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        Massacre do Carandiru
        
         Pesquisa:
        Sandra Carvalho e Evanize Sydow* Fonte de pesquisa:
        “Massacre do Carandiru, Chega de Impunidade”, elaborado pela Comissão
        Organizadora de Acompanhamento para os Julgamentos do Caso do Carandiru “Se minha intenção
        fosse matar, teriam morrido muito mais de 111.” As palavras são do
        coronel Ubiratan Guimarães, que comandou o massacre da Polícia Militar
        no Presídio do Carandiru, em São Paulo, em outubro de 1992. Ubiratan
        foi considerado culpado pela morte de 102 pessoas e por tentativa de
        homicídio contra outras cinco. A pena: 632 anos de prisão em regime
        fechado. O coronel foi condenado a seis anos de prisão por cada morte.
        Foram 4 votos a favor da condenação e 3 contra. Durante o julgamento,
        que começou no dia 20 de junho de 2001, o coronel disse que o objetivo
        era acabar com a rebelião. Depois de ser questionado duas vezes, ele
        confirmou ter permitido a entrada de metralhadoras no Pavilhão 9 da
        Casa de Detenção pelas mãos dos policiais militares. Ressaltou, no
        entanto, que as metralhadoras fazem parte do armamento da tropa. Laudos de 23 médicos
        legistas que examinaram os corpos das vítimas mostram o disparo de 515
        projéteis (Folha de S.Paulo,
        21/6/2001). Em depoimento durante o
        julgamento, o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho disse que Ubiratan
        agiu corretamente. “O coronel Ubiratan Guimarães recebeu uma ordem
        legítima e agiu corretamente. Se tivesse no meu gabinete na época,
        teria autorizado e autorizaria hoje, mesmo sabendo das conseqüências.”
        (O Estado de S.Paulo,
        22/6/2001) Ubiratan Guimarães pôde
        recorrer da sentença em liberdade, já que é réu primário,
        compareceu a todas as etapas do processo e tem endereço fixo. Seu
        advogado, Vicente Cascione, entrou com recurso na madrugada de 30 de
        junho deste ano. Esta foi a maior condenação da história da Justiça
        brasileira. Mesmo se confirmada a sentença, o coronel só cumprirá 30
        anos de prisão, pena máxima no Brasil. O Tribunal de Justiça não
        decidiu se irão a júri os outros 105 policiais acusados no massacre do
        Carandiru.  
        
         A maior chacina da história
        das penitenciárias brasileiras  
        
         Na manhã do dia 2 de
        outubro de 1992 os presidiários da Casa de Detenção do Carandiru
        jogavam futebol. Durante o jogo entre o time da turma da alimentação e
        o time dos encarregados da faxina, ocorreu um desentendimento entre dois
        detentos causado pela disputa de espaço no varal do segundo pavimento
        do pavilhão 9. “Barba” pendurava sua roupa no varal quando foi
        provocado verbalmente por “Coelho”. “Barba” acertou um soco em
        “Coelho”. Este, por sua vez, utilizou um pau que escorava a corda do
        varal, atingindo “Barba” na cabeça, que foi socorrido por agentes
        penitenciários, sendo levado para a enfermaria. “Coelho” foi
        agredido por agentes penitenciários e levado embora. O portão que dá
        acesso ao segundo pavimento foi trancado pelos guardas. Os presos
        reagiram, que braram a fechadura e iniciaram o tumulto. Um amigo de
        “Barba” considerou a agressão covarde e desafiou um comparsa de
        “Coelho” para brigar. Um agente penitenciário tenta apartar, mas é
        ameaçado por outros detentos, que querem que a briga continue. O
        tumulto cresce. O sentinela PM Leal vê o agente penitenciário no meio
        do grupo e, mirando o fuzil, ordena que soltem o carcereiro. Um outro
        agente penitenciário grita para que o alarme seja acionado. O alarme
        soa. Pelo telefone da guarita, o PM Leal comunica o Batalhão da Guarda
        e alerta que há rebelião no Pavilhão 9. Às 13h50, carcereiros
        tentam, sem sucesso, conter as brigas entre os presidiários. Não há
        possibilidade de fugas dos detentos, não há reféns e tão pouco
        reivindicações por parte dos presos. Às 14h, os carcereiros haviam
        abandonado o local. O pavilhão 9 estava controlado pelos presos para o
        acerto de contas entre eles. Na gíria carcerária, “a casa virou”.  
        O Coronel Ubiratan Guimarães,
        Comandante do Policiamento Metropolitano tomou conhecimento dos
        acontecimentos na Casa de Detenção por meio do rádio do Comando de
        Policiamento (Copom), que havia sido avisado pelo Ismael Pedrosa,
        Diretor da Casa de Detenção. Dirigiu-se ao local e foi informado sobre
        a situação. Ubiratan Guimarães pede auxilio ao Comando do
        Policiamento de Choque de São Paulo, Tenente Coronel PM Luiz Nakaharada,
        que envia reforço. O coronel Ubiratan se reúne também com os juizes
        Ivo de Almeida e Fernando Antônio Torres Garcia para avaliar a situação.
        Ubiratan conversa por telefone com o então Secretário de Segurança Pública,
        Pedro Franco Campos, que entra em contato com o Governador do Estado de
        São Paulo, Luis Antônio Fleury Filho. Às 14h51, avalia-se que a situação
        é grave e é oficializada a passagem do comando da decisão para a Polícia
        Militar. Autoridades superiores a Ubiratan avaliam a necessidade de uma
        invasão à Casa de Detenção. Às 15h30, a tropa de choque, sob o
        comando do coronel Ubiratan, estaciona do lado de fora da muralha. De acordo com a denúncia
        oferecida pelo Ministério Público, apesar do grande tumulto e de
        sinais de fogo, não havia perigo de fuga. Com a chegada da Polícia
        Militar, os presos começaram a jogar estiletes e facas para fora,
        demonstrando que não resistiriam à invasão. Alguns colocaram faixas
        nas janelas, indicando um pedido de trégua. As autoridades reunidas
        decidem que, antes da invasão do pavilhão 9, o diretor da Casa de
        Detenção, com um megafone, iria tentar uma última negociação.
        Entretanto, soldados do Grupo de Ações Táticas Especiais quebram o
        cadeado e correntes do portão do pavilhão 9, enquanto o coronel
        Ubiratan se reúne com os comandantes dos 1º, 2º e 3º Batalhões de
        Choque da Polícia Militar. Não houve negociação alguma. As tropas da
        Polícia Militar afastaram Ismael Pedrosa do caminho e, às 16h30,
        invadiram o pavilhão 9 sob o comando e instrução de Ubiratan Guimarães,
        ação que seguiu até as 18h30. Trezentos e vinte cinco policiais
        militares ingressaram no pavilhão 9 sem as respectivas insígnias e
        crachás de identificação. Depois da tomada do térreo,
        sem resistência ou reação com armas de fogo por parte dos presos,
        segundo o depoimento dos próprios policiais envolvidos na ação,
        exceto o depoimento do coronel Ubiratan, os policiais partiram para os
        andares superiores. Não foi permitida a presença de autoridades civis
        durante a invasão. A maioria dos presos refugiou-se nas suas celas,
        onde muitos deles foram mortos.  
        Os PMs dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e
        pistolas automáticas, visando principalmente a cabeça e o tórax. Na
        operação também foram usados cachorros para atacar os detentos
        feridos. Ao final do confronto foram encontrados 111 detentos mortos:
        103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo) e 8 mortos devido a
        ferimentos promovidos por objetos cortantes. Não houve policiais
        mortos. A ação resultou, ainda, em 153 feridos, sendo 130 detentos e
        23 policiais militares.  
        
         Maioria das vítimas não
        tinha sido condenada Oitenta por cento das vítimas
        do Carandiru ainda esperavam por uma sentença definitiva da Justiça,
        ou seja, não tinham sido condenados. Só nove presos haviam recebido
        penas acima de 20 anos. Quase a metade dos mortos – 51 presos –
        tinha menos de 25 anos e 35 presos tinham entre 29 e 30 anos. Em 2 de
        outubro de 1992, 66% dos detentos recolhidos na Casa de Detenção eram
        condenados por assalto. Os casos de homicídios representavam 8%.  
        
         A cena do crime Imediatamente após o
        massacre, os policiais militares modificaram a cena do crime, destruindo
        provas valiosas que teriam possibilitado a atribuição de
        responsabilidade pelas mortes a indivíduos específicos. O acesso de
        civis aos andares superiores do Pavilhão 9 ficou impedido, enquanto a
        PM dava ordens aos detentos para que removessem os corpos dos corredores
        e celas a fim de empilhá-los no 1° andar. As atividades da perícia
        foram dificultadas pela quantidade de cadáveres e pela faxina feita no
        presídio pelos policiais militares e a remoção ilegal dos corpos
        ordenada pelos oficiais. A perícia policial
        chegou ao local às 21h30 do dia 2 de outubro e procedeu ao exame técnico
        do térreo e do 1° andar, tendo observado indícios de fogo e uma
        barricada no andar térreo. No 1° andar, encontrou de 80 a 85 corpos
        empilhados no corredor. Os corpos não foram fotografados
        individualmente. A perícia só voltou ao local do crime uma semana
        depois. A perícia concluiu que
        só 26 detentos foram mortos fora de suas celas. Os presos mortos foram
        atingidos na parte superior do corpo, em regiões letais como cabeça e
        coração. Os exames de balística informam que os alvos sugerem a intenção
        premeditada de matar. Um detento tinha 15 perfurações de disparos de
        arma de fogo no corpo. No total entre os 103 mortos, a cabeça foi alvo
        de 126 balas, o pescoço alvo de 31, e as nádegas levaram 17 balas. Os
        troncos tiveram 223 tiros. Os laudos periciais concluíram que vários
        detentos mortos estavam ajoelhados, ou mesmo deitados, quando foram
        atingidos. Diante de tamanha violência, muitos detentos se jogaram
        sobre os corpos que estavam no chão, fingindo-se de mortos para
        conseguir sobreviver. A Polícia Militar
        afirmou que os detentos tinham armas e apresentou dezenas de armas
        brancas e 13 armas de fogo. O informe balístico informou que “todas
        as armas apresentam em suas superfícies sinais de oxidação
        normalmente encontrados em condições de armazenagem em ambientes
        inadequados”. Essas informações levam a acreditar que as armas foram
        “plantadas”. A tese de que houve confronto armado entre policias
        militares e detentos não é sustentada pelas provas dos autos do
        processo. A legítima defesa alegada pela cúpula da Polícia Militar não
        tem fundamento nos fatos. O laudo do Instituto de Criminalística
        concluiu: “Em todas as celas examinadas, as trajetórias dos projéteis
        disparados indicavam atirador(es) posicionado(s) na soleira das celas,
        apontando sua arma para os fundos ou laterais (...) Não se observou
        quaisquer vestígios que pudessem denotar disparos de armas de fogo
        realizados de dentro para fora das celas, indicando confronto entre as vítimas-alvo
        e os atiradores postados na parte anterior da cela”. O relatório de
        criminalística termina com a afirmação de que não fora possível
        elaborar conclusões mais profundas porque “(...) o local dava nítidas
        demonstrações de que fora violado, tornando-o inidôneo para a perícia”. Os quatro policiais
        envolvidos no assassinato de Daniel Silva Catarino, de 15 anos, e Vando
        Almeida Araújo, de 20, e que atiraram em Anderson de Araújo Silva, de
        16, em São Bernardo do Campo, foram absolvidos por 6 votos a 1. O
        promotor Nelson Pereira Júnior interpôs recurso contra a decisão e
        aguarda o parecer da Justiça.  
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