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5. A Defesa do Meio Ambiente: Conflitos, Interesses Poderosos e Violência

No dia 22 de dezembro de 1988, o seringueiro, líder sindical e ambientalista, Francisco Alves Mendes, conhecido como Chico Mendes, sofreu uma emboscada e foi assassinado em sua cidade natal de Xapuri, no Acre. Como presidente do sindicato dos seringueiros de Xapuri, Chico Mendes liderava uma cruzada pela preservação dos meios de sobrevivência dos seringueiros— a floresta Amazônica. A luta de Chico Mendes pela preservação do meio ambiente o colocou em conflito com os poderosos proprietários de terra cujos jagunços já haviam tentado sem sucesso mata-lo dois anos antes de seu assassinato em 1988.

O assassinato de Chico Mendes, nessa época, um ambientalista internacionalmente conhecido, colocou as questões da defesa do direito ambiental no Brasil no centro da agenda internacional. A Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92) salientou ainda mais a importância da defesa do meio ambiente no Brasil em nível global. Apesar da globalização de sua causa, ativistas e defensores do meio ambiente no Brasil continuam a trabalhar em circunstancias árduas com pouco apoio governamental.

Dez anos após a ECO-92, o movimento brasileiro de defesa do meio ambiente consiste em cerca de 800 organizações dedicadas principalmente a defesa da Floresta Amazônica e as Florestas tropicais  e subtropicais do litoral brasileiro (Mata Atlântica).

Dado que as demandas daqueles que protegem o meio ambiente normalmente são conflitivas com os interesses de grandes proprietários de terras, não deveria causar surpresa o fato de que esses ativistas normalmente se deparam com situações  de intimidação, ameaças, violência física e, em alguns casos, a morte. Os riscos aos quais ativistas do meio ambiente estão sujeitos, semelhantemente ao caso de outros ativistas das zonas rurais, são mais intensos na região Amazônica.

No Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, IBAMA é o encarregado de fiscalizar a proteção do meio ambiente no território brasileiro. No entanto, além de problemas como falta de recursos e corrupção, os fiscais do IBAMA enfrentam ameaças e vários já foram assassinados em decorrência de seu trabalho.

Por exemplo, o superintendente do escritório do IBAMA no Pará, Paulo Castelo Branco, declarou em dezembro de 1999 que estava sofrendo pressões e ameaças devido a implementação de um projeto de administração florestal. Em decorrência das ameaças, ele foi forçado a deixar a cidade de Belém. Como forma de garantir maior segurança para os agentes do IBAMA, Castelo Branco criou uma Ouvidoria para receber denúncias de ameaças ou agressões a integridade física de seus funcionários. Apesar disso, com apenas setenta e dois agentes para fiscalizar mais de 140 municípios, o IBAMA costuma ter dificuldades em garantir a aplicação das leis e o combate a corrupção entre seus próprios agentes, fato que Castelo Branco admitiu ser muito comum. [1]

Embora a maior parte dos casos de violência associada ao ativismo ambiental se dê na região Amazônica e outras regiões isoladas, a defesa do meio ambiente em áreas urbanas também é uma tarefa perigosa. Freqüentemente, aqueles que buscam garantir a integridade do meio ambiente se deparam com conflitos com grupos imobiliários e outros interessados na construção urbana. O caso de Rogério Rocco, detalhado abaixo, oferece um bom exemplo de como a defesa do meio ambiente pode provocar uma reação violenta por parte dos  "urbanistas".

A proteção das áreas litorâneas é um outro contexto no qual a defesa do meio ambiente pode resultar em conflitos violentos. Quando essas áreas estão localizadas próximo a grandes centros urbanos (tais como as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo), o custo da implantação de leis ambientais é bastante alto, tanto em termos financeiros quanto em termos pessoais. Um exemplo claro desse tipo de conflito é o caso de Mário Moscatelli, líder ambientalista no Brasil. Embora as ameaças sofridas por Moscatelli estejam fora do tempo estudado neste relatório (1997-2001), sintetizaremos aqui o caso Moscatelli como ilustrativo do conflito na região litorânea do Brasil.

De 1989 a 1991, o biólogo Mário Moscatelli trabalhou no município de Angra dos Reis, como chefe do Departamento de Controle Ambiental. Seu trabalho era de aplicar a legislação ambiental, especialmente, restringindo as construções e loteamentos dos manguezais e áreas litorâneas. Nesse trabalho, Moscatelli se deparou diversas vezes ‘impedindo e embargando” a construção de casas e apartamentos em áreas muito valorizadas.[2] 

Em outubro de 1989, Mário Moscatelli recebeu a primeira de quatro séries de ameaças telefônicas. As outras três séries foram feitas em janeiro de 1990, maio de 1990 e junho de 19991, todas feitas para a residência de seus pais no Rio de Janeiro. Além disso, Moscatelli recebeu um recado por escrito alertando eu um pistoleiro teria sido contratado para mata-lo. Segundo Moscatelli, as ameaças provavelmente partiam de grupos de especuladores imobiliários poderosos e políticos a eles associados. Imóveis em regiões litorâneas são um negócio lucrativo e novos desenvolvimentos em áreas virgens, com a inevitável destruição de manguezais e ecossistemas litorâneos, geralmente oferecem os maiores lucros. Ao impedir essa especulação imobiliária, Moscatelli se viu em "uma zona de risco". [3]

Todas essas ameaças foram denunciadas a Polícia Federal assim como ao Governador do Estado e ao Ministro do Meio Ambiente, entre outras autoridades. A pressão da mídia e a assistência de alguns policiais dedicados permitiu que Moscatelli permanecesse em Angra dos Reis por quase dois anos e em 1991 ele foi forçado a abandonar seu cargo e se mudar para o Rio de Janeiro. Ao deixar Angra dos Rei, as ameaças cessaram.[4] A construção em áreas, teoricamente protegidas pela legislação brasileira, tem continuado.

 

Paulo Adário, Ambientalista do Greenpeace, Manaus, Amazonas[5]

Paulo Adário é Coordenador Internacional do Greenpeace na Amazônia. A Campanha do Greenpeace tem enfocado primordialmente o contrabando de madeira, prática que não apenas causa o desflorestamento como também geralmente facilita a degradação de florestas anteriormente virgens. O Greenpeace estima que 80% da madeira dos estados do Amazonas e do Pará seja extraída ilegalmente.[6]

Segundo Paulo Adário, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, IBAMA, órgão federal de fiscalização do meio ambiente, não possui os recursos adequados e a organização para fiscalizar e prevenir a extração e venda ilegal da madeira. Além disso, fiscais do IBAMA responsáveis pela fiscalização dos estoques de madeira geralmente cederiam as ameaças e propinas, fornecendo licenças de extração para quantidades bem superiores as que as madeireiras possuem e conseqüentemente permitindo a venda de madeiras adquiridas ilegalmente de fontes não autorizadas. Para combater tais práticas, o Greenpeace tem desenvolvido uma rede de fiscalização na região Amazônica que inclui a coleta de informações dentro das comunidades rurais, reconhecimento aéreo e fotografias do satélite LANSAT.

No estado do Amazonas, o Greenpeace obteve êxito ao pressionar as madeireiras a adotar práticas legais sustentáveis. Um relatório do Greenpeace lançado em agosto de 1999 gerou uma investigação da Procuradoria-Geral da República em Manaus sobre as práticas ilegais que continua até os dias de hoje. A coleta de informações do Greenpeace também tem ajudado o IBAMA a confiscar envios ilegais de madeira e multar contraventores. Desde 1999, a produção de madeira do Amazonas caiu em mais de 60%.

No estado do Pará, o Greenpeace descobriu que o mogno em uma das mais extensas reservas do país, dentro da Reserva Indígina Kayapó, estava sendo ilegalmente derrubada e vendida. [7] Os índios Kayapó eram cúmplices  na venda, embora eles recebessem apenas uma pequena fração do valor de Mercado do Mogno. Em setembro de 2001, o Greenpeace encaminhou uma denúncia à Procuradoria-Geral da República no Pará solicitando uma investigação. Em outubro e novembro de 2001, o Greenpeace acompanhou a Polícia Militar e o IBAMA em uma operação massiva que resultou na maior apreensão de Mogno ilegal da história do Brasil. Madeira com valor de mais de US$13 milhões e equipamentos no valor de US$7 milhões foram confiscados.

 

No dia 2 de outubro, um funcionário do escritório do Greenpeace em Manaus recebeu uma ligação telefônica que fazia uma ameaça de morte direcionada a Paulo Adário. Uma mulher anônima disse: "Fala para o barbudo eu ele tem eu morrer, merece morrer e vai morrer“. Paulo Adário é o único funcionário do Greenpeace que usa barba.

 

Paulo Adário imediatamente informou seu advogado, ex-Ministro da Justiça, José Carlos Dias, sobre a ameaça. Ambos acreditavam que a ameaça estava relacionada a operação no Pará: além de ter sido feita apenas seis dias após a divulgação do relatório do Greenpeace para a mídia, a ligação foi feita para um número de telefone distribuído em materiais do Greenpeace no Pará mas não no Amazonas. José Carlos Dias teve uma audiência com o Ministro da Justiça, José Gregori, que ordenou que a Polícia Federal desse a Paulo Adário proteção 24 horas por dia.

 

Apesar da  proteção da Polícia Federal, as autoridades tanto em nível federal como estadual aparentemente não avançaram na investigação sobre as ameaças.

Até o momento de finalização deste relatório, nem Paulo Adário nem o funcionário que atendeu a ligação tinham sido ouvidos em depoimento para qualquer investigação.      

 

Em novembro de 2001, um madeireiro contou aos membros do Greenpeace no Pará que um preço havia sido estabelecido pela cabeça de Paulo Adário. Outros membros do Greenpeace foram alertados de que assim que a industria madeireira saísse dos holofotes da mídia, “as contas seriam acertadas”. Um membro do Conselho Indigianista Missionário, CIMI, que trabalhou com Paulo Adário na operação no Pará também recebeu ameaças de morte assim como um membro da Prefeitura de Redenção, Pará.

 

Nessa época, um funcionário do Greenpeace em Manaus, navegador, recebeu várias ameaças. A primeira veio em meados de dezembro quando dois homens em um caminhão seguiram o carro do navegador pela cidade. Quando ele parou em um loja e entrou, os homens o seguiram e o abordaram dentro da loja. Eles perguntaram ao navegador: você “não tem vergonha de trabalhar para gringo?” E alertaram “tenha cuidado.”

 

No dia seguinte, o navegador recebeu a primeira de várias ameaças por telefone. O linguajar utilizado nessas ligações era extremamente ofensivo e brutal, ameaçando entre outras coisa de “currar” (estuprar) as crianças e a esposa dele na sua frente e de matá-lo. No mês de dezembro, o Greenpeace começou a instalar um sistema de segurança para garantir a integridade física do navegador e dos outros funcionários. Como resultado, os funcionários puderam gravar quatro das últimas ameaças sendo que uma outra ameaça foi ouvida diretamente por um policial que estava no local no momento da chamada. Em uma das ameaças gravadas, se ouvia o som de uma mulher sendo torturada; o chamador então “matou” a mulher (Paulo Adário suspeita que a chamada foi um blefe) e disse, “o mesmo vai acontecer com você”. Todas as chamadas eram a cobrar de um telefone público no interior do Amazonas. As ligações cessaram pouco antes do Natal.

As ameaças por telefone foram relatadas a Polícia Civil que abriu um inquérito. O Greenpeace ainda esta no processo de coletar evidencias do caso para entrega-las a polícia. Paulo Adário suspeita que as ameaças estejam relacionadas com o fechamento de uma empresa madeireira no Amazonas em dezembro de 2001. O Greenpeace documentou várias violações na propriedade da empresa, inclusive estoques ilegais de madeira. Uma semana depois, o IBAMA confiscou a madeira ilegal, multou e temporariamente fechou as operações da empresa. As ameaças começaram logo após esse fato.

 

AO assassinato Assassinato de Ademir Alfeu Federicci, diretor da FETAGRI, Altamira, Pará[8]

Ademir Alfeu Federicci, também conhecido como “Dema”, era o diretor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI). Era também presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) em Medicilândia, Pará, e membro do diretório estadual do Partido dos Trabalhadores entre 1996 e 2000. Dema participava ativamente da luta para proteger o sistema fluvial do Amazonas contra a exploração e degradação provindas de programas governamentais e privados. Sobretudo, ele era o coordenador do movimento de resistência contra a construção de novas represas no Xingu, organizado pelo Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX).

Dema havia participado da elaboração do documento “SOS Xingu: um clamor pelo bom senso sobre o represamento dos rios do Amazonas” (A Call for Good Sense concerning the Damming of Amazon Rivers – procurar título origina:l), um Chamamento ao Bom Senso, Contra a Construção de Barragens na Amazônia”, que apontava questões sobre a implantação da usina hidrelétrica de Belo Monte em Altamira. Dema organizara um importante movimento local de resistência ao projeto de construção da usina. Havia também denunciado a malversação de dinheiro público em projetos financiados pela SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), hoje extinta. Tais denúncias ajudaram a polícia federal a prender pelo menos três políticos e empresários locais sob acusação de fraude e malversação de fundos.[9] 

 

Na madrugada do dia 25 de agosto de 2001 dois homens invadiram a casa onde dormia com sua família. Eles levaram Dema para fora do quarto onde dormia e o mataram com um tiro na boca.  Os assassinos deixaram a casa, sem agredir outro membro da família.

 

Para os que conheciam Dema e seu trabalho, era claro que o assassinato tinha motivos políticos, e que o assassino teria sido contratado. O oficial da polícia federal que chefiou as investigações sobre as irregularidades financeiras na SUDAM, Hélbio Dias Leite, disse aos jornalistas que “a morte dele [Dema] interessava a muitas pessoas”. Hélbio Leite mencionou que, além dos empresários e políticos envolvidos na investigação sobre a SUDAM, empresários locais envolvidos em extração ilegal de madeira também eram inimigos de Dema. O deputado estadual petista José Geraldo também declarou que “a morte está vinculada ao que ele denunciava.”[10]

 

De acordo com Airton Faleiro, vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Dema recebia ameaças já há algum tempo, por ter ajudado a polícia nas investigações sobre as fraudes na SUDAM.[11]

 

Apesar da aparente natureza política do assassinato de Dema, o oficial da polícia civil responsável pelo caso, Carlito Martinez, conduziu as investigações como se houvera sido um assalto mal-sucedido, e que o assassinato não tivera sido intencional. 

 

A chefia das investigações por Martinez foi amplamente criticada. O oficial da polícia federal Hélbio Leite declarou publicamente: “não acredito em assalto”, explicitando que nada havia sido retirado da casa de Dema. O deputado estadual Zé Geraldo acusou Martinez de “parcialidade”.[12] 

 

Em 28 de agosto de 2001, coube ao oficial Roberto Teixeira a investigação do caso. Ele também declarou acreditar na teoria de assalto. Dois dias mais tarde a polícia prendeu Júlio César dos Santos Filho, que posteriormente, enquanto preso, confessou haver assassinado Dema durante uma tentativa de assalto à sua casa. Segundo a confissão de Júlio César, também estava presente na cena do crime um comparsa chamado Daniel, que ainda está foragido.[13]

 

Assim o oficial Teixeira concluiu o caso, mas líderes do MDTX e da CONTAG questionaram publicamente a veracidade da confissão de Júlio César dos Santos Filho e exigiram uma investigação mais minuciosa. Dentre as falhas na versão oficial do episódio, apontou-se que o oficial Teixeira não conseguiu explicar o fato que Júlio César visitara o escritório do MDTX no dia anterior ao assassinato, e ainda assim confessara não saber quem era Dema.[14] 

 

Em 6 de setembro de 2001, o Centro de Justiça Global (Global Justice Center  - qual é o nome oficial em português?) apresentou um relatório sobre o assassinato de Dema e a provável farsa na investigação policial à Asma Jahangir, rRelatora eEspecial das Nações Unidas  ONU sobre eExecuções eExtrajudiciais, sSumárias oue Arbitrárias. 

 

Nos meses seguintes à morte de Ademir, a viúva, Maria da Penha Federicci, e seu advogado conduziram suas próprias investigações. Em dezembro de 2001, Maria da Penha apresentou uma petição a Geraldo Rocha, procurador-geral de justiça do  dParáa sede estadual da Promotoria Pública, para que o caso fosse reaberto por causa de novas evidências.  Entre as evidências apresentadas por Maria da Penha havia o testemunho de que Júlio César teria confessado sob tortura e que, mais tarde, teria prestado declarações onde dava a entender que havia sido pago para matar Dema.[15]

 

Em janeiro de 2002, a Anistia Internacional (AI) lançou uma campanha para proteger, entre outros, Júlio César dos Santos Filho, por acreditarem que ele havia sido torturado para confessar o crime.  Neste apelo, a AI demonstrava temer que “pessoas estejam se ocultando atrás do crime, tentando silenciá-lo”. A Anistia Internacional apresentou uma petição ao governador do estado para que permitisse que a polícia federal investigasse o crime. [16] 

 

Em 30 de janeiro de 2002, um grupo de políticos e advogados liderado pelo deputado Zé Geraldo peticionou ao Secretário de Segurança Pública do Pará, Sette Câmara, para que reabrisse a investigação do caso Dema e que permitisse que a polícia federal chefiasse as investigações. O Ministro da Justiça assegurou a Zé Geraldo que a polícia federal reabriria as investigações.[17] 

 

Até o momento de finalização deste relatório, Júlio César dos Santos Filho continuava sendo o único suspeito detido pelo assassinato de Dema.

   

 

Ameaças de morte contra Luís Ivan Alves de Oliveira, sindicalista e ambientalista, Itaituba, Pará

Em dezembro de 1999, Luís Ivan Alves de Oliveira (Alves), presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) em Itaituba e secretário executivo do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA Baixo-Amazonas), recebeu várias ameaças de morte de representantes da indústria madeireira em Itaituba, no Pará.[18]  Estava em questão a proposta de desapropriação da área agrícola de Arraia e a divisão em pequenos lotes para distribuição a trabalhadores sem terra. O projeto fazia parte do programa nacional de reforma agrária a ser implementado pelo INCRA  (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrícola (INCRA)Agrícola, será que não é Agrária?).  Grande parte da terra destinada à desapropriação, inclusive a área de Arraia, era na verdade propriedade do governo  que havia sido assentada e reclamada ilegalmente através de escrituras falsas, num processo conhecido como grilagem. A terra grilada sustentava um negócio lucrativo de extração ilegal de madeira da área vizinha, o Parque Nacional da Amazônia. As propostas de reforma pelo INCRA ameaçavam a extração ilegal de madeira em Itaituba e o apoio declarado de Alves ao plano do INCRA gerou animosidade por parte dos grileiros e donos das serrarias, que lucravam com a extração ilegal.[19]

 

Confrontos entre grileiros e ativistas trabalhistas como Alves não são novidade nesta parte do Pará.  Em 26 de agosto de 1999, o presidente do Sindicato Rural Patronal (SRP) Valmir Climaco de Aguiar, vinculado a títulos de terra falsificados e ao tráfico ilegal de madeira, espancou Antônio Soares, um sindicalista de 65 anos, na presença de um comandante da polícia. Soares chegara para se opor à tentativa de Valmir de apropriar quase 5,000 hectares e expulsar por meio da força 22 famílias que ali viviam.  Depois de livrar-se de Soares, Valmir conseguiu se apropriar da terra e as famílias ficaram sem teto.[20]

 

Após as ameaças de morte a Alves, sindicalistas e ambientalistas, indignados com as violações da legislação e dos direitos dos trabalhadores, enviaram uma carta aberta ao governador do Pará e ao Presidente da República, exigindo providências. Os grupos requisitaram que o governo do estado investigasse as ameaças de morte contra Alves e que tomasse medidas para garantir a sua segurança. Pediram também a substituição dos administradores locais dos órgãos de reforma agrária do governo, como o INCRA, considerados corruptos pelos autores do documento. Os grupos ainda pressionaram por uma maior proteção do Parque Nacional do Amazonas e pelo assentamento de 400 famílias em terras já aprovadas para reforma agrária.[21]

 

Em 12 de janeiro de 2000, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal dos Deputados, em correspondência oficialOfício à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará, Paulo Sette Câmara, requisitou que se tomassem medidas para investigar as ameaças contra Alves e garantir sua segurança física.[22]

 

Em 29 de fevereiro de 2000, o Secretário de Segurança Pública do Estado do ParáSette Câmara, Paulo Sette Câmara, informou à Comissão que dois oficiais da polícia militar estavam acompanhando o caso, mas que achava que “esta não é a solução para problemas desta natureza”. Sette Câmara também declarou que a polícia não poderia ser responsabilizada por problemas provenientes de fracassos do INCRA.[23]

 

Em 15 de fevereiro de 2002, o Centro de Justiça Global enviou a correspondência oficialOfício JG/RJ no 067/02 ao Secretário sr. Paulo Sette Câmara, Secretário de Segurança Pública do Estado do Pará, solicitando as informações mais recentes sobre o desenrolar do caso.

 

Até o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global não havia recebido resposta.  

 

 

Ameaças contra Rogério Rocco, ambientalista, Niterói, Rio de Janeiro[24]

Rogério Rocco, 34 anos, ambientalista, trabalha na ONG Os Verdes desde 1987 e também faz parte da Fundação Onda Azul no Rio de Janeiro. Conforme explicado abaixo, Rocco também trabalhou na Secretaria de Assuntos Ambientais de Niterói.

 

Enquanto foi Secretário Municipal Assistente para Assuntos Ambientais em Niterói, Rocco buscou proibir através de ordem judicial que se construísse nas margens de um rio do município. A legislação brasileira proíbe que se construa a menos de 15 metros das margens de um rio. Na comunidade em questão, diversos escritórios e casas haviam sido construídos violando a legislação. Mais construções estavam em andamento, incluindo a expansão de bares e restaurantes. A Secretaria de Rocco obteve ordem judicial proibindo construções futuras na área protegida de 15 metros.

 

Rocco havia recebido diversas ameaças entre 1997 e 2000 (a maioria através de telefonemas), algo que ele considera ser parte de seu trabalho nas ONGs e na secretaria: “Dependendo da atuação de uma entidade, não é de se espantar que se sofra ameaças,” Rocco disse ao Centro de Justiça Global. “A maior parte das ameaças não é explícita; vem sob forma de ironia ou como um ‘conselho’.”[25] Ainda assim, ele não sentia que havia um risco significativo à sua vida até ocorrerem uma série de incidentes relacionados à expansão na margem do rio. Em 24 de fevereiro de 2000, logo após a obtenção da ordem judicial e enquanto visitava o local da expansão do bar e restaurante, Rocco notou um grupo de pessoas o observando, que também tiravam fotos dele. As pessoas se aproximaram e disseram que tiravam as fotos “para que lembrassem da cara dele quando fossem acertar as contas”. Um policial chegou ao local logo depois. Rocco ficou preocupado, pois o policial pareceu passar mais tempo com o grupo que tirava as fotos que com ele. Apesar de haver se identificado como Secretário Assistente para Assuntos Ambientais e que possuía uma ordem judicial que proibia as obras de expansão, o policial levou todas as partes envolvidas para a delegacia para averiguações. O delegado concordou com Rocco que a ordem judicial teria que ser respeitada e liberou todos os presentes.

Em 29 de fevereiro, Rocco chegou à secretaria e encontrou seus funcionários do lado de fora do prédio, e todas as entradas do prédio estavam trancadas com cadeados e correntes. O secretário informou a Rocco que não havia autorizado o fechamento do prédio e ninguém sabia quem era o responsável pelo fechamento. Rocco ordenou que os cadeados fossem quebrados e os funcionários retornaram ao trabalho. No dia seguinte, Rocco recebeu um telefonema de um homem que com voz calma explicou que Rocco havia “cruzado a linha do Comando [Vermelho] e que agora estava condenado a morte”. O Comando Vermelho é a maior organização criminosa de tráfico de drogas  no Rio de Janeiro e talvez em todo o Brasil. O homem explicou que o Comando Vermelho havia fechado a secretaria e que não havia nada que Rocco pudesse fazer.

 

Preocupado, Rocco procurou o secretário e juntos contataram a Prefeitura e a Secretaria Estadual de Segurança Pública. Eles requisitaram um gravador e um aparelho de identificação de chamadas nas linhas da Secretaria para Assuntos Ambientais. Depois, registraram o incidente na polícia. O coordenador de segurança do estado Luis Eduardo Soares e o Centro pela Segurança de Ambientalistas aconselharam Rocco sobre segurança pessoal (por exemplo, evitar andar sozinho e mudar suas rotas todos os dias), mas Rocco continuou a temer por sua vida. Para garantir sua segurança, Rocco tirou trinta dias de licença e viajou para outro estado. Uma semana após o fechamento do prédio da secretaria e durante a licença de Rocco, o prédio da secretaria sofreu uma ameaça de bomba. Rocco registrou a ameaça junto ao Centro Estadual pela Segurança de Ambientalistas. Rocco trabalhou na secretaria por mais nove meses, mas dado o clima constante de insegurança e outras limitações que impediam sua capacidade para fazer cumprir a legislação ambiental,[26] ele sentiu-se forçado a deixar seu cargo em Niterói e retornou para trabalhar por tempo integral com as ONGs ambientais na cidade do Rio de Janeiro. 

 

Em 26 de fevereiro de 2002, o Centro de Justiça Global enviou o Correspondência OficialOfício JG/RJ no 086/02 ao Coronel Josias Quintal, Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, solicitando as informações mais recentes sobre o desenrolar do caso.

 

Até o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global não havia recebido resposta.

 

 

Assassinato de João Dantas de Brito, fiscal do IBAMA em Nísia Floresta, Rio Grande do Norte

Em 4 de dezembro de 2001, João Dantas de Brito (Dantas), diretor da Floresta Nacional de Nísia Floresta, administrada pelo IBAMA, foi assassinado em Nísia Floresta, Rio Grande do Norte. Dantas havia se aposentado como fiscal do IBAMA, e trabalhava em Nísia Floresta havia seis meses.[27] Na noite de seu assassinato, quatro homens armados com pistolas entraram em sua residência. Dantas recebeu um tiro nas costas e outro no olho, e morreu logo depois. Sua mulher, que presenciou o crime, nada sofreu. Os homens também roubaram seis armas de fogo da casa, além de munição, uma máquina fotográfica e dinheiro. [28]  

 

O caso foi levado à polícia federal em Natal, que abriu inquérito policial, a cargo do oficial Marcos Aurélio Carvalho. O Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Norte também prometeu investigar o caso sob a direção do oficial Amaro Rinaldo. A direção executiva do IBAMA no Rio Grande do Norte estabeleceu um comitê interno para investigar o caso. O comitê pediu à polícia federal que considerasse todas as hipóteses possíveis.[29]  Até o dia 14 de fevereiro de 2002, os funcionários do escritório do IBAMA em Nísia Floresta não haviam recebido informações sobre o estado das investigações.[30] 

 

Em 5 de março de  2002, o Centro de Justiça Global enviou os ofícios JG/RJ no 093/02 a Marcos Aurélio Carvalho da Polícia Federal do Rio Grande do Norte, JG/RJ no 094/02 ao escritório do IBAMA em Natal, e JG/RJ no 095/02 ao Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Norte, solicitando as informações mais recentes sobre o desenrolar das investigações.

 

Até o momento de finalização deste relatório, o Centro de Justiça Global não havia recebido resposta.

 




[1] “Greenpeace flagra contrabando de madeira,” Folha de S. Paulo, 13 de dezembro, 1999. p. 4.

[2] Correspondência eletrônica de Mário Moscatelli para o Centro de Justiça Global, 23 de fevereiro, 2002.

[3] Ibid.

[4] Ibid.

[5] Informação neste relatório provem de entrevista telefônica do Centro de Justiça Global com Paulo Adário, 4 de março, 2002 e artigos jornalísticos “Coordenador de campanha de Greenpeace terá proteção policial,” Folha de S. Paulo,18 de outubro, 2001, p.C3

[6] Paulo Adário explicou ao Centro de Justiça Global que a madeira ilegal, que não passa pelo processo de certificação, pode ser vendido com menor preço gerando maior lucro do que madeira legal. Sendo assim, enquanto madeira ilegal servir o mercado, será economicamente inviável produzir madeira legalmente, sustainable way. Entrevista telefônica, 4 de março, 2002.

[7] A lei brasileira expressamente proíbe a venda de mogno proveniente de reserves indígenas.

[8] Além das fontes supracitadas, mais informações sobre o caso foram obtidas a partir de um comunicado à imprensa do Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), de 25 de agosto de 2001; e do artigo “Brazil: Rural Activists Killed in New Wave of Violence,” Inter Press Service, 3 de setembro de 2001, publicado na página http:// www.corpwatch.org.  

[9] “Federais prendem empresário e ligam morte ao caso”, O Liberal (Belém), 28 de agosto de 2002.

[10] Ibid.

[11] Ibid.

[12] Ibid.

[13] “Preso confessa que matou sindicalista”, O Liberal (Belém), 31 de agosto de 2001.

[14] Ibid.

[15] “Advogado e viúva pedem a reabertura do caso Dema”, O Liberal (Belém), 11 de dezembro de 2001.

[16]Anistia pede proteção a ameaçados de morte”, O Liberal (Belém), 4 de janeiro de 2001.

[17]Segurança para petistas ameaçados”, O Liberal (Belém), 31 de dezembro de 2001.

[18] Relatório das denúncias no caso de Luís Ivan Alves de Oliveira, caso no. 1557/ 00, Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal de Deputados, sem data, ano 2000.

[19] “Carta Aberta ao Presidente da República e ao Governador do Estado do Pará”, assinada por vinte grupos trabalhistas locais, incluindo o GTA e o STR, Santarém, PA, 3 de janeiro de 2000.

[20] Ibid.

[21] Ibid.

[22] Correspondência OficialOfício 03/00P da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal dos Deputados à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará, 12 de janeiro de 2000.

[23] Correspondência OficialOfício 153/2000 do Secretário de Segurança Pública do Estado do Pará, Paulo Sette Câmara, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal de Deputados, 29 de fevereiro de 2000.

[24] Este resumo baseia-se em entrevista dada por Rogério Rocco ao Centro de Justiça Global no Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2001.

[25] Ibid.

[26] Rocco explicou ao Centro de Justiça Global que em comunidades urbanas, qualquer autoridade responsável por fazer cumprir a legislação ambiental encontra grandes dificuldades em se fazer respeitar, sobretudo em comunidades com presença ativa de traficantes de droga. Segundo Rocco, as autoridades freqüentemente encontram em tais áreas jovens fortemente armados, que podem impedir o acesso às comunidades, ou que podem ser aqueles a quem as autoridades ambientais devem alertar sobre limites de níveis de som (em bailes ou clubes) ou outras formas de poluição. Tais circunstâncias deixam os agentes de cumprimento da lei com a sensação que sua autoridade é limitada ou mesmo inexistente. Em entrevista de Rogério Rocco ao Centro de Justiça Global no Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 2001.

[27] Entrevista do Centro de Justiça Global com funcionário do escritório do IBAMA em Nísia Floresta, 22 de fevereiro de 2002.

[28] “Fiscal do Ibama é morto e armas são roubadas”, O Globo, (Rio de Janeiro), 4 de dezembro de 2001.

[29] “Polícia Federal investiga assassinato de servidor do Ibama,” publicado na página http://www.ambientebrasil.com.br  em 5 de dezembro de 2001.

[30] Entrevista do Centro de Justiça Global com funcionário do escritório do IBAMA em Nísia Floresta, 14 de fevereiro de 2002.

 

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