Caderno 7:
Responsabilidades
básicas na aplicação da Lei Manutenção da Ordem Pública
Índice do Capítulo:
Perguntas-chave para os Encarregados da Aplicação da Lei
Introdução
Reuniões e Manifestações
* Direitos e
Liberdades Fundamentais * As
Práticas da Aplicação da Lei
Distúrbios Interiores e Tensões Internas
* Uma Proposta de
Definição * Princípios do Direito
Internacional dos Direitos Humanos * Princípios do Direito Internacional
Humanitário * As Práticas da
Aplicação da Lei
Estados de Emergência
*
Definição *
Requisitos *
Derrogações * Padrões Humanitários
Mínimos
Conflito Armado Não Internacional?????BR>
* Legislação
Aplicável * Questões de Ordem
Pública
Conflito Armado Internacional
* Definição e Legislação
Aplicável * Questões de Ordem
Pública
Pontos de Destaque do
Capítulo
Perguntas para Estudo
*
Conhecimento
*
Compreensão *
Aplicação
Perguntas-chave
para os Encarregados da Aplicação da Lei *
As pessoas têm o direito de protestar? * As pessoas
têm o direito de expressar suas opiniões? * As
pessoas são livres para associar-se com pessoas de sua escolha? * Qual é o papel da aplicação da lei na manutenção da ordem
pública? * O que são distúrbios e
tensões? * Que princípios do direito internacional
humanitário são importantes em distúrbios e tensões? * O que é um estado de emergência? * O que
são medidas derrogatórias? * Que direitos não podem
jamais serem derrogados? * Qual é a definição de
conflito armado não internacional? * Que legislação
se aplica a conflitos armados não internacionais? *
Qual é a definição de conflito armado internacional? * Qual é a posição das organizações de aplicação da lei em situações
de conflito armado?
Introdução A paz, a estabilidade
e a segurança de um país dependem, em larga escala, da capacidade de suas
organizações de aplicação da lei em fazer cumprir a legislação nacional e manter
a ordem pública de forma eficaz. Policiar ocorrências de vulto, inclusive
reuniões e manifestações, requer mais do que a compreensão das responsabilidades
legais dos participantes de tais eventos. Requer, também, a compreensão
simultânea dos direitos, obrigações e liberdades perante a lei daquelas pessoas
que deles não participam. Uma das descrições da essência da manutenção da ordem
pública é permitir a reunião de um grupo de pessoas, que estejam a exercitar
seus direitos e liberdades legais sem infringir os direitos de outros, enquanto,
ao mesmo tempo, assegurar a observância da lei por todas as partes.
O cumprimento eficaz desta responsabilidade será
muito mais difícil quando as circunstâncias envolvendo incidentes mudam de
pacíficas para violentas, ou elevam-se para distúrbios e tensões, estados de
emergência, ou, em último caso, para situações de conflito armado. Em todas
estas situações, as organizações de aplicação da lei permanecem como
encarregadas da manutenção da ordem pública - a menos que uma decisão legal e
contrária seja tomada.
No direito internacional existem dois tipos de
jurisprudência que são de relevância ao assunto da manutenção da ordem pública:
direito internacional dos direitos humanos e direito internacional humanitário.
Esta capítulo examinará as diferentes situações da lei e da ordem, ou
infringimento destas, com as quais as nossas sociedades são confrontadas
atualmente. O capítulo descreverá, também, as regras fundamentais de direito
aplicáveis a cada uma das situações identificáveis: reuniões e manifestações;
distúrbios interiores e tensões internas; estados de emergência; conflito armado
não internacional; e conflito armado in??????ternacional. As implicações à prática da
aplicação da lei serão estudadas durante o capítulo inteiro. Atenção especial
será dada aos riscos do abuso do poder e da autoridade pelas organizações de
aplicação da lei e/ou forças armadas, com ênfase em desaparecimentos e mortes
extrajudiciais.
Reuniões e
Manifestações O fenômeno pelo qual as
pessoas saem às ruas para expressar suas opiniões e sentimentos publicamente,
sobre qualquer tema que considerem importante, é bastante comum na maioria dos
países do mundo. Tais eventos, passeatas, manifestações ou qualquer que seja sua
designação, são vistos como uma conseqüência lógica da democracia e liberdade,
bem como da liberdade individual e coletiva. Infelizmente, as ocasiões que
tendem a sobressair e serem lembradas são as caracterizadas pela confrontação
física (entre os próprios manifestantes, e entre manifestantes e os encarregados
da aplicação da lei).
Direitos e Liberdades
Fundamentais
Há um certo número de direitos e liberdades que
estão codificados em instrumentos internacionais dos direitos humanos, que se
aplicam a reuniões, manifestações, passeatas e eventos similares. Estes
direitos, inerentes a cada pessoa, são: - o direito de ter opiniões próprias sem
interferência (PIDCP, artigo
19.1); - o direito à liberdade de expressão (PIDCP, artigo 19.2); - o direito à reunião
pacífica (PIDCP, artigo
21); -
o direito à liberdade de associação
??????(PIDCP, artigo 22.1). O exercício desses
direitos tem limite. Podem ser impostas restrições a este exercício, desde
que:
as mesmas sejam legítimas;
e necessárias: para
que se respeite o direito à reputação de outrem; ou para a proteção da
segurança nacional ou da ordem pública, ou da saúde pública e moral
(PIDCP, artigos 19.3, 21 e
22.2).
Observação: além dos acima citados,
o elemento da "segurança pública" pode ser uma razão legítima para
que se restrinja o direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de
associação. Aqui o dilema da manutenção da
ordem pública é apresentado estritamente em termos legais. As pessoas têm
direito a ter opinião, a expressar esta opinião, e têm o direito de reunir-se
pacificamente ou associar-se a outrem, desde que respeitem suas
responsabilidades perante a lei. O respeito aos direitos e liberdades de
outros, ou a sua reputação, à ordem e segurança pública, à segurança nacional
e à saúde pública ou à moralidade podem ser razões para que se necessite
restringir o exercício dos referidos direitos. Os encarregados pela aplicação
da lei serão chamados a efetivar tais restrições em qualquer situação onde for
considerado necessário pelas autoridades competentes. Esta missão requer que
os encarregados pela aplicação da lei tenham conhecimento dos direitos e
liberdades das pessoas, e que estejam capacitados nos aspectos técnicos da
manutenção da ordem pública.
O artigo 22 do PIDCP protege o direito de todas as
pessoas à liberdade de associação. Contudo, é importante lembrar a última
frase do parágrafo 2: Este artigo não
deverá impedir a imposição de restrições legais sobre os membros das forças
armadas e da polícia no exercício deste direito. A condição e a responsabilidade especiais das forças armadas e
policiais fornece uma justificativa para a imposição de restrições extras ao
direito de associação dos integrantes destas duas instituições. Muitos
Estados, por exemplo, restringem as atividades políticas da polícia e dos
militares para que se evitem aquelas forças portadoras de armas de misturar-se
nas questões políticas dos órgãos constitucionais civis. Observe que o uso da
expressão polícia no artigo 22.2 pode ser interpretado como cobrindo todas as
organizações de aplicação da lei (e seus integrantes) qualquer que seja sua
designação específica. Práticas de Aplicação da Lei
Este Manual não tem como objetivo ser uma
ferramenta para a transmissão de táticas de aplicação da lei em relação a
reuniões e manifestações; no entanto, justifica-se a apresentação, sob este
título, de exemplos de práticas neste sentido. É também uma oportunidade de
reiterar alguns dos princípios internacionais, apresentados em outros
capítulos, de particular relevância para este tópico.
Deve ser reconhecido, inicialmente, que muitos
Estados têm negado aos seus cidadãos, ao longo da história, o direito de se
reunir e de expre??????ssar suas opiniões abertamente. Protestos contra o governo e
contra a autoridade têm sido alvos preferenciais de repressão. Mesmo hoje em
dia alguns governos ordenam, rotineiramente, suas organizações de aplicação da
lei dispersar reuniões pacíficas e legítimas. Tais ações violam claramente os
direitos humanos, e são contrárias às obrigações legais impostas aos Estados
signatários de instrumentos como o PIDCP.
Em termos da aplicação da lei, a experiência com a
manutenção da ordem pública mostra que muitos aspectos de manifestações,
reuniões, etc. têm um grau de previsibilidade. Eventos de grande escala, tais
como manifestações e reuniões requerem
preparação. As organizações da
aplicação da lei têm, cada vez mais, tentado envolver-se na fase preparatória
– como, por exemplo, negociar com os organizadores, tanto quanto possível, o
itinerário do evento. As vantagens claras deste procedimento são que:
* os organizadores ficarão familiarizados
com os objetivos e os níveis de tolerância da operação de aplicação da lei
com relação à manifestação, bem como em relação a suas responsabilidades
para com aqueles que não participam do evento; * as autoridades da aplicação da lei ficam familiarizadas com as
metas e os objetivos da manifestação e ficam inteiradas a respeito do número
de participantes, provável comportamento, horários, etc. * ambas as partes podem, subseqüentemente, estabelecer
procedimentos claros a respeito das rotas da manifestação, presença dos
encarregados da aplicação da lei, planos de contingência,
etc.. * pontos discordantes ou de conflito
em potencial podem ser negociados e resolvidos antes do ??????evento, de forma que
não se transformem em um problema real durante o evento. Outra lição a ser tirada da experiência é que as estratégias
eficazes de aplicação da lei não esperam mais que haja um distúrbio real da
ordem pública, para então restaurá-la. A prevenção de distúrbios, pôr
meio da preparação mencionada acima e com a precoce intervenção dirigida a infratores em separado,
tem-se mostrado muito mais eficaz.
A principal idéia por trás da intervenção precoce é
baseada em algumas percepções bem estabelecidas do comportamento de
massas:
1. as pessoas em multidões não formam uma
massa homogênea, com comportamento mais ou menos similar; 2. as pessoas em uma multidão não têm necessariamente uma
maior tendência de usar de violência do que em circunstâncias
diárias; 3. as pessoas em uma multidão não
têm necessariamente uma tendência maior de ter um comportamento "emocional"
ou "irracional";
Estas percepções
justificam a conclusão de que pessoas em uma multidão são, e permanecerão
sendo, indivíduos. Isto significa que cada pessoa em uma multidão vai tomar
decisões por si própria. É claro que tais decisões podem ser influenciadas
pelo comportamento de outros. No entanto, se alguém em uma multidão apanha uma
pedra para atirar nos encarregados da aplicação da lei presentes no local,
este incidente não gera, necessariamente, mais violência. O ato em si pode
desencadear um processo ??????de decisão em outras pessoas que assistem ao episódio,
no sentido de que elas próprias podem decidir apanhar pedras para atirar.
Porém, estas pessoas podem também decidir
não fazê-lo. Pôr meio de uma
intervenção precoce, a aplicação eficaz da lei é dirigida à apreensão do
primeiro indivíduo a atirar uma pedra (ou, em geral, para indivíduos
desrespeitando a lei) e removê-los da área antes que seu comportamento
funcione como estímulo a outras pessoas presentes. Esta ação é precisa e de
baixo impacto na manifestação, tendo em vista que não afeta espectadores
inocentes, que podem continuar sem que haja interrupção.
O reconhecimento do fato que as pessoas em uma
multidão são indivíduos, e não meramente uma massa, permite que haja comunicação
entre os encarregados da aplicação da lei e os participantes da manifestação.
Esta comunicação significa não somente uma conversação, mas também pode ser
ampliada para formar parte das estratégias e táticas da aplicação da lei. O
uso de equipamentos de amplificação do som para conduzir as pessoas em uma
multidão, ou então para alertá-las do fato de que a força pode ser usada,
serve para que estas possam decidir sobre o que querem fazer e para onde
querem ir.
Os encarregados da aplicação da lei devem estar
conscientes de alguns fatos adicionais:
* as pessoas em multidões não conseguem
mexer-se rapidamente, de forma que a mensagem para a mudança de direção
do percurso ou parada necessita de algum tempo para que seja entendida por todos os indivíduos;
* as pessoas em multidões são indivíduos
responsáveis, que esperam e merecem ser tratados como tais. Os indivíduos
não devem ser tratados como um grupo; * a
presença de cães policiais em uma manifestação é facilmente interpretada
como um ato de agressão dos encarregados da aplicação da
lei; * os cães policiais não distinguem
entre infratores e espectadores e, tendo oportunidade morderão qualquer um
que esteja a seu alcance; * os latidos dos
cães policiais é um estorvo às tentativas de comunicação entre
os encarregados da aplicação da lei e os
participantes de uma manifestação.
A
aparência dos encarregados da aplicação da lei é outro fator importante na
manutenção da ordem pública. As pessoas estão acostumadas a ver os uniformes
usados pelos encarregados da aplicação da lei em suas atividades normais.
Muitos países decidiram vestir seus encarregados pela aplicação da lei com um
uniforme diferente, durante reuniões e manifestações. O medo da escalada de
violência, desordem, o desejo de afirmar a autoridade e a proteção dos
encarregados da aplicação da lei são razões pelas quais se adota esta tática.
Por isso os encarregados da aplicação da lei usam o chamado uniforme de choque, com
equipamento de proteção, como por exemplo capacete e escudos. Este tipo de
uniforme é geralmente reservado às circunstâncias excepcionais descritas
acima. Ainda que as organizações de aplicação da lei não pretendam transmitir
uma imagem hostil?????? aos manifestantes mediante sua
aparência - isto é exatamente o que
geralmente ocorre. As pessoas acham difícil de acreditar que o encarregado da
aplicação da lei que vêem, vestido em uniforme completo de choque, e com
aspecto bem diferente da imagem que lhes é familiar, na verdade é o mesmo que
conhecem. Não chega a ser uma surpresa que os encarregados, vestidos e
equipados desta forma, tenham dificuldade de convencer o público de suas
intenções pacíficas.
O uso da força
e armas de fogo com relação a reuniões
e manifestações merece uma consideração mais aprofundada, e alguns dos
princípios apresentados no capítulo Uso da
Força e de Armas de Fogo também devem ser
reiterados. Os Princípios Básicos do Uso da Força e de Armas de Fogo detalham
vários princípios de particular importância para o policiamento de reuniões e
manifestações. Ao dispersar
reuniões ILEGAIS porém NÃO VIOLENTAS, os encarregados da aplicação da lei
deverão evitar o uso da força ou, quando isso não for possível, restringir o uso
da força ao mínimo necessário (PB 13); ao dispersar reuniões VIOLENTAS, os
encarregados da aplicação da lei somente poderão usar armas de fogo quando
outros meios menos perigosos não forem praticáveis,
e somente no mínimo necessário;
e SOMENTE sob as condições estipuladas no PB 9 (PB 14).
??????
Ao estudar o PB 14, a conclusão
inicial poderia ser de que este apresenta uma circunstância
adicional para o uso legal de armas de fogo. Isto porém
não é verdade, pois apenas reitera que somente as condições mencionadas
no PB 9 (quais sejam: uma ameaça iminente de morte ou lesão
grave) é que justificam o uso de armas de fogo. Os riscos
acrescentados por uma reunião violenta - grandes multidões,
confusão e desorganização - fazem com que seja questionável
a praticabilidade do uso de armas de fogo nestas situações,
tendo em vista as conseqüências em potencial para as pessoas
que estejam presentes, porém não envolvidas. O Princípio Básico 14 não permite o disparo indiscriminado contra uma
multidão violenta como uma tática aceitável para dispersar
aquela multidão.
Distúrbios Interiores e Tensões
Internas
Nem sempre fica claro quando incidentes
separados (tais como reuniões, passeatas, manifestações, desordens
e atos isolados de violência) tornam-se relacionados e, vistos
conjuntamente, adquirem um padrão consistente descrito como
distúrbios e tensões. O que está claro, entretanto, é que
um padrão como o descrito acima apresenta problemas sério??????s
às autoridades relevantes da segurança pública e da ordem
pública. Todos os esforços devem ser focalizados na eficaz
aplicação da lei, na prevenção e detecção do crime e no restabelecimento
da segurança pública. Quando tais esforços falham, um senso
de ilegalidade com impunidade pode crescer dentro de uma sociedade,
exacerbando ainda mais os níveis de tensão existentes.
Distúrbios e tensões podem eventualmente
levar a situações que ameacem a existência da nação, e,
desta forma, deixar o governo tentado a declarar o estado
de emergência. Esta questão será tratada em um parágrafo
em separado.
Uma Proposta de Definição
Nenhum dos instrumentos do direito internacional
oferece uma definição adequada do que se entende pelo termo distúrbios interiores e tensões internas. O artigo 10, parágrafo 20 do Segundo Protocolo Adicional
às Convenções de Genebra de 1949 menciona "situações de distúrbios interiores
e tensões internas" como não
sendo conflitos armados. Contudo, não
oferece uma definição. Apesar disto, torna claro que, tendo em vista que
distúrbios interiores e tensões internas não são conflitos armados, o
Protocolo não se aplica a eles.
O CICV tentou definir distúrbios e tensões. Embora
sua fórmula não seja plenamente reconhecida como tal, proporciona uma
descrição completa que serve aos propósitos de apr??????ofundamento de estudos sob o
título deste capítulo. Em um documento do CICV intitulado Atividades de proteção e assistência do CICV não cobertas
pelo direito internacional humanitário,
(CICV, Genebra, 1986; também publicado no International Review of the Red Cross No 262, 1988, pp. 12-13), a seguinte descrição de distúrbios interiores
é dada: Envolvem situações em
que inexiste um conflito armado não internacional
como tal, mas consistem numa confrontação
dentro do país, que é caracterizada por uma certa gravidade ou duração e que
envolve atos de violência. Estes últimos podem assumir várias formas, desde a
geração espontânea de atos de revolta à luta entre grupos mais ou menos
organizados e as autoridades no poder. Nesta situações, que não necessariamente
degeneram em confronto aberto, as autoridades no poder utilizam-se de forças
policiais em grande número, ou mesmo das forças armadas, para restaurar a ordem
interna. O alto número de vítimas tornou necessária a aplicação de um mínimo de
regras humanitárias.
Com relação a tensões internas, o termo
geralmente refere-se a:
a) situações de grave tensão (política,
religiosa, racial, social, econômica, etc.)
ou
b) seqüelas de um conflito armado ou
distúrbios interiores.
Além destas definições, o documen??????to do CICV
apresenta uma lista das características de distúrbios interiores e tensões
internas: 1. prisões em
massa; 2. um grande número de pessoas
detidas por razões de segurança; 3.
detenções administrativas, especialmente por longos
períodos; 4. prováveis maus-tratos,
tortura, ou condições materiais ou psicológicas de detenção prováveis de serem seriamente prejudiciais à
integridade física, mental ou moral
dos detidos; 5. permanência de
detidos incomunicáveis por períodos longos; 6. medidas de repressão contra familiares ou pessoas de relação íntima
com aqueles privados de sua
liberdade, mencionados acima; 7.
suspensão das garantias judiciais fundamentais, seja
pela declaração de estado de
emergência ou por uma situação de facto. 8. medidas de larga escala restringindo a liberdade pessoal,
tais como banimento, exílio,
residência determinada, deslocamentos forçados; 9. alegações de desaparecimentos
forçados; 10. aumento do número de
atos de violência (tais como seqüestros e tomadas de reféns), que põem em perigo pessoas indefesas ou espalham
o terror
entre a população
civil.
Princípios do Direito Internacional dos Direitos Humanos
A julgar pelas características apresentadas,
situações de distúrbios e tensões podem dar vazão a derrogações e limitações
de facto
dos direitos e liberdades dos cidadãos do Estado. Esta prática é inadmissível.
Onde a legislação nacional permite que medidas de emergência sejam tomadas
atendendo aos interesses da segurança nacional, as medidas tomadas sob esta
disposição não devem ser arbitrárias em sua aplicação. O direito à liberdade
de reunião, à liberdade de associação e à liberdade de expressão somente pode
ser limitado como conseqüência de distúrbios interiores e tensões internas,
quando tais limitações são legítimas e necessárias.
Os princípios essenciais do direito internacional
dos direitos humanos que são aplicáveis em tempos de distúrbios e tensões e
que têm uma relevância particular para a aplicação da lei
são: * o direito à vida, liberdade e
segurança de todas as pessoas; * a proibição da tortura; * a proibição da prisão ou detenção
arbitrária; * o direito à um
julgamento justo; * o direito
a um tratamento humano para as pessoas privadas de
sua liberdade; * nenhuma
interferência ilegal ou arbitrária com a privacidade,
a família, o lar, ou a
correspondência; * liberdade
de opinião, expressão, reunião e
associação.?????/P> Princípios do Direito Internacional Humanitário
Deve ficar claro, de início, que nenhum dos
princípios apresentados abaixo, embora relevantes em situações de distúrbios
interiores e tensões internas, é na verdade legalmente obrigatório em tais
situações, a não ser pelo fato de que os princípios também devem ser
considerados como princípios do direito internacional dos direitos humanos. As
disposições do direito internacional humanitário com relevância particular
para a aplicação da lei em tempos de distúrbios interiores e tensões internas
são as seguintes:
* respeito aos princípios da necessidade e
proporcionalidade com relação ao uso da força; * proibição de ataques às pessoas que não estejam
participando de atos de violência; * proibição de fazer reféns, de pilhagens, de punições coletivas e atos
de terrorismo; *
obrigatoriedade de se recolher os feridos e
enfermos; * obrigatoriedade de
se dedicar cuidados e atenção às pessoas feridas e
enfermas; * medidas especiais
de proteção às crianças, e para resguardá-las de serem recrutadas para grupos
armados ou de serem privadas de sua liberdade; * direito a um tratamento humano para pessoas privadas de
sua liberdade; *
obrigatoriedade de se proteger o pessoal médico e religioso, e assisti-los no
cumprimento de suas funções. Práticas da Aplicação da Lei
Em situações de distúrbios
interiores e tensões internas, as organizações
de aplicação da lei ainda serão as responsáveis
primárias pela manutenção da lei e da ordem. Dependendo
da qualidade da organização de aplicação da lei
(em termos de organização, equipamento e qualificação
do pessoal), tais distúrbios e tensões apresentam
problemas específicos da aplicação da lei. Algumas
organizações podem talvez se ver próximas do limite
de suas capacidades específicas, outras podem
ter o conhecimento, habilidade e os meios de lidar
eficaz e legalmente com situações de distúrbios
interiores e tensões internas.
As características
de situações de distúrbios interiores e tensões
internas, apresentadas acima, dão margem para
que surja a razoável suspeita de que as práticas
de aplicação da lei, sob a pressão de tais eventos,
tornar-se-ão, freqüentemente, tanto ilegais
quanto indiscriminadas. A ilegal e indiscriminada
aplicação da lei tem conseqüências negativas
evidentes. O fato de que pessoas inocentes são
afetadas por medidas tomadas pode gerar maiores
repercussões no já deteriorado estado da lei
e da ordem. O mau trato de pessoas privadas
de sua liberdade certamente resultará na perda
da confiança na capacidade das organizações
de aplicação da lei em lidar com o problema,
ao mesmo tempo que tenham que respeitar e proteger
os direitos humanos das pessoas. Quaisquer ações
aleatórias ou discriminatórias por parte das
organizações serão vistas como confirmação da
percepção do estado de ilegalidade. A incapacidade
de levar os responsáveis por tais atos perante
a justiça alimentará uma cultura de impunidade.
A suspensão das garantias judiciais (ou mesmo
o sobrecarregamento do judiciário causado, por
exemplo, por prisões em massa) vai reforçar
a percepção da ilegalidade e consolidará a impunidade
de facto
por atos ilícitos.
A ação da aplicação
da lei é o fator-chave em situações de distúrbios
interiores e tensões internas. Ações específicas,
legais, não arbitrárias, e precisamente dirigidas
aos iniciadores e perpetradores dos distúrbios
e tensões , podem levar à reafirmação do controle
e ao abrandamento da situação. Ações aleatórias
- bem como ilegais, arbitrárias e discriminatórias
- vão erodir a confiança na aplicação da lei,
ameaçando ainda mais a segurança pública e serão,
pelos menos, parcialmente responsáveis por uma
posterior escalada da situação.
Estados de Emergência
Distúrbios interiores
e tensões internas podem levar a uma situação
onde um governo não está mais convencido de sua
habilidade, sob as circunstâncias prevalecentes
e com as medidas que este normalmente tem a seu
dispor, de poder controlá-la. A situação pode
ser tão séria a ponto de ameaçar a própria posição
de um governo democraticamente eleito. Para tais
situações, o Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos contém dispositivos importantes
em seu artigo 40, que estão detalhados abaixo.
Definição
O PIDCP, em seu
artigo 40, cria a possibilidade de que os Estados
Partes tomem medidas
derrogatórias de suas obrigações sob o presente
Pacto, mas somente [em] tempo
de emergência pública que ameace a existência
da nação, e a qual seja oficialmente declarada.
A maioria das constituições
contém cláusulas de emergência que conferem
ao chefe de Estado ou de governo o poder de
tomar medidas excepcionais (incluindo restrições
ou suspensões dos direitos básicos), com ou
sem o consentimento do parlamento, em tempo
de guerra ou em outras situações de catástrofe.
É óbvio que tal privilégio está sob a ameaça
de abuso ou de mau uso. Os que detêm o poder
podem usá-lo para manter sua posição ou para
suspender os direitos de participação política
e oposição de adversários (em potencial). O
direito internacional, portanto, tem a tarefa
de achar um equilíbrio entre o reconhecimento
do direito legítimo de Estados soberanos de
defender sua ordem constitucional e democrática
e o mal uso do direito de declarar um estado
de emergência meramente para que se mantenham
posições de poder.
Requisitos
Mesmo que uma
situação de emergência seja aparente, a derrogação
de direitos sob o PIDCP constitui uma violação
da obrigação de um Estado Parte, a menos que a
emergência tenha sido oficialmente declarada pelo
órgão doméstico com poder de fazê-lo. A declaração
deve adquirir a forma de uma notificação pública
à população afetada. É aí que reside seu significado
essencial: a população deve saber o escopo material,
territorial, e temporal exato da aplicação das
medidas de emergência e seu impacto no exercício
dos direitos humanos. A obrigatoriedade da declaração
tem como objetivo, em particular, prevenir derrogações
de facto, bem como tentativas posteriores
de justificar violações dos direitos humanos que
já tenham sido cometidas.
Medidas derrogatórias
somente podem ser adotadas em um estado de emergência
com a extensão
estritamente determinada pelas exigências da
situação. Esta é uma referência clara ao princípio da proporcionalidade. O grau de interferência e o escopo da medida (ambos em termos
de território e duração) devem ser proporcionais
ao que é realmente necessário para se combater
uma emergência que ameace a existência da nação.
Além deste requisito, as medidas tomadas não
podem ser inconsistentes com as outras obrigações [do Estado] perante
o direito internacional e não [devem] envolver
discriminação baseada somente em raça, cor,
sexo, língua, religião, ou origem social". As "outras obrigações
perante o direito internacional referem-se tanto aos princípios do direito costumeiro internacional quanto
ao direito internacional de tratados (primariamente
a outras convenções sobre direitos humanos e
a tratados no campo do direito internacional
humanitário). A disposição de não
discriminação
do artigo 4.1 do PIDCP deve ser aplicada às
disposições do Pacto das quais as derrogações
podem vir a ser feitas (artigos 2.1, 3, 25 e
26).
O artigo 4.3
do PIDCP estipula que qualquer Estado Parte
deverá
informar imediatamente aos outros Estados Partes,
por intermédio do Secretário Geral das Nações
Unidas, acerca das disposições derrogadas, bem
como os motivos dessa derrogação
isto é, deverá notificar imediatamente o estado
de emergência. Uma notificação similar é necessária
quando do término do estado de emergência. A
obrigatoriedade desta notificação, ao contrário
da obrigatoriedade da declaração, não é uma
condição necessária que faz com que a tomada
de medidas de emergência seja legal. Pelo contrário,
é destinada a facilitar a supervisão internacional
por outros Estados Membros e pelo Comitê dos
Direitos Humanos.
Derrogações
No artigo 4.2
do PIDCP, referência é feita aos direitos
inalienáveis, isto é, os direitos que não podem ser derrogados. Estes
são:
* o direito
à vida (artigo 6o);
* a proibição
da tortura (artigo
7o);
* a proibição
da escravidão e servidão (artigo
8o);
* a proibição
da detenção por dívida
(artigo 11);
* a proibição
da retroatividade da lei criminal (artigo
15);
* o direito ao
reconhecimento como pessoa perante a lei (artigo
16);
* o direito à
liberdade de pensamento, consciência e religião
(artigo 18).
Nenhum destes direitos
pode ser suspendido ou ab-rogado em um estado
de emergência. Cada direito existe para todas
as pessoas em todas as circunstâncias. Um Estado
não pode, portanto, usar a imposição de um estado
de emergência como escusa por deixar de proteger
e assegurar cada um desses direitos inalienáveis.
Os vários instrumentos
regionais de direitos humanos também reconhecem
estados de emergência. Enquanto o PIDCP somente
menciona emergência pública, o artigo 15 da
CEDH, o artigo 15 da Carta Social Européia (CSE)
e o artigo 27 da CADH todos também mencionam
situações de guerra. A CADHP não contém uma
cláusula sobre emergência.
Padrões
Humanitários Mínimos
Embora o direito
internacional humanitário crie obrigações legais
para os Estados Membros, somente em situações
de conflito armado justifica-se a aplicação de
alguns daqueles princípios durante estados de
emergência. Além dos princípios já mencionados
sob o título Distúrbios Interiores e Tensões Internas, é apropriado que se examine mais de perto o esboço da Declaração
dos Padrões Humanitários Mínimos.
Este documento, elaborado por um grupo de especialistas
em direitos humanos e direito internacional humanitário,
não tem estatuto legal oficial. O seu conteúdo,
porém, pode oferecer uma orientação ao comportamento
operacional das organizações de aplicação da lei
durante distúrbios interiores e tensões internas,
ou em situações de emergência pública.
O documento
consiste de 18 artigos e discorre sobre os seguintes
assuntos:
* escopo e finalidade
das disposições (artigo 10);
* igualdade e não discriminação (artigo 20);
* direitos pessoais,
e atos proibidos sob todas as circunstâncias
(artigo 30);
* normas relativas
à privação da liberdade (artigo 40);
* proibição de ataques a pessoas que não estejam participando
de atos de
violência, uso da força sujeito à proporcionalidade, proibição do uso
de armas banidas (artigo 50);
* proibição de atos ou ameaças de violência que causem terror
entre a população (artigo 60);
* normas relativas ao deslocamento de pessoas (artigo 70);
* disposições
sobre o direito à vida (artigo 80);
* normas relativas aos procedimentos legais e ao julgamento
(artigo 90);
* proteção das
crianças (artigo 10);
* residência designada,
internamento, detenção administrativa (artigo
11);
* proteção, recolhimento
e cuidados médicos aos feridos e doentes (artigos
12 e 13);
* pessoal médico
e religioso (artigo 14);
* organizações
humanitárias e suas atividades (artigo 15);
* proteção de
direitos dos grupos, minorias e povos (artigo
16);
* disposições finais (artigos 17 e 18);
A Declaração clama
a observância dos direitos dos quais, de acordo
com o PIDCP, derrogações podem ser feitas em
estados de emergência (vide, por exemplo, artigo
90 da Declaração, comparando-o com o artigo
14 do PIDCP).
Conflito Armado
Não Internacional
As situações de
distúrbios interiores e tensões internas podem
elevar-se a ponto de um governo decidir empregar
as forças armadas em operações para restaurar
a ordem em seu território. Onde isto ocorrer,
as confrontações armadas entre membros das forças
armadas e dissidentes destas ou outros grupos
armados organizados podem ser tidas como caracterizando
uma situação de conflito armado não internacional ou guerra civil.
Legislação Aplicável
Sob o título de
conflito armado não internacional dois casos devem ser considerados:
1. qualquer
situação onde, dentro do território de um Estado,
hostilidades
claras e inconfundíveis afloram entre as forças armadas e dissidentes
destas ou outros
grupos armados organizados.
Em situações onde este
tipo de conflito armado não internacional ocorre
no território de algum dos Estados Membros das
quatro Convenções de Genebra de 1949, as partes
daquele conflito estão obrigadas a aplicar as
disposições do artigo 30 comum às Convenções.
O artigo 3o
comum busca propiciar proteção a:
* pessoas que não estejam
participando ativamente nas hostilidades;
* membros das forças
armadas que tenham deposto suas armas; e
* aqueles postos fora de combate por doença, feridas, detenção
ou
por qualquer outra causa;
pela afirmação
de que:
as categorias
de pessoas acima mencionadas devem,
em todas as circunstâncias, ser tratadas humanamente,
sem nenhuma distinção adversa baseada em raça,
cor, religião ou fé, sexo, ascendência ou riqueza,
ou qualquer critério similar.
Neste sentido os
atos seguintes são, e deverão permanecer, proibidos
em qualquer tempo e em qualquer lugar com respeito
às pessoas acima mencionadas:
(a) violência
à vida e à pessoa, em particular assassinatos
de todos os tipos,
mutilações, tratamento
cruel e tortura;
(b) tomada de
reféns;
(c) ultrajes à
dignidade pessoal, em particular tratamento
humilhante e
degradante;
(d) prolação de
sentenças, e o cumprimento de execuções sem
julgamento
prévio pronunciado
por um tribunal regularmente constituído, assegurando
todas as garantias judiciais que são reconhecidas
como indispensáveis pelos povos civilizados.
Os feridos e
doentes deverão ser recolhidos e cuidados.
O segundo caso sob
o título de conflito armado não internacional
que deve ser considerado é o seguinte:
2. qualquer
situação onde forças dissidentes ou outros grupos
armados organizados estão sob a liderança de
um comando responsável, e que exercem tal controle
sobre parte do território, capacitando-as a
conduzir operações militares sustentadas e planejadas,
e a implementar o Protocolo [20 Protocolo].
No segundo
caso, e na ausência do reconhecimento de um
estado de guerra abrangendo a aplicação da lei
de guerra completa, as disposições do artigo
3o comum (definidas acima) ainda são aplicáveis.
Além disso, as regras do Protocolo
Adicional às Convenções de Genebra de 1949,
e Relativo à Proteção das Vítimas de Conflitos
Armados Não Internacionais (20 Protocolo de 1977) devem ser observadas.
Os conflitos armados
não internacionais são também governados pelos
princípios do direito costumeiro internacional,
bem como pelas disposições das convenções de
direitos humanos, das quais os Estados signatários
não derrogam legalmente com a declaração de
um estado de emergência.
Questões de Ordem Pública
Em tempos de conflito
armado interno, é uma questão de decisão nacional
se as organizações de aplicação da lei existentes
continuarão a cumprir suas responsabilidades,
ou se estas responsabilidades serão transferidas
para as forças armadas. Do ponto de vista da adeqüabilidade
(em termos de treinamento, equipamento, e aparência),
é evidente que as forças armadas não devem ser
usadas para a manutenção da ordem pública e aplicação
da lei. Por razões estratégicas, as responsabilidades
básicas da aplicação da lei devem ser deixadas
nas mãos das organizações, no período mais longo
possível.
Conflitos armados
internos podem levar a situações de desobediência
pública em
larga escala, nas quais o respeito pelo estado
de direito estará em sério risco. Se não combatida
prontamente, a desobediência pública pode desenvolver-se
em uma cultura de impunidade, conforme mencionado
acima. Nessas situações, é importante que as
organizações de aplicação da lei permaneçam
funcionando, e que até mesmo consigam aumentar
suas atividades de prevenção e detecção do crime.
Os criminosos devem ser trazidos à justiça e
o estado de direito deve prevalecer. De outra
forma, a democracia e o estado de direito serão,
finalmente, vítimas adicionais do conflito armado.
Conflito Armado
Internacional
Definição e Legislação Aplicável
As Convenções
de Genebra de 1949
são aplicáveis nos casos de: guerra
declarada ou de qualquer outro conflito armado
que possa surgir entre duas ou mais das Altas
Partes Contratantes, mesmo que o estado de guerra
não seja reconhecido por uma delas. As Convenções
também se aplicam em todos os casos de ocupação
total ou parcial do território de uma Alta Parte
Contratante, mesmo que a dita ocupação não encontre
resistência armada (artigo 20 comum às quatro Convenções de
Genebra de 1949).
O 10 Protocolo Adicional de 1977,
que complementa as Convenções de Genebra de
1949, aplica-se
as situações referidas no artigo 20 , comum àquelas Convenções (10
PA, artigo 1.3). As situações às que se refere o 10 PA , artigo 1.3, incluem
conflitos armados pelos quais os povos estão
lutando contra o domínio colonial e a ocupação
estrangeira, e contra regimes racistas, no exercício
de seu direito de autodeterminação, conforme
consagrado na Carta das Nações Unidas e na Declaração
sobre Princípios do Direito Internacional Relativa
às Relações Amigáveis e Cooperação entre Estados,
de acordo com a Carta das Nações Unidas
(10 PA, artigo 1.4).
Nos casos não
abordados pelas Convenções, pelo Protocolo ou
outros acordos internacionais; ou caso estes
acordos sejam denunciados, os civis
e combatentes permanecem sob a proteção e autoridade
dos princípios do direito internacional, derivados
do costume estabelecido, dos princípios de humanidade
e dos ditames da consciência pública
(10 P , artigo 1.2; Convenção I, artigo 63;
Convenção II, artigo 62; Convenção III, artigo
142; Convenção IV, artigo 158).
Em situações
de conflito armado internacional uma distinção
importante é feita entre combatentes e não combatentes. De
acordo com o artigo 43.2 do 10 Protocolo Adicional
de 1977: Membros das forças armadas de uma das Partes do conflito
(à exceção do pessoal médico e capelães, que
são cobertos pelo artigo 33 da Terceira Convenção)
são combatentes, isto é, eles têm o direito
a participar diretamente das hostilidades.
Conseqüentemente,
aqueles que não se enquadram como combatentes,
são não combatentes, que não têm direito a participar das hostilidades,
porém têm o direito
à proteção contra os perigos surgidos das operações
militares
(10 Protocolo, artigo 51).
Os combatentes
que caem no poder de uma parte adversária são
prisioneiros de guerra (10
Protocolo, artigo 44.1).
O artigo 40 da Terceira
Convenção de Genebra de 1949 define quem tem
o direito ao estatuto de prisioneiro de guerra.
A Convenção estabelece regras para o tratamento
dos prisioneiros de guerra durante seu cativeiro.
A premissa básica do tratamento de prisioneiros
de guerra é que estes devem ser tratados humanamente
durante todo o tempo, e que devem ser protegidos,
especialmente contra atos de violência ou intimidação,
de insultos e da curiosidade pública (CG III,
artigo 13o).
Os combatentes recebem alguma proteção
durante as hostilidades, pôr meio de medidas
formuladas para regular os métodos e meios de
guerra permissíveis.
As pessoas
que não possuem o estatuto de combatentes são
classificadas como civis.
Em caso de dúvida se uma pessoa é combatente
ou não, deverá ser tratado e considerado como
civil. Os civis não têm o direito de participar
nas hostilidades, e não são intituladas a receber
o estatuto de prisioneiros de guerra. A Quarta Convenção de Genebra de 1949 estabelece as normas para a Proteção de Pessoas Civis em Tempo de Guerra. O 10 Protocolo Adicional de 1977 estabelece as normas para
a Proteção
de Vítimas de Conflitos Armados Internacionais.
As Convenções
de Genebra de 1949 e o 10 Protocolo Adicional
de 1977 implicitamente reconhecem o estatuto civil das organizações de aplicação da lei. De acordo com o artigo 43.3 do 10 Protocolo, as partes de
um conflito podem decidir incorporar uma organização
de aplicação da lei paramilitar ou armada a
suas forças armadas, desde que informem as outras
partes do conflito. Em tal situação, os encarregados
da aplicação da lei adquiririam estatuto de
combatentes e se sujeitariam, efetivamente ao
regime destinado a pessoas com estatuto de combatente.
O artigo 54 da Quarta
Convenção de Genebra de 1949 contém uma disposição
importante para as Forças de Ocupação, não é
permitido a estas alterar o estatuto dos funcionários
ou magistrados do território ocupado, ou aplicar
sanções de qualquer natureza, ou adotar medidas
de coerção ou discriminação contra os mesmos,
caso tenham evitado desempenhar suas funções
por motivos de consciência.
Questões de Ordem Pública
Situações de conflito
armado têm geralmente um grande efeito desagregador
na vida, segurança e ordem públicas. Tais situações
de conflito armado também resultam, freqüentemente,
em um grande número de pessoas que decidem (temporariamente)
deixar seus lares e buscar refúgio em outros lugares,
em seu próprio país ou em países vizinhos. Conflitos
armados modernos são responsáveis por gerarem
milhões de deslocados internos e refugiados. É
importante que os encarregados da aplicação da
lei estejam familiarizados com os direitos destes
grupos, que estão particularmente vulneráveis
e necessitam de assistência e proteção. Os encarregados
da aplicação da lei devem perceber, em especial,
que os deslocados internos são cidadãos do país
onde se encontram e que, portanto, gozam de todos
os direitos, liberdades e proteção que decorrem
daquela nacionalidade. Para informações mais detalhadas
sobre os direitos e a posição destes grupos vulneráveis,
favor consultar o capítulo Refugiados e Deslocados Internos.
As situações de conflito
armado também tendem a gerar todo o tipo de
crimes de guerra, e um estado geral de ilegalidade
e a percepção (ou realidade) da impunidade.
Tanto quanto possível, as organizações de aplicação
da lei devem continuar a funcionar. Isto é importante
não só para combater os vários tipos de crimes
penais, mas também para que se mantenha a atribuição
funcional do serviço ao público. Estas são duas
das funções para as quais as forças armadas
não estão treinadas nem aparelhadas. Deve ficar
claro que sempre que tais responsabilidades
forem atribuídas às forças armadas, a qualidade
da aplicação da lei e da manutenção da ordem
pública sofrerá.
Outro aspecto que deve ser abordado
neste capítulo, e que já foi brevemente discutido
em relação a distúrbios interiores e tensões
internas, é o de desaparecimentos e execuções
extrajudiciais.
O que é
um desaparecimento?
Os desaparecidos
são pessoas que foram detidas sob custódia de
agentes do Estado, mas cujo paradeiros e destino
são ocultados, e cuja custódia é negada.
- Programa de 14 pontos
da Anistia Internacional para a Prevenção de
Desaparecimentos
O que é
uma execução extrajudicial?
Execuções extrajudiciais
são assassinatos ilegais e deliberados, cumpridos
por ordem de um governo ou com sua cumplicidade
ou aquiescência.
- Programa de 14 pontos da Anistia Internacional para a Prevenção de
Execuções Extrajudiciais
A severidade de ambos
os atos, que são imputáveis ao Estado, deve
ser inteiramente compreendida. A privação ilegítima
e arbitrária da vida ou da liberdade constitui
uma privação de direitos dos quais todos os
outros direitos e liberdades derivam. As pessoas
cujo fato de sua custódia é negado, não se beneficiarão
do direito a um julgamento justo ou de nenhuma
outra medida criada para proteger aqueles privados
de sua liberdade. Quanto ao direito à vida,
os Estados estão obrigados a protegê-lo. Os
casos em que alguém pode ser privado de sua
vida estão claramente prescritos pela legislação.
Mortes extrajudiciais são a demonstração mais
cabal de uma completa falta de respeito pela
vida humana, pela dignidade humana e pelos direitos
inerentes de cada ser humano. Tanto desaparecimentos
involuntários ou forçados quanto execuções extrajudiciais
vão solapar a estabilidade, e podem espalhar
o terror entre a população de um país. A manutenção
da lei e da ordem estará mal servida por organizações
responsáveis pelas mesmas que recorram a meios
ilegais e arbitrários no cumprimento de seus
deveres e tarefas. Sempre que houver alegações
de desaparecimentos ou mortes extrajudiciais,
essas devem ser minuciosa, imparcial e prontamente
investigadas. As organizações de aplicação da
lei devem considerar como seu dever, em todas
as ocasiões, o trabalho de prevenção eficaz
de atos de tamanha gravidade. Da mesma forma,
espera-se que os governos tenham estabelecidos
mecanismos independentes e eficazes para investigar
desaparecimentos e mortes extrajudiciais.
Pontos de Destaque
do Capítulo
* Todos têm direito
à liberdade de opinião e expressão, à liberdade
de reunião pacífica e de associação.
* O controle eficaz de
multidões pelas organizações de aplicação da lei
requer conhecimento, habilidade e preparação minuciosa.
* Em reuniões ilegais,
porém não violentas, os encarregados da aplicação
da lei devem evitar o uso da força, ou, onde isto
não for praticável, devem limitar seu uso ao mínimo
necessário.
* Ao dispersar reuniões
violentas, a arma de fogo somente pode ser usada
quando outros meios menos perigosos forem ineficazes
E quando existir uma ameaça iminente à vida ou
de grave lesão.
* Disparar indiscriminadamente
contra uma multidão nunca será um meio legítimo
ou aceitável para dispersar aquela multidão.
* Em tempos de distúrbios
interiores e tensões internas, padrões humanitários
mínimos devem ser observados pelos encarregados
da aplicação da lei.
* Em tempos de emergência pública que ameace a existência da nação, os
Estados podem, na medida estritamente exigida
pela situação, tomar certas medidas que derroguem
das disposições do PIDCP.
* Um estado de emergência necessita ser declarado oficialmente. A finalidade
disto é: informar ao público, prevenir derrogações
de facto, e impedir tentativas
subsequentes de se justificar violações dos direitos
humanos.
* O PIDCP (artigo 40)
estabelece alguns direitos inalienáveis: o direito
à vida, ao reconhecimento de sua personalidade
jurídica e à liberdade de pensamento, bem como
à proibição da tortura, da retroatividade da legislação
criminal, da escravidão e servidão.
* As situações de conflito
armado de baixa intensidade são governadas pelo
artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra
de 1949.
* As situações de conflito
armado de alta intensidade são governadas pelo
artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra
e pelo 20 Protocolo Adicional de 1977.
* O artigo 3o comum estabelece
que certos atos são proibidos em todas as ocasiões.
Estes incluem violência contra a vida, tomada
de reféns, ultrajes à dignidade pessoal, e punições
e execuções extrajudiciais.
* O 20 Protocolo estabelece
regras para a proteção de vítimas de conflitos
armados não internacionais.
* Todas as quatro Convenções
de Genebra de 1949 e o Protocolo Adicional de
1977 se aplicam a situações de conflito armado
internacional.
* Em conflitos armados
internacionais uma importante distinção é feita
entre civis e pessoas que têm o estatuto de combatentes.
* As pessoas com estatuto de combatentes têm o direito de participar
nas hostilidades; têm o direito de ser tratados
como prisioneiros de guerra quando capturados
pelo inimigo; e devem observar as regras relativas
aos métodos e meios de guerra.
* Os encarregados da aplicação
da lei são, em princípio, considerados como civis,
a menos que seu governo os incorpore às forças
armadas e notifique tal ocorrência aos outros
Estados Partes.
* Desaparecimentos forçados
ou involuntários e mortes extrajudiciais são violações
graves dos direitos humanos. Devem ser pronta,
minuciosa e imparcialmente investigados. Sua prevenção
eficaz é de suma importância.
Perguntas para
Estudo
Conhecimento
1. Qual é a definição de conflito armado
interno? 2. Em quais situações o direito
internacional humanitário se aplica legalmente? 3.
Quando pode um Estado declarar um estado de emergência? 4. Quais direitos não podem ser derrogados? 5. Qual é a posição legal das pessoas com estatuto de
combatentes? 6. Qual é o estatuto dos encarregados
da aplicação da lei em um conflito armado interno? 7. Os encarregados da aplicação
da lei têm de cumprir seus deveres sob as forças de ocupação? 8. Quando é permitido o uso de
armas de fogo contra uma reunião violenta?
Compreensão
1. Por que os princípios do direito internacional
humanitário devem ser observados mesmo em situações onde estes não são
legalmente aplicáveis? 2. O que poderia motivar um
Estado a ter um estado de emergência de
facto ao invés de um
estado de emergência declarado? 3. Qual é o
significado do fato de que os encarregados da aplicação da lei, como regra geral, não têm estatuto de
combatentes? 4. O que as organizações de aplicação
da lei podem fazer para prevenir de forma eficaz desaparecimentos forçados ou
involuntários? 5. Quais medidas os encarregados da
aplicação da lei podem tomar para legalmente limitar o direito à liberdade de associação? 6. Quais são, na sua opinião, as possíveis causas para a
deterioração da lei e da ordem que levam aos
distúrbios interiores e tensões internas, e o que as organizações de aplicação
da lei podem fazer para impedir que isto aconteça? Aplicação
Ao deparar-se com situações
de sérios distúrbios e tensões, nos quais os encarregados
da aplicação da lei também são alvos, seu superior
ordena que você prepare planos para assegurar
a segurança de suas instalações policiais, e pede
que você faça algumas recomendações para a prevenção
e anterior detecção de mais desordem.
1. Elabore os planos de segurança requeridos,
esclarecendo em que pontos você se
concentraria e por que.
2. Elabore as recomendações solicitadas para a
prevenção e detecção, levando em
conta o papel que poderia ser exercido por outros
órgãos públicos e/ou comunitários.
Preocupado com a questão de desaparecimentos e
mortes extrajudiciais, seu superior pede que você
elabore ordens de rotina para sua organização
de aplicação da lei, que sejam destinadas à prevenção
e detecção de tais atos.
1. Quais medidas preventivas você propõe?
2. Quais medidas você propõe para detecção e subseqüente
investigação?
Referências Selecionadas: Apêndice III
Caderno 8: Poderes básicos da
Aplicação da Lei / Captura
Voltar: Introdução ao Manual |