego de Aguiar, Jefferson Santos de Barros e Valmir Francisco de Barros
decidiram encurtar o caminho até suas casas localizadas no bairro do Timbi,
Camaragibe/PE.
Para tanto, usaram os caminhos abertos na mata que circunda o bairro,
conhecida como Mata do Privê. Já próximo a suas residências, os jovens ouviram
um barulho, e, assustados pelo fato de tratar-se de um local deserto, passaram a
correr em direção ao morro por dentro da mata.
Nesse instante, perceberam que se tratava de duas viaturas da
radiopatrulha da Polícia Militar, que passaram a atirar contra os jovens até que
Jefferson Barros e Valmir Barros tombaram feridos. Os dois que não foram
atingidos também pararam.
Ao receberem as primeiras explicações sobre o que faziam no local, os
policiais prestaram socorro aos dois jovens baleados, que não resistiram aos
ferimentos. O caso vem causando muita comoção na cidade.
Origem do Relato: GAJOP
5.0. RIO DE JANEIRO
5.1. Harleson Vieira da Silva, 15 anos; Edson Gomes de Lira, 14 anos e
Alex Rodrigues, 17 anos.
Os menores foram assassinados por policiais militares na madrugada do dia
vinte e oito de agosto de 2000, no Jardim Catarina, em São Gonçalo. Seus corpos
foram encontrados empilhados em frente a uma loja de fogos de artifício próximo
à Rodovia BR-101, também em São Gonçalo, a vinte e cinco quilômetros do Rio de
Janeiro. Antes de serem executados, os menores foram amarrados pelo pescoço com
um cadarço de coturno. Foram desfigurados pelos tiros e apresentavam sinais
evidentes de tortura. A as vítimas foram identificadas pelos
familiares.
Os menores tinham saído na noite de sábado para trocar fitas de
videogame em casa de amigos do bairro. Segundo familiares e testemunhas
que não se identificaram por temer represálias, policiais do Serviço Reservado
do 7º Batalhão de Polícia teriam levado os três menores em dois carros sem
placa, nesta mesma noite. Antonio de Lira, o pai de Edson, afirmou que, ainda
nesta noite, recebeu uma chamada anônima, atendida por um vizinho, que pedia um
resgate para a devolução de Edson. Ele dirigiu-se então à delegacia, informando
o ocorrido. Retornou à sua residência e foi novamente contatado pelo
seqüestrador anônimo, que exigiu o montante de R$ 3.000,00 como condição para a
devolução do filho. Antônio conseguiu juntar com parentes e amigos a quantia de
R$500,00 e dirigiu-se ao local combinado para a entrega do resgate. Lá
permaneceu, porém ninguém foi a seu encontro. Dirigiu-se novamente à delegacia e
relatou o fato. Foi então instruído para contatar a polícia em caso de novo
telefonema. O intuito era prender os seqüestradores no local onde fosse
combinada a entrega do dinheiro. Não houve, entretanto, outro
telefonema.
Desconfia-se de que o grupo de policiais seqüestradores tenha sido de
alguma maneira informado à respeito do contato de Antônio de Lira com o Batalhão
e a Delegacia de Polícia, visto que o resgate não foi levado a cabo e seu filho
Édson apresentou sinais de tortura mais violenta que as demais vítimas.
Provavelmente em sinal de represália.
O inquérito policial instaurado na 74ª DP tramitou inicialmente na
4a. Vara Criminal, sendo mais tarde, ao serem identificados os crimes
de extorsão, seqüestro e morte, encaminhado para a 4a. Vara Criminal
de São Gonçalo. Neste inquérito foram indiciados os Policiais Militares Herbert
Sílvio e André Colônia , do 7o. BPM, Gustavo Viana e Frederico
Matuque, do Batalhão de Choque, e o ex-PM Nascimento. A todos foi decretada
prisão preventiva e, após interrogadas testemunhas de acusação e de defesa, o
processo encontra-se em fase de alegações finais e sentença.
Origem do relato: CJG - Centro de Justiça Global.
5.2. Rodrigo Marques da Silva, 15 anos
No dia quatorze de maio de 1999, uma operação policial do 1º
BPM (Estácio) no Morro da Coroa, em Santa Teresa, culminou no assassinato
de Rodrigo Silva. Segundo laudo pericial do Instituto de Criminalística Carlos
Éboni, o autor do crime foi o Sargento Carlos César Mota Pascoal, do
1o. BPM, que insiste na versão de que o disparo que matou Rodrigo
teria sido um ato defensivo; uma resposta a um ataque prévio do menor. O
sargento afirma tê-lo encontrado sob a posse de uma pistola Glock calibre 45,
noventa e três trouxinhas de maconha e duzentos e vinte e um sacolés de
cocaína.
A veracidade deste relato é, entretanto, contestada face às evidências
periciais e aos depoimentos de familiares e moradores. Segundo exame cadavérico
do Instituto Médico Legal, dois disparos atingiram a vítima: um na cabeça e
outro na perna, sendo ambos pelas costas, o que desmente a versão policial de
que teria havido troca de tiros. Os vizinhos que testemunharam o episódio
garantem ainda que, além dos disparos, os policiais espancaram e deram
coronhadas em Rodrigo. Sérgio Lopes, padrasto da vítima, acrescenta que os PMs
conduziram o menor à viatura policial que o levou ao Hospital Souza Aguiar, onde
chegou já morto, carregando-o pelos pés. Sua cabeça foi batendo no chão durante
todo o trajeto.
Segundo testemunhas, Rodrigo estava descendo uma das vielas da favela em
direção a um campo de futebol, como sempre fazia, quando um grupo de policiais
escalado para a operação adentrava o morro de baixo para cima. Ao ser abordado,
o adolescente levantou os braços sendo, entretanto, imediatamente baleado na
altura do ouvido.
Além do Sargento Mota, os cinco policiais que integravam a operação que
culminou na morte de Rodrigo foram afastados dos seus postos de trabalho e
indiciados criminalmente.
Origem do relato: CJG - Centro de Justiça
Global.
5.3. Anderson Carlos Crispiniano, 20 anos
Na manhã de vinte e oito de junho de 2000, Anderson Crispiniano foi
retirado de sua casa, no Morro do Adeus, favela no subúrbio do Rio de Janeiro,
por cinco homens armados. Dois deles estavam à paisana e os outros três vestiam
coletes da polícia civil. Embora não houvesse evidência flagrante nem mandado
judicial, Crispiniano foi levado sob acusação de homicídio duplo e de esconder
drogas em sua casa.
Segundo declarações de testemunhas concedidas ao Centro de Justiça
Global, os policiais não informaram à família o local para onde Anderson estava
sendo levado. Garantiram que estabeleceriam contato, exigindo um número de
telefone. Na saída do morro, alguns moradores tentaram impedir que Crispiniano
fosse levado. Neste momento, os policiais deram dois disparos que dispersaram a
multidão.
Ainda pela manhã, familiares dirigiram-se à Polinter, delegacia policial
para onde são levados os presos do Morro do Adeus. Foram informados de que não
havia qualquer registro da prisão de Anderson Crispiniano. Quando deixavam o
local, receberam no telefone celular uma ligação dos policiais envolvidos, que
exigiram que deixassem a polícia afastada do caso. Afirmaram que ligariam de
volta.
Aproximadamente ao meio dia os policias ligaram novamente, mas
recusaram-se a responder onde estava Anderson. No final da tarde, os oficiais
telefonaram novamente e exigiram que a família providenciasse um resgate de
cinco mil reais, além de uma corrente de ouro de Anderson e da chave de seu
carro. Caso algum dos itens não fosse devidamente encaminhado, Anderson seria
assassinado.
Na hora combinada, uma mulher que identificou-se como advogada dos
policiais apareceu na entrada da comunidade. A família até então não tinha
conseguido juntar o montante exigido, mas entregou a corrente e a chave do
carro. Às 23:10 desta mesma noite, a suposta advogada retornou ao local do
encontro e recebeu então R$ 4.680,00 da família. Ela prometeu retornar em breve
com Crispiniano. Vinte minutos depois, voltou trazendo-o no banco de trás do
carro. Pediu que moradores e familiares retirassem-no do veículo pois, segundo
ela, Anderson teria sofrido um ataque epiléptico e não conseguia andar
sozinho.
Quando removido do carro, conseguiu falar com grande dificuldade e
afirmou ter recebido golpes violentos na cabeça. Além do espancamento, também
teve quatro unhas dos pés arrancadas. Logo após ser devolvido à família, começou
a perder consciência e foi levado a uma clínica local e posteriormente removido
para o Hospital Geral de Bonsucesso.
Após o ocorrido, Crispiniano esteve incapaz de falar e sofreu de
paralisia parcial, tendo hematomas espalhados por todo o corpo. Quando o caso
ganhou repercussão na mídia, os oficiais ainda mantiveram contato com os
familiares, ameaçando a eles e a Crispiniano de morte.
No dia dezoito de julho de 2000, Anderson Carlos Crispiniano morreu como
resultado das torturas e abusos sofridos em vinte e oito de junho por policiais
civis.
Origem do relato: CJG - Centro de Justiça Global.
5.4. Sandro Nascimento, 21 anos
Em doze de junho de 2000, por volta das duas horas da tarde, Sandro
Nascimento embarcou armado no ônibus da linha 174, no Jardim Botânico, bairro da
Zona Sul do Rio de Janeiro. Ao ser notificada do fato, aparentemente por um
passageiro recém desembarcado, uma patrulha da PM ordenou ao motorista do ônibus
que parasse o veículo. Neste momento, Sandro Nascimento rendeu os passageiros,
ameaçando-os com um revólver calibre 38. O motorista, o trocador e alguns
passageiros conseguiram fugir, mas dez deles permaneceram como
reféns.
Foram solicitados reforços policiais do Batalhão de Operações Especiais
(Bope), do 23º Batalhão de Polícia Militar (BPM), do Leblon, do Grupamento
Tático-Móvel (Getam), do 2O. BPM, de Botafogo, além de policiais
civis e guardas municipais. O trânsito da região foi bloqueado e foi montado um
cerco que manteve jornalistas e demais pessoas que acompanhavam o incidente a
uma distância de 25 metros do ônibus. O episódio foi transmitido ao vivo e
obteve ampla cobertura da imprensa nacional, atingindo grande repercussão em
nível nacional e internacional.
A operação de negociação foi conduzida pelo coronel José Penteado, do
Bope, e pelo coronel Luís Soares de Oliveira, do 23º BPM. Três reféns
foram liberados ao longo das quatro horas de duração do seqüestro. O diálogo com
os policiais foi tenso. Sandro repetidamente ameaçou matar os reféns e inclusive
simulou o assassinato de um deles. Procurava dificultar a visibilidade interna
do ônibus, colocando camisas nas janelas e acionando o extintor de
incêndio.
Por volta das 18:50h, Sandro Nascimento saiu do ônibus utilizando uma das
reféns como escudo. Apontando a arma para a cabeça de Geísa Firmo Gonçalves, 20
anos, Sandro negociava com o subcomandante major Fernando Príncipe. Neste
momento, o soldado Marcelo Oliveira dos Santos, que se encontrava abaixado em
frente ao ônibus, aproxima-se bruscamente de Sandro pelo seu lado direito e
dispara duas vezes contra ele. Conforme verificado posteriormente pela perícia,
nenhuma das balas atingiu o criminoso, que reagiu atirando três vezes contra
Geísa. A refém foi gravemente ferida e morreu pouco depois no Hospital Miguel
Couto. Sandro Nascimento, caído no chão, foi imediatamente conduzido por
policiais ao interior da viatura policial que deveria levá-lo ao Hospital Souza
Aguiar, no centro da cidade.
Conforme demonstram as imagens do episódio, Sandro Nascimento foi levado
com vida, e andando, ao camburão do Batalhão de Operações Especiais (Bope).
Segundo laudo do Instituto Médico Legal, Sandro não foi atingido por nenhum dos
disparos realizados pelo atirador do Bope, o que comprova sua integridade física
antes de embarcar no camburão da polícia militar. Embora sua ficha de
encaminhamento ao exame cadavérico registrasse Perfuração por Arma de Fogo
(PAF), o laudo pericial negou tal versão. Sua morte foi apontada como sendo
resultado de "asfixia mecânica por constrição de pescoço". Os peritos
indicaram sinais evidentes de asfixia, congestão intensa das vísceras e sangue
escuro, o que confirma a hipótese de que Sandro foi vítima de enforcamento
durante o trajeto que deveria conduzi-lo ao Hospital.
Origem do relato: CJG - Centro de Justiça Global.
6.0. SÃO PAULO
6.1. G. C. C.
Em dez de janeiro de 1999, ao pular o muro de um clube em Santa Bárbara
D’Oeste interior do Estado de São Paulo, onde havia uma festa, G.C.C, foi
surpreendido por seguranças, sendo que dois deles eram policiais militares.
G.C.C foi levado para a sauna do clube, onde foi atingido com um tiro na nuca.
Depois de morto foi colocado em sacos plásticos e, com apoio de outros dois
policiais que estavam de serviço numa viatura, jogaram o corpo no rio
Piracicaba.
Foi instaurado o IPM nº CPA/I – 003/13/99 e IPl nº 001/99. IP foi
concluído e remetido à 1a. Vara Criminal de Santa Bárbara D’Oeste,
sendo oferecida denúncia por homicídio contra dois policiais. Outros dois
policiais foram denunciados por prevaricação. O IPM foi remetido à Justiça
Comum, sendo apensado nos autos do Processo no. 38/99.
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São
Paulo.
6.2. L. A. C.
No dia quatro de fevereiro de 1999, L.A.C saiu de sua casa, em Osasco,
grande São Paulo, para instalar um aparelho de som no veículo de sua mãe. No
caminho foi abordada por policiais militares, dos quais era conhecida, e que
tentaram extorqui-la. Não conseguindo, os policiais a colocaram na viatura e a
levaram para um matagal, onde tentaram extorqui-la novamente. Não obtendo
sucesso, os policiais executaram a vítima, que foi jogada em um barranco, sendo
encontrada somente após dez dias e enterrada como indigente. Dois policiais
assumiram participação no crime e alegaram que um terceiro policial seria o
responsável pelo tiro.
Os policiais foram denunciados na Vara do Júri de Osasco, Processo no.
264/99, tendo sido decretada a prisão preventiva dos mesmos.
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
6.3. Anderson Pereira dos Santos, 14 anos; Thiago Passos Ferreira, 17anos
e Paulo Roberto da Silva, 21 anos.
No dia dezessete de fevereiro de 1999, os adolescentes acima mencionados
foram abordados por uma guarnição da Polícia Militar, na praia do Itararé, São
Vicente, litoral de São Paulo, quando saíam do baile de carnaval do Ilha Porchat
Clube.
Os policiais que fizeram a abordagem pertenciam ao Regimento da Polícia
Montada (Cavalaria) de São Paulo, e alegam terem encontrado maconha com os
meninos, motivo pelo qual foram colocados na mala da viatura para que mostrassem
o local em que teriam adquirido a droga.
Em seu depoimento à Corregedoria de Polícia, o Tenente Alessandro
Rodrigues de Oliveira, que comandava a operação, disse que os garotos indicaram
uma favela na Cidade de Praia Grande e que para lá foram levados. Ao chegarem,
teriam visto os outros dois PMs deixando a mata aonde os corpos dos três garotos
foram encontrados no dia 4 de março. Os PMs teriam informado então que Paulo
Roberto da Silva tentou fugir e que, perseguido pelo PM Assis, foi atingido com
uma bala na cabeça depois que este caiu no chão e sua arma disparou
acidentalmente. Os assassinatos dos outros dois jovens teriam sido em
decorrência do "desespero" do PM Assis. Ainda de acordo com o seu depoimento, os
outros PMs ajudaram na ocultação dos corpos.
Segundo o laudo do IML Anderson dos Santos e Thiago Ferreira foram
atingidos na região acima da orelha, tendo a bala atravessado a cabeça. Paulo
Roberto levou um tiro um pouco acima da nuca, que saiu pela parte frontal do
rosto, acima do olho esquerdo. O laudo do IML aponta ainda que os tiros forma
disparados à queima roupa. Seus corpos ficaram ocultados por 15 dias.
Foram instaurados o IPM no. 39 BPMI-003/07/99 e a Sindicância
SCMTPM-007/321/99. Três policiais foram expulsos da Corporação. Os autos do IPM
foram remetidos à 1a. Vara Criminal de Praia Grande, recebendo o no.
90/99. Em 26 de abril de 1999, os Promotores de Justiça ofere3ceram denúncia
contra os policiais militares por homicídio qualificado.
Origem do relato: Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa
de São Paulo.
6.4. J. N. S. e E. G. N.
Em trinta e um de março de 1999, as vítimas foram abordados
por policiais militares que suspeitaram que tivessem ligações com tráfico de
drogas. Como não deram nenhuma informação, os policiais passaram a espancá-las.
E.G.N foi atingido com um tiro no estômago. Ao ouvir tiros, a mãe de J.N.S. saiu
de casa, mas foi impedida de se aproximar pelos policiais, que ameaçaram matá-la
também. Mesmo diante da ameaça e dos tiros, ela pediu que não os matassem e
informou que seu filho era deficiente mental. Os policiais mandaram, então, que
J.N.S. corresse e atiraram três vezes, duas enquanto corria e uma quando já
estava caído, tendo sido atingido no braço, na perna e no peito. As duas vítimas
foram colocadas dentro da viatura, sendo que J.N.S já estava morto e E.G.N pedia
socorro.
Quando os familiares chegaram ao hospital para onde as vítimas foram
levadas, foram informados que ambos estavam mortos e, ao verem os corpos,
constataram que as vítimas, agora, apresentavam perfurações de tiros no
rosto.
Foi oferecida denúncia pelo Ministério Público contra cinco policiais que
participaram da ação, solicitando também a prisão preventiva dos mesmos. A
denúncia foi recebida, mas o pedido de prisão preventiva foi negado pelo juízo
competente.
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo.
6.5. E. P. I. J.
No dia nove de abril de 1999, por volta das 20:00h, E.P.I.J saiu de casa
para ir à padaria. Aproximadamente uma hora depois, um garoto veio avisar sua
família que policiais da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) teriam
algemado e levado E.P.I.J para um Distrito Policial. Sua mãe dirigiu-se ao DP,
mas não conseguiu nenhuma informação. Retornou para casa com a esperança de
encontrar seu filho lá, mas como não o encontrou, começou a procurar em outros
distritos, sem sucesso, no entanto.
Somente por volta das 00:30h do dia dez de abril, quando retornou ao DP
para onde seu filho havia sido levado, foi informada por um policial da ROTA
sobre uma troca de tiros e dois corpos que haviam sido levados para um hospital.
Ao chegar no hospital, reconheceu uma das vítimas como sendo seu filho.
Testemunhas afirmam que viram seu filho ser algemado e colocado dentro da
viatura sem, no entanto ter entrado em confronto com os policiais. Não há
informação quantos às investigações:
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São
Paulo
6.6. T.H.P e J.M.R.
Em sete de agosto de 1999, quatro policiais militares circularam durante
todo o dia no bairro Parque Santa Madalena, na zona leste da Capital, à procura
da motocicleta de propriedade de um dos policiais que teria sido roubada por
quatro homens, na noite anterior. À noite, três dos policiais voltaram ao
bairro, sem farda, e duas motos e continuaram abordando os moradores. Na Rua
Guira Guinumbi, os policiais abordaram um grupo de rapazes que estavam na
calçada. Nesse momento, T.H.P e J.M.R. estavam saindo de moto da casa do
primeiro para comprar umas esfihas, quando foram abordados pelos policiais à
paisana. Temendo tratar-se de assaltantes, as vítimas não pararam de imediato,
só o fazendo quando os indivíduos se identificaram como policiais. Os policiais
efetuaram vários disparos de arma de fogo atingindo as vítimas na cabeça e
peito. T.H.P morreu na hora, e J.M.R. foi socorrido ao PS, onde veio a
falecer.
O caso foi levado ao conhecimento da Ouvidoria de Polícia e do Ministério
Público.
Origem do relato: CONDEPE – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana.
6.7. V.A.A, 20 anos; D.S.A., 15 anos.
No dia vinte e seis de agosto de 1999, três jovens estavam caminhando por
uma rua em São Bernardo do Campo, no ABC, quando foram abordados por quatro
policiais que estavam em uma viatura da Polícia Militar. Os policiais mandaram
que os jovens seguissem andando pela rua, dobrassem a esquina e entrassem na
viatura, sendo então levados para um matagal na estrada do Montanhão.
Quando chegaram lá os jovens foram obrigados a tirar a roupa e, quando já
estavam nus, os policiais atiraram contra eles várias vezes. As vítimas morreram
na hora. O terceiro jovem, um adolescente de 16 anos, sobreviveu aos disparos,
esperou os policiais saírem e procurou socorro. O jovem reconheceu dois
policiais militares como os agressores e, conseqüentemente, a guarnição da
viatura, composta por quatro PMs, foi autuada em flagrante pelo duplo
homicídio.
Os policiais foram denunciados por homicídio e tentativa de
homicídio.
Origem do relato: Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa
de São Paulo.
6.8. P. E. R., 09 anos.
Em vinte de novembro de 1999, P.E.R foi assassinado por um policial civil
quando brincava com um amigo na rua de sua casa. As duas crianças brincavam de
atirar pedras um no outro, quando uma das pedras acertou o portão da casa do
policial, que saiu na janela e efetuou cinco disparos de armas de fogo. Um dos
tiros acertou uma das crianças na cabeça. O policial alegou ter imaginado que
fossem ladrões e por isso atirou.
Foi aberta sindicância pela Corregedoria de Polícia Civil
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São
Paulo.
6.9. M. B.
No dia primeiro de abril de 2000, a vítima foi morta por policiais
militares, que registraram a ocorrência como tiroteio. No entanto, testemunhas
afirmam que M.B. estava rendido com as mãos no teto do carro quando foi atingido
primeiramente no joelho, caindo no chão, e um dos policiais, com o pé, o virou,
atingindo-o no peito.
Foi instaurado o Inquérito Policial nº 176/00 para apurar o suposto roubo
cometido por M.B.. No âmbito da Policia Militar foi instaurado o IPM nº 10BPM –
012/11/00 que concluído foi distribuído para a 1 a. Auditoria Militar, autos nº
27388/00.
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São
Paulo
6.10. J. A. S.
Na noite do dia dezesseis de abril de 2000, J.A.S. retornava para sua
residência, em sua moto, quando na rua João F. Freitas, foi atingido nas costas
por vários disparos de armas de fogo, efetuados por policiais militares. Os
policiais se negaram a prestar socorro à vítima que foi socorrida por pessoas
que presenciaram os fatos. J.A.S. foi morreu no Pronto-Socorro.
Foi instaurado Inquérito Policial no. 162/00, instaurado pelo 25 DP da
Capital.
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
6.11. R. O. S., 18 anos
No dia vinte e um de abril de 2000, por volta das 22:00h, R.O.S. saiu de
casa para encontrar uns amigos, quando ao passar pela Rua Wilson Kamanami
esquina com a Av. Eng. Armando Arruda Pereira, no bairro do Jabaquara, em São
Paulo, se deparou com um tiroteio. Assustado, saiu correndo, momento em que os
policiais militares dispararam vários tiros na sua direção, atingindo-o com
quatro tiros, vindo a falecer no Pronto-Socorro.
O processo instaurada para apurar o caso corre na 1a.Vara
Criminal da Capital sob o no. 052.00.003000-9.
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
6.12. C.E.F., A.O.L., e E.L.A.F.T.S.J
No dia doze de maio de 2000, por volta das cinco horas da manhã, C.E.F.,
A.O.L., e E.L.A.F.T.S.J, voltavam para casa quando um veículo entrou na
contramão de direção na Avenida Voluntários da Pátria, na Capital, e bateu no
carro em que estavam. O motorista do veículo era um policial militar que,
aparentemente estava bêbado, passou a ameaçar os três com a arma engatilhada. Os
amigos, percebendo o descontrole do policial, correram, mas este atirou,
atingindo um deles nas costas. Outros policiais ouviram os disparos e o
desarmaram.
No âmbito da Polícia Militar, foi instaurado o PDS n. 3BPChq-1/13.c/00,
que culminou com a expulsão do policial da Corporação.
Origem do relato: Ouvidoria da Policia do Estado de São Paulo
6.13. K. H. B.
No dia cinco de junho de 2000, por volta das 18:30h, um policial militar,
de folga, estava em uma oficina mecânica na Zona Sul de São Paulo, quando
disparou um tiro à queima roupa no tórax de K.H.B. que morreu na hora. O
Policial Militar foi preso em flagrante por porte ilegal, pois a arma usada era
de terceiros.
Foi instaurado o Inquérito Policial no. 428/00 e no. 441/00 pelo 47DP. No
âmbito da Polícia Militar foi instaurado PATDS no. 22BPMM-060/5/00.
Origem do relato: CJG - Centro de Justiça Global.
6.14. M. M. S., caminhoneiro
Em oito de setembro de 2000, M.M.S., estava chegando do Rio de Janeiro
com sua carga, e passou na casa de seu sócio, deixando o caminhão em frente a
casa deste.
Desconfiados de que o caminhão era produto de roubo, policiais militares
que passaram pelo local chamaram pelo dono da casa sem, no entanto se
identificarem.
Quando o dono da casa foi atender ao chamado, viu homens armados e,
julgando se tratar de um assalto, atirou contra o portão. Os policiais atiraram
e o dono da casa fugiu enquanto que M.M.S. se abrigou no banheiro. Quando foi
encontrado pelos policiais foi espancado e morto com cinco tiros.
A Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo aguarda informações das
medidas adotadas.
Origem do relato: Ouvidoria do Estado de São Paulo
6.15. Maycon Robson, 20 anos
No dia quinze de setembro de 2000, Maycon Robson foi morto por policiais
militares na esquina das ruas Cardeal Arcoverde e Morato Coelho. O Boletim de
Ocorrência diz que ele foi morto em decorrência de resistência à prisão. A
vítima e um outro rapaz estariam praticando um assalto, quando foram
surpreendidos pela polícia. Teria havido resistência à prisão, trocas de tiros e
a vítima acabou sendo atingida.
No entanto, testemunhas afirmam que a vítima e o outro rapaz não estavam
armados. Os dois estavam próximos a um carro e saíram correndo, sendo
perseguidos por dois homens, policiais militares à paisana, que iniciaram
disparos. Maycon Robson foi atingido e, já caído, recebeu mais um tiro. Não
teria havido qualquer resistência à prisão que justificasse o disparo de vários
tiros.
Um relato deste caso foi encaminhado à Ouvidoria de Polícia
Origem do relato: Gabinete do Deputado Estadual Renato
Simões.
6.16. J. J. S.
No dia quinze de novembro de 2000, J.J.S. e um amigo saiam de uma
pizzaria por volta da meia-noite, quando foram abordados por policiais
militares, que os fizeram subir na viatura, apesar das vítimas terem mostrado
seus documentos. Os policiais levaram os dois amigos até um local afastado e,
assim que J.J.S. saiu da viatura, foi atingido com um tiro na cabeça. O amigo
empurrou o policial e conseguiu fugir. Foi decretada a prisão temporária dos
policiais
Origem do relato: Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
6.17. Luís Gustavo Romano, 16 anos e Paulo Bezerra dos Santos, 16
anos.
No dia sete de janeiro de 2001, as vítimas foram executadas por policiais
militares. De acordo com a Polícia, os dois jovens teriam sido flagrados pelos
policiais quando tentavam roubar um carro no bairro Jabaquara, resistindo à
prisão à tiros, mas acabaram capturados.
O pai de Luís Gustavo Romano, Luiz Gonzaga Romano da Silva, disse que seu
filho saiu de casa no dia anterior, por volta das oito horas da noite, sozinho,
sem dizer aonde iria. Por volta das 23:00h, a namorada de Luiz Gustavo veio com
a informação de que corria um se comentava que o mesmo tinha se envolvido em um
"tiroteio" com um policial militar e, juntamente com o amigo, teria sido preso
na Rua Padre Arlindo Vieira. Os dois jovens estariam apanhando dos policiais
militares ali mesmo na rua e Luís Gustavo estaria ferido no braço.
Luiz Gonzaga da Silva se dirigiu ao 83º DP para obter informações sobre o
filho, onde foi informado que não havia nenhuma ocorrência envolvendo Luiz
Gustavo Romano. Registrou então um B.O. por desaparecimento. No dia nove de
janeiro, foi procurado por policiais da Corregedoria de Polícia e levado até o
Instituto Médico Legal de São Bernardo do Campo, onde reconheceu o corpo do
Filho.
Luiz Gustavo foi encontrado morto no cruzamento das Avenidas Taboão e 31
de março. Apresentava marcas de espancamento e tiros. O corpo de Paulo dos
Santos foi encontrado em um Matagal próximo ao zoológico.
Testemunhas afirmam que os dois jovens foram colocados vivos dentro da
viatura. Um grupo de policiais foi preso na Corregedoria da Polícia Militar sob
a acusação de terem executado os jovens.
Origem do relato: Gabinete do Deputado Estadual Wagner Lino
2. RECOMENDAÇÕES PARA O ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA NO
BRASIL
Convite, por parte do Governo Brasileiro, para que a Relatora Especial
sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais visite oficialmente o
Brasil
O convite tem a finalidade de possibilitar à relatora o conhecimento da
situação das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais no Brasil,
visando a sua contribuição para que o país supere a situação num prazo
determinado.
Processar Criminalmente Policiais Violentos
Todos os abusos cometidos por forças policiais, especialmente homicídios
com indícios de serem execuções sumárias, arbitrárias ou extra-judiciais, devem
ser pronta e rigorosamente investigados e processados de acordo com os padrões
internacionais codificados nos Princípios para a Prevenção e a Investigação
Eficaz de Execuções Extra-legais, Arbitrárias e Sumárias das Nações Unidas. Os
objetivos da aplicação da lei e as considerações políticas não devem minar os
esforços para assegurar a punição judicial dos agentes do Estado que violam os
direitos de civis.
2.3. Estabelecer Competência Federal para Crimes contra os Direitos
Humanos
O governo federal deve assumir a responsabilidade direta para apurar,
julgar e punir as violações dos direitos humanos cometidas pela polícia. A
Justiça Federal tem se mostrado menos vulnerável do que o Poder Judiciário nos
vários estados às pressões políticas para absolver agentes da lei que cometem
abusos. Entre os crimes para os quais deveria haver competência federal
ressaltamos os homicídios com indícios de execução sumária, arbitrária ou
extra-judicial. Outra proposta seria a possibilidade de deslocamento de
competência para a esfera federal, se a esfera estadual mostrar-se omissa e
incapaz de processar e julgar crimes contra os direitos humanos.
2.4.
Investigar de Forma Independente o Abuso
Policial
O método atual de investigação policial dos crimes cometidos por
policiais é talvez o fator que mais propicia a impunidade. A revisão dos
procedimentos deveria incluir os seguintes elementos:
Estimular que os Governos Estaduais criem Corregedorias Geral de
Segurança Publica, órgão superior de controle disciplinar das polícias, tendo
como integrante das Comissões Disciplinares o Ministério Público, como órgão de
controle externo da polícia.
A criação de uma Corregedoria única é a forma de acabar com o
corporativismo das polícias, ao mesmo tempo ter um maior controle do M.P. A
Constituição de 1988 deu poderes ao Ministério Público para realizar o controle
externo da polícia que na prática não vem realizando.
* Investigar através do Ministério Público
Os Ministérios Públicos devem investigar rotineiramente as denúncias
verossímeis de violência policial sem depender da polícia para interrogar as
testemunhas, visitar o local do crime ou receber outros apoios
técnicos.
* Criar Grupos de Investigadores Independentes dentro dos Ministérios
Públicos
As autoridades brasileiras devem elaborar uma legislação visando a
criação de grupos de investigadores dentro dos Ministérios Públicos. Estes
investigadores teriam autoridade para requerer documentos, intimar
testemunhas e entrar nas dependências policiais a fim de conduzir investigações
independentes e completas.
* Estabelecer Divisões Especiais para os Direitos Humanos nos Ministérios
Públicos
Divisões especiais para os direitos humanos deveriam ser criadas dentro
dos Ministérios Públicos em cada estado para a investigação dos crimes cometidos
por policiais. Nos casos em que tais divisões especiais foram implementadas, de
forma permanente ou provisória, as mesmas têm exercido papel fundamental na
aplicação da Justiça contra policiais violentos. Nós instamos os governos
estaduais a estabelecerem estas subdivisões, com um número suficiente de
promotores devidamente treinados para o campo dos direitos
humanos.
* Tornar Independentes os Institutos Médico-Legais
Na grande maioria dos estados brasileiros, os profissionais do Instituto
Médico Legal (IML) e outros especialistas como os técnicos em balística são
subordinados à polícia ou ao Secretário de Segurança Pública que controla a
polícia. Como resultado desta falta de independência, exames obrigatórios nas
vítimas deixam freqüentemente de ser realizados. Além disso, exames médicos,
inclusive autópsias, muitas vezes são efetuados sem detalhamento suficiente,
particularmente em casos em que as vítimas são suspeitas de envolvimento com o
tráfico de drogas ou outros comportamentos criminosos. A independência do IML é
fundamental para a manutenção de estatísticas precisas de homicídios, porque
permitiria o cruzamento dos dados da polícia sobre uso de força letal com as
cifras do IML sobre as causas e circunstâncias da morte em casos de homicídios
de civis pela polícia.
2.5. Eliminar a Competência da Justiça Militar para Crimes contra
Civis
O julgamento na Justiça Militar de policiais e oficiais das Forças
Armadas acusados de cometer abusos contra civis facilita a impunidade. Foram
raras as condenações em casos de violações dos direitos humanos cometidas por
militares contra civis pela Justiça Militar — cuja primeira instância é composta
de quatro oficiais militares e um juiz civil. A Justiça Comum deve ter
competência sobre todos os casos de homicídio, tortura ou outros sérios abusos
contra os direitos humanos dos civis, cometidos por policiais ou militares, e
não só sobre os incidentes de homicídio doloso.
2.6.
Estimular a realização de uma CPI- Comissão Parlamentar
de Inquérito para diagnosticar casos de execuções sumárias, arbitrárias e
extrajudiciais.
As CPIs, nos últimos anos, têm sido fóruns importantes para a discussão
de temas controvertidos, assim como têm provocado atitudes e medidas concretas
por parte das autoridades para responder aos assuntos examinados.. Dada a
importância e gravidade do problema das Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais, seria de fundamental importância a instalação de um CPI para
aprofundar os casos de o tema no Brasil.
2.7. Criar e Fortalecer Ouvidorias
A experiência das Ouvidorias da Polícia nos estados onde estas existem
tem sido muito positiva no sentido de documentar detalhadamente casos de abuso
policial e de coibir os mesmos. Desde a criação da primeira Ouvidoria em São
Paulo, em 1995, têm sido estabelecidos órgãos parecidos no Pará, em Minas
Gerais, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. O governo federal deveria
tomar medidas concretas para estimular a criação de Ouvidorias nos outros
estados, assim como para aumentar a competência das Ouvidorias para que
contemple o poder de entrar em qualquer dependência pública em qualquer horário
e de exigir, sob pena de falso testemunho, o depoimento de todo funcionário
público, especialmente policiais.
2.8. Proteger as Testemunhas
Muitas testemunhas de abuso policial têm medo de testemunhar, receando
sofrer retaliações. É essencial dotar todos os estados da Federação de Programas
Estaduais de Proteção a Testemunhas, garantindo dotação orçamentária. Para maior
efetivação do Programa, torna-se necessário: capacitar o efetivo da Polícia
federal para trabalhar com o Programa Federal de Proteção a Testemunhas e a
criação de Centros de Apoio a Vítimas e Testemunhas, com o objetivo de oferecer
suporte jurídico e psicológico.
2.9. Impor Disciplina Administrativa
Policiais que notoriamente cometem abusos devem ser administrativamente
desligados da força policial ou ao menos suspensos da ativa até que as acusações
criminais tenham sido apuradas. No mínimo, os policiais acusados de homicídio
deveriam perder a posse de armas até o final das investigações. A prática
seguida em diversos estados, de esperar até a condenação dos policiais pela
justiça para desligá-los administrativamente, deve ser abandonada. Além de
processar criminalmente policiais que cometem abusos, as Corregedorias da
polícia deveriam empreender sindicâncias internas para identificar e disciplinar
policiais envolvidos em condutas abusivas ou que deixam de tomar as medidas
apropriadas para impedir a conduta criminosa de outras ou, ainda, aqueles que
encobrem este tipo de conduta.
A Constituição de 1988 contém pelo menos duas cláusulas (art. 41,
parágrafo 1o e art. 42, parágrafos 7o e 8o) que
garantem a estabilidade para algumas categorias de servidores civis, militares e
não-militares, mesmo que sofram condenações. Estas cláusulas têm sido
interpretadas de forma a minar esforços legítimos para a demissão de policiais
que comentem abusos. A Constituição deve sofrer emendas retificando as cláusulas
que garantem a manutenção dos cargos de policiais apesar de seu envolvimento em
graves violações dos direitos humanos. Os policiais são servidores públicos que
devem estar sujeitos à demissão pela violação dos direitos humanos
básicos.
Havendo essas limitações, o governo federal deveria estimular os estados,
por meio de decreto, a determinar o afastamento das funções exercidas por
Servidores Públicos e Militares estaduais, que estejam submetidos a
procedimentos administrativos, militares, policiais, judiciais, inquérito civil
e comissão parlamentar de inquérito, por prática de ato incompatível com a
função pública, sem prejuízo da remuneração.
2.10. Modificar a Indicação dos Assistentes da Acusação
Uma das práticas utilizadas pelas ONGs brasileiras para pressionar pela
instauração de processos criminais em casos de homicídios cometidos por
policiais é a atuação como assistentes da acusação, uma vez consentido pelas
famílias. No entanto, estas ONGs não são autorizadas a intervir quando as
vítimas da violência não são identificadas ou quando os membros da família não
autorizam a sua atuação como assistentes, temendo represálias. O Congresso
Nacional deveria aprovar uma lei dando poder a estas organizações para que atuem
como assistentes da acusação, em circunstâncias apropriadas, sem que seja
necessário requerer autorização da família da vítima.
2.11. Controlar a Força Letal
As autoridades deveriam tomar medidas decisivas para assegurar que o uso
da força letal por parte dos policiais ocorra apenas em casos extremos de
proteção à vida. A força letal não deveria ser utilizada para controlar ou
eliminar pessoas simplesmente porque estas são vistas como indesejáveis ou pelo
seu envolvimento em atividades criminosas, da mesma forma que não deveria ser
utilizada quando terceiras partes, não envolvidas na atividade criminosa, são
desnecessariamente expostas ao perigo. A polícia brasileira deve respeitar os
padrões internacionais relativos a isto. Em particular, os Princípios Básicos do
Uso da Força ou das Armas de Fogo por Agentes da Lei, das Nações Unidas,
estabelece que "os agentes da lei não devem fazer uso de armas de fogo contra
pessoas exceto para a legítima defesa de si próprios ou terceiros, mediante
risco de vida ou graves lesões corporais, para prevenir crimes particularmente
sérios que envolvem grave risco de vida, para deter a pessoa responsável por
este risco, que resiste à ação das autoridades, e ainda para prevenir a sua
fuga, e apenas quando meios menos extremos são insuficientes para atingir estes
objetivos. Em qualquer circunstância, o uso intencionalmente letal das armas de
fogo só pode ocorrer quando rigorosamente inevitável para proteger a vida".
(Princípios Básicos do Uso da Força e das Armas de fogo por Agentes da Lei, U.N.
Doc. E/AC/57/DEC/11/119, 1990, Anexo, parágrafo 9 [cláusulas especiais] pág.
146).
2.12. Estimular que os Governos Estaduais levem em consideração os
princípios sobre a força e uso de armas de fogo pelos funcionários responsáveis
pela aplicação da lei.
2.13. Controlar os Disparos das Armas de Fogo
As forças policiais — civil e militar — devem manter um controle mais
rígido sobre a utilização das armas de fogo. Uma maneira de garantir um controle
mais rigoroso é requerer o preenchimento de relatórios para cada disparo de
arma. Esta exigência sublinharia a extrema gravidade da natureza da utilização
das armas de fogo e desestimularia o uso irresponsável e criminoso das
mesmas.
2.14. Proibir por Completo o Uso de Armas de Fogo não
Oficiais
As autoridades policiais devem controlar o uso das armas de fogo por seus
subordinados. Em nenhuma circunstância o policial em serviço pode ser autorizado
a portar armas de fogo não registradas na polícia. Como os disparos provenientes
destas armas não podem nunca ser vinculados à arma do policial antes do disparo,
aumenta desta forma a possibilidade de que os homicídios ilegais cometidos pela
polícia permaneçam sem punição.
2.15. Implantar Treinamento Mais Intenso
Em vários estados, policiais novatos começam o serviço uniformizado e
armado com apenas três meses de academia de polícia. O treinamento necessário
para transformar uma pessoa com segundo grau num servidor público equipado para
aplicar a lei é intenso e demorado. As autoridades estaduais não podem deixar o
interesse em economizar tempo ou em preencher vagas abreviar o processo
necessário de treinamento. Uma área particularmente inquietante é o treinamento
para as armas. Antes de receberem as armas de fogo, que incluem metralhadoras,
os policiais deveriam passar por um treinamento intensivo e testes padronizados
e rigorosos de competência.
* Assegurar o Treinamento em Meios não Letais de Controle para Situações
Perigosas
O trabalho da polícia é necessariamente repleto de situações que ameaçam
a vida. Em muitas destas situações, o único meio de evitar a perda de vidas é o
emprego da força letal. No entanto, em muitas outras situações, podem ser
empregados métodos menos violentos para deter suspeitos armados e perigosos. A
polícia brasileira deve ser treinada para o uso de métodos não letais e
incentivada a empregá-los.
* Unificar as academias e escolas de polícia com o objetivo de uma
formação única que leve em consideração os direitos e garantias individuais.
O que se percebe, hoje, no Brasil, é que cada polícia tem uma forma de proceder
nas suas atividades cotidianas. Para se ter uma polícia integrada e cidadã, é de
fundamental importância uma formação única, tendo como base os direitos
humanos.
2.16. Pagar Melhores Salários para os Policiais
O trabalho da polícia demanda um enorme compromisso pessoal e
psicológico. Além disso, ele possibilita inúmeras oportunidades para subornos e
corrupção. Todos estes fatores justificam que sejam pagos aos policiais salários
condizentes com suas responsabilidades e com os riscos implicados na profissão.
Em muitos estados, incluídos neste relatório, policiais começam suas carreiras
na polícia com salários inferiores a US$300 por mês. O aumento nos salários deve
ser acompanhado por procedimentos intensivos de revisão interna que visem a
expulsão de agentes corruptos e violentos das forças policiais.
2.17. Coletar e Publicar Dados sobre os Abusos
Em alguns estados as autoridades públicas começaram a coletar e tornar
disponíveis dados sobre os homicídios cometidos pela Polícia. Aqueles estados
que ainda não tornaram tais dados disponíveis deveriam fazê-lo imediatamente.
Ademais, as autoridades deveriam coletar e organizar dados de cada distrito ou
batalhão policial a fim de facilitar uma revisão mais detalhada na conduta da
polícia. As autoridades deveriam informar periodicamente o público sobre o
número corrente de investigações administrativas e criminais apurando os abusos
policiais, além do andamento e a resolução dos casos.
2.18. Realizar campanhas educativas sobre o que significa a banalização
da morte no país.
A cultura da violência está alicerçada na formação do povo brasileiro.
Não basta querer mudar a concepção da polícia, se não se envidar esforços para
mudar a mentalidade da população.
2.19. Criar um sistema de estatística criminal.
O que se percebe no Brasil é a inexistência de um diagnóstico sério sobre
a realidade da violência, tendo em vista as contradições dos dados existentes;
com o que se comprova a necessidade do governo investir no diagnóstico eficiente
sobre a realidade da violência e as necessidades da população, sob pena de ser
condenado a derrotas, no combate ao crime. Nenhuma causa é mais poderosa na
ambiência da criminalidade do que a desorganização excessiva da
informação.
2.20. Criar um sistema de estatística criminal.
Só é possível uma boa investigação policial, se for levado em
consideração o importante papel da polícia técnica. Em geral, a polícia técnica
brasileira anda sucateada e desvalorizada, o que mostra a pouca importância que
o Estado dedica à investigação qualificada, e, conseqüentemente, o aumento da
impunidade.
ANEXO
Banco de Dados sobre Homicídios Noticiados do MNDH
Introdução
O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) mantém, desde de 1992, um
Banco de Dados (BD) sobre homicídios. A implantação teve início nos estados do
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, situados na Região Nordeste do
país, e a expansão, a partir de 1994, com a inclusão gradativa das demais
Unidades da Federação brasileira.
O princípio fundamental que levou o MNDH a estruturar e implantar um BD
sobre violência, com recorte especial nos homicídios, foi a constatação de que
não existirá formulação de políticas públicas consistentes, sem o embasamento
concreto em indicadores que revelem com clareza a problemática da violência no
Brasil. A ausência de indicadores, por conseqüência, interfere também no
monitoramento das políticas públicas de segurança.
A implantação do Banco de Dados possibilita às entidades filiadas e ao
MNDH, o conhecimento sistemático sobre a violência/homicídios no Brasil,
qualificando a reflexão, a formulação e monitoramento das políticas públicas na
área de segurança em níveis estaduais, regionais e nacional. Com isso, o MNDH
constituísse junto à sociedade civil e ao Estado, numa referência sobre a
violência/homicídios no Brasil, bem como sua evolução.
O conteúdo
O recorte específico nos homicídios noticiados tem motivações. A
primeira, por ser o direito mais fundamental da pessoa humana, que é
sistematicamente violado: o direito à vida. Esta motivação, já seria
suficiente, para que o MNDH, organização de defesa e promoção dos Direitos
Humanos, promovesse a implementação do Banco de Dados. A segunda, refere-se a
proporção que este tema assuma para a sociedade brasileira, com cobertura
privilegiada nos jornais impressos. Os homicídios são preferencialmente o tipo
de crime com maior visibilidade pública no Brasil. Em diversas Unidades da
Federação brasileira, existem periódicos que são especializadas nas coberturas
de ocorrências de violência/homicídios, a exemplo da "Folha de Pernambuco", em
Pernambuco; "Jornal O Pequeno", no Maranhão; "Agora", no Piauí; "Extra", no Rio
de Janeiro e, principalmente, o jornal "Povo do Rio".
O conteúdo do Banco de Dados encontra-se estruturado em cinco blocos. O
primeiro, ocupa-se das ocorrências de um modo geral, as variáveis escolhidas
são: atribuição do homicídio a grupos; dia e hora em que o fato aconteceu;
motivos/circunstâncias das ocorrências; arma utilizada; local da ocorrência,
desde o mais específico como residência, via pública ao nome do bairro e do
município; além do tipo de violência concorrente ao homicídio (tortura,
estupro).
No segundo, reservado a fonte, é possível traçar paralelos entre os dois
jornais, identificando se houve ou não destaque na primeira página; publicação
de fotos sobre as vítimas e os acusados; o espaço dado à cada ocorrência. Estas
informações possibilitam perceber que tipo de tratamento é dado pela imprensa em
cada Unidade da Federação aos crimes de homicídios.
O terceiro bloco armazena informações que possibilitam traçar o perfil
das vítimas, a partir de variáveis como: nome; idade; cor; sexo; ocupação;
características; menção ao uso de drogas; tipo de droga, envolvimento em
atividades ilícitas; tipo de atividade ilícita; e qual a relação entre a vítima
e o acusado/suspeito.
As informações sobre os acusados/suspeitos estão disponíveis no quarto
bloco, e aquelas presentes no bloco destinado às vítimas, exceto a relação entre
a vítima e o acusado/suspeito.
O quarto bloco reveste-se de um valor extremo para a discussão sobre
violência e criminalidade no Brasil. Isto não é sem motivo. Se é imprescindível,
saber o perfil de que morre por homicídios, é também fundamental obter o perfil
dos acusados/suspeitos pela prática do crime. Assim, é possível propor e
desenvolver, de formar mais completa, ações que contribuam para a diminuição dos
elevados índices homicídios presentes na sociedade brasileira, tendo como
referência, inclusive, aqueles a quem se atribui a autoria.
Finalmente, o quinto bloco é reservado para uma descrição sintética do
acontecimento; declarações importantes sobre o mesmo; explicitação das
divergências de informações entre os dois jornais ou na mesma matéria; quem foi
responsável pela ação policial; lista de testemunhas; endereços das vítimas e
dos acusados; e observações do pesquisador(a).
A fonte de pesquisa
O jornal impresso foi escolhido como fonte para realização da pesquisa e
alimentação do Banco de Dados, por ser a única disponível em todas as Unidades
da Federação e apresentar um padrão de noticiamento para os crimes de
homicídios. Os critérios utilizados para escolher dos jornais são a circulação
diária e estadual e a publicação de informações sobre
violência/homicídios.
Esta opção, teve por base o fato das fontes oficiais não serem acessíveis
na maioria das Unidades da Federação e por não apresentaram um padrão nacional
de notificação da violência/homicídio, bem como alguns delas não reunirem
informações sobre os acusados/suspeitos de praticarem os
crimes.
A metodologia da pesquisa
A pesquisa é realizada diariamente, por pesquisadores que estão
distribuídos nas 27 Unidades da Federação, e é orientada pelo Manual de
Procedimentos e uma Tabela de Códigos, que devem ser rigorosamente
utilizados.
Funcionamento do Banco de Dados
Em cada um das 27 centrais de pesquisa, existe um pesquisador que realiza
a coleta e digitação dos dados. Várias centrais dispõem de uma segunda pessoa
que é responsável pela revisão geral do trabalho feito pelo pesquisador. Os
dados coletados nas centrais são centralizadas periodicamente, via correio
eletrônico, na Sede do MNDH em Brasília, que é a central nacional de
dados.
Qualificando a ação e intervindo no debate
Como forma de qualifica o debate e potencializar as ações, o Movimento
mantém algumas publicações, nas quais são analisadas as informações do Banco de
Dados. O Boletim MNDH DADOS, é um canal que visa potencializar a análise das
informações coletadas nos Estados e no Distrito Federal. O Boletim representa
também um espaço que tem sido usado para contribuir com a formação dos
pesquisadores e as trocas de opiniões entre estes.
Os três livros publicados são referências importantes. O primeiro tem
como título "Violência e Crime no Brasil Contemporâneo: homicídios e políticas
de segurança públicas nas décadas de 80 e 90". Neste livro, é realizada uma
análise uma crítica da produção de dados e indicadores, produzidos pelo Estado e
por organizações não-governamentais no Brasil, e dos temas propostos no próprio
título da obra, trazendo a tona os temas emergentes para a segurança pública no
país.
Os outros, são frutos de uma parceria com a Universidade de Brasília
(UNB) e Universidade Federal de Goiás (UFG). Com esta parceria, o MNDH inicia a
publicação da Série Violência em Manchete, tendo lançados dois números:
"Primavera já partiu: retrato dos homicídios femininos no Brasil" e "A cor do
medo: homicídios e relações raciais no Brasil". Para o início do ano 2001, serão
lançados mais dois volumes da Série Violência em Manchete. Um sobre violência
policial e o segundo sobre a violência e o mundo do trabalho.
Os dados também estão sendo utilizados nos níveis regional e em varais
Unidades da Federação. Na Região Nordeste, o MNDH – Regional, publicou um
balanço da violência/homicídio, intitulado a "dupla face da violência", para
cinco estados: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba e
Sergipe.
Em vários estados brasileiros, os dados são utilizados para qualificar as
ações das entidades filiadas ao MNDH. Já foram produzidas inúmeras publicações.
Dentre estas, merecem registro os livros, artigos e/ou dossiês publicados nos
Estados do Acre, Pará, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas,
Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Mato
Grosso.
A título de conclusão
O Movimento Nacional de Direitos Humanos, ao realizar a pesquisa no nível
nacional tem algumas certezas. A primeira é que é possível intervir
politicamente nas questões de justiça e segurança pública com base em dados
coletados em jornais impressos. Alguns dados e indicadores muito importantes já
foram extraídos dos dados pesquisados e disponíveis no Banco de Dados do MNDH,
confirmam o dito.
A título de exemplo: aproximadamente 90% das vítimas de homicídios
noticiados em jornais são do sexo masculino e 10 % do sexo feminino. Os homens
são mais vítimas nos espaços públicos. As mulheres são assassinadas por pessoas
próximas (relação familiar, amizade e vizinhança), o percentual neste caso é
superior a 60%. Esta informação encontra-se no livro "Primavera já partiu:
retrato dos homicídios femininos no Brasil", citado anteriormente. Uma
constatação, extraída do livro "A cor do medo: homicídios e relações raciais no
Brasil", refere-se ao fato das polícias militar e civil matarem três vezes mais
"negros" do que "brancos".
E que para cada 04 adolescentes (dos 12 e ao 17 anos) vítimas de
homicídios, somente 01 foi acusado de ter cometido homicídio. Este dado é
extremamente importante, uma vez que existem no Congresso Nacional diversos
projetos propondo a redução da idade penal – atualmente estabelecida pela
Constituição Federal aos 18 anos – para 16, 15, 14 e até 11 anos de
idade.
A segunda é de que o Banco de Dados é um instrumento poderoso para a
intervenção pública e qualificada do MNDH. A terceira, de que cabe ao conjunto
de entidades sociais não-governamentais provocar o Estado Brasileiro e Estados
Federados a estruturarem sistemas de estatísticas confiáveis. Aliás, este era um
dos objetivos do MNDH quando iniciou o processo de implantação do Banco de
Dados, em 1992.
BIBLIOGRAFIA
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Benvenuto Lima Jr., Jayme. Grupos de Extermínios - A
Banalização da Vida e da Morte em Pernambuco. Segurança & Cidadania/Gabinete
de Assessoria Jurídica às Organizações Populares. Olinda: Liber Gráfica,
1991.
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Briceño-León, Roberto; Carneiro, Leandro Piquet; e Cruz, José
Miguel. "O apoio dos cidadãos à ação extrajudicial da
polícia no Brasil, em El Salvador e na Venezuela", in: Pandolfi, Dulce Chaves et
alii (orgs.), Cidadania, Justiça e Violência, Rio de Janeiro, Fundação
Getúlio Vargas, 1999.
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Caldeira, Teresa Pires do Rio. "Direitos Humanos ou
‘Privilégios de Bandidos’?", in: Novos Estudos CEBRAP, S. Paulo, n. 30,
julho de 1991.
4.
Cardia, Nancy. "Direitos Humanos e Cidadania", in: NEV
(Núcleo de Estudos da Violência), Os Direitos Humanos no Brasil, S.
Paulo, 1995.
5. _____________ . "O Medo da Polícia e as graves
Violações dos Direitos Humanos", in: Tempo Social, Revista de Sociologia
da USP, S. Paulo, vol. 9, n. 1, maio de 1997.
6. Carvalho Filho, Luís Francisco. O que é Pena de Morte,
S. Paulo, Brasiliense, 1995.
7.
Corbisier, Roland. Raízes da Violência. Civilização
Brasileira. 1991.
8.
Fauré, Christine. Les Déclarations des Droits de
l’Homme de 1789, Paris, Payot, 1988.
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Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares
(GAJOP). O Extermínio em Pernambuco. Recife.
1995.
Imprensa Oficial do Estado. Senso Comum e Transparência. O Preconceito.
São Paulo. 1996/1977.
10.
Levin, Leah. Direitos Humanos – Perguntas e
Respostas, S. Paulo, UNESCO/Brasiliense, 1985.
11.
Menandro, Paulo Rogério e Souza, Lídio de.
Linchamentos no Brasil: a Justiça que não tarda mas falha, Vitória,
Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1991.
12.
Mott, Luiz. Violação dos Direitos Humanos e assassinato
de Homossexuais no Brasil. Editora Grupo Gay da Bahia. Salvador.
2000.
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14.
Oliveira, Dijaci David de; Geraldes, Elen Cristina; Lima, Ricardo Barbosa de
(orgs.). 1998. Primavera já partiu: retrato dos
homicídios femininos no Brasil. Série Violência em Manchete. MNDH. Brasília -
DF.
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Oliveira, Dijaci David de; Geraldes, Elen Cristina; Lima, Ricardo Barbosa de;
Sales, Augusto dos Santos (orgs.). 1998. A cor do medo:
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UnB; MNDH e Editora da UFG. Brasília - DF e Goiânia – GO.
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Oliveira, Luciano. 1994. A dupla face da violência.
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Oliveira, Luciano. Do Nunca Mais ao Eterno Retorno –
Uma reflexão sobre a tortura, S. Paulo, Brasiliense, 1994.
18. _________________ . "A ‘Justiça de Cingapura’
na ‘Casa de Tobias’ – Opinião dos alunos de direito do Recife sobre a pena de
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ANPOCS, v. 14, n. 40, 1999.
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no Brasil no Contemporâneo: homicídios e políticas de segurança públicas nas
décadas de 80 e 90. MNDH. Brasília - DF.
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Silva, José Fernando da. 2000. Narcotráfico e homicídios
no meio rural: um estudo apenas introdutório. IN: Narcotráfico e
violência no campo. RIBEIRO, Ana Maria Motta e IULIANELLI, Jorge Atílio Silva
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22. -------------------------------.Adolescentes:
Acusados ou vítimas? In: MNDH Dados, N.º 02, Ano I, setembro de 1999.
MNDH. Brasília – DF.
23. -------------------------------. Homicídio no
Brasil: alguns aspectos da visibilidade. In: MNDH Dados, N.º 01, Ano I,
junho de 1999. MNDH. Brasília – DF.
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crime. In: Diário de Pernambuco. 23 de abril de 1999. Recife –
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25. -------------------------------. Banco de
Dados do MNDH: Uma Fonte alternativa para a análise dos homicídios no Brasil.
In: Coleção Oxente, N.º 3, dezembro de 1996. MNDH – Regional Nordeste.
RATTON Jr., José Luis de Amorim (org.). Recife – PE.
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Delegado Sérgio Paranhos Fleury. Editora Globo. São Paulo. 2000.
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dos Direitos Humanos e o Brasil. STJ. Brasília 2000.
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Tavares, Celma Fernanda. Violência Policial –
Reflexões sobre sua tolerância entre segmentos da sociedade no Recife,
Dissertação apresentada ao Mestrado em Ciência Política da Universidade Federal
de Pernambuco, Recife, 1999.
29.
Uprimny, Rodrigo. "Violência, Ordem Democrática e
Direitos Humanos", in: Lua Nova, S. Paulo, CEDEC, n. 30,
1993.
ENTIDADES ASSOCIADAS NESTA
PUBLICAÇÃO
Catholic Relief
Services
A Catholic Relief Services (CRS) é uma agência internacional de
ajuda humanitária e desenvolvimento sustentável da Conferencia Episcopal dos
Estados Unidos. Foi fundada em 1943 pelos bispos católicos dos Estados Unidos
para ajudar os pobres e grupos desfavorecidos em outros países. As políticas e
os programas da CRS refletem e expressam os ensinamentos sociais da Igreja
Católica.
A CRS considera a solidariedade e a parceria como dois dos motivos mais
importantes de sua presença em mais de 80 países onde trabalha. Busca valorizar
e defender a dignidade humana; comprometer-se com a paz, justiça e
reconciliação; e celebrar e proteger a integridade da toda a criação.
No Brasil, a CRS apóia parceiros locais no nordeste, que promovem a
convivência com o semi-árido e os direitos humanos, visando a participação de
comunidades em seu próprio desenvolvimento. A CRS Brasil tem três abordagens que
orientam sua estratégia de programação:
Fortalecer e unificar as forças que lutam para combater a exclusão
social;
Fortalecer a sociedade civil para influenciar políticas e estruturas de
acesso aos recursos, especialmente ao nível local;
Apoiar relações entre comunidades aos níveis local, regional/nacional e
internacional, a fim de promover solidariedade.
A sede do CRS fica em Baltimore, Maryland, E.U.A.
Centro de Justiça Global
O Centro de Justiça Global tem como objetivos a) capacitar organizações
de direitos humanos no Brasil para atuar em nível internacional; b) documentar
violações de direitos humanos em áreas de conflito e apresentar denúncias
através dos meios de comunicação e de organizações intergovernamentais de
direitos humanos; c) promover o cumprimento das normas internacionais de
direitos humanos; d) assessorar as ONGs brasileiras no acesso à mídia nacional e
internacional; e) fortalecer redes internacionais de organizações de direitos
humanos em apoio a organizações brasileiras; f) garantir a representação de
vítimas em casos individuais de violações de direitos humanos no âmbito
internacional.
O trabalho de assessoria e documentação do Centro de Justiça Global é
realizado através da atuação direta de sua equipe em áreas de conflito e, mais
indiretamente, na distribuição de informação e documentação fornecidas por
grupos locais de direitos humanos.
O Centro de Justiça Global realiza oficinas de capacitação na área de
direitos humanos, enfocando os mecanismos jurídicos internacionais. Nossa
prioridade é a realização de oficinas em parceria com universidades e
organizações não-governamentais, com o objetivo de capacitar pessoas que
trabalhem principalmente com movimentos sociais.
Coordenadoria Ecumênica de Serviços - CESE
A CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço é uma entidade filantrópica
composta por Igrejas – formadas por católicos, luteranos, metodistas,
episcopais-anglicanos e presbiterianos, e tem como missão o compromisso
ecumênico de afirmar a vida. Seu objetivo superior é fortalecer grupos populares
empenhados nas lutas por transformações políticas, econômicas e sociais que
conduzam a estruturas em que prevaleça a democracia com justiça, intermediando
recursos financeiros e compartilhando espaços de diálogo e
articulação.
Foi criada em 13 de junho de 1973, em plena vigência do regime militar
que governou o País desde 1964. Num país submetido à ditadura, a CESE,
conscientemente, marcou seu surgimento com a edição e distribuição de milhares
de exemplares da Declaração Universal dos Direitos Humanos, entremeada por
textos bíblicos, declarações oficiais de igrejas nacionais e internacionais,
numa ousada ação naquele momento de terror de Estado. Com edições seguidas - um
livreto azul em papel ordinário -, somaram-se quase dois milhões de exemplares,
significando, então, sua mais contundente exposição política.
Prioriza o desenvolvimento local através do apoio a pequenos projetos,
por identificar nesses as maiores virtudes transformadoras da realidade,
reforçando a autonomia dos grupos, como projetos sementes, demonstrativos e
referenciais à implementação de políticas públicas. Mas também está atenta para
o seu protagonismo na sociedade, posicionando-se sobre os grandes temas e fatos
conjunturais, a exemplo do massacre de policiais sobre sem terras de Eldorado do
Carajás ou campanhas como as do Plebiscito da Dívida Externa, mantendo diálogo
permanente com grupos e instituições nacionais e internacionais.
Federação Internacional pelos Direitos do Homem
A vocação da FIDH, Federação das Ligas de Direitos Humanos, é encorajar
uma pauta de trabalho em torno de todos os direitos definidos pela Declaração
Universal de Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de proteção
dos direitos humanos. A FIDH agrupa 105 organizações nacionais de defesa dos
direitos humanos de 86 países, que representam uma rede de controle e de
solidariedade.
Como uma organização não governamental de solidariedade internacional,
reconhecida de utilidade pública, apolítica, não-confessional e não lucrativa, a
FIDH se propõe a: 1) Mobilizar a comunidade de estados; 2) Prevenir as
violações, suportar a sociedade civil; 3) Testemunhar, Alertar; 4) Informar,
denunciar, proteger.
Historicamente, é a primeira organização internacional universalista e
generalista de defesa dos direitos humanos. Possui independência absoluta e
intransigente em relação a governantes e partidos políticos, imparcialidade
política e religiosa. A competência, o profissionalismo e o engajamento pessoal
dos encarregados da missão da FIDH garantem a seriedade das informações que
difunde, que são reconhecidas e utilizadas pelas mais altas instâncias
internacionais.
As ações da FIDH são financiadas com donativos e doações de particulares
e empresas, a venda de publicações, assim como as cotas das organizações membros
e dos adeptos ao comitê de apoio. A FIDH recebe, igualmente, sob reserva
incondicional, as subvenções de organismos internacionais e nacionais e de
fundações.
Fundação Ford
A Fundação Ford é uma organização privada, sem fins lucrativos, criada
nos Estados Unidos para ser uma fonte de apoio a pessoas e institutições
inovadoras em todo o mundo. Nossos objetivos são: fortalecer os valores
democráticos, reduzir a pobreza e a injustiça, fomentar a cooperação
internacional e promover o progresso humano.
A Fundação Ford é uma das fontes de recursos para essas iniciativas.
Nosso trabalho consiste principalmente em fazer doações e empréstimos que
constroem e divulgam o conhecimento, apoiam a experimentação e promovem o
desenvolvimento de indivíduos e organizações. Como nossos recursos financeiros
são modestos se comparados às necessidades de cada sociedade, concentramos nosso
apoio em um determinado número de problemas e estratégias programáticas segundo
nossos objetivos gerais.
Fundada em 1936 nos Estados Unidos, a Fundação funcionou como organização
filantrópica local no estado de Michigan até expandir-se, em 1950, para se
tornar uma fundação de alcance nacional e internacional. Desde sua criação, a
Fundação já desembolsou mais de US$8 bilhões em doações e
empréstimos.
Movimento Nacional de Direitos Humanos
O MNDH é um movimento organizado da Sociedade Civil, sem fins lucrativos,
democrático, ecumênico, supra partidário, que atua em todo o território
brasileiro, através de uma rede de mais de 300 entidades filiadas. Foi fundado
em 1982, constituindo-se hoje na principal articulação nacional de luta e
promoção dos direitos humanos no Brasil.
O MNDH tem sua ação programática fundada no eixo LUTA PELA VIDA, CONTRA A
VIOLÊNCIA, atua na promoção dos Direitos Humanos em sua universalidade,
interdependência e indivisibilidade; fundado nos princípios estabelecidos pela
Carta de Olinda, de 1986. Tem como principal objetivo a construção de uma
cultura de direitos humanos onde prevaleçam os valores de dignificação, promoção
e respeito à integridade física, moral e intelectual do ser humano, independente
de sua opção preferencial de natureza política, religiosa, sexual etc., de sua
condição sócio/econômica ou de etnia pertencente.
Atua com os seguintes focos: a) Formação de agentes sociais que tenham
capacidade de organização, fortalecimento e articulação das organizações da
sociedade civil; b) Formulação e proposição de políticas públicas que afirmem a
cidadania nos mais diversos campos; c) Participação ativa nas lutas históricas
dos excluídos como mobilizador, articulador, propositor e interlocutor; d)
Presença ativa nos espaços de ação da sociedade civil nacional e internacional
fazendo lobby;
Movimento Nacional de Direitos Humanos - Regional Nordeste
O Regional Nordeste do MNDH possui 75 entidades filiadas e atua através
de programas bem definidos, tais como: Programa de Monitoramento das
Políticas Públicas, que busca fazer um acompanhamento e formulação de
Políticas Públicas na área de Justiça e Segurança sob a perspectiva específica
da região Nordeste; Programa de Desenvolvimento Institucional no intuito
de capacitar internamente as entidades filiadas para encontrarem formas
alternativas de se sustentarem, bem como estabelecer uma política de relação
externa com a sociedade de visibilidade das ações de Direitos Humanos e
possibilidade de captação de recursos; Programa de Formação, que se
incorporou com o objetivo de formar defensores de Direitos Humanos, ou seja,
multiplicadores das informações sobre a Justiça e Cidadania; Programa de
Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais – DHESCs, que se formou com
o intuito de sistematizar as experiências exitosas das entidades filiadas que
trabalham com DHESCs e transforma-las em novas Políticas Públicas para o
Nordeste; Programa Voluntário para os Direitos Humanos, busca criar uma
política de voluntariado com um foco a causa de Direitos Humanos e ao mesmo
tempo identificar pessoas e espaços para o exercício dessa prática;
Plataforma Interamericana de Direitos Humanos - Seção
Brasileira
A Plataforma Interamericana existe desde o início dos anos 90, e vem
promovendo uma troca de experiências e soma de esforços na luta pela
implementação dos direitos humanos com organizações da sociedade civil oriundas
de diversos países do continente americano, destacadamente o Peru, Equador,
Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Cuba, Paraguai, Venezuela, entre outros. No
Brasil, a articulação da Plataforma vem sendo coordenada nos últimos anos pelo
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
Num momento em que a temática dos direitos humanos vem ganhando
importância estratégica crescente no Brasil, especialmente no que diz respeito à
dimensão dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais
(DHESC), o MNDH tomou a iniciativa de ampliar esta articulação, a partir da qual
foi formada uma articulação provisória da Plataforma composta por MNDH,
FIAN-Brasil, Centro de Justiça Global, GAJOP, Comissão de Justiça e Paz de São
Paulo e FASE. A Plataforma conta com um Secretariado sediado junto ao
MNDH.
A Seção Brasileira da PIDHDD possui as seguintes esferas de atuação: 1)
Atividades de Lobbyiing e Articulação em Âmbito Internacional; 2) Realização de
Campanhas Anuais no Brasil em torno de temas que não sejam normalmente
associados à temática dos DHESC; 3) Monitoramento da Implementação dos Direitos
Humanos no Brasil (a) Acompanhamento do Processo de Revisão e Aplicação dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Plano Nacional de Direitos Humanos;
b) Criação da figura dos Relatores (ou Relatoras) Nacionais, com a finalidade
desenvolverem processos de consulta ao nível nacional sobre a situação destes
direitos no Brasil); 4) Formação em Direitos Humanos; 5) Seleção de "casos de
exigibilidade" ao nível jurídico nacional e internacional (ONU e OEA); 6)
Publicações especializadas sobre Direitos Humanos.
Sobre os autores
Flávia Piovesan,
professora doutora da PUC/SP nas disciplinas de Direitos Humanos e Direito
Constitucional; visiting fellow do Programa de Direitos Humanos da
Harvard Law School (1995 e 2000); Membro da Comissão Justiça e Paz; do
CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das
Mulheres) e do Conselho Consultivo do Centro de Justiça Global; Procuradora do
Estado e Coordenadora do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos da Procuradoria
Geral do Estado de São Paulo.
James Louis Cavallaro, diretor do Centro de Justiça Global. Formado em ciências políticas pela
Universidade de Harvard, EUA, em 1984, com pós-graduação em Direito na
Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA, em 1992. Doutorando em Direitos
Humanos e Democracia na Universidade Pablo de Olavide, Sevilha, Espanha.
Advogado e diretor, no Brasil, da Human Rights Watch, entre 1992 e 1999. Autor
de numerosas publicações sobre os direitos humanos no Brasil, entre elas,
Brutalidade policial Urbana no Brasil (Human Rights Watch, Nova Iorque,
1997). Peticionário em mais de 20 casos perante o sistema interamericano de
direitos humanos.
José Fernando da Silva,
licenciado em História pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco);
Assessor do Banco de Dados do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH);
integrante da equipe de organizadores da Série Violência em Manchete;
conselheiro do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, representando a sociedade civil, gestões 1999-2000 e 2001-2002; e
técnico de projetos na área da criança e do adolescente do Centro de Cultura
Luiz Freire, Olinda , Pernambuco.
Luciano Oliveira,
professor do Mestrado em Ciência Política e da Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Pernambuco, coordenador do Mestrado em Ciência Política
da Universidade Federal de Pernambuco. Autor de A Vergonha do Carrasco – Uma
reflexão sobre a pena de morte, Recife, 1999; Do Nunca Mais ao Eterno
Retorno – Uma reflexão sobre a tortura, S. Paulo, Brasiliense, 1994; A dupla
face da violência. Coleção Oxente – Regional Nordeste do MNDH. Recife: MNDH,
entre outros textos.
Equipe de Análise e
Organização
Fabiana Gorenstein, Fernando Matos,
Flávia Piovesan, James Cavallaro, José Fernando
da Silva, Juliana César Tavares, Luciano Oliveira, Miguel Tello, Oscar Gatica,
Paulo Moraes, Rosiana Queiroz, Valdênia Brito.
Sistematização dos
casos
Fabiana
Gorenstein
Juliana Cesar
Tavares
Tradução para o
inglês
James Cavallaro
Agradecimentos
Às entidades
nacionais e internacionais que possibilitaram a apresentação dessa publicação no
espaço paralelo da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, em abril de
2001:
Catholic Relief Services
Coordenadoria Ecumênica de Serviços - CESE
Federação Internacional de Direitos Humanos
Franciscans International/Domenicans for Justice and Peace
Fundação Ford – Brasil
Às entidades e pessoas que enviaram relatos de casos de
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais:
CENDHEC, Maria Aparecida Pedrosa Bezerra
Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, João
Accioly
Centro de Justiça Global, Cristina Buarque de Hollanda (RJ)
e Sandra Carvalho (SP)
Gabinete do Deputado Luiz Couto (PB), Dep. Luiz Couto e Itamiran
Cavalcanti
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Leonardo
Hidaka
Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
Às entidades filiadas ao Movimento Nacional de Direitos Humanos que são
centrais do banco de dados sobre homicídios noticiados no Brasil:
Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Acre
Pesquisadora: Iolanda Almeida Frazão Santos
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Pastoral do Menor
(Amapá)
Pesquisadora: Maria Ivani M. da Silva
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Salvador (Bahia)
Pesquisador: Lutz Mulert Souza Ribeiro
Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua (Distrito Federal)
Pesquisadora: Sueli Vieira e Silvia Regina Brandão
Centro de Apoio / MNDH – Leste I (Espírito Santo)
Pesquisadora: Ana Maria Caracoche
IBRACE (Goiás)
Pesquisadores: Marcos Pereira e Irene Maria dos Santos
CDDH – Betim (Minas Gerais)
Pesquisadores: Antônio Ribeiro e Mara Sueli
SAMOPS - Sociedade de Assessoria aos Movimentos populares
(Paraíba)
Pesquisadora: Expedita Mangueira Lima e Silva
Comissão de Direitos Humanos – Arquidiocese de Teresina
(Piauí)
Pesquisador: Raimundo Renato Bezerra da Silva
Grupo Tortura Nunca Mais (Paraná)
Pesquisador: Henrique Ehlers Silva
Centro de Cooperação e Atividades Populares / NAJUC – Núcleo de Apoio
Jurídico a Comunidades (Rio de Janeiro)
Pesquisador: Fábio Gama Brown
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (Rio Grande do
Norte)
Pesquisadoras: Heronilza N. Castro e Silva e Geruza de Fátima
Avelino
CDDH – Diocese de Roraima
Pesquisadora: Wanderliza de Paiva Pinheiro
Sociedade Afrosergipana de Estudos da Cidadania (Sergipe)
Pesquisadora: Valdenice de Oliveira Santos, Renata Verônica Cortes e
Marcello de Vasconcelos Leite
ACTA – Brasil, Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura (São
Paulo)
Pesquisadores: Rita de Cássia C. Nogueira e Bernardo Hervy
Centro de Direitos Humanos de Cristalândia
Pesquisadora: Lucina Soares de Lima Barros.
CDDH – Simão Bororo (Mato Grosso)
Pesquisadora: Fabiana Simões Ferreira da Silva
Caso você conheça outros casos de Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais, relatar à Relatora Especial da ONU:
Sra. Asma Jahangir
Stenman.hchr@unog.ch
Pespinella.hchr@unog.ch
Centro de Justiça Global
Federação Internacional de Direitos
Humanos
Franciscans International/Domenicans for
Justice and Peace
Movimento Nacional de Direitos Humanos -
MNDH
Movimento Nacional de Direitos
Humanos/Regional Nordeste – MNDH/NE
Plataforma Interamericana de Direitos
Humanos,
Democracia e Desenvolvimento - Seção
Brasileira
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou
Extrajudiciais
Uma Aproximação da Realidade Brasileira
Flávia Piovesan – James Louis Cavallaro
José
Fernando da Silva – Luciano Oliveira
Apoio: Catholic Relief
Services
Coordenadoria Ecumênica de Serviços -
CESE
Fundação Ford – Brasil
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