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        Atuação dos Afro-Brasileiros em Durban Maria
        Luisa Mendonça* O Brasil é um dos países
        com maior grau de desigualdade no  mundo, no qual persistem o racismo e todo o tipo de discriminação.
        A população negra brasileira é a segunda maior do mundo, após a Nigéria,
        e o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão. A
        imensa desigualdade racial tem sua origem no processo de colonização.
        Hoje, a mortalidade infantil atinge 62 crianças negras e 37 brancas, em
        cada 1000 crianças. Se considerarmos as crianças menores de 5 anos,
        essa taxa aumenta para 76 e 45, respectivamente. A taxa de analfabetismo
        entre a população negra é de 22%. Apenas 18% dos negros têm acesso
        à universidade e somente 2,3% concluem o curso superior. Os níveis
        oficiais de desemprego dos negros estão estimados em 11% para os homens
        e 16,5% para as mulheres. Cerca de 34% da população negra vive abaixo
        do nível da pobreza. Em preparação para a
        Conferência Mundial Contra o Racismo, em Durban, muitas organizações
        do movimento negro, como a Articulação de ONGs de Mulheres Negras
        Brasileiras, denunciaram esse tipo de situação e cobraram medidas
        concretas do governo. As entidades brasileiras estão articuladas também
        com a Aliança Estratégica Latino-Americana e Caribenha de
        Afrodescendentes. Essa articulação preparou uma síntese de suas
        principais propostas para a conferência de Durban, que foram
        organizadas em 11 pontos:  
        
         1 – Políticas públicas:
        saúde, moradia, educação e emprego. 2 – Políticas de
        desenvolvimento: acesso à justica, titulação das terras de
        remanescentes de quilombos e outras políticas públicas de combate ao
        racismo. 3 – Mulheres
        Afrodescendentes: inclusão da perspectiva de gênero nos programas de ação
        contra o racismo, e combate à violência racial contra mulheres e
        meninas. 4 – Medidas legais e
        mecanismos internacionais: revisão da legislação nacional, repelindo
        leis e práticas discriminatórias. 5 – Pobreza e raça:
        reconhecimento que os afrodescendentes sofreram historicamente a
        marginalização, a pobreza e a exclusão. 6 – Tráfico transatlântico
        de escravos:  reconhecimento
        de que o colonialismo e a escravidão são as primeiras fontes e
        manifestações de racismo. 7 – Reparações:
        através da compensação e da adoção de políticas públicas para as
        populações atingidas. 8 – Crime de
        lesa-humanidade: reconhecimento da escravidão e do comércio de
        africanos como um crime contra a humanidade. 9 – Orientação
        sexual/Grupos vulneráveis: reconhecimento que, além do racismo, a
        discriminação pode ser agravada com base em gênero, idade, habilidade
        física ou mental, condição genética, idioma, religião, orientação
        sexual, HIV/AIDS, classe econômica e origem social. 10 – Racismo
        ambiental: adoção de medidas concretas contra a destruição ambiental
        que afeta desproporcionalmente as vítimas do racismo. 11 – Sistema
        prisional e pena de morte: adoção de medidas jurídicas e políticas públicas
        sobre esses temas.  
        
         Articulação das
        comunidades negras rurais Quilombolas A Articulação das
        Comunidades Negras Rurais Quilombolas presente em Durban conseguiu
        incluir sua proposta no Plano de Ação da Conferência Mundial Contra o
        Racismo, que diz: “Os Estados devem resolver os problemas da
        propriedade e das terras habitadas desde as épocas ancestrais por
        afrodescendentes, com a adaptação de seu respectivo ordenamento jurídico
        interno, e promover a utilização produtiva da terra e o
        desenvolvimento integral dessas comunidades, respeitando sua cultura e
        suas formas particulares de processos de decisão”. Essa resolução é
        particularmente importante nesse momento, pois o governo brasileiro está
        sendo investigado na Organização dos Estados Americanos (OEA) pelo
        deslocamento de dezenas de comunidades quilombolas em Alcântara, no
        estado do Maranhão. Essas comunidades tradicionais estão sendo
        expulsas de suas terras por causa da instalação de uma base de lançamento
        de foguetes, que está sendo cobiçada pelo governo norte-americano.
        Atualmente, os Estados Unidos tentam fechar um acordo com o Brasil para
        a utilização da base de Alcântara, o que poderia causar a aceleração
        dos processos de expropriação das terras dos quilombos. As comunidades ameaçadas
        podem ser divididas em três categorias: aquelas que já foram
        deslocadas, as que estão sob ameaça de deslocamento e as que têm sido
        afetadas pelos deslocamentos em áreas próximas. O deslocamento forçado
        de centenas de famílias para as chamadas “agrovilas” inviabilizou
        seus meios de subsistência. A estrutura das agrovilas, onde cada família
        vive em um lote individual, dificulta a gestão coletiva da terra,
        muitas vezes imprópria para a agricultura e longe dos locais de pesca.
        Além disso, as famílias deslocadas nunca receberam títulos de
        propriedade, o que impede a construção de novas casas e a
        possibilidade de expansão familiar, causando o êxodo rural. A impossibilidade de
        garantir sua subsistência tem levado os moradores das agrovilas a
        buscar alimento nas comunidades tradicionais, gerando conflitos e
        destruição ambiental. Ao mesmo tempo, as comunidades sob ameaça de
        deslocamento vivem inseguras: “Fui ameaçado por querer plantar. O técnico
        da base diz pra gente não plantar mais, porque não vamos ser
        indenizados”, explica Walmir Rabelo, presidente da cooperativa de
        Santa Maria. A situação de
        insegurança dessas comunidades se agrava na medida em que o governo
        brasileiro insiste em aprovar o acordo com o governo norte-americano, o
        que aceleraria os deslocamentos forçados. Um cronograma do Centro de
        Lançamento de Alcântara, de junho deste ano, indica que mais de 400
        famílias deverão ser expulsas de suas terras tradicionais, assim que
        as atividades espaciais forem reativadas na região. Por enquanto,
        apenas a falta de recursos do governo brasileiro tem impedido a expansão
        da base espacial, o que deverá ocorrer se o acordo entre o Brasil e os
        EUA for aprovado. Em vez de ceder aos
        interesses comerciais, tecnológicos e políticos dos EUA, o governo
        brasileiro deveria se preocupar em proteger os direitos de suas
        comunidades tradicionais. Desde a promulgação da Constituição de
        1988, que garantiu o direito à terra de remanescentes de quilombos,
        somente cerca de 3% dessas áreas foram tituladas. 
        
         Muitas indagações estão
        abertas sobre o futuro dos moradores dos povoados seculares de Alcântara
        e os movimentos sociais empenhados na observância dos direitos étnicos,
        dentre os quais se destaca o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alcântara,
        o Centro de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense de
        Direitos Humanos, já advertem para o risco de genocídio.  
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