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 As
        Luzes se Apagam para os Direitos Humanos Glenn
        Switkes8
        
         Em maio de 2001, o
        Brasil viu-se defrontado com uma crise  energética de proporções sem precedentes. Represas no
        centro-sul do país, parte de uma rede hidrelétrica de barragens
        responsável pelo abastecimento de energia elétrica aos centros urbanos
        e industriais, tinham escoado menos que 30% de sua capacidade. Com a
        estação seca se aproximando, as represas estavam previstas para
        atingir o ponto na primavera onde, com menos de 10% da capacidade de água
        restante, seriam incapazes de acionar as turbinas nas casas de força.
        Mais de 90% da energia elétrica do Brasil é gerada por barragens
        hidrelétricas, e portanto a seca e a dependência extrema da nação
        nas hidrelétricas ameaçaram “desconectar” casas e indústrias do
        país. Com o presidente
        Fernando Henrique Cardoso dizendo que foi pego de surpresa, 
        cidadãos e companhias viram-se sujeitos a um racionamento
        obrigatório de energia. O presidente formou um “Ministério do Apagão”
        para definir medidas extraordinárias que acelerariam a construção de
        novas estações geradoras. Enquanto isso, os brasileiros escolhiam
        entre desconectar aparelhos elétricos para atingirem as “cotas” e
        evitar que sua eletricidade fosse cortada. O setor elétrico
        apressou-se para aprovar dezenas de projetos de barragens e casas de força
        a gás e o presidente decretou a Medida Provisória 2147, estabelecendo
        um limite de tempo de seis meses para licenciar as barragens hidrelétricas,
        de quatro meses para maquinarias térmicas elétricas, oleodutos e
        gaseodutos, e de três meses para as linhas de transmissão. O chamado
        Ministro do “apagão”, Pedro Parente, explicou que o decreto foi o
        resultado do fato que “questões ambientais atrasaram os projetos”,
        subentendendo que assuntos sociais e ambientais seriam ignorados na
        febre da crise de energia nacional. Até agora, um milhão
        de pessoas foram atingidas pelas grandes barragens no Brasil. Estudos
        mostraram que estas populações raramente, se tanto, alcançaram de
        novo a mesma qualidade de vida depois do assentamento. O caso dos índios
        é ainda mais extremo, com as companhias elétricas os cobrindo de
        atenção depois do reassentamento por causa de enchentes em suas
        terras, ou em outros casos quase os abandonando inteiramente a sua própria
        sorte. Os impactos das grandes
        barragens têm estado sob exame cuidadoso no nível global. A
        independente Comissão Mundial sobre Barragens (CMB), cujos membros
        variam de governantes e funcionários corporativos a um líder do
        movimento anti-barragem do Vale Narmada na Índia, publicaram um relatório
        em novembro que reservava suas críticas mais duras aos impactos sociais
        causados pelas barragens. Analisando o que foram denominados opções não-democráticas
        e processos probatórios para novas barragens, a CMB publicou uma série
        de recomendações que incluem uma maior consulta e o envolvimento das
        comunidades afetadas nos processos de planejamento de barragens. A CMB
        chegou a notificar que as comunidades indígenas têm o direito a um
        consenso informado antes do prosseguimento de qualquer projeto que possa
        adversamente afetar suas terras ou seu modo de vida. Apesar do governo
        federal e a companhia estatal Eletrobrás terem feito parte dos estudos
        da comissão, não há nenhum processo em andamento para incorporar as
        recomendações da comissão às políticas nacionais energéticas, e
        significantemente o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento
        Interamericano, que têm sido os dois maiores financiadores de grandes
        barragens no Brasil, fracassaram em considerar as diretrizes da comissão. A maior parte do
        potencial hidrelétrico futuro do Brasil está na região Amazônica, e
        as implicações ambientais, culturais e sociais de uma rede hidrelétrica
        na Amazônia são amedrontadoras. Até agora, 14 barragens foram
        planejadas para os rios Tocantins e Araguaia, sem qualquer estudo que
        analise os impactos cumulativos ou interativos destes projetos. As equações
        dos impactos ambientais que ligam a amplitude dos impactos das barragens
        à extensão do território inundado pelo reservatório ignoram o fato
        que alguns dos mais graves problemas com grandes barragens no Brasil
        foram sentidos pela população ribeirinha. No caso da barragem de
        Tucuruí, a maior já construída numa floresta tropical, milhares de
        famílias que moravam abaixo da barragem perderam seus meios de pesca e
        a fertilidade dos terrenos e das áreas fluviais. Muitos acharam refúgio
        nos morros dentro da represa de Tucuruí, e agora estão sendo ameaçados
        com uma cheia de dois metros na represa quando a capacidade geradora da
        barragem é duplicada. Funcionários da companhia elétrica dizem que não
        há necessidade de estudos ambientais, uma vez que a segunda fase do
        projeto Tucuruí é meramente uma “continuação” de um projeto
        iniciado antes que as leis ambientais brasileiras entrassem em efeito. O mais preocupante é o
        plano que prevê a construção da segunda maior barragem do mundo no
        Rio Xingu, perto de Altamira no Pará. A barragem de Belo Monte é
        considerada por analistas independentes a primeira de pelo menos seis
        barragens futuras, afetando populações indígenas no rio Xingu e seus
        afluentes, incluindo o Parque Indígena do Xingu. A oposição local
        cresceu, baseada no reconhecimento difundido de que a grande barragem
        vai fazer pouco para resolver os grandes problemas dos pequenos
        agricultores e pescadores da região. Pelo contrário, irá beneficiar
        primeiramente as indústrias intensivas em energia e s centros
        industriais do sul do Brasil. Um dos críticos mais perceptíveis da
        barragem de Belo Monte foi Ademir Alfeu Federicci, do Movimento para o
        Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu (MDTX), que foi morto com
        um tiro na cabeça por invasores que entraram na sua casa em 26 de
        agosto. Federicci, de apelido “Dema”, era um dos vários líderes
        sindicais rurais que havia sofrido ameaças de morte. Sua morte foi
        seguida, duas semanas depois, pelo assassinato de outro líder popular
        em Tucuruí. Outro projeto
        controverso é a hidrelétrica de Cana Brava no Rio Tocantins, para o
        qual o Banco de Desenvolvimento Interamericano forneceu US$ 160 milhões
        em empréstimos. O Movimento Brasileiro das Pessoas Atingidas por
        Barragens (MAB) e outras organizações ambientais e sociais reclamaram
        ao BID que o CEM, cuja dona é a belga Tractebel, falhou em negociar o
        reassentamento e os termos de compensação com as 400-500 famílias que
        foram afetadas diretamente pelo projeto. Os funcionários da companhia
        insistiram em negociar individualmente com cada família, frequentemente
        com a presença de um policial, como forma de intimidar as famílias. Às
        populações afetadas pelas barragens foram-lhes negadas o direito de
        ter organizadores do MAB participando como conselheiros nas negociações. Em março de 2001, 300
        pessoas atingidas pela Cana Brava fizeram uma manifestação pacífica
        no local da barragem para trazer a Tractbel à mesa de negociação. Por
        três dias, a polícia militar impediu as tentativas de levar comida e
        água para os manifestantes e reprimiu fisicamente, inclusive mulheres e
        crianças. Povos indígenas se
        encontrarão no caminho das águas crescentes enquanto as barragens amazônicas
        forem construídas. Entre comunidades diretamente atingidas pelas
        barragens ao longo do Tocantins e Araguaia estão: Araguanã (Karajá do
        Norte e Guarani M’bya), Santa Isabel (Surui Aikewara), Marabá (Gavião
        Parkatejê) , e Serra Quebrada (Krikati e Apinayé). Outros grupos
        potencialmente afetados nesta região incluem os Krahô e Karajá. Os gigantes
        transnacionais de alumínio Alcoa (EUA) e Billiton (África do Sul,
        Austrália e Reino Unido), em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce,
        demonstraram interesse na Serra Quebrada e Santa Isabel.
        “Auto-produtoras” de energia, as companhias garantiriam essencialmente
        sua habilidade para expandir suas instalações de alumínio
        independentemente de futuras interrupções energéticas. Outra longa controvérsia
        envolveu as barragens planejadas para o rio Tibagi no Paraná, o qual
        afetaria as comunidades indígenas de Kaingang e Guarani Ñandeva. A
        crise energética reavivou as chamadas para quatro barragens ao longo do
        Tibagi, a serem construídas pela companhia estatal Copel. Povos indígenas têm
        direitos especiais consagrados no parágrafo 3º do artigo 231 da
        Constituição Brasileira de 1988. Eles dizem que os povos indígenas
        devem ser consultados antes que seus recursos naturais sejam explorados.
        No entanto, o Decreto 2147 claramente ameaça dinamitar a capacidade das
        comunidades atingidas para acessar e analisar volumes de estudos técnicos,
        adquirir conselho legal, realizar ouvidorias para o público interessado
        como um canal significativo de debate e novos projetos de barragens. A indústria
        internacional construtora de barragens, aliada à crise energética do
        Brasil, largamente causada pela ineficiência inerente de sua vasta rede
        de barragens, proporciona uma desculpa para aprovar medidas não-democráticas
        que garantem ostensivamente energia elétrica para o desenvolvimento –
        medidas pelas quais os pequenos produtores rurais, populações indígenas
        e quilombolas pagarão o preço por décadas a vir.  
        
         Recomendações 1 – O setor elétrico
        brasileiro deve adotar as recomendações da Comissão Mundial sobre
        Barragens, designada a alcançar um maior consenso na avaliação das
        propostas para novas hidrelétricas e grandes barragens. 2 – Os danos sofridos
        por indivíduos e comunidades resultantes da construção e operações
        para barragens já existentes devem ser reparados através de medidas,
        incluindo projetos de desenvolvimento regionais que ajudem pequenos
        agricultores e pescadores, além da restauração de sistemas de rios e
        ecossistemas aquáticos atingidos por barragens e outras medidas a serem
        discutidas e decididas em consulta com as populações atingidas. 3 – Os impactos
        cumulativos dos múltiplos projetos hidrelétricos em qualquer rio devem
        ser avaliados inteiramente antes que a construção de barragens seja
        permitida. 4 – A medida Provisória
        2147 deve ser revogada, em reconhecimento à necessidade de um amplo
        debate sobre novos projetos de hidrelétricas. 5 – O Brasil deveria
        diversificar suas fontes de energia elétrica, enfatizando a energia eólica,
        a biomassa e as pequenas hidrelétricas, além de melhorar a eficiência
        energética e sua conservação. 
        
         (Tradução: Beatriz
        Alves Leandro) 
        
        Levantamento
        divulgado pelo Cimi mostra que, até 31 de julho, das 756 terras indígenas
        computadas, 442 continuavam pendentes de providências relativas aos
        mais diversos estágios do procedimento administrativo de demarcação,
        previstos nos termos do Dec. 1775/96. Nos últimos cinco séculos, 1.477
        povos indígenas diferentes foram extintos em toda a extensão do que
        hoje forma o território brasileiro.  
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