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Violência no Sudeste e Sul do Pará

Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

Uma história de violência

 

A ocupação da área da Amazônia localizada ao Sul e Sudeste do  Estado do Pará, empreendida sobretudo a partir dos anos 70, caracterizou-se pela ocorrência sistêmica da violência e impunidade. Na origem desse processo está a conflituosa ocupação da terra nessa que é a mais populosa fronteira de ocupação agropecuária e extrativista do país. Inicialmente, os impulsos desse movimento demográfico vieram, de um lado, dos governos militares, que estimularam a ocupação em alta escala, por representantes do grande capital, de uma área equivalente à da Itália, em apenas 40 anos. De outro lado, confluíram para a região, através das novas rodovias, grandes contingentes de lavradores atraídos pelo garimpo e pela chance de possuir um pedaço de terra para plantar e viver.

O Estado não conseguiu, nem de longe, acompanhar a velocidade da ocupação. Além disso, a atuação das instituições do Estado – tanto do governo federal quanto do governo estadual – foi socialmente perversa ao longo dos últimos 30 anos, quando o Estado alternou sua ação em duas linhas. A primeira foi a de mobilizar suas agências, como a Superinten­dência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e seu aparato de segurança pública em favor de interesses privados ligados aos grandes proprietários de terra e contra os pequenos agricultores sem-terra. A segunda linha foi a da omissão do poder público exatamente onde ele mais se faz necessário, face às fortíssimas desigualdades entre os sujeitos sociais em disputa. São recorrentes os relatos sobre a ausência de força policial em defesa da cidadania dos trabalhadores rurais, omissão diante da pistolagem e da formação de milícias por latifun­diários, omissão diante de notórias fraudes na titulação de terras públicas por latifundiários, carência de juízes, promotores e de policiais, falta de condições de trabalho para esses agentes públicos, alarmantes deficiências nos serviços públicos de modo geral.

O sentido da ação do governo federal difere pouco do ação estadual. Até mesmo a pequena delegacia da Polícia Federal para a região Sudeste, instalada num prédio abandonado pela antiga Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), em Marabá, estava com os telefones cortados por falta de pagamento quando da visita da delegação. Os rádios de comunicação usados pelos agentes tinham sido adquiridos por eles mesmos. Para desestimular e retaliar ocupações de terra, a Medida Provisória Nº 2183-56, do presidente Fernando Henrique Cardoso, proibe vistorias para processos de reforma agrária, pelos dois anos seguintes à ocupação. Tal medida favorece objetivamente detentores de propriedades mediante fraude e latifundiários improdutivos, cujas áreas tinham sido escolhidas para ser ocupadas justamente por estarem nessas condições. Vale dizer, portanto, que a lógica da ação do Estado pode ser traduzida pelo lema “proteção aos fortes, repressão aos fracos”. E não raro, essa equação é completada com corrupção e conivência de agentes do Estado com o crime.

O resultado desse processo foi observado pela Comissão Interam­ericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Ameri­canos (OEA) que comprovava, em relatório da visita que fez ao Sul do Pará em 1997, “a existência de uma situação real de temor da população e das autoridades e de impotência em face da impunidade. Tanto a situação é atribuível à inação, à negligência e à incapacidade do sistema policial e judicial às óbvias conexões entre delinqüentes e intimidação dos diferentes poderes e, além disso, à própria intimi­dação que estas sofrem”.

Os trabalhadores rurais com quem encontramos na região são, em geral, pessoas muito simples, com pouca ou nenhuma escola­rização, historicamente abandonados pelo Estado desde suas regiões de origem. Eles vêm principalmente do Maranhão (22%), Minas Gerais (11%), Pará (11%), outros estados do Nordeste e Rio Grande do Sul (7%). Com predominância étnica indígena, negra e mestiça, com grande partici­pação da mulher e ingresso prematuro pelos jovens nas questões da sobrevi­vência, muitos desses cidadãos e cidadãs exibem o semblante angustiado pela injustiça de quem luta pela sobrevivência sob ameaça constante da violência policial e do latifúndio. Sobreviver custa demais para esses brasileiros! Ainda assim, resiste uma esperança tênue de que a vida pode melhorar. Nesse sentido, há que se reconhecer a impor­tância da Igreja Católica na solidariedade e assistência a essa população.

 

Impunidade

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tem sistematizado dados sobre a violência em conflitos pela posse da terra em todo o país – um trabalho de comprovada credibilidade, dotado de grande rigor factual –, registra uma sucessão de 706 assassinatos de trabalhadores no Pará entre 1971 e 2001, sendo que 534 ocorreram nas regiões Sul e Sudeste do Estado. Um dado demonstra a persistência dessas violações contra trabalhadores rurais: na primeira metade desses 30 anos foram mortos 340 e na segunda metade 366. No período 1995-2001 foram assassina­dos 90 trabalhadores rurais nas citadas regiões. Dados comparativos apresentados pela CPT indicam que esta é a região mais atingida pela tragédia dos conflitos fundiários em todo o Brasil.

Ainda segundo os dados da CPT, das 534 execuções de trabalha­dores rurais nos últimos 30 anos, somente dois foram julgados! E ainda assim executores e mandantes fugiram das prisões pouco tempo depois ou encontram-se gozando de regalias em presídio inacessíveis aos demais presos. Portanto, é quase inexistente a resposta judicial para esses crimes. Com uma taxa de 99,54% de impunidade, boa parte da população não encontra, por mais que procure, motivos para acreditar na justiça.

 

Violência recrudesce em 2001

A novidade neste ano de 2001 é que o sistemático processo de violência passa por um período de recrudescimento, não obstante o progresso institucional por que passa o Brasil na área de direitos humanos. Ao longo deste ano, oito trabalhadores já foram assas­sinados. De abril a julho, ocorreram 126 detenções de lavradores por ocupação de terras, a maior média histórica. Tal recrudescimento se deve à combinação de ações do Estado e de particulares.

O governo do Estado promoveu no período uma ofensiva, por meio de diversas operações policiais de desocupações forçada de terras. Grandes aparatos envolvendo dezenas de policiais, dotados de equipamentos novos (não disponíveis em outras áreas críticas de segurança pública no Estado), a um custo de R$ 100 mil a R$ 120 mil cada operação, segundo informações obtidas na região, têm sido realizadas para expulsar trabalhadores sem-terra acampados inclusive em áreas públicas reivin­dicadas por fazendeiros, cujos processos de desapropriação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – em favor dos trabalhadores estão adiantados, pouco faltando para serem concluídos. 

Muitas dessas operações são revestidas de crueldade, com emprego de violência desproporcional e injustificável pelos policiais contra agricultores, inclusive com queima de alimentos e pertences desses cidadãos. Irregula­ridades operacionais, como a não utilização de tarjetas de identificação, são comuns nessas ações da Polícia Militar. Segundo queixas generalizadas de representações de entidades dos trabalhadores rurais, a recém-criada Delegacia de Conflitos Agrários do Estado do Pará age invariavelmente contra os sem-terra, sendo que muitas de suas ações têm sido seguidas da posterior entrada de serviços de segurança particulares nas áreas de conflito, configurando-se, na prática, ações combinadas de violência do poder público e privado contra os trabalhadores.

 

Milícias particulares

No que diz respeito à ação de particulares, cabe destacar um fato revelador ocorrido neste ano na região. Trata-se da detenção, em 21 de setembro último, de empregados da fazenda Reunidas, cuja propriedade é atribuída ao Sr. Angelo Calmon de Sá, ex-dono do Banco Econômico, supostamente falido. Os referidos empregados levavam nos carros armamento de grosso calibre, e não exibiram qualquer constrangimento em admitir que o arsenal pertencia à fazenda, tendo mesmo confessado que havia mais armas pesadas na propriedade. Levados à delegacia policial, um dos detidos mostrou um cartão personalizado do delegado-geral de Polícia Civil do Estado do Pará, e disse, na presença de testemunhas “este é o homem que vai nos ajudar”. O fato é que os dois detidos foram soltos no mesmo dia e, suspeita-se, sem que o devido flagrante tenha sido lavrado.

Especialmente preocupantes foram os relatos sobre a atuação no Sudeste do Pará de empresas de vigilância cujo comportamento e finalidade são os da velha pistolagem, só que, agora, organizada em moldes empresariais “modernos”. As autoridades estaduais do Pará já receberam denúncias sobre a atuação da Empresa de Segurança Marca, com sede no Conjunto Guajará 1, WE 63, nº 2002, em Ananindeua-PA. Cerca de 10 empregados dessa “firma”, no dia 19 de julho de 2001, sob o comando do Sr. Nazareno Ribeiro, que se identificou como “o diabo”, balearam o Sr. Carlos Pereira Teles, no povoado Fogão Queimado, no município de Bannach. Carlos Teles, que não tinha armas nem ofereceu resistência, estava a 15 km. da fazenda da família Bannach, que contratara a Marca. Essa fazenda tinha sido palco de um violento despejo feito pela polícia dias antes antes. A expulsão dos sem-terra pela polícia foi concluída por essa “firma”, que passou a promover um clima de terror em todo o município. Além de usurpar funções públicas policiais, promovendo blitzen em rodovias, interpelando e exigindo documentos a cidadãos fora da área da fazenda da família que a contratou, a “firma” seqüestrou, espancou e torturou pessoas, segundo diversos testemunhos recolhidos pela CPT.

Outras vítimas dessa empresa de pistolagem foram o Sr. Raimundo Rodrigues Silva e o Sr. Benedito de Jesus Nascimento, que estavam desarmados, pescando, e que também não ofereceram resistência. Depois de espancados e torturados pelos pistoleiros da Marca, que ainda tentaram fazer o Sr. Raimundo engolir cartucho de fuzil, foram amarrados e jogados como porcos sobre uma carroceria de camioneta e levados até a delegacia de Xinguara, distante mais de 100 km. Lá o Sr. Raimundo foi preso pelo delegado porque havia participado de ocupação de terra, enquanto o Sr. Benedito, que não estava envolvido em ocupação e, portando não era procurado, foi hospitalizado por dois dias em Rio Maria com ferimentos sérios, sem conseqüências parra os agressores.

Outro cidadão de Bannach foi baleado numa estrada perto da cidade, deixado como morto, sua moto queimada, enquanto seu companheiro conseguia fugir sob intenso tiroteio. Esse cidadão, pai de família com três filhos pequenos, ficará deficiente físico pelo resto da vida. Ele não tinha qualquer relação com conflitos de terra. A polícia nada fez para apurar o caso.

Um contundente depoimento ouvido pela delegação foi o do filho de José Pinheiro Lima (Dedé), executado junto com a esposa e o filho caçula de 15 anos, numa demonstração da certeza da impunidade dos assassinos de trabalhadores rurais. O jovem Ednaldo, que trazia nas mãos um cartaz com fotos da família morta, não tem dúvidas sobre quem matou seus familiares. “O fazendeiro Joãozinho, que agora passa por mim na rua e zomba da minha cara”. Ednaldo já recebeu chamada anônima para o telefone público perto da casa dele com ameaça de morte. Ednaldo afirmou que a morte de seu pai poderia ter sido evitada. “A Polícia Federal avisou a Secretaria de Segurança Pública do Pará quatro meses antes, e ela nada fez. Não avisou a ninguém, nem a meu pai, nem ao movimento”.

Salta aos olhos a desigualdade de tratamento: enquanto os pistoleiros da Marca – mesmo após inúmeras solicitações de prefeitos, vereadores, deputados e outras autoridades públicas – não têm seus crimes apurados e continuam a agir com impunidade; não faltam dispendiosos recursos para proceder às violentas diligências contra os trabalhadores que ocupam lotes improdutivos. Se há conivência, como os fatos objetivos parecem corroborar – cabe ao poder público investigar, caso a caso. Lamentavelmente, isso não tem sido feito, alimentando assim as generalizadas suspeitas e o descrédito na instituição policial e na Justiça. 

 

“Marcados para morrer”

O fenômeno das listas dos “marcados para morrer” é uma das características mais cruéis da violência na região Sul e Sudeste do Pará. Essa lista circula na região não raro acompanhada de tabela de preços de execuções, diferenciando os valores de acordo com a posição social do ameaçado. Na lista a que a Delegação teve acesso em 04 de outubro de 2001 havia 24 nomes:

1 – Francisco Assis Solidade da Costa (membro da coordenação da FETAGRI-Sudeste do Pará);

2 – Raimundo Nonato Santos da Silva (coordenador da FETAGRI, Sudeste do Pará);

3 – José Soares de Brito (presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará);

4 – Herenaldo Ferraz de Souza (líder sindical da fazenda Tulipa Negra);

5 – Francisco Salvador (secretário agrário do Sindicato dos Traba­lha­dores Rurais de Rondon do Pará);

6 – Abidiel Pereira (coordenador da FETAGRI no Sul do Pará),

7 – Maria Medrado (liderança em Rondon do Pará);

8 – Antônio Souza Carvalho (secretário de Política Agrária da FETAGRI-PA);

9 – Mariel Joel Costa (viúva de Dezinho, líder assassinado);

10 – Maria das Graças Dias da Silva (liderança da fazenda Tulipa Negra);

11– Sebastião Pereira (líder sindical da ocupação da fazenda Três Poderes;

12 – João Batista Nascimento (líder sindical da fazenda Prata, São João do Araguaia);

13 – José Cláudio Ribeiro da Silva (líder sindical de Nova Ipixuna);

14 – Carlos Cabral Pereira (presidente do Sindicato dos Trabalha­dores Rurais de Rio Maria);

15 – Izalda Altino Brandão (diretora da FETAGRI, Sudeste do Pará);

16 – Raimundo Nonato de Souza (direção estadual do MST do Pará);

17 – Luis Gonzaga (direção estadual do MST do Pará);

18 – Eurival Martins Carvalho (direção estadual do MST);

19 – Ulisses Manaças Campos (direção estadual do MST);

20 – Antonia Melo da Silva;

21 – Adão Araújo de Jesus;

22 – Lúcio da Fonseca;

23 – Tarcísio Feitosa da Silva;

24 – Bruno Kenpner.

“Só há retiradas de nomes quando há mortes”, diz um represen­tante da FETAGRI, sobre a lista macabra. O governo estadual parece não dar importância ao problema. Pelo menos é essa a impressão que passa aos movimentos sociais que atuam na região. Segundo interlocutores desses movimentos com autoridades públicas do Pará, a concepção predomi­nante entre a autoridades estadual é que “ocupar terras é atividade de risco e o Estado nada pode fazer, o risco é dos trabalhadores”. As execuções de lideranças de trabalhadores rurais e aliados é precedida de ameaças, que acabam se cumprindo. A tática da intimidação parece ser utilizada tanto para desestimular lideranças como para advertir os trabalhadores e a sociedade em geral, criando um clima de medo. A intimidação também atinge juízes e promotores. Segundo um advogado ouvido em Marabá, em razão das ameaças, “juiz independente fica pouco tempo nessa comarca”.

José Brito, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, está deixando a região para não morrer. “Pelo menos dez fazendeiros estão me ameaçando. Eles dizem que lá eu sou a bola da vez. Apesar de ter registrado queixa na delegacia, nunca fui chamado para prestar depoimento”. Brito declarou que a razão de tudo isso é que ele luta pela vida.  “E quem luta pela vida aqui tem sua própria vida ameaçada”.

O nome de Antônio Rodrigues de Souza, diretor do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Parauapebas, faz parte da lista dos ameaça­dos de morte. “Tenho mais medo da policia do que outra coisa. Às vezes, recebo três telefonemas por dia de fazendeiros me ameaçando de morte”. Antônio afirma que denunciou as ameaças ao secretário de Defesa Social, Paulo Sette Câmara, mas até agora nada foi feito para protegê-lo.

Sebastião Rodrigues, que se encontra ameaçado, denunciou o delegado Aquino, que no dia 18 de maio deste ano, acompanhado de fazendeiros e pistoleiros, sem mandado judicial, chegou à fazenda Talimã/Remanso, em Marabá, para desocupar a área. Foi destruída toda a plantação de milho, arroz e mandioca às vésperas da colheita. Cinqüenta famílias foram expulsas e quatro prisões efetuadas. “A acusação é a de sempre: formação de quadrilha, que não admite fiança, e esbulho possessório”. Apesar disso, fomos soltos depois do pagar R$ 400 ao delegado. Hoje a área vem sendo destruída pela retirada de castanheiras.

Presente à audiência pública, a delegada-regional da Polícia Civil, Dra. Elisete Cardoso, anunciou que afastaria os policiais responsáveis por irregularidades.

No momento em que os membros da delegação regressávamos do Pará para o conforto de nossos lares, soubemos que mais um líder de trabalha­dores rurais era assassinado, em Marabá, com um tiro no rosto. Gilson de Souza Lima, 32 anos, é o oitavo trabalhador rural a ser morto este ano. Um gerente de fazenda era o principal suspeito do homicídio.

Recomendações e propostas

1 – Ao Governo Federal, a primeira sugestão, de longo prazo mas com início imediato, é ampliar e melhorar as políticas agrária e agrícola na região. Não será possível equacionar o problema da violência no Pará sem o atendimento da demanda gerada pela imigração de expressivos contingentes de trabalhadores rurais sem espaço e recursos nas suas regiões de origem, e que não têm mais para onde ir. O Sul e Sudeste do Pará dispõe de condições para abrigar grandes assentamentos de reforma agrária, se houver vontade política nesse sentido. É possível constatar, quer pelos dados de pesquisas, quer pela observação durante os vôos na região, que grandes extensões de terras desmatadas estão subaproveitadas ou simplemente foram abandonadas depois da extração de madeira.

2 – Aos Governos Federal e Estadual do Pará, Ministérios Públicos Federal e Estadual, a providência que nos pareceu mais urgente, e que deve ter início imediato, é a formação de uma força-tarefa composta pela Polícia Civil e Polícia Federal, coordenada em conjunto pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Pará. Seu objetivo seria atuar no âmbito das competências legais de cada instituição no sentido de combater a impunidade, desmantelar a rede criminosa no Sudeste e Sul, inclusive reprimindo as milícias particulares baseadas em fazendas da região.

3 – Ao Ministério da Justiça, para determinar a investigação, pela Polícia Federal, das empresas de segurança que atuam irregularmente na região Sul do Pará, contribuindo para acirrar a violência.

4 – À Corte Internamericana de Direitos Humanos e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para dar-lhes conhecimento e consultá-las sobre o prazo que consideram razoável para o esclare­cimento e o julgamento dos homicídios de trabalhadores rurais no Pará. Essa manifestação servirá para caracterizar os casos em que podem ser conceituados como impunes, para orientar o possível ingresso de represen­tação contra o Estado brasileiro por omissão, caracterizada pela não promoção de justiça em tempo hábil. Consultar também sobre pertinência de ação cautelar com vistas à proteção dos cidadãos ameaçados de morte, cujos nomes figuram na “lista dos marcados para morrer”.

5 – Ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, apelo para que remova dificuldades que estão impedindo o andamento dos proces­sos contra acusados de assassinatos, ameaças de morte e agressões a trabalhadores rurais. Nesse sentido, promover os julgamentos de processos judiciais sobre assassinatos em que falta pouco para sua conclusão, como são os casos das mortes de João Canuto (morto em 1985), caso chacina em Ubá (1985), Massacre de Eldorado do Carajás (1996). Outros processos criminais e inquéritos que encontram-se atualmente paralisados, como os relacionados a José Dutra da Costa (morto em 2000), Onalício Araújo Barros e Valentim Serra (1998), José Pinheiro Lima, Cleonice Campos e Samuel Campos (2001). Igual­mente, apelamos no sentido de que sejam cumpridos, em prazo razoável, os diversos mandados de prisão referentes a crimes cometidos contra trabalhadores rurais.

6 – Ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará e ao Congresso Nacional, para rever critérios para a emissão, por juízes, de medidas liminares determinando desocupações forçadas. A chamada “indústria de liminares” tem favorecido o latifúndio improdutivo e estimulado a violência. Nesse sentido, foram colhidas duas propostas. A primeira é de atuar ao Congresso Nacional para aprovar, com celeridade, projeto de lei que estabelece critérios para as liminares, obrigando o juiz inclusive a consultar órgão fundiário para avaliar a situação da terra. A segunda é recomendar aos juízes, por intermédio do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que se abstenham de conceder liminares sem ouvir o Ministério Público e organizações da sociedade civil que conhecem os problemas agrários regionais, evitando tragédias.

7 – Ao Governo do Estado do Pará, prover, quando necessária, proteção a juízes e promotores, constantes alvos de ameças, garantindo-se a incolumidade dos mesmos e a prestação dos serviços por eles prestados. Dotar os serviços de segurança pública das condições mínimas de funcionamento, com recursos humanos e materiais nas delegacias, treinamento adequado compatíveis com a demanda no Estado, permi­tindo a apuração dos crimes impunes e o estabelecimento da credibilidade da segurança pública no Estado.

8 – Ao Tribunal Federal Regional da 1ª Região e Tribunal de Justiça do Estado do Pará, para acelerar o processo de criação da Vara Agrária na região.

9 – Ao Governo do Estado do Pará, para prover a região de mais serviços sociais, incluindo política urbana que, no seu conjunto, contribuam para atenuar a cultura da violência.

10 – Ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, requerer cadastro das propriedades rurais da região, informações sobre as desapropriações, para reforma agrária, de áreas griladas, bem como sobre as condições necessárias para a incorporação mais rápida de áreas maiores para a reforma agrária.

11 – Ao Ministro da Justiça e ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, apelar no sentido de que o Governo Federal restabeleça canais de diálogo entre o movimento social e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA. Membros da delegação tentarão, nesse sentido, abrir canal de diálogo direto entre o Ministro do Desenvolvimento Agrário e o presidente do INCRA com as entidades do movimento social da região Sul do Pará, no sentido de pacificar a região, acelerando o processo de reforma agrária.

12 – Aos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria Geral da Presidência da República no sentido de se absterem de transformar em lei a Medida Provisória Nº 2183-56, que impede a vistoria para efeitos de reforma agrária, por dois anos, em áreas em que houve ocupação.

13 – Ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, requerer que o mesmo convide para sua próxima reunião o Secretário de Estado de Defesa Social, Dr. Paulo Sette Câmara; a presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Dra. Climenié Bernadette Pontes; o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ministro Fernando da Costa Tourinho Neto; o procurador-geral de Justiça do Estado do Pará, Dr. Geraldo Mendonça Rocha, além de representantes da sociedade civil da região.

14 – Ao presidente do ITERPA – Instituto de Terras do Pará informações cadastrais sobre propriedade de terra em conflito com registros do INCRA;

15 – Ao Congresso Nacional, apelo por mudanças na legislação para combater o trabalho escravo, incluindo agravamento do tipo penal aos infratores e restrições de acesso nos organismos de crédito federais.

16 – Ao Ministério do Trabalho, requerimento de informações sobre a aplicação de multas aos responsáveis por flagrantes de trabalho escravo no país e na região Sul do Pará, incluindo cruza­mento de dados sobre aplicação e cobrança dessas multas; critérios que orientam a renúncia na cobrança de multas ou redução de seus valores; destino de outras ações de natureza criminal contra os acusados; dados sobre recursos destinados às operações do Grupo Especial de Repressão e Fiscalização ao Trabalho Escravo, no país e no Sul do Pará; bem como explicações sobre a ampliação do espaço de tempo entre denúncias e suas verificações.

17– Ao Ministério da Justiça, solicitar que determine à Polícia Federal que efetue prisões de autores de crimes como homicídios e trabalho escravo, de modo a demonstrar compromisso do Governo Federal em coibir o crime na região, contribuindo assim para desencorajar novos assassinatos.  

18 – Ao Ouvidor-Geral da Reforma Agrária, Gersino da Silva Filho, solicitar-lhe um parecer sobre o impacto da atuação das empresas privadas de segurança que atuam a serviço de fazendas na política agrária e na política de direitos humanos vigente no país.

19 – À Mesa da Câmara dos Deputados, solicitar a realização de uma sessão de comissão geral para debater e propor ações contra a violência, convidando a participar representantes do poder público, da sociedade civil e dos movimentos sociais da região Sul do Pará.

20 – À Secretaria de Estado de Defesa Social do Pará, requerer informações e providências urgentes para a apuração do assassinato do Sr. Moacir Pereira de Souza, em 8 de abril de 2001, quando sua casa foi invadida de madrugada por policiais militares identificados como tenente Reis, sargento Luciano e cabo Trovão, além de dois outros não identificados. A família desconhece qualquer envolvimento da vítima em delitos e denuncia que os assassinos estão soltos,  trabalhando normalmente, constituindo-se ameaça à sociedade, principalmente à família que luta por justiça.

21 – Ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Tribunal Federal Regional da 1ª Região, Ministério Público Federal e Estadual, Ouvidor Agrário Nacional, propor a realização de um evento para o qual seriam convidados juízes que atuam na região para o debate sobre os procedimentos judiciais para a realização de despejos de trabalhadores rurais.

22 – À Câmara dos Deputados, requerer pronunciamentos do Grande Expediente, que têm duração de 25 minutos, para denunciar e analisar o problema da violência originária dos conflitos agrários no Sul do Pará.

23 – Ao relator da proposta de emenda à Constituição sobre a reforma do Judiciário, senador Bernardo Cabral, solicitar-lhe celeridade no processo de votação do ítem da PEC referente à federalização dos crimes contra os direitos humanos, tendo em vista a relevância da medida para o enfrentamento da violência e da impunidade.

24 – Ao Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Ministério Público Federal, solicitar atuação no sentido da agilização e aprovação de projeto que determina o confisco de terras onde houver trabalho escravo, a exemplo das terras ocupadas com plantações de substâncias narcóticas.

 

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1980, 1.543 trabalhadores rurais foram assassinados no Brasil. De janeiro a novembro de 2001, foram 23 assassinatos. O  estado do Pará ocupa o primeiro lugar em assassinatos de trabalhadores rurais, com 766 casos desde 1980. O caso de maior visibilidade foi o massacre de Eldorado dos Carajás.

Uma nova data está sendo aguardada para o julgamento dos policiais acusados pelo assassinato de 19 trabalhadores rurais sem terra em Eldorado dos Carajás, em 1996.  A juíza Eva do Amaral Coelho – nomeada depois que outros 17 juízes não aceitaram presidir o julgamento por terem simpatia aos policiais envolvidos e aversão ao MST e aos trabalhadores rurais – marcou nova data: 18 de junho de 2001. Porém, o julgamento foi adiado quando a principal prova da acusação – um minucioso parecer técnico da Unicamp –foi retirada do processo. A principal recomendação das organizações de direitos humanos é a transferência do processo para a justiça federal.

 

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