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 PM
        Promove Barbárie na Paulista José
        Arbex Jr., Revista Caros Amigos Foram
        69 presos (dos quais, 40 menores de idade, a maioria  mulheres), mais de cem feridos – alguns com muita gravidade
        –, vários casos de humilhação moral e tortura física praticada por
        soldados no interior das viaturas e nas dependências da delegacia de
        polícia. Este foi o saldo da brutal repressão praticada pela PM de São
        Paulo, no dia 20 de abril, em plena avenida Paulista, contra as cerca de
        2 mil pessoas que se manifestavam em repúdio à criação da Alca (Área
        de Livre Comércio das Américas). Participei da manifestação, na
        dupla qualidade de cidadão que se opõe à Alca e repórter da Caros
        Amigos. A brutalidade policial que presenciei só encontra paralelo
        na truculência com que as manifestações eram reprimidas à época da
        ditadura militar. Ou, se quisermos lembrar fatos mais recentes, foi
        equiparável à selvageria praticada pela PM exatamente um ano antes, em
        Porto Seguro (Bahia), ou no dia 18 de maio, contra professores e funcionários
        públicos na mesma Paulista, ou, ainda, à ferocidade empregada contra
        os acampamentos do MST. A
        polícia nega que tenha cometido abusos, e atribui o uso da violência
        à “provocação dos punks”, à obstrução do trânsito na Paulista
        e à suposta “desorganização” dos manifestantes, que não teriam
        comunicado previamente a intenção de fazer a manifestação. “Se o
        protesto tivesse ocorrido de forma organizada, com pedido de autorização
        feito à polícia, a PM até garantiria a segurança dos manifestantes
        no local”, diz o capitão Roberto Alves, assessor de Comunicação
        Social da PM. Isso, simplesmente, não é verdade. A manifestação começou
        com um clima muito pacífico, ordeiro, alegre e criativo, quase que um
        “carnaval antiimperialista”, recheado de palavras de ordem
        irreverentes como “Alca –
        ralho com o FMI!” A
        PM acabou com a festa. Atacou primeiro, desnecessariamente, com
        cacetetes e bombas, quando a manifestação acontecia nos limites da calçada
        e dirigida por uma comissão organizadora que exercia, até com excesso
        de zelo, a função de deixar a avenida desimpedida. É óbvio que o
        ataque, surgido do nada, provocou reações. E esse foi o pretexto para
        que a PM convocasse a tropa de choque. A Paulista virou uma praça de
        guerra. Os fatos falam por si. Vamos nos limitar, aqui, a reproduzir
        relatos das vítimas. Elas dão seus nomes e sobrenomes, ao contrário
        dos soldados, que, contra a lei, tiraram de seus uniformes as tarjas
        identificadoras. Elas fizeram boletim de ocorrência, exame de corpo
        delito e pretendem iniciar ações para punir os responsáveis. Enquanto
        isso, o governador Geraldo Alckmin elogia a ação da PM, assegurando a
        impunidade aos que abusam da força.  
        
         “Bombas,
        cassetetes, projéteis de
        borracha e convencionais”  
        
         (Relato
        feito pelo Coletivo de Observadores Legais – cna_sp@hotmail.com
        –, um grupo de advogados que acompanhou os manifestantes).  
        
         O
        ato começou por volta das 12 horas, com uma concentração em frente ao
        prédio da Gazeta (Av. Paulista, 900). No local, os tenentes da PM
        Sidnei e Ferrara foram informados do trajeto da manifestação (Citibank,
        Fiesp e Banco Central) e receberam, das mãos de uma equipe de
        negociadores, uma cópia autenticada de Carta de Informação
        encaminhada e protocolada pela Prefeitura de São Paulo e pela Companhia
        de Engenharia de Tráfego (CET), cumprindo exigência do artigo 5º,
        inciso XVI, da Constituição Federal de 1988. Os
        manifestantes não pretendiam “fechar a Paulista”, como afirmou a
        polícia, tanto que atravessaram a avenida sempre na faixa de pedestres
        e mantinham-se sempre nas calçadas, ocupando às vezes, e apenas por
        alguns instantes, uma das faixas (a da direita) devido ao grande número
        de pessoas. Portanto, o fluxo na Paulista não foi impedido em momento
        algum pelos manifestantes e sim pela própria polícia. O
        primeiro foco de tensão deu-se em frente à Fiesp, onde a polícia
        passou a bater nas pernas dos manifestantes para obrigá-los a voltar
        para a calçada e encurralá-los no vão do prédio. Os negociadores
        tentavam conter os soldados, que continuavam a espancar gratuitamente
        as pessoas. Por um momento, um grupo de pessoas tentou estender uma
        faixa em um dos cruzamentos da avenida enquanto o farol estava fechado.
        Foi então que um policial, sem mesmo tentar conversar com os
        manifestantes desferiu, gratuitamente, um golpe de cassetete na cabeça
        de um deles. A
        passeata atravessou a rua e seguiu em direção ao Banco Central. Quase
        em frente ao Masp, os soldados da PM formaram uma barreira (impedindo o
        fluxo de veículos na avenida) e partiram, em bloco, na direção dos
        manifestantes, passando a atacá-los pelas costas. O grupo de
        negociadores tentou, em vão, conter a ação policial e acabou sofrendo
        ameaças físicas e de prisão por parte do próprio tenente Sidnei. A
        PM utilizou com selvageria os cassetetes. Algumas pessoas foram
        encurraladas no vão do Masp, onde foram espancadas violentamente. Uma
        garota, Ângela Meirelles de Oliveira, 24 anos, já caída no chão,
        levou vários golpes no rosto; uma outra foi cercada por quatro
        policiais e golpeada várias vezes na cabeça. Ambas foram parar no
        hospital com ferimentos graves. Ângela quase perdeu a visão. A outra
        foi atendida na neurocirurgia do Hospital das Clinicas, porque um pedaço
        do capacete que usava como forma de proteção perfurou  sua cabeça. A
        PM lançou bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, que liberam
        estilhaços na explosão, diretamente contra os manifestantes, atingindo
        várias pessoas nas costas e nas pernas. Pelo menos três foram
        atingidas por estilhaços, nas pernas e nas mãos. Uma corre o risco de
        perder um dos dedos. A polícia disparou balas de borracha à queima
        roupa, desrespeitando a distância mínima permitida para que o disparo
        não cause ferimentos graves. Um dos manifestantes foi atingido no peito
        e a bala alojou-se próximo ao coração. Outro, Rodrigo, um garoto de
        15 anos, foi atingido na perna por um policial com arma de fogo
        convencional. Os
        primeiros feridos foram encaminhados para o Hospital 9 de Julho, na região
        da Paulista. Alguns foram atendidos, porém em dado momento o hospital
        recusou-se a receber mais feridos (inclusive alguns com suspeitas de
        fraturas). Enquanto as pessoas pediam por atendimento na porta do
        hospital, chegaram duas viaturas policiais. Os policiais sacaram
        metralhadoras e escopetas, apontaram para o peito dos feridos e aos
        berros mandaram que fossem embora. Chegaram até mesmo a atirar 
        para o alto. Após
        o primeiro ataque da tropa de choque em frente ao Masp, a passeata
        seguiu até o prédio do Banco Central, onde algumas pessoas ocuparam o
        hall externo com faixas, batucada e fantasias. Nesse momento, novamente
        a via estava livre para o trânsito de veículos, sendo posteriormente
        fechada pela tropa de choque, que voltou a bloquear a avenida. Os
        policiais atacaram um grupo de 200 manifestantes que estava sentado
        pacificamente em frente ao banco, com chutes e cacetetes. De longe,
        alguns policiais lançavam bombas no meio dos manifestantes. Quando
        alguns deles tentaram fugir e se desvencilhar dos golpes, cerca de 20
        soldados formaram um “corredor polonês”. Várias pessoas, dentre
        as quais garotas e menores, foram espancadas enquanto tentavam fugir. As
        prisões se deram de maneira igualmente brutal. Muitos manifestantes, já
        imobilizados, continuavam a receber golpes de cassetete nas costas e nas
        pernas. Durante a condução dos presos do camburão até a delegacia,
        os detidos sofriam os mesmos golpes, além de serem ofendidos,
        humilhados e ameaçados verbalmente. No 78º DP, onde estavam detidas 48
        pessoas, entre elas 35 menores e a maioria mulheres, os policiais
        obrigaram os presos a ficarem de joelhos, virados para a parede e
        aplicavam uma grande quantidade de golpes, principalmente na cabeça e
        nas costas.  
        
         “Quase
        fiquei cega” (A. 
                                      M. O., historiadora e funcionária pública) “Fui
        à avenida Paulista com a intenção de fotografar os eventos.  No momento em que começaram as agressões da polícia, vi
        que um soldado espancava uma menina. Outro soldado me viu e me deu uma
        cacetada no olho. O ataque dele foi deliberado e intencional. A pancada
        abriu o meu supercílio. Com muita dor, eu me abaixei, e ele ainda me
        golpeou nas costas e nas pernas. Saí correndo para o Masp, mas quando
        cheguei por ali fui de novo cercada pela tropa de choque e apanhei de
        novo. Quando
        viram que eu estava sangrando muito, acho que eles ficaram assustados e
        permitiram que eu fosse levada ao hospital. Fui muito mal entendida no 9
        de julho. Saí dali e fui para o Hospital das Clínicas. Ali,
        constataram que sofri trauma do globo ocular e tive que fazer uma sutura
        de quatro pontos no supercílio, além de ter sofrido hematoma na pálpebra.
        Quase fiquei cega.”  
        
         “Foda-se.
        É para você sofrer, filho da puta!” (João
        Mauro B. de Araújo, 19 anos,estudante de Rádio e TV na Unesp-Bauru)
 Cheguei
        à avenida Paulista, por volta das 14:00. Perto do Masp, ouvi alguns
        estrondos e percebi que a tropa de choque descia a rua. Um policial veio
        gritando, com o cacetete em punho, atrás de mim. Corri,
        desesperadamente. Entrei no banco Safra, fui para a escada de incêndio,
        desci alguns degraus, quando dois seguranças me detiveram. Na escada,
        apareceu o policial que me perseguia. Fui algemado. Reclamei que a
        algema estava muito apertada no meu pulso e pedi para afrouxá-la um
        pouco. Ele respondeu: “Foda-se. É para você sofrer, filho da
        puta!”. Ainda na escada, deu-me várias cacetadas na cabeça.
        Descobri,  posteriormente, o
        nome do agressor – “cabo Vagner”. Já
        na viatura, pedi, novamente para afrouxar um pouco as algemas, não
        sendo atendido. Em seguida, ele e outros policiais colocaram mais duas
        pessoas no carro. Eu gemia de dor e continuava a pedir que o cabo Vagner
        afrouxasse as algemas. Ele respondia com palavrões e ameaças: “Cala
        a boca seu merda! Só tá começando...” Ele foi guiando o carro até
        a delegacia. No caminho, fazia zigue-zagues e freava bruscamente, mesmo
        nos trechos em que a pista estava livre, para que eu sentisse mais dor.
        Levou-nos até o 78º DP. Lá
        chegando, o cabo ordenou que saíssemos do carro e aproveitou para dar
        mais alguns socos enquanto saíamos. Na delegacia, então sob
        responsabilidade do delegado Adriano Rodrigues A. Caleiro (seu turno ia
        das 14:00 do dia 20 às 7:00 do dia 21), colocaram a gente de cara para
        a parede. Distribuíam tapões, socos e cacetadas. Eu implorava para
        desapertar as algemas. A dor era intensa. Os policiais diziam: “Tá
        doendo mocinha? Então vê se isso aqui dói” e me batiam. Uns ainda
        chegavam junto de mim e ficavam virando meu pulso. Também fingiam que
        iam abri-las, “testando” outras chaves. Eu chorava de dor. O
        andar térreo da delegacia foi enchendo e daí mandaram a gente para o
        andar de cima. Enquanto subíamos a escada, tomávamos mais cacetadas e
        eles gritavam: “Sobe logo, porra!” Lá em cima, obrigaram-nos a
        ficar de joelhos e virados para a parede. Os policiais pareciam se
        divertir enquanto distribuíam chutes, socos e cacetadas. Alguém pediu
        permissão para ligar para o advogado e levou vários golpes, outro
        pediu para usar o banheiro e foi impedido. Enquanto nos batiam, zombavam
        literalmente de nossos direitos: “Olha aqui seus direitos humanos!”
        (mostrando o cacetete) e “vocês não são gente, são lixo. São o
        lixo da sociedade!” Os
        nossos joelhos também doíam, por ficarmos muito tempo na mesma posição:
        não podíamos sentar de maneira alguma. 
        Levaram-me, com mais algumas pessoas (Danilo Chagas Nogueira,
        Guilherme Gitahx de Figueiredo, Gustavo Esteves Lopes, Luiz Henrique de
        Oliveira e Vinicius Santana), para uma outra sala. Lá fizeram questionários
        e, como já havia advogados e comissões na delegacia, pararam de nos
        espancar. Empurraram-me para outra sala, junto aos demais, para fazerem
        nossas fichas. Ninguém ali se conhecia. A maioria foi capturada
        separadamente. Alguns nem sabiam o motivo da detenção, estando na
        Paulista por mera casualidade, como ocorreu com um jovem mineiro, João
        Carlos, um dos seis  indiciados. Depois
        de nos ficharem, fomos encaminhados ao setor de carceragem, para
        aguardar o processo. Ali, permaneceram dez pessoas dentre os detidos:
        quatro menores e seis maiores de dezoito anos – os mesmos que, segundo
        as autoridades policiais, seriam enquadrados por formação de quadrilha
        e outros delitos. Depois de duas horas sofrendo as brutalidades
        praticadas contra nós, conseguimos, finalmente, fazer os primeiros
        contatos com advogados. Eles chegaram ao seguinte acordo: os dez últimos
        detidos seriam soltos, sendo que os seis “maiores” mediante fiança,
        no valor de quinhentos reais para cada, totalizando a quantia de três
        mil reais.  Depois
        de fícarmos lá a noite inteira, e já pela manhã (em torno das 6:00
        hs), foram tiradas fotos dos maiores (inclusive a minha), segurando
        placas identificadoras, não obstante a contestação dos advogados
        presentes, para os quais essa atitude era flagrantemente
        inconstitucional. Após o pagamento da fiança, em dinheiro (não seríam
        aceitos cheques), coletado, a maior parte (dois mil reais), entre as
        entidades ali representadas, e não sendo entregue qualquer documento
        comprobatório aos indiciados, no tocante à fiança, fomos conduzidos
        para o IML em viaturas do 78º DP. Fizemos o exame de corpo de delito e
        finalmente fomos liberados.  
        
         “Fui
        levado até a escada, e espancado pela terceira vez” (Guilherme
        Gitahy de Figueiredo, mestrando em CiênciaPolítica da Unicamp, bolsista do Cebrap)
 Eu
        estava na Paulista com o objetivo de fazer uma reportagem sobre a
        manifestação contra a Alca. Tirei fotos e gravei entrevistas com várias
        pessoas, entre elas um tenente da polícia, transeuntes, motoristas, e
        manifestantes. A maioria era de adolescentes de classe média, atraídos
        pela proposta de manifestação pacífica, lúdica e bem humorada.
        Motoristas achavam “engraçado” e “simpático” aqueles jovens
        “fantasiados” que recitavam poesias, faziam ruídos estranhos e
        apresentavam performances
        teatrais, e pedestres se aproximavam para saber o que era. Quando
        a repressão começou, a maioria não respondeu à violência,
        utilizando formas de resistência pacífica;outros se revoltaram,
        atirando pedras. Uma equipe de manifestantes tinha a função de
        negociar com a polícia, a despeito das ameaças que sofriam, e
        conseguiram uma trégua para conversar com um oficial. Enquanto
        prosseguiam as negociações, entrei no Bob’s, para comer e beber
        algo. Ao sair, o confronto havia recomeçado. Caminhei rápido para a
        esquina e vi que a manifestação havia se posicionado diante do Banco
        Central. A orientação que estavam recebendo era para ficarem sentados
        e evitar a violência, enquanto indivíduos do outro lado da Paulista
        lançavam pedras. No meio, a linha de frente da PM parecia indecisa
        sobre contra qual lado investir. Atacaram os sentados, que não tinham
        para onde correr, e que ficaram também expostos às pedras jogadas
        contra os policiais. Eu
        estava tirando fotos dos garotos tentando escapar por um lago
        artificial, quando tive que me afastar da Paulista, pois balas de
        borracha zuniam ao meu redor. Parei cerca de 100 metros adiante. A penúltima
        pessoa que  entrevistei foi um estudante do colégio Objetivo com um
        ferimento no supercílio, que acabara de escapar do Banco Central, e
        disse que precisava de socorro médico, pois estava com um estilhaço de
        bomba de gás em seu ferimento. Foi quando resolvi ajudá-lo. Chegando
        à Paulista, não vimos onde estava a manifestação e não vimos ambulância
        nenhuma. Começamos a caminhar rumo ao Objetivo, pois lá poderia haver
        algum ambulatório. Foi quando avistamos um carro que parecia uma
        ambulância. Chegamos
        diante de dois policiais que estavam ao lado do carro, e mostrei o
        menino: ele está ferido, está precisando de ajuda. Diante da recusa
        dos policiais em socorrer o garoto, liguei meu gravador diante do
        oficial: você não acha que deveriam haver ambulâncias aqui? A
        resposta foram golpes de cacetete. Caído no chão, fui espancado por
        ele com a ajuda de outro PM, e algemado. Me arrastaram até o camburão,
        onde me espancaram mais uma vez. Na 78 DP, fui virado para a parede,
        enquanto o PM dizia que eu o havia atacado com palavrões. Ainda agindo
        como cidadão, exclamei que era mentira. Foi quando levaram o meu
        gravador e a minha máquina fotográfica. Fui levado até a escada, e
        espancado pela terceira vez. Outros presos disseram que “todos foram
        espancados ali”. No
        segundo andar, me colocaram junto aos já detidos. Tínhamos que ficar
        de joelhos e se alguém se virasse um pouco ou tentasse dizer alguma
        coisa, era golpeado. Posteriormente fui levado para outra sala. Por
        horas, fomos obrigados a ficar de pé. Apenas com a mediação de
        vereadores e deputados que chegaram mais tarde é que minha família foi
        avisada. Finalmente soubemos que estávamos presos em “flagrante”.
        Para atestar o “caráter violento” da manifestação, e a eficácia
        em “punir os responsáveis”, os maiores de idade do grupo estavam
        sendo acusados de desacato à autoridade, resistência à prisão,
        depredação de prédios públicos e privados, formação de quadrilha e
        corrupção de menores. Apareceram falsos testemunhos, enquanto
        desapareceram o gravador e a máquina fotográfica. Após
        uma demorada negociação de deputados com o secretário de segurança pública
        de SP, o delegado desistiu de nos acusar por corrupção de menores e
        formação de quadrilha, crimes inafiançáveis, que nos deixariam
        presos por mais tempo. Fomos soltos com uma fiança de 500 reais cada
        um, e agora resta a dúvida: o Estado vai levar adiante um processo
        forjado contra nós? A versão divulgada pela polícia, é que se
        tratava de uma “manifestação punk isolada e violenta”.  
        
         “O
        PM apontou a arma e mandou que deixássemos o hospital” (O
        seguinte depoimento foi feito por Lili, publicado no site www.midiaindependente.org.
        Um relato bastante semelhante,quase idêntico, foi feito a Caros Amigos pela estudante Isemara da
        Silva Calixto, 17 anos, que
        sofreu deslocamento
 do braço e traumatismo no pescoço).
 Depois
        de tomar muitas borrachadas da polícia, eu e mais alguns manifestantes
        feridos fomos ao Hospital 9 de Julho e pedimos para ser atendidos. Um
        funcionário do hospital, alegando que já estava cheio, disse que não
        poderíamos ser atendidos naquele lugar. Enquanto discutíamos o que
        fazer e aonde ir, uma viatura da polícia parou em frente ao hospital.
        Soldados, com armas a mão, perguntaram o que estávamos fazendo.
        Explicamos que alguns de nós estavam feridos. Nisso a polícia apontou
        suas armas para gente e mandou que saíssemos de lá, se não apanharíamos
        mais. Pedimos,
        mais uma vez, que o hospital nos atendesse, pois estávamos realmente
        feridos. O hospital negou mais uma vez. Deixamos o local. Mas, enquanto
        caminhávamos, os policiais apontaram suas escopetas e mandaram que saíssemos
        logo. Agilizamos os passos, mas ainda ouvimos a polícia, atrás de nós,
        engatilhar as armas. Eles atiraram para o alto, para nos intimidar ainda
        mais... Nós, feridos e amigos, fomos então obrigados a sair correndo
        independendo da nossa situação”.  
        
         “Levei
        muitas cacetadas e chutes na perna esquerda” (André
        Cristo, 25 anos; o relato foi também enviado àOuvidoria da Polícia Militar de São Paulo)
 A
        maioria dos manifestantes era de jovens estudantes. Alguns eram punks, a
        maioria não. Diversos grupos marcaram presença, um deles se encarregou
        de uma alegre batucada que quase não parou de tocar. Depois de mais de
        uma hora de concentração (iniciada ao meio dia em frente à Fundação
        Cásper Líbero), começamos a andar em direção ao prédio do Banco
        Central, nosso objetivo final. Já havíamos conversado com os policiais
        e mostrado o aviso da manifestação protocolado na prefeitura. O
        primeiro incidente ocorreu em frente ao prédio da Fiesp, com um
        manifestante atingido na cabeça, por trás. Desse momento em diante o
        clima ficou tenso. Na volta para o outro lado da rua, eu fiquei para trás,
        na tentativa de não me envolver com a confusão. Quando me aproximava
        do Masp, fui surpreendido por uma fileira de policiais, que se
        aproximava por trás. De repente eles começaram a correr e o pânico
        tomou conta de todos. Bombas foram lançadas, a polícia começou a
        bater em muitos manifestantes. Uma manifestante foi encurralada no vão
        do edifício do museu por quatro policiais e foi agredida no rosto com
        cacetadas. Seguiram-se muitas prisões. Dávamos
        a volta ao quarteirão e éramos constrangidos, assustados, agredidos. 
        Quando, enfim, pude voltar à Paulista segui o som da batucada e
        encontrei ainda muitos manifestantes na entrada do Banco Central. 
        Parecia que as coisas tinham acalmado. Um policial de patente
        mais alta negociava com os manifestantes um pouco distante de onde eu me
        encontrava. Resolvi ficar na entrada do Banco Central achando que
        estaria mais seguro. Os manifestantes resolveram sentar na entrada do
        Banco e permanecer lá. Soube,
        posteriormente, que o policial que negociava com os manifestantes foi
        atingido por uma pedra na cabeça. Não concordo de maneira alguma com
        esse tipo de ação por parte dos manifestantes. Mas eu nem pude
        entender, no momento, o que se passava. Houve uma correria, muitos
        manifestantes vieram para a porta do Banco. Eu permanecia sentado e não
        via o que se passava na rua. De
        repente uma fileira de policiais subiu as escadas do Banco Central
        encurralando-nos entre as portas e dois espelhos d’água laterais.
        Ficamos espremidos e, à medida que os policias desfechavam golpes com
        seus cacetetes e davam chutes nos manifestantes mais à frente, ficávamos
        mais espremidos. Uma amiga começou a sentir o braço ser esmagado, eu não
        conseguia mover os pés. Enquanto isso os policiais prosseguiam na
        tortura, agora apontando lançadores de balas de borracha diretamente
        para os nossos rostos. Puxavam os manifestantes mais a frente pelos braços
        enquanto batiam com os porretes. Passado
        o momento de terror, abriu-se um corredor entre os policiais e um dos
        espelhos d’água. Assim que consegui me erguer, ajudei a minha amiga a
        se levantar e, atendendo às ordens dos policiais, que gritavam:
        “saindo, saindo, todo mundo prá fora!”, caminhei para a única saída
        possível. Foi então que eu fui duramente agredido. Tentava proteger
        uma amiga machucada, carregava com uma das mãos duas mochilas, estava
        com medo e tentava me afastar da confusão. Levei muitas cacetadas
        fortes, muitos chutes na perna esquerda. Fiquei com a palma da mão
        direita roxa, o braço direito escoriado. Ao menos três vergalhões nas
        costas, um bem embaixo próximo a base da coluna vertebral. A minha
        amiga foi operada e hoje carrega dentro do cotovelo um pino de dez centímetros.  
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