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 Emigração
        no Piauí : O Aliciamento para a Escravidão Ricardo
        Rezende Figueira1
        
         O fenômeno da migração
        se dá, entre outros motivos, por guerras públicas ou privadas, por uma
        seca prolongada ou outro cataclismo, por questões religiosas, étnicas
        ou familiares, por doenças, por estudo, por necessidade econômica e
        também pela conjugação de mais de um motivo.2 
        Grande parte das migrações contemporâneas no Brasil, temporárias ou
        definitivas, se efetua por pessoas que buscam um trabalho. São
        “pessoas deslocadas” de sua terra, de sua gente, atrás de pequenas
        esperanças: comprar uma cama de casal, uma bicicleta, uma roupa nova
        para o festejo da padroeira, a comida ou o remédio. Saem do lugar onde
        têm uma identidade e entram num mundo desconhecido e inseguro.3  
        Entre os estados que têm sofrido com a emigração está o Piauí,
        de onde levas de pessoas, em 2001, por exemplo, foram aliciadas para as
        derrubadas de floresta, feitura e conservação de pasto em fazendas do
        sul do Pará, para empreendimentos em áreas de cana-de-açúcar no
        Maranhão, em São Paulo e em Minas Gerais e para serviços domésticos
        em Brasília.4  Através
        de promessas vantajosas, muitos empreendem a viagem cujo desdobramento
        posterior não é o esperado. Uma parcela destes – camponeses sem
        terra, com pouca terra, a maioria analfabeta e sem qualificação
        profissional – é retida em dezenas de fazendas entre os rios Araguaia
        e o Xingu, em nome de dívidas contraídas na viagem, na alimentação e
        na aquisição dos instrumentos de trabalho. Alguns saem através da
        fuga, correndo riscos de serem capturados e mortos, outros são
        liberados depois de alguns meses de trabalho duro e obrigatório, quando
        a empreita terminou e iniciou o período da chuva, ou são libertos pela
        ação de fiscalização do governo, depois de alguma denúncia. Esta
        modalidade de trabalho obrigatório nas fazendas, sob o pretexto de uma
        dívida, é considerada escravidão contemporânea por dívida. O Código
        Penal Brasileiro, como prevê o art. 149, considera crime a sujeição
        de uma pessoa a outra.5 
        Conforme Santana (1993: 62) “o crime existe, mesmo que seja concedida
        ao sujeito passivo alguma liberdade de movimento, mesmo que não lhe
        sejam infligidos maus tratos ou sofrimentos ou ainda que o crime seja
        cometido com o consentimento da vitima porque a liberdade humana é
        inalienável”. Nos últimos anos, tem
        havido uma parceria com relativo sucesso entre a Comissão Pastoral da
        Terra (CPT) e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério
        do Trabalho (GM/MT), possibilitando a libertação de trabalhadores em
        muitos municípios.  Constata-se
        que, em termos nacionais, entre os libertos pela ação do GM/MT e da
        Polícia Federal (PF), 15 por cento são piauienses. E o Nordeste
        concentra a maioria das vítimas do trabalho escravo, 60 por cento. Ora,
        se 16 por cento são piauienses e 60 por cento nordestinos, isso não
        significa que a escravidão se dê majoritariamente no Nordeste. Pelo
        contrário, a escravidão se dá, normalmente, fora do município ou do
        estado da vítima.6  Ora,
        onde há abundância de mão-de-obra ociosa, normalmente não é necessária
        a escravidão. Voluntariamente as pessoas se submetem ao trabalho em
        quaisquer condições de exploração. É possível conseguir alguns
        que se submetam apenas a troco de alimentação ou por um quinto do salário
        mínimo.7  Onde há escassez de mão-de-obra, aí sim, é mais provável
        o trabalho escravo executado por pessoas vindas de outras regiões, por
        isso com menos capacidade de resistência: não é conhecido pela população
        local, está longe de seus familiares e amigos, não possui recursos
        para a locomoção e pode ser mais facilmente ameaçado. 
        Certamente por essa razão depois que a Comissão Parlamentar de
        Inquérito instaurada pela Assembléia Legislativa do Estado do Ceará
        foi concluída,8 
        Santana, um de seus membros, observou que não se constatava “grande
        incidência de trabalho escravo no Nordeste” mas esta 
        região, “notadamente o Ceará”, caracterizava-se “como o
        exportador de mão-de-obra barata ou até mesma escrava para os outros
        Estados (1993: 21).” Em 2000, 96 lavradores,
        de um grupo de 176 homens, a maioria de Barras, PI, foram libertos da
        fazenda Brasil Verde, no município de Sapucaia, PA, pelas autoridades.
        Desde 1988 houve fugas de trabalhadores desta fazenda com denúncias de
        escravidão por dívida. No mesmo período, o imóvel foi submetido a
        sucessivas fiscalizações e as autoridades federais constataram a
        veracidade da maioria das denúncias.9 
        Ora, em maio de 2001, um dos jovens de Barras, já liberto da Brasil
        Verde no ano anterior, novamente estava prestes a trabalhar no Pará.
        Como se explica que ele e outras pessoas, já resgatadas uma vez, se
        aventuram a novos riscos, na mesma área? O jovem explicou que não
        tinha como ficar, porque não havia emprego disponível. Se tivesse
        sorte, um trabalhador braçal conseguia ali a diária de três a quatro
        reais.10  De fato teria
        “sorte”, porque mesmo essa diária não era fácil conseguir.
        Admitia que, se recebesse trinta reais por mês, não sairia dali. Por
        isso, aceitava ir com outro agenciador, esperando ter tratamento melhor. Conforme denúncias da
        CPT, muitos dos escravizados, ao tentarem fugir, foram assassinados.11 
        Há uma multidão de mulheres, homens e crianças, aguardando uma notícia
        de um parente que partiu. São pessoas abatidas pela dúvida: estarão
        ainda vivos seus familiares? Nem todos os que desapareceram morreram ou
        foram assassinados. Alguns não mandam notícias porque saíram de casa
        com desavenças familiares, outros partiram contra a vontade dos pais ou
        da esposa, esperando ganhar dinheiro e não obtiveram sucesso. A
        vergonha do fracasso os silencia. Vejamos alguns casos denunciados
        recentemente em Barras, PI.  
        
         Mortes Antônia, 43 anos, três
        filhos, teve o marido, Francisco, assassinado numa fazenda no Pará, em
        janeiro de 1998. Avisada por B., que trabalhava na mesma fazenda, ela
        viajou para a região. Levou consigo uma cruz para fixar no local do
        homicídio, mas o gerente da fazenda a  impediu. A cruz podia
        chamar a atenção da PF que incomodaria a fazenda com  perguntas.
        Recebeu a Carteira Profissional do esposo sem duas páginas, aquela que
        o identificava com a foto e a outra, onde constava a sua contratação
        pela fazenda. Pela falta de documentos, ela não consegue se aposentar. 
        B. fugiu da fazenda porque além da morte de Francisco, ouviu conversas
        do gerente com o  funcionário da guarita da porteira de entrada,
        combinando assassinatos de peões que porventura  saíssem com
        saldo e porque viu ossada humana próxima de uma água no interior da
        fazenda.12  Há outras
        informações que confirmam a existência de ossada nesse imóvel. RPS,
        22 anos, declarou que foi um dos 43 trabalhadores aliciados em
        27.04.2001, na cidade de Barras, PI, para trabalhar na mesma fazenda.
        Retornou em 27.06.2001, depois de seu grupo fazer três “greves”.
        Ele e outro aliciado ainda afirmaram que quatro trabalhadores, também
        de Barras, quando foram colher castanha em uma área ao lado do retiro
        mais próximo da sede, viram ossadas humanas próximas a um pé de
        castanha. Essa foi uma das razões que os levou a brigarem para sair da
        fazenda.13   
        
         Desaparecidos Marcos Antônio, de 17
        anos, filho de Salustiana foi levado de Barras, PI, em 1997, por um
        “gato” 14  para o
        estado do Pará. Ela explicou, sem conter as lágrimas, que tentou retê-lo,
        em vão, pois o gato já o havia  embriagado.15 
        Nunca mais teve notícias. Salustiana, seu esposo, Antônio, e os filhos
        não sabiam ler, moravam numa rua sem nome, numa casa sem número, não
        possuíam relações que os auxiliavam e sair do impasse e a buscar
        Marcos Antônio. Não procuraram socorro no Sindicato dos Trabalhadores
        Rurais (STR), na paróquia, na promotoria ou na polícia. A família não
        sabe o nome de quem aliciou Marcos Antônio, o nome da fazenda para onde
        foi levado, nem para qual município.16    Sinhá Brás, 60 anos,
        analfabeta como toda sua família, “quebradeira” de coco, teve
        onze filhos, sendo seis os vivos: três homens e três mulheres. 
        Ela procura Manoel, o caçula, que com 15 anos, sem documento de
        identidade, partiu para Xinguara, PA, levado pelo gato José Nilo, em
        1982. “Pelejei pra ele não ir”, afirma, “fiquei chorando”. Era
        a segunda viagem que ele empreendia ao Pará. Da primeira, trouxe
        dinheiro que permitiu comprar um pouco de comida e roupa, mas era
        insuficiente para adquirir uma bicicleta.17 
        Sinhá Brás queria notícias do filho: “só sei notícia variada”.
        Disseram-lhe que Manoel estava em Xinguara, “mas eu não sei onde fica
        essa Xinguara. Agora, eu me taco daqui, pego um carro e vou, chego lá,
        não acerto, ando (...) com a cara para cima pela cidade”. A CPT
        colocou avisos nas emissoras de rádio de Xinguara procurando-o, em vão.
        No ano seguinte, disseram-lhe que o filho estava em Araguaina, TO. A CPT,
        acionada, colocou avisos nas emissoras de rádio de Araguaina, novamente
        em vão. E Sinhá teme, porque muitos, que empreendem esse deslocamento
        ao Pará, morrem. Além do filho, também um sobrinho foi há anos e a
        família não tem notícias.  
        
          A
        campanha contra a escravidão Preocupados com o número
        de pessoas aliciadas no Estado, a FETAG, a CUT e a CPT do Piauí
        resolveram promover, entre 20 e 21 de julho de 2001, em Teresina, o
        Primeiro Seminário Estadual de Combate ao Trabalho Escravo. A campanha
        contra a escravidão já havia sido desencadeada antes, em outros
        lugares, através de Seminários promovidos pela CPT e por outras
        organizações preocupadas com os Direitos Humanos, com o apoio
        principalmente do GM/MT e de alguns Parlamentares. 
        Nos Estados do Pará, Tocantins e Mato Grosso do Norte, na área
        conhecida como Araguaia-Tocatins, diversos eventos haviam sido
        promovidos com a mesma preocupação. O Seminário de Teresina obteve
        grande repercussão nos meios de comunicação do estado, surpreendendo
        até mesmo os promotores do evento.  Entre os participantes podia-se contar com sindicalistas de
        diversos municípios do Estado e agentes de pastoral de cinco das seis
        dioceses do Piauí. Terminando no sábado o Seminário, parte dos
        participantes se deslocou no domingo para a cidade de Barras, ao norte
        do Estado, onde promoveu um encontro também de combate ao trabalho
        escravo na sede do STR. Umas 60 vítimas e seus parentes compareceram.
        De Esperantina, cidade vizinha, estiveram, além do presidente do
        STR e do padre, uns 15 lavradores. A reunião começou com a projeção
        de um vídeo em que lavradores de Barras eram libertados de uma fazenda
        do Sul do Pará. Muitos dos presentes não só reconheciam as pessoas
        filmadas, mas também se reconheciam na tela. Reclamam por
        desaparecimento Na mesma reunião,
        diversos parentes de pessoas desaparecidas se levantaram e,
        silenciosamente, abriram suas carteiras, bolsas, ou sacos de plástico e
        mostraram fotos. Uma mulher, com a voz embargada e os  olhos
        marejados de lágrimas, falou: “Quero notícia de meu filho. Prefiro
        saber que está morto e, assim, visitar  seu túmulo, do que viver
        nessa incerteza!” A câmara da TV Globo filmou este depoimento que foi
        ao ar em cadeia nacional no dia seguinte. Os membros da CPT e da FETAG/PI
        coletaram alguns depoimentos. Sete mães, dois pais, um sogro, uma
        esposa, duas irmãs, uma prima, uma tia de Barras, Esperantina e Batalha
        prestaram informações sobre seus parentes desaparecidos a frei Xavier
        Plassat, membro da CPT do Tocantins. Ele recolheu o nome de treze homens
        e duas mulheres desaparecidos no Pará, Maranhão, São Paulo e Distrito
        Federal entre 1979 e 1998. Entre estes, pode-se destacar uma mulher
        desaparecida em Brasília, um homem em São Paulo, outro no Maranhão. 
        Os demais, onze homens e uma mulher, no Pará. Possivelmente nem
        todos foram para o trabalho escravo. Dos que talvez não tenham ido para
        o trabalho escravo há dois que foram para garimpos, uma mulher para
        Brasília e um homem para São Luís, MA.18  Se há tantos
        desaparecidos, não se pode esquecer, 
        contudo, os que acabam sendo reencontrados. 
        
          
        
         Desaparecidos são
        localizados Cleuza embarcou de
        Teresina, PI, para Conceição do Araguaia, PA, em 1987. Soube que o
        filho, Francisco, que não via há tempo, tinha sido assassinado.
        Acompanhada pela CPT,  esteve
        na funerária, nos hospitais, mas não obteve informações. Francisco
        apareceu dois anos depois em Teresina, mas ficou em casa apenas quatro
        dias, explicando que o gato o esperava e que teria problema se não
        voltasse. Desde então não deu mais notícias. Chegaram informes falsos
        para Cleuza. Alguém havia visto seu filho em algum lugar e ela
        empreendia  viagens
        procurando-o até confirmar que a notícia não procedia. Em 2000,
        Cleuza foi visitada por um dos agentes da CPT que a havia acolhido em
        1987 no Pará. Agachada, colhendo verduras na horta, logo o reconheceu,
        apesar de terem se passado 14 anos do primeiro e único encontro que
        haviam tido. Abraçou-o, enxugando os olhos, e o convidou para que
        entrassem na casa. Na parede da sala tinha alguns retratos e, entre
        eles, havia a foto do filho. A mulher contou ter sonhado com ele aquela
        semana e, agora, a chegada inesperada da visita a emocionava. Quase dois
        meses depois, em 20 de julho de 2001, estando novamente em Teresina,
        participando do Seminário de Combate ao Trabalho Escravo, o mesmo
        agente de pastoral retornou à sua casa e ela lhe informou, que o filho
        estava vivo e morava em Santana do Araguaia, 
        PA. De fato Francisco não se comunicou antes por vergonha, pois saiu
        de casa, contra o desejo da família e não obteve sucesso. Estava mais
        pobre do que antes. Retornar assim era uma forma de declarar seu
        fracasso.19   
        Outra história de mãe que procurava o filho é aquela de Maria
        da Conceição, 64 anos. Seu filho, Paulo, analfabeto, 34 anos, foi
        trabalhar no estado do Pará havia três anos. Finalmente telefonou-lhe
        do escritório de uma fazenda no Pará, em maio de 2001, solicitando que
        lhe enviasse sem falta, até 5 de junho, mil reais, através do endereço
        da própria fazenda. E a ligação caiu. Ela não conseguiu saber a razão
        do pedido. Ora, sendo pobre e viúva, não tendo como levantar esse
        dinheiro, ficou desesperada e enviou uma carta para a emissora de rádio
        local pedindo a ajuda econômica. O repórter Roberto Gonçalves leu a
        carta. Maria da Conceição temia que o filho estivesse devendo para a
        fazenda ou para o gato.20  Retornando ao Pará,
        Ana de Sousa Pinto, da CPT de Xinguara, que estava no Seminário de
        Teresina e no encontro realizado em Barras, localizou um dos
        desaparecidos desta última cidade. Em Sapucaia, PA, soube que o homem
        estava vivo, indo de fazenda em fazenda. Segundo seus conhecidos na
        cidade: “Ele não liga mais para a mulher. Fica farreando,
        comportando-se como se fosse rapaz solteiro”.  
        
         Novos aliciamentos Em maio de 2001,
        hospedaram-se numa pensão, em Barras, PI, dois empreiteiros da
        fazenda onde foi assassinado Francisco Clemente da Silva. Eles, que já
        haviam aliciado na semana anterior um grupo de trabalhadores e os levado
        ao Pará, retornaram para aliciar outros. Sendo informado, Paulo César
        Lima, do GM/MT, se deslocou até Barras onde se  reuniu com algumas
        vítimas e parentes de vítimas. Dois dias depois, interditou o ônibus
        que estava de partida para o Sul do Pará, com 28 peões já embebedados
        pelos gatos. Como tudo era irregular exigiu que o ônibus se dirigisse
        para a delegacia com as vítimas e com os gatos. Ali foram colhidos os
        depoimentos de todos os envolvidos e os trabalhadores foram devolvidos
        às suas famílias. Em 26 de julho de 2001,
        cinco dias depois do Seminário de Combate ao Trabalho Escravo realizado
        em Teresina, PI, um diretor do STR de Uruçui, PI, telefonou para a
        FETAG/PI avisando que dois gatos aliciavam cinqüenta homens naquele
        município.21  Os
        trabalhadores começaram o ciclo do endividamento através de um pequeno
        adiantamento em dinheiro, o abono. Um dos diretores da FETAG/PI, que
        atendeu ao telefonema, procurou sem sucesso a PF de Teresina. Diante
        disso, a PM local foi acionada e os gatos, como disseram que não podiam
        assinar as Carteiras Profissionais dos trabalhadores, foram impedidos de
        levar os trabalhadores. Soube-se, posteriormente, seriam levados para
        terras do deputado estadual e secretário da agricultura do Piauí,
        Francisco Nonato de Araújo Filho, em São Felix do Xingu, PA. Não
        obtendo sucesso neste local, aliciaram em torno de 60 homens em Xinguara,
        PA, e os levaram para a abertura de uma fazenda do secretário de
        estado, em São Felix do Xingu. No primeiro momento o secretário
        admitiu ser proprietário do imóvel e deu indicativos que arcaria com
        as despesas trabalhistas dos funcionários e com a hospedagem temporária
        deles em hotéis de São Félix. Mais tarde tentou se omitir das
        responsabilidades, negando, inclusive, ser proprietário do imóvel.22   
        
         O que fazer Se não há oferta de
        trabalho, não há como manter uma parte dos trabalhadores no local de
        origem, sendo inevitável a emigração temporária ou permanente
        destes. É inútil pensar que, através de uma campanha de informação,
        as pessoas seriam convencidas a não empreenderem a viagem. Mesmo
        sabendo dos riscos, elas continuarão indo. Há uma inevitabilidade
        que parece insanável.23  Enquanto persiste o problema do desemprego, é necessário
        criar estruturas de fiscalização que impeçam não a emigração, 
        mas o trabalho escravo e a superexploração da mão-de-obra.
        Para isto, ter-se-á que exigir dos agenciadores, no local mesmo do
        aliciamento, a lista completa dos trabalhadores, a assinatura da
        Carteira Profissional, o compromisso de trazer o contratado de volta tão
        logo este o deseje, o pagamento em espécie (e não em produtos), o nome
        e o endereço do imóvel onde será executado o trabalho e o nome do
        proprietário. Uma fiscalização eficiente, estando atentos, além do
        Estado,  os STRs, as Igrejas
        e a  sociedade civil
        organizada, pode extirpar o tráfico de gente do Piauí para os Estados
        vizinhos. Contudo, o problema pode apenas estar sendo deslocado para o
        Maranhão, o Ceará, a Bahia, o Tocantins e para o próprio estado do
        Pará, onde os aliciadores poderão concentrar suas atividades ilegais
        sem constrangimento e, os piauienses, premidos pela necessidade, irão
        por própria conta para esses locais e se oferecerão ao agenciamento.
        Para que isso não aconteça, a campanha empreendida já nos estados do
        Mato Grosso, Pará, Tocantins e Piauí, deve ser intensificada e
        estendida aos demais Estados do Nordeste e a áreas com maior concentração
        de pobreza e de desemprego.  
        Uma das medidas de maior relevância,
        com conseqüências mais permanentes, seria, contudo, a aprovação de
        uma das “emendas constitucionais” já propostas por parlamentares,
        formulando uma nova redação ao art. 243 da Constituição, de tal
        forma que o perdimento da propriedade previsto para áreas de culturas
        ilegais de plantas psicotrópicas, seria ampliado para os imóveis onde
        se  efetuar o crime previsto
        no art. 149 do CPB e, neste caso, o imóvel seria utilizado para fins de
        reforma agrária.24  Essa
        seria uma medida que, aplicada, produziria um eficiente efeito inibidor
        contra a escravidão.
        
          
        
         Bibliografia 
        
         MEILLASSOUX,
        Claude. Antropologia da escravidão
        – o ventre de ferro e dinheiro, RJ, Jorge Zahar Ed., 1995; MOORE,
        Barrington, Jr. Injustiça – as
        bases sociais da obediência  e
        da revolta, São Paulo, Ed. Brasiliense, 
        1987. SANTANA,
        Eudoro. Órfãos da abolição: tráfico
        de trabalhadores e trabalho escravo. Fortaleza, Assembléia
        Legislativa do Estado do Ceará, 1993; ABDELMALEK,
        Sayad. A Imigração ou os
        paradoxos da alteridade. São Paulo, Ed. USP, 1998. 
        
         O
        Ministério do Trabalho avalia que existam três trabalhadores em regime
        de escravidão para cada resgatado. Estatísticas da Secretaria da Inspeção
        do Trabalho revelam que foram libertados da escravidão, em 1999, 639
        trabalhadores; em 2000, 588; e 435 até maio deste ano.  
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