6.
Em
defesa dos direitos indígenas: a luta pelo reconhecimento das terras e
práticas tradicionais
A
Constituição Brasileira de 1988 exige que as autoridades federais
proporcionem títulos definitivos de terra para as comunidades indígenas
sobre as áreas tradicionalmente ocupadas por estas. Ainda assim, de
acordo com o Conselho Missionário Indigenista
(CIMI), até meados do ano 2001, havia ainda 175 áreas à espera
de identificação oficial, 130 áreas com procedimentos de identificação
pendentes, 39 áreas à espera de reconhecimento e 98 áreas à espera
de registro. De um total de 756 áreas indígenas, a transferência do título
ainda não havia sido completada em 442 delas, quase oito anos após o
prazo final determinado pela constituição.
Outro
sério problema para as comunidades indígenas é a invasão das terras.
Defensores dos direitos indígenas estimam que 85% das terras indígenas
(inclusive as terras já demarcadas) sofrem algum tipo de invasão.
Estas invasões vão desde ocupação ilegal para habitação e
contendas sobre o título da terra até a utilização das terras indígenas
por projetos governamentais (projetos de colonização, obras em
estradas, construção de represas, linhas de transmissão, vias
fluviais, vias férreas, tubulações de gás e petróleo, linhas de
transporte de minério, projetos de preservação ambiental, etc.). As
invasões também incluem a exploração de recursos naturais (extração
de madeira, pesca, caça, etc.).
Aqueles
que defendem os direitos dos povos indígenas, e em particular, o
direito de terem suas terras demarcadas em acordo com a legislação da
constituição federal, encontram muitas vezes uma resistência violenta
por parte de grandes detentores de terras e outros com interesses nas
terras tradicionais indígenas ou em recursos provenientes destas.
Conforme detalhado neste capítulo, não é incomum que
defensores dos direitos indígenas recebam ameaças de morte ou agressão
física, inclusive tentativas de assassinato. Estas ameaças não se
limitam a membros da sociedade civil. Até mesmo deputados e funcionários
da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que fazem cumprir a legislação
brasileira sobre direitos indígenas, que contrarie fortes interesses
locais na zona rural do Brasil, estão sujeitos a violência ou ameaças
de violência. Como exemplo, Geraldo Rolim da Mota Filho, advogado da
FUNAI e presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) em Pernambuco,
foi assassinado em 14 de maio de 1995, na cidade de São Sebastião de
Umbuzeiro. Antes de morrer, Rolim identificou o dono de terra local
Teopompo de Siqueira Brito Sobrinho e quatro cúmplices como os autores
do crime.
Rolim, de 32 anos, trabalhava para ajudar a demarcar as fronteiras da
Reserva Indígena de Xucuru. Por
causa de seu trabalho havia recebido ameaças de donos de terra na região.
Ameaças
de morte contra Agnaldo Francisco dos Santos, vereador em Pau Brasil,
Bahia
Em
fevereiro de 2001, Agnaldo Francisco dos Santos, vereador pelo Partido
dos Trabalhadores (PT) em Pau Brasil, sul do Estado da Bahia, começou a
receber ameaças de morte do prefeito da cidade, José Augusto dos
Santos Filho. Por quase vinte anos a proposta de demarcação das terras
indígenas tem sido um assunto polêmico em Pau Brasil.
O vereador, membro da comunidade indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe,
apóia a demarcação, em oposição ao prefeito, que apóia os títulos
de posse da terra existentes, muitos destes pertencentes a familiares do
prefeito. A posse de terras indígenas é uma questão para a jurisdição
federal e não municipal, mas mesmo assim as discussões locais sobre a
demarcação têm alimentado a violência contra os povos indígenas. A
ação movida para anular os títulos de terra existentes tem sido
retardada há 19 anos, e ainda espera por uma decisão final do Supremo
Tribunal Federal. Neste período,
cerca de treze líderes indígenas foram assassinados na região, de
acordo com o CIMI.
Em 2001, o prefeito José Augusto dos Santos Filho ameaçou tornar o
vereador Agnaldo Francisco dos Santos a décima-quarta vítima.
Segundo
o vereador, o estopim para as ameaças de morte foi uma disputa sobre a
demissão de 178 funcionários públicos, indígenas ou não, por parte
do prefeito, em 5 de janeiro de 2001. O prefeito alegou haver
irregularidades na documentação do Tribunal de Contas do Município (TCM)
que datavam de 1997, o ano em que os funcionários haviam sido
contratados. O vereador Agnaldo denunciou publicamente a ação do
prefeito, declarando que os funcionários haviam sido demitidos
erroneamente, já que a Câmara de Vereadores havia aprovado os termos
das contratações em todos os três anos anteriores. O vereador moveu
uma ação contra a administração do prefeito, em nome dos funcionários
demitidos. Em 23 de fevereiro de 2001, um juiz do Estado da Bahia
decidiu em favor dos funcionários, obrigando o prefeito a reincorporá-los
e a compensá-los pelos salários perdidos.
As
ameaças de morte começaram cerca de duas semanas antes da decisão do
juiz. Em 9 de fevereiro de 2001, policiais visitaram a casa de um colega
do vereador Agnaldo dos Santos, o líder indígena Gérson Melo. A polícia
disse a Melo que “aconselhasse”
o vereador a abandonar a ação contra o prefeito, e que a vida do
vereador estava em risco. Os policiais avisaram que poderiam “intimá-lo”.
Segundo Melo, “na linguagem da
nossa região, isso significa matar”.
Temendo por sua segurança, em 19 de fevereiro de 2001 o vereador dos
Santos fez com que um grupo de 80 índios Pataxó Hã-Hã-Hãe o
acompanhassem ao tribunal. No mesmo dia, ele recebeu uma nova ameaça da
polícia.
Após
a ação, o vereador dos Santos continuou a criticar de viva voz a posição
do prefeito sobre a posse das terras indígenas, assim como práticas
pouco éticas de sua administração, como o nepotismo.
As ameaças também continuaram. Em 11 de junho de 2001, o
partido de Santos, o PT, publicou um relatório sobre os abusos éticos
do prefeito. No mesmo dia o irmão do prefeito, o vereador Wilson
Augusto, que havia ameaçado matar o presidente do PT de Pau Brasil três
dias antes, xingou o vereador Santos e jogou um microfone contra ele,
atingindo-o. O vereador informou o deputado estadual Zilton Rocha que
Pau Brasil havia se tornado “um
barril de pólvora” e que as ruas estavam cheias de pessoas
armadas.
Em
resposta à carta do vereador, o deputado Zilton Rocha contatou a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara Federal dos Deputados, que requisitou que
as autoridades federais e estaduais tomassem medidas para proteger a
vida do vereador dos Santos.
Até agora, as autoridades fracassaram em tomar medidas adequadas para
prevenir os abusos ou investigar os responsáveis pelas ameaças. A
questão da demarcação da terra para uso indígena, a principal fonte
de atrito entre as duas partes, continua não resolvida.
Em
14 de fevereiro de 20002, o Centro de Justiça Global enviou Ofícioas
Correspondências
Oficiais JG/RJ no 049/02 a Fernando
Steger Tourinho de Sá, Diretor
da Promotoria Pública procurador-geral
do Estado da Bahia, e Ofício
JG/RJ no 050/02 a Kátia Maria Alves dos Santos,
Secretária de Segurança Pública do Estado da Bahia, solicitando as
informações mais recentes sobre o desenrolar das investigações.
Até
o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global
não havia recebido resposta.
Ameaça
de expulsão de Winfridus Overbeek, engenheiro ambiental e ativista de
direitos indígenas, Aracruz, Espírito Santo
Em
1998, o engenheiro ambiental Winfridus Overbeek, cidadão holandês de
32 anos, trabalhava já há três anos com as tribos Tupinikin e Guarani
no Estado do Espírito Santo como consultor em programas de produção
sustentável.
Em
18 de março de 1998, às 5:30 da manhã, em frente ao escritório do
Conselho Indigianista Missionário (CIMI), na cidade de Aracruz, dois
homens e uma mulher não identificados detiveram Overbeek e o levaram em
um veículo para Vitória. No caminho eles informaram a Overbeek que
eram agentes da polícia federal. Em Vitória, os agentes o interrogaram
por sete horas.
De acordo com Overbeek: “durante
o interrogatório, ninguém me explicou do que eu estava
sendo acusado”.
Após
a interrogação, os agentes acusaram Overbeek de incitar conflitos
entre membros das tribos e autoridades locais sobre ocupação de terra.
Com base nesta acusação, a polícia alterou os termos do visto
brasileiro de Overbeek, reduzindo sua duração de dois anos para oito
dias. Os agentes informaram a Overbeek que seria deportado, caso
desrespeitasse a duração do visto.
O
interrogatório e a ameaça de deportação de Overbeek ocorreram em
meio a vários atos de intimidação contra as tribos Tupinikin e
Guarani e seus defensores. Os conflitos começaram em 11 de março de
1998, quando as tribos começaram a demarcar o que consideravam ser sua
terra tradicional. Grande parte desta terra era então ocupada pela
firma multinacional Aracruz Celulose, que questionava a alegação das
tribos de direito às terras. De acordo com o CIMI, Aracruz Celulose
também utilizou intimidação
e ameaças, com o apoio do presidente local da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI), para paralisar a resistência das tribos à presença da
empresa.
Em
26 de março de 1998, a juíza federal Maria Cláudia de Garcia, do
Terceiro Tribunal Federal no Espírito Santo, anulou a ordem de deportação
da polícia federal em resposta a uma requisição dos advogados de
Overbeek.
Em
19 de fevereiro de 2002, Centro
de Justiça Global enviou a
Correspondência
Oficial Ofício
JG/RJ no 078/02 a Fernando Queiroz Segovia
Oliveira, delegado da polícia federal no Espírito Santo, solicitando
as informações mais recentes sobre o desenrolar do caso.
Até
o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global
não havia recebido resposta.
Ameaças
de morte contra Gilney Viana, Deputado Estadual, e presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa do Mato
Grosso, Cuiabá, Mato Grosso
Gilney
Viana, deputado estadual e presidente da Comissão de Direitos Humanos e
Cidadania da Assembléia Legislativa do Mato Grosso, começou a receber
ameaças de morte por telefone em setembro de 2001.
Há
anos Viana tem defendido abertamente a demarcação das terras indígenas.
Particularmente, ele promoveu estudos para a possível demarcação, no
futuro, de terras para uma reserva no Corredor
dos Xavantes, que inclui os municípios de Água Boa, Nova Xavantina,
Campinópolis e Nova Nazaré.
No
início de setembro de 2001, telefonemas anônimos começaram a chegar
à casa de Viana de forma incessante. A cada vez, perguntavam se
realmente era a casa de Viana para então desligarem, sem dizerem mais
nada. Na segunda-feira, dia 8 de setembro de 2001, foi dado um
telefonema anônimo a um conhecido de Viana, em que pediam ao conhecido
que aconselhasse Viana a “deixar
de lado os assuntos referentes às terras indígenas, caso contrário,
poderia se dar mal”.
Segundo
uma carta enviada pelo amigo de Viana à Secretaria de Segurança Pública
do Estado de Mato Grosso, “as
pessoas envolvidas não se identificaram, mas as palavras foram
suficientemente claras para me sentir ameaçado”.
Viana
acusou três grupos de donos de terras, a Federação da Agricultura do
Estado do Mato Grosso (FAMATO), a Confederação Nacional da Agricultura
(CNA) e o Instituto de Terras do Mato Grosso (Intermat) de alarmismo
frente aos estudos. Ele relacionou as ameaças ao incitamento, por parte
de FAMATO e Intermat, dos
donos de terra locais rumo a uma resistência militante contra os grupos
indígenas e os órgãos oficiais de defesa destes grupos.
Em
resposta às ameaças, Viana pediu proteção ao Secretário de Segurança
Pública do Estado do Mato Grosso, Benedito Corbelino.
Porém, até 10 de outubro de
2001, a proteção de Viana não havia sido autorizada. Naquele
dia, Viana apresentou uma denúncia junto ao Ministério Público
Federal sobre as ameaças de morte. Ele enviou as mesmas denúncias ao
presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal de
Deputados, Nelson Pellegrino.
Em
10 de outubro, por pedido de Viana, a Assembléia Legislativa Estadual
do Mato Grosso criou uma Comissão Parlamentar Especial para
supervisionar o processo de demarcação. No dia seguinte, a Comissão
enviou uma carta oficial ao Ministro da Justiça, José Gregori,
solicitando medidas para a proteção física de Viana.
Em
6 de março de 2002, o Centro de Justiça Global enviou o a
Ofício
Correspondência
Oficial JG/RJ no 096/02 ao Secretário
Corbelino, solicitando as informações mais recentes sobre o desenrolar
do caso.
Até
o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global
não havia recebido resposta.
Ameaças
contra Laudovina Aparecida Pereira e Elma Andrade Souza, defensoras dos
direitos indígenas, em Palmas, Tocantins
Laudovina
Aparecida Pereira, coordenadora regional do Conselho Indigianista
Missionário (CIMI) do Estado do Tocantins, e Elma Andrade Souza, do
mesmo escritório regional do CIMI, receberam diversas ameaças de morte
a partir de 11 de novembro de 1998. Em 31 de outubro de 1998, Laudovina
havia organizado um seminário sobre os impactos sócio-ambientais da
represa hidrelétrica de Lajeado, que estava em construção na época.
O seminário trouxe à atenção do público alguns dos aspectos
potencialmente negativos da represa, construída a menos de 50 km de
Palmas, capital do Estado de Tocantins.
Após
o seminário, o escritório do CIMI em Tocantins começou a receber
telefonemas anônimos com ameaças de morte contra Laudovina e Elma. Em
alguns dos telefonemas solicitavam informações sobre dois dos
palestrantes do seminário: Saulo Feitosa, secretário executivo do CIMI
e Sadi Baron, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB).
Os
telefonemas se intensificaram nos dias seguintes ao seminário. A pedido
de Laudovina, a empresa telefônica local instalou um BINA, aparelho de
identificação para registrar as ligações feitas para o escritório.
A maioria das ligações vinha de telefones públicos. As chamadas
provinham de diversos números de telefone, mas muitas tinham origem na
imobiliária Miranom.
Algumas vezes era só silêncio do outro lado da linha, outras vezes,
como no dia 19 de novembro, quem chamava anunciava: “ela vai
morrer.”
Laudovina
Pereira foi à polícia registrar as ameaças de morte. O delegado
inicialmente se recusou a registrar a ocorrência, insistindo que não
era de importância, provavelmente trotes de adolescentes. Segundo
Laudovina, “o delegado estava… com muita falta de educação, nos
colocou fora da sala. Depois
ele ficou sabendo que nós éramos do CIMI, só então nos recebeu com
mais educação… dizia
que: nós não precisávamos
ensiná-los a trabalhar, não precisava mandar neles, porque eles não
trabalhavam sobre pressão.”
Em
20 de novembro de 1998, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados enviou Ofício
correspondência
oficial ao então Secretário Nacional
de Direitos Humanos, José Gregori, solicitando medidas para
garantir a integridade física, moral e psicológica das vítimas das
ameaças.
No
mesmo dia, a Comissão enviou também um ofício ao Procurador Regional
dos Direitos do Cidadão, Mário Lúcio de Avelar, solicitando medidas
preventivas para proteger as vidas dos ativistas que defendem os
direitos indígenas no Estado do Tocantins. Em resposta, Avelar
enviou correspondência
oficialum
Ofício ao promotor de
justiça,
Edson Azambuja,
do
escritório da Promotoria Pública Federal, argumentando
que o caso era da jurisdição da
Justiça do o
Departamento Estadual de Justiça Estado
e solicitando uma investigação criminal.
Em
15 de fevereiro de 2002, o Centro de Justiça Global enviou
a o Ofício
Correspondência
Oficial JG/RJ no 037/02 à Dra.
Jacqueline Adorno de la Cruz Barbosa, promotora
pública procuradora-geral
do Estado de Tocantins, e Ofício
a
Correspondência Oficial JG/RJ no
038/02 ao Dr. Napoleão de Souza Luz Sobrinho, Secretário de Segurança
Pública do Estado do Tocantins, solicitando as informações mais
recentes sobre o desenrolar do caso.
Até
o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global
não havia recebido resposta.
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