Perguntas para Estudo
*
Conhecimento
* Compreensão
Perguntas-chave para os
Encarregados da Aplicação da Lei
* Qual é o
histórico do direito internacional humanitário?
* Qual é o objeto e o propósito do direito internacional
humanitário?
* Quais são os principais instrumentos jurídicos do direito
internacional humanitário?
* Por que o direito internacional humanitário é tão
importante para os encarregados da aplicação da lei?
* O que se entende pelo Direito de Genebra?
* O que se entende pelo Direito de Haia?
* Qual é o significado do direito internacional humanitário
para a execução de operações militares?
* Que níveis de proteção o direito internacional humanitário
oferece e para quem?
* Quando o direito internacional humanitário é legalmente
aplicável?
* Qual é o papel do Movimento Internacional da Cruz Vermelha
e do Crescente Vermelho durante as guerras?
* Qual é o mandato da Cruz Vermelha Internacional?
* Qual é a relação entre o direito internacional humanitário
e os instrumentos de direitos humanos?
* Quais são as principais semelhanças e diferenças entre os
dois tipos de direito?
Introdução
Origem e Desenvolvimento
Normas restringindo o direito dos beligerantes de infligir lesões a seus
adversários têm existido, em quase todas as civilizações, desde os tempos
antigos, mas especialmente desde a Idade Média. As leis para proteção de certas
categorias de pessoas durante conflitos armados podem ser acompanhadas, ao
longo, em praticamente qualquer país ou civilização do mundo. Estas categorias
de pessoas têm incluído mulheres, crianças, idosos, combatentes desarmados e
prisioneiros de guerra. Foram proibidos os ataques contra certos alvos, como
templos religiosos, e meios de combate desleais, como, por exemplo, o emprego de
veneno em especial.
No entanto, foi somente no século dezenove
- quando as guerras foram empreendidas por grandes
exércitos nacionais usando novas e mais destruidoras
armas, que deixaram um número terrível de soldados
feridos e abandonados no campo de guerra - que
um direito de guerra, baseado em convenções multilaterais,
foi desenvolvido. Não foi uma coincidência que
isto tenha ocorrido num tempo em que os Estados
estavam cada vez mais interessados em princípios
comuns de respeito pelo ser humano. Essa tendência
geral recebeu um impulso decisivo da Convenção
de Genebra de 1864 para a Melhoria das Condições
dos Feridos nos Exércitos em Campanha,
que expressa com clareza a idéia de um princípio
humanitário de aplicação geral, mediante a exigência
das Altas Partes Contratantes de tratar os feridos
e os do inimigo com cuidado igual. Outro evento
chave foi a elaboração do Código de Lieber (1863), que reuniu,
em um instrumento extenso e independente, todas
as normas e costumes de guerra e também ressaltou
certos princípios humanitários que ainda não haviam
sido clarificados. Esse Código foi mais importante
para o desenvolvimento do direito internacional
humanitário (DIH), em geral, que a própria Convenção
de Genebra de 1864.
O aumento paulatino do sofrimento humano, causado por
situações de conflito armado, levou à evolução permanente da codificação das
normas relativas à conduta de hostilidades e à proteção das vítimas de conflitos
armados. Isto implica a constatação de que o direito internacional humanitário
está sempre uma guerra atrasado. Por exemplo, as quatro Convenções de Genebra de
1949 não ofereceram soluções adequadas aos problemas surgidos dos conflitos
armados subseqüentes, nem propiciaram proteção suficiente às novas categorias de
vítimas criadas por eles. A elaboração dos Protocolos de 1977, adicionais às
Convenções de 1949, foi um resultado direto daqueles conflitos armados.
Portanto, o círculo de pessoas protegidas pelo direito
internacional humanitário tem sido gradualmente
aumentado. Uma característica atual do DIH, que
vem surgindo ao longo dos anos, é a categoria
bem definida de pessoas protegidas por este: os
feridos, os doentes, os náufragos, os prisioneiros
de guerra, e os civis nas mãos do inimigo. Os
acontecimentos mais recentes na codificação do
DIH têm tido a tendência de proteger todas as
pessoas que não estão participando ou tenham cessado
de participar nas hostilidades. Não obstante,
deve ser enfatizado que tais normas já existiam
no Código de Lieber (1864).
O Direito de Guerra - Uma Breve
Recapitulação
O Direito de Guerra não é o produto do pensamento fútil de
algum humanista esclarecido que decidiu tornar a guerra mais humana. Pelo
contrário, nasceu no campo de batalha e foi moldado pela própria
experiência. Na realidade, as normas são
tão velhas quanto a própria guerra, e a guerra é tão velha quanto a existência
humana na terra. O direito de guerra, embora de data recente em sua forma atual,
tem uma longa história. Mesmo no passado distante, os líderes militares, às
vezes, ordenavam que suas tropas poupassem as vidas dos inimigos capturados ou
feridos, que os tratassem bem e que poupassem a população civil inimiga e seus
pertences. Freqüentemente, cessadas as hostilidades, as partes beligerantes
concordavam em trocar prisioneiros em seu poder. Com o passar do tempo, tais
práticas, e outras similares, desenvolveram-se gradualmente em um conjunto de
normas costumeiras relativas à guerra.
O processo de elaboração de tratados
para codificar as normas de guerra data da década
de 1860. Em
duas ocasiões distintas uma conferência internacional
foi convocada para elaborar dois tratados - cada
uma delas encarregada de um aspecto específico
do direito de guerra. Uma conferência aconteceu
em Genebra, em 1864, sobre o destino dos soldados
feridos no campo de batalha, e a outra em São
Petersburgo, em 1868, com o intuito de proibir
o emprego de projéteis explosivos com menos de
400 gramas de peso. Essas duas conferências internacionais
marcaram o ponto de partida da codificação do direito de guerra em tempos modernos.
Foram seguidas por duas Conferências de Paz, em
1899 e 1907, sediadas em Haia. O principal objetivo
desses encontros foi o de regular os métodos e
os meios de guerra. Desde então, os conjuntos
de princípios resultantes são conhecidos como
o Direito de Genebra e o Direito de Haia. Este
rege a conduta
das operações militares, ao passo que o Direito
de Genebra cobre a proteção das vítimas de guerra.
A relação intrínseca entre o mundo militar e o da
Cruz Vermelha também pode ser reportada a eventos e acontecimentos históricos
que deixaram sua marca sobre a civilização do presente século. Em meados do
século dezenove, o destino dos soldados feridos no campo de batalha deixava
muito a desejar. Pior do que isto, além da falta de recursos para se cuidar de
milhares de vítimas, foi o fato de que a prática de guerra, no início do século,
de poupar os hospitais de campo, o pessoal médico e os feridos do inimigo, não
era mais respeitada. Pelo contrário, os hospitais de campo eram bombardeados e
os médicos e enfermeiros eram expostos a ataques no campo de batalha. A situação
de milhares de combatentes capturados, relegados sem tratamento adequado, era
desastrosa.
Foi em meio às horríveis condições do
campo de batalha de Solferino que a idéia da Cruz
Vermelha nasceu.
Logo após, os primeiros passos para a proteção
das vítimas de conflitos armados foram tomados:
organizações privadas de assistência foram fundadas
em vários países para assistir aos
serviços médicos militares
na tarefa para a qual estes não estavam equipados;
o status
de neutralidade (inviolabilidade) do pessoal médico
e dos estabelecimentos médicos foi formalmente
declarado, e o símbolo de uma cruz vermelha sob
um fundo branco foi introduzido para identificar
e proteger as atividades médicas.
Desde então, o direito de guerra tem sido
constantemente aprimorado, de modo a expandir o escopo da proteção das vítimas e
adaptá-lo à realidade dos novos conflitos. Militares e civis afiliaram-se ao que
ficou sendo conhecido como o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, em seus
esforços para melhorar a proteção das vítimas de guerra. As normas contidas
nas quatro Convenções de Genebra de 1949,
protegendo os feridos, os doentes, os náufragos, os prisioneiros de guerra e os
civis, e seus dois Protocolos Adicionais de 1977, são resultados tangíveis daqueles esforços. São especialmente
relevantes aos comandantes militares as normas que governam o emprego dos
métodos e meios de combate contidas nas Convenções de Haia e nos dois ditos Protocolos, pois estabelecem limites
destinados a evitar sofrimento e destruição desnecessários.
Após a experiência traumática da Segunda Guerra
Mundial, o
recurso ao conflito armado foi na realidade banido
pela comunidade internacional (em 1945), na Carta
das Nações Unidas, tornando ilegal aos Estados
promoverem a guerra, senão em defesa própria ou
para a manutenção da segurança coletiva sob a
autoridade do Conselho de Segurança das Nações
Unidas:
"Todos os Membros abster-se-ão, em suas relações
internacionais, da ameaça ou emprego da força
contra a integridade territorial ou independência
política de qualquer Estado, ou de qualquer outra
maneira inconsistente com os Propósitos das Nações
Unidas" (Carta das Nações Unidas artigo 2.4).
Mas a realidade, infelizmente, mostra que guerras
e conflitos continuam e que as leis limitando
a violência e aliviando o sofrimento tornaram-se
mais importantes do que nunca.
O Direito de Guerra versus a
Necessidade Militar
O papel das forças armadas mudou.
Sua principal função é, na verdade, prevenir a guerra através da dissuasão.
Porém, se a guerra acontecer, seu dever é
manter o conflito sob controle e evitar seu recrudescimento. Nenhum conflito
armado pode ser humanitário. Na melhor das hipóteses, um conflito armado pode
ser gerido racionalmente ou, em outras palavras, profissionalmente,
respeitando-se os princípios táticos dentro do arcabouço do direito de guerra. O
respeito pelo direito de guerra e suas normas não é somente um ditame do bom
senso, mas sim a ferramenta mais importante ao alcance do comandante militar
para evitar o caos.
O direito de
guerra não pede que o comandante militar siga normas que não possa respeitar.
Pede que ele execute sua missão pesando
os fatores militares e humanitários prevalecentes quando da tomada de decisões.
As ações tomadas para satisfazer os requisitos da necessidade militar não devem
ser excessivas em relação à vantagem militar direta esperada da operação
planejada.
A necessidade
militar e as considerações humanitárias pelas vítimas de guerra são forças
freqüentemente opostas na guerra, cada uma moderando a influência da
outra.
Por um lado existe o requisito da vitória,
e a conseqüente tendência é de se usarem todos
os meios possíveis de assegurá-la; por outro,
existe a consciência louvável de que a vida tem
valor, de que a tortura é desumana e a guerra
é uma situação anormal - que é lutada não para
destruir uma civilização, mas sim para que se
atinja uma paz melhor. A guerra, por sua própria
natureza, está além do controle da lei. Ela representa
a fragmentação da lei. Apesar dessa opinião, existe um argumento natural forte, baseado
no interesse próprio, para que se observem as
normas humanitárias: a ameaça de retaliação.
Além disso, se o ressentimento causado pela falta
de humanidade persiste após o fim das hostilidades,
pode vir a ser do interesse próprio que se aja
com cautela. A clemência é freqüentemente tanto
do interesse do vitorioso quanto um benefício
do conquistado.
O Direito de Guerra versus a
Tática
O direito de guerra não é um obstáculo à eficiência militar.
O direito de guerra e os princípios táticos
são compatíveis. Os princípios táticos
funcionam como guia ao comandante militar para que se concentre no essencial. A
guerra é um fenômeno complicado, em que fatores múltiplos interagem, e visto que
o direito de guerra se tornou um complexo conjunto de princípios de cerca de 800
normas, que o comandante militar não tem como conhecer todas, devemos
simplificá-lo. A simplificação é necessária porque o comandante deve ser capaz
de analisar, organizar, planejar e, às vezes, simultaneamente, conduzir uma
operação militar em meio ao caos. É por isso que os princípios táticos se
concentram no essencial; e é por isso que o processo decisório deve tornar-se
uma questão rotineira. Essa é a razão para que o direito de guerra seja
condensado estritamente ao mínimo.
A essência do direito de guerra pode ser resumida
em três frases:
1. atacar somente alvos
militares;
2. poupar pessoas
e objetos sujeitos à proteção que não contribuam para o esforço
militar;
3. não usar mais
força do que o necessário para cumprir sua missão
militar.
Existe um efeito
convergente entre as táticas bem aplicadas e o objetivo do direito de guerra.
Este é uma barreira contra o exagero: enfraquece o potencial do inimigo até que
ele se submeta ou se renda. Da mesma forma, a arte das táticas busca o mesmo
objetivo. Os princípios táticos ensinam ao comandante como organizar seus meios
disponíveis para derrotar o inimigo sem expor seu próprio contingente.
Direito Internacional
Humanitário
O direito internacional humanitário (DIH) é uma ramificação do
direito internacional público - aplicável em conflito armado - e é destinado a
assegurar o respeito pelos seres humanos à medida que este seja compatível com
os requisitos militares e a ordem pública, e atenuar os sofrimentos causados
pelas hostilidades. O direito internacional humanitário é dividido em duas
categorias: o Direito de Genebra e o Direito de Haia.
O direito de
Genebra trata da proteção das vítimas de
guerra, sejam elas militares ou civis, na água ou em terra. Protege todas as
pessoas fora de combate, isto é, que não participam ou não estão mais
participando nas hostilidades: os feridos, os doentes, os náufragos e os
prisioneiros de guerra.
Por outro lado, o direito de Haia preocupa-se mais
com a regulamentação dos métodos e meios de combate, e concentra-se na condução
das operações militares. O direito de Haia é, portanto, de interesse fundamental
ao comandante militar em terra, mar e ar.
No entanto, restou um pequeno problema: conforme
mencionado, o direito de Genebra evoluiu ao longo dos tempos, ao passo que o
direito de Haia permaneceu inalterado desde 1907. Contudo, as normas
estabelecidas pelas Convenções de Haia foram de importância fundamental, sendo
essencial evitar que se tornassem obsoletas. Sendo assim, o CICV considerou
indispensável que elas fossem incluídas no esboço dos Protocolos Adicionais às
Convenções de Genebra de 1949 Esta intenção foi plenamente aprovada pelos
representantes de governos na Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e
Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável a Conflitos
Armados, ocorrida em Genebra de 1974 a 1977.
Portanto, existe um terceiro tipo de direito, o
chamado direito misto, que contém disposições que tratam tanto da proteção das
vítimas de guerra quanto de conceitos mais operacionais. Esta fusão dos dois
tipos de direito é encontrada principalmente nos dois Protocolos Adicionais, que
foram adotados em 1977.
O Direito de Genebra
O objeto do Direito de Genebra
é salvaguardar as vítimas de situações de conflito
armado - os membros das forças armadas que estejam
fora de ação, sejam eles feridos, doentes, náufragos ou prisioneiros de guerra, bem
como a população civil e geralmente todas as pessoas
que não participam ou não estão mais participando
nas hostilidades.
As quatro Convenções de Genebra de 12 de Agosto
de 1949 constituem o conjunto dessas
normas de proteção. Atualmente, contando com 188 Estados Partes, elas são
universalmente reconhecidas. As convenções foram ampliadas e suplementadas pela adoção dos dois Protocolos Adicionais de
10 de junho de 1977 (o Primeiro Protocolo
relativo a conflitos armados internacionais, e o Segundo Protocolo relativo a
conflitos armados não internacionais), que, até 31 de março de 1997, haviam sido
ratificados por 147 e 139 Estados, respectivamente.
O Direito de Genebra e a Cruz Vermelha têm a mesma
origem. Na noite da sangrenta batalha de Solferino (na Itália), em 1859, Henry
Dunant, horrorizado com o sofrimento dos feridos abandonados sem socorro e sem
cuidados médicos no campo de batalha, buscou uma maneira de evitar tal
sofrimento em guerras futuras. Suas idéias, que deram origem tanto à Cruz
Vermelha quanto ao direito internacional humanitário, foram expressas em seu
famoso livro Uma Lembrança de
Solferino. Elas encontraram receptividade
em toda a Europa, mas principalmente em seu próprio país, a Suíça, e foram
rapidamente postas em prática. As idéias podem ser resumidas da seguinte
forma:
a) criação, em tempo de paz, de sociedades capazes de
auxiliar soldados feridos em tempos de conflito e, desta forma, remediar como
auxiliares as deficiências dos serviços médicos das forças armadas. Estas
sociedades de assistência tornar-se-iam Sociedades Nacionais da Cruz
Vermelha;
b) fundação do "Comitê
Internacional para Assistência aos Soldados Feridos",
uma organização neutra para dar assistência em
tempos de conflito armado. Este Comitê, que foi
formado em Genebra, em 1863, por Henry Durant
e quatro outros cidadãos daquela cidade (Sr. Moynier,
General Dufour, Dr. Appia e Dr. Maunoir), deu
origem ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha
(CICV); e
c) a convocação, pelo governo Suíço, de uma
Conferência Diplomática da qual participaram dezesseis Estados, os quais
adotaram, em 1864, a Convenção para a Melhoria
das Condições dos Feridos nos Exércitos em Campanha. Esta Convenção representou o alicerce do direito internacional
humanitário contemporâneo: ela estipula que os membros das forças armadas
feridos ou doentes devem ser assistidos e tratados sem distinção adversa a que
lado pertençam; que os estabelecimentos, equipamentos e pessoal médico deverão
ser respeitados e marcados com um emblema característico - uma cruz vermelha
sobre fundo branco - e que a ação médica em tempo de conflito é neutra, não
representando apoio a nenhuma das partes beligerantes.
O direito internacional humanitário tem-se
desenvolvido em estágios desde 1864. A categoria de pessoas legalmente
protegidas tem crescido como resultado de duras experiências, que, tal como a
batalha de Solferino, revelaram a proteção inadequada às vítimas. Esta proteção
foi estendida, em 1899 e 1906, aos náufragos integrantes das forças armadas. Em
1929 a proteção aos prisioneiros de guerra - já protegidos pelo direito
consuetudinário e pelas Convenções de Haia - foi intensificada.
Em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, as Convenções
existentes foram revisadas e suplementadas na
forma da Primeira, Segunda e Terceira Convenções.
A Quarta Convenção estendeu a proteção conferida
pelo direito internacional humanitário a uma nova
e importante categoria de vítimas: os civis, embora
estes, em territórios ocupados, já tivessem sido
mencionados na Convenção de Haia (IV) de 1907.
As Convenções de
Genebra transpõem as matérias de interesse moral e humanitário para o sistema
jurídico internacional. Elas incorporam o ideal da Cruz
Vermelha. O CICV é seu promotor e
inspirador. Além disso, estas mesmas
Convenções estabelecem a base legal para o mandato humanitário de proteção e
assistência do CICV. O CICV é uma
organização privada e neutra, cujos membros (de seu órgão governante, o Comitê
em si) são todos suíços. Como um intermediário neutro, o Comitê contribui para a
aplicação do direito internacional humanitário por meio da assistência médica
aos feridos, doentes e náufragos, bem como buscando melhorar as condições de
detenção dos prisioneiros de guerra, localizar pessoas desaparecidas e
transmitir mensagens da família. Se necessário, também organiza operações de
assistência em nome da população civil, providenciando suprimentos alimentares,
medicamentos e roupas.
O Direito de Haia
O "Direito de Haia"
determina os direitos e deveres das partes beligerantes
na conduta de operações militares, e limita os
meios de infligir dano ao inimigo. Estas normas
estão contidas nas Convenções de Haia de 1899, revistas em 1907 e, desde 1977,
nos Protocolos adicionais às Convenções de Genebra
bem como nos vários tratados proibindo ou regulando
o emprego de armamentos. Embora alguns dos tratados de Haia tenham perdido seu significado jurídico,
as normas relativas à conduta de hostilidades
são ainda válidas hoje em dia. Em um conflito
armado, o objetivo almejado por ambas as partes
é alcançar uma vantagem decisiva através do enfraquecimento
do potencial militar do inimigo. No entanto, a
escolha dos métodos ou meios de lesar o inimigo
não é ilimitada, e todo emprego da força que cause
sofrimento ou destruição excessivos em relação
à vantagem militar de uma operação é proibido.
As normas de guerra são formuladas com as necessidades
militares em mente, mas sua inspiração também
é humanitária, visto que problemas humanitários
não resolvidos são freqüentemente fontes de conflitos.
As Convenções de Haia foram estabelecidas por duas
sucessivas Conferências Internacionais de Paz, ocorridas em Haia, em 1899 e
1907. A primeira Conferência adotou seis convenções e declarações, e a segunda
adotou quatorze, todas se encaixando nas seguintes três categorias:
a) a primeira categoria inclui as convenções
que objetivam evitar a guerra, tanto
quanto possível, ou pelo menos estabelecendo condições rigorosas a serem
cumpridas antes do início das hostilidades.
Exemplos desta categoria incluem os seguintes
instrumentos:
(i) a Convenção
para a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais;
(ii) a Convenção respeitando a Limitação do Emprego da Força para a
Indenização de Débitos Contratuais;
e
(iii) a Convenção relativa ao Rompimento das Hostilidades.
Esta categoria já tornou-se totalmente obsoleta. Tais
convenções são reflexo de um tempo em que o recurso à guerra ainda não era
considerado ilegal, ao passo que, atualmente, a situação mudou inteiramente
desde a adoção da Carta das Nações Unidas, que proíbe o recurso à guerra (exceto
em casos de defesa própria). Não há sentido, atualmente, em se dizer que as
hostilidades não podem começar sem aviso: elas nem devem acontecer.
b) a segunda categoria de instrumentos legais adotados em Haia inclui convençõesespecíficas à proteção das vítimas de guerra,
tais como:
(i) a (III) Convenção para Adaptar a
Guerra Marítima à Convenção de Genebra de 1864, adotada em 1899;
(ii) a Seção II das Normas anexas à (II)
Convenção concernente às Leis e Usos da Guerra Terrestre, adotada em 1899. O Capítulo II da Seção I destas Normas já
versava sobre os prisioneiros de guerra.
(iii)
a IV Convenção de Haia, de 18 de outubro de
1907 concernente às Leis e Usos da Guerra Terrestre", a qual se sobrepôs à anterior II Convenção de Haia, de
1899.
Os dois tipos de vítimas protegidas por esta segunda
categoria de instrumentos (isto é, os feridos,
doentes e náufragos e os prisioneiros de guerra)
têm sido, desde então, amparados mais extensivamente
e mais detalhadamente pelas Convenções de Genebra,
as quais se sobrepuseram aos instrumentos de Haia,
tornando-os progressivamente obsoletos (tal como
com a primeira categoria), embora alguns capítulos
importantes como o da ocupação militar ou o do
tratamento de espiões e parlamentares, por exemplo,
ainda sejam válidos.
c) a terceira e última categoria compreende as
convenções estabelecendo algumas normas elementares à conduta de
guerra.
Atualmente, esta terceira categoria ainda é de
interesse especial aos militares. É até mesmo possível dizer que estas normas -
as únicas das Convenções de Haia que retiveram sua força e poder - são quase
tudo que restou daquelas Convenções, na mente de muitos juristas internacionais.
As principais
normas
desta categoria - e que são as mais importantes
para nós hoje em dia - estão contidas na IV Convenção concernente às Leis e Usos da Guerra Terrestre
adotada
em 1899 e revisada em 1907, e especialmente na
Seção II de suas Normas anexas. Esta seção, intitulada
Hostilidades, estabelece
alguns dos mais importantes princípios do Direito
de Guerra, integrados desde 1977 na Parte III
do Primeiro Protocolo Adicional
às Convenções de Genebra de 1949. Destacam-se
as disposições fundamentais mediante as quais
o direito
dos beligerantes de adotar meios de ferir o inimigo
não é ilimitado; e a proibição do emprego de veneno ou armas venenosas; da perfídia; da
morte ou ferimento do inimigo que tenha se rendido
- uma vez depostas suas armas ou então que este
não tenha mais outros meios de defesa; de declarar
que nenhuma misericórdia será concedida; de empregar
armas, projéteis ou materiais prováveis de causar
sofrimento desnecessário; de fazer uso impróprio
de uma bandeira de trégua, da bandeira nacional
ou da insígnia e uniforme militar do inimigo,
ou dos emblemas característicos da Convenção de
Genebra (no singular, pois somente a Convenção
de Genebra de 1906 existia em 1907). Devem também
ser mencionadas as normas proibindo a pilhagem,
e o capítulo destinado a espiões e bandeiras de
trégua.
Todas estas normas elementares são bem conhecidas.
Existe uma explicação dupla para isso: primeiro, a maioria delas foi incluída e
aprimorada no 10 Protocolo Adicional; e segundo, seus longos anos de existência
e importância fundamental fizeram-nas parte do direito internacional
consuetudinário. No entanto, as próprias Convenções de Haia se aplicam a casos
bem específicos. O mapa político do mundo mudou completamente desde 1907. Muitos
Estados que fizeram parte dessas Convenções simplesmente não existem mais, ao
passo que outras nações mais recentes nunca se importaram em ratificá-las, tendo
considerado suas normas como parte do direito internacional consuetudinário.
Desta forma, é quase impossível se dizer, atualmente, quais Estados estão ou
consideram-se formalmente vinculados pelas Convenções de Haia. Além disso, essas
Convenções somente se aplicavam aos casos em que todas as partes envolvidas em
um conflito fossem formalmente vinculadas por elas. Conseqüentemente, se um
Estado não vinculado pelas Convenções interviesse em um conflito, nenhuma das
partes teria obrigação de respeitá-las a partir desta intervenção. Hoje em dia,
essa regra chamada clausula si
omnes, não mais se aplica, ao passo que
as normas (do Direito de Haia) tornaram-se parte do direito internacional
consuetudinário ou estão contidas nos Protocolos adicionais às Convenções de
Genebra.
Em suma, o interesse que as Convenções de Haia
despertam é que elas contêm os princípios gerais
mais importantes para o que cada vez mais se convencionou
chamar de o
direito do conflito armado.
Esses princípios gerais, tendo adquirido força
de direito internacional consuetudinário e tendo
sido reconhecidos como tal, são aplicáveis a todos
os Estados. Esse detalhe técnico é hoje de importância
fundamental, pois significa que os Estados ainda
não signatários do Primeiro Protocolo Adicional
às Convenções de Genebra de 1949 estão vinculados
às normas originais contidas nas antigas Convenções
de Haia. Além disso, muitas resoluções da Assembléia
Geral das Nações Unidas sobre o respeito
pelos direitos humanos em períodos de conflito
armado têm-se
referido às Convenções de Haia como ainda sendo
aplicáveis.
Outras Convenções e Declarações
de Haia
Dentre as outras Convenções de Haia estão incluídas as
(V) Convenção concernente aos Direitos e
Deveres das Potências e das Pessoas Neutras no Caso de Guerra
Terrestre, a
correspondente (XIII) Convenção concernente
à Guerra Marítima e sete outras convenções relativas à guerra marítima.
É também de interesse especial a
Seção III das Normas anexas à dita (IV)
Convenção concernente às Leis e Usos da Guerra Terrestre que inclui normas relativas à autoridade militar sobre o
território ocupado do Estado hostil. A maioria destas normas foram incluídas na
Quarta Convenção de Genebra de 1949.
Nessa análise das Convenções de Haia três outros documentos,
também assinados nessa cidade, devem ser mencionados.
Esses não são convenções, mas sim declarações,
todas ainda de vital importância em conflitos
do presente. São:
a) a (XIV)
Declaração relativa à Proibição de Lançar Projéteis e Explosivos dos
Balões
Esta declaração foi assinada em Haia, em 1907. Seu
título pode hoje parecer incongruente, mas é de se admirar, no entanto, quão
certos seus autores estavam em prever, em uma época na qual a aviação ainda
estava em sua infância, os perigos inerentes à guerra aérea e a terrível
destruição que iria causar. Se a proibição contida nessa declaração tivesse sido
respeitada, talvez os bombardeios de Varsóvia, Londres, Dresden, Hiroshima ou
Hanói tivessem sido evitados. Infelizmente, no entanto, a declaração tornou-se
uma letra morta, mas seu teor foi resgatado
nas disposições do 10 Protocolo sobre a
proteção da população civil.
b) a (IV, 2)
Declaração relativa ao Emprego de Gases Asfixiantes
Esta foi assinada em Haia, em 1899, e foi a
primeira tentativa de se proibir o emprego - na
guerra - de gás, que é uma forma particularmente
traiçoeira e cruel de armamento. As Partes Contratantes
concordaram em "abster-se do emprego de projéteis
que tenham como único objetivo a difusão de gases
asfixiantes ou deletérios". Essa declaração não
foi respeitada durante a Primeira Guerra Mundial,
mas seu conteúdo foi incluído no
Protocolo para a Proibição do Emprego em Guerra
de Gases Asfixiantes, Venenosos ou Outros Gases,
e de Métodos Bacteriológicos de Guerra,
assinado em Genebra, em 1925. Esse antigo Protocolo
ainda está em vigor, e é um dos raros tratados
deste tipo a ter sido respeitado durante a Segunda
Guerra Mundial. Considerando-se a natureza excessivamente
tóxica de certos gases venenosos acumulados em
grandes quantidades por diversas potências hoje
em dia, é arrepiante cogitar-se da hipótese do
tratado não mais ser observado. Também com relação
a isso, faz-se referência à Convenção de 10 de abril de 1972 sobre a Proibição do Desenvolvimento,
Produção e Acúmulo de Armas Bacteriológicas (Biológicas)
e Tóxicas e sobre sua Destruição
bem como à Convenção sobre Armas Químicas de 1993 (que entrou em vigor em 6 de maio de 1997).
c) a (IV, 3)
Declaração relativa ao Emprego de Projéteis de Teor Explosivo
Esta declaração foi assinada em Haia, em 1899,
e complementou a Declaração de São Petersburgo,
datadad de 1868. A Declaração de 1868 proibiu
o emprego de "qualquer projétil de peso inferior
a 400 gramas, que seja explosivo ou carregado
com substâncias fulminantes ou inflamáveis", ao
passo que a declaração de 1899 afirma que as Partes
concordam em abster-se do emprego de projéteis
que se expandem ou se achatam facilmente no corpo
humano (por exemplo, as balas dum-dum). A redação
desses textos antigos, que se encontra em contraste
tão irônico com as armas empregadas atualmente,
na verdade estabeleceu um princípio essencial
das Convenções de Haia, nomeadamente a
proibição do emprego de armas, projéteis ou substâncias
prováveis de causar ferimentos supérfluos e sofrimento
desnecessário.
Juristas e especialistas de governo ainda não
conseguiram determinar que armas são atualmente
cobertas por esse princípio e cujo emprego deve
ser conseqüentemente proibido. Essa tarefa presumivelmente
nunca será concluída, pois especialistas em direito
gastam seu tempo tentando acompanhar a evolução
da tecnologia militar. Infelizmente, a lei é incapaz
de prevenir a invenção de novos métodos e meios
de guerra, porém tenta limitar os efeitos cruéis
de certas armas tanto quanto possível.
Direito Misto
O Movimento Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho em geral, e o CICV em particular, são
concernentes em primeiro lugar e, acima de tudo, com o Direito de Genebra. No
entanto, desde a adoção dos Protocolos Adicionais, o CICV também se concerne com o respeito pelo direito internacional
humanitário como um todo, concebido como sendo todo o conjunto legislativo
aplicável em situações de conflito armado. Sem um arcabouço jurídico internacional desse tipo, a proteção às
vítimas não receberia o apoio apropriado à sua tarefa. Como iniciador do direito
internacional humanitário, o CICV tem almejado, ainda no presente, desenvolvê-lo
para assegurar que acompanhe o passo dos conflitos, sempre em transformação. O
CICV o faz em diferentes estágios, de acordo com a aparente necessidade e
viabilidade de revisão dos instrumentos existentes.
Os
Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra de 1949
O CICV julgou em 1965 que havia chegado o momento certo
para tal revisão, pois embora as Convenções de
1949 não houvessem perdido - e ainda não perderam
- sua relevância e valor, elas provaram ser insuficientes
para proteger as vítimas de conflitos armados
modernos. De fato, novos tipos de conflitos e
meios de guerra surgiram durante os últimos trinta
anos: guerras de libertação, táticas de guerrilha
e o emprego de armamentos sofisticados e indiscriminados,
tais como armas incendiárias e projéteis de fragmentação.
A população civil, freqüentemente compelida a
aceitar combatentes em seu meio, tornou-se então
mais vulnerável. Era importante, portanto, forjar
normas jurídicas para propiciar uma proteção adequada.
Conseqüentemente, o CICV obteve consultas a respeito
da viabilidade de preencher as lacunas na legislação
existente, não pela revisão das Convenções de
1949 - visto que uma revisão poderia acarretar
o risco dos Estados reverterem os avanços alcançados
em 1949 - mas sim por suplementá-las com protocolos.
A reunião da comunidade internacional aumentada,
incluindo Estados recentemente estabelecidos após 1949, ajudou a dirimir o
sentimento de que as disposições das quatro Convenções de Genebra refletiam um
modo de pensar predominantemente europeu. A elaboração de novos instrumentos
jurídicos, concebidos por todos os Estados modernos, serviu para promover uma
nova disposição universal de implementar tais normas.
Em 8 de junho de 1977, ao final de uma Conferência
Diplomática que havia sido iniciada em Genebra, em 1974, dois Protocolos
adicionais às Convenções foram assinados. Esses Protocolos são destinados a suplementar as Convenções pela proteção
de civis em tempo de guerra e a estender os critérios da aplicação do direito
internacional humanitário para abranger novos tipos de
conflito.
O Primeiro Protocolo, aplicável a conflitos
armados internacionais, incluindo guerras de libertação
nacional, assegura a proteção de civis contra
os efeitos das hostilidades
(particularmente bombardeios), ao passo que as
Convenções de Genebra de 1949 são limitadas à
proteção contra o abuso de autoridade. Nesse sentido,
várias normas relativas ao comportamento de combatentes
e a conduta de hostilidades foram retiradas das
Convenções de Haia. O fornecimento de auxílio
para a população civil é um assunto de grande
interesse da Cruz Vermelha, e este foi tratado,
em termos inequívocos, pelo dispositivo que afirma
que as necessidades da população civil devem ser
supridas pelas partes em conflito. Se estas forem
incapazes de fazê-lo, devem permitir a entrada,
sem obstáculos, de todo o auxílio essencial para
a sobrevivência da população. Essa regra aplica-se
a todas as circunstâncias, mesmo para o benefício
de uma população inimiga ou da população de um
território ocupado. As ações para tal devem incluir
as instalações para as organizações que prestam
auxílio e a proteção ao pessoal especializado.
Além disso, de acordo com o 10 Protocolo, o pessoal
médico civil, transporte e hospitais agora gozam
da mesma proteção já concedida pelas Convenções
ao pessoal médico militar e suas instalações.
As organizações de defesa civil também são protegidas.
O status de prisioneiro de guerra foi concedido a categorias de combatentes
que não haviam sido anteriormente incluídas, tais
como combatentes irregulares, desde que estes
obedeçam a certas normas (por exemplo, respeito
pelas leis e costumes de guerra, carreguem suas
armas abertamente, etc.). Outros dispositivos
melhoraram os meios de supervisão da implementação
do direito internacional humanitário.
O 2º Protocolo suplementa o artigo 3o, comum a todas quatro Convenções de Genebra,
com normas mais detalhadas e aplicáveis em situações
que não são abrangidas pelo 10 Protocolo, isto é, conflitos armados não-internacionais de
uma certa magnitude. De importância particular
são as garantias fundamentais da proteção a todas
as pessoas que não estão participando, ou tenham
cessado de participar nas hostilidades, bem como
o princípio geral da obrigatoriedade de proteção
à população civil e às normas pertinentes aos
feridos, doentes e náufragos e às instalações
e pessoal médico. Essas disposições, simplificadas
e adaptadas ao contexto específico dos conflitos
armados não internacionais, são baseadas naquelas
contidas no 10 Protocolo.
Convenção para a Proteção da Propriedade
Cultural na Eventualidade de Conflito Armado, Haia, 1954
O princípio subjacente a esta Convenção é o de que
objetos culturais, tais como igrejas, templos, museus, etc, devem ser poupados o
máximo possível, desde que não estejam sendo usados para fins militares. O
artigo 19 da Convenção estipula que, mesmo na eventualidade de um conflito
armado não internacional, "cada parte em conflito deverá, pelo menos, aplicar os
dispositivos da presente Convenção relacionados ao respeito pela propriedade
cultural".
A Convenção diferencia dois tipos de proteção. Requer-se
dos Estados, em tempos de paz, zelar pela salvaguarda
da propriedade cultural dentro de seu território
contra os efeitos previsíveis de um conflito armado.
Com essa finalidade, os Estados podem, por exemplo,
construir abrigos ou fazer preparativos para o
transporte a um local seguro, ou marcar a propriedade
cultural com um emblema característico. Um objeto
de grande importância pode ainda receber proteção
adicional por intermédio de seu registro no "Registro
Internacional de Propriedade Cultural sob Proteção
Especial", que é mantido pelo Diretor-Geral da
Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO).
Outras Convenções e Declarações sobre a Conduta de Hostilidades
Além das chamadas armas ABQ (atômicas,
bacteriológicas e químicas), existem várias armas descritas como convencionais
que também podem ter efeitos indiscriminados ou excessivamente cruéis. Entre
elas estão incluídas armas incendiárias (tais como napalm e lança-chamas); armas
de fragmentação tais como bombas de estilhaço; projéteis de pequeno calibre e
alta velocidade - que podem ter efeitos semelhantes aos das balas dum-dum; e,
finalmente, armas tão traiçoeiras como minas, armadilhas e bombas de efeito
retardado, que põem em perigo as operações de assistência.
O CICV, por ocasião do preparo da Conferência
Diplomática de 1974, não incluiu em suas propostas
a proibição ou limitação de armas específicas,
pois sentiu que este assunto era particularmente
delicado por causa de suas implicações políticas
e militares; o objetivo principal era chegar a
um acordo sobre restrições ao emprego de armas
específicas, muitas das quais há muito faziam
parte do arsenal das forças armadas e eram comumente
usadas em várias guerras. Alguns governos, porém,
pediram à Conferência que considerasse proibições
ou restrições. O CICV então organizou uma Conferência
de Especialistas de Governo com essa finalidade,
que se realizou em Lucerna, em 1974, e em Lugano,
em 1976. A Conferência Diplomática de 1974 não
chegou a nenhuma conclusão sobre o assunto, mas
recomendou que fosse convocada outra conferência
para tratar do assunto. Esta realizou-se sob os
auspícios das Nações Unidas, em 1979 e 1980, quando,
a 10 de outubro de 1980, adotou a Convenção
sobre Proibições ou Restrições ao Emprego de Certas
Armas Convencionais que Possam ser Consideradas
como Excessivamente Nocivas ou Ter Efeitos Indiscriminados. Embora o âmbito abrangido por essa Convenção fosse relativamente
estreito, ela provou ser um notável e inesperado
sucesso. Sua importância reside no fato de que
ela estabeleceu o embasamento jurídico para futuras limitações e proibições ao
emprego de armas desenvolvidas no futuro, que
causem ferimentos supérfluos ou sofrimento desnecessário.
Tornou-se, na verdade, o alicerce para protocolos
adicionais tratando de outras armas específicas.
A Convenção propriamente dita contém normas de
procedimento e especifica sua abrangência de aplicação e sua relação com outros
acordos. Os dispositivos básicos estão contidos em quatro Protocolos anexos (com
a emenda ao segundo Protocolo, hoje existem na verdade cinco Protocolos), dos
quais pelo menos dois devem ser ratificados por um Estado antes que este possa
tornar-se parte da Convenção.
O
1º
Protocolo proíbe o emprego de qualquer arma cujo efeito primário seja ferir com
fragmentos que não possam ser detectados no corpo humano com raios
X. Isto se relaciona principalmente à
invenção indigna de bombas de fragmentação feitas de pedaços de plástico ou
vidro.
O 2º Protocolo proíbe o emprego de minas,
armadilhas e outros artifícios contra a população
civil, ou seu emprego de uma forma indiscriminada
que cause ferimentos acidentais a civis, que seja
excessivo em relação à vantagem militar concreta
e direta almejada. Este protocolo se refere, em especial, a minas colocadas fora de zonas
militares. Ele também bane em todas as circunstâncias
armadilhas destinadas a causar ferimentos supérfluos
ou sofrimento desnecessários. Proíbe também, especificamente,
a colocação de armadilhas em objetos aparentemente
inofensivos; incluídos nesta lista de objetos
estão brinquedos infantis. Além disso, o protocolo
exige o mapeamento das minas com o propósito de
proteger a população civil. Esse Protocolo foi
alterado em 3 de maio de 1996, durante a Conferência
de Revisão. As emendas mais importantes incluem
a extensão de seu escopo de aplicação a conflitos
armados não internacionais; o dever de remover
as minas imposto àqueles que as usam; a proibição
do emprego de minas antipessoais não detectáveis;
e o estímulo a usar somente minas antipessoais
com mecanismo de autodestruição. Visto que cada
Estado deve informar ao Secretário Geral da ONU
seu "consentimento de ser vinculado" por essas
emendas, pode-se argumentar que um novo (quinto)
protocolo de
facto foi criado,
pois o 20 Protocolo original não perdeu sua força
de lei para os Estados Partes dele.
O 3º Protocolo tomou um grande passo à frente mediante a restrição
do emprego de armas incendiárias. A
proibição de seu emprego contra civis em todas as circunstâncias foi confirmada
e estendida para incluir até mesmo objetivos militares localizados dentro de
concentrações de civis e em florestas e outros tipos de coberturas vegetais,
exceto quando tais elementos naturais estiverem sendo usados para esconder
combatentes ou alvos militares.
O 4º Protocolo sobre Armas de Laser Cegantes, adotado em 13 de outubro de 1995, na Conferência de Revisão,
proíbe o emprego e transferência (tanto para Estados
quanto entidades não Estatais) de armas de laser
especificamente
projetadas, como sua única função de combate ou
como uma de suas funções de combate, para causar
cegueira permanente à visão intensificada, qual
seja, ou ao olho nu ou à visão com o emprego de
dispositivos corretivos.
E, finalmente, a Conferência passou uma resolução a
respeito dos perigosos avanços no campo de sistemas de armas de pequeno
calibre, pedindo aos governos que
conduzam mais pesquisas sobre seus efeitos e que exerçam o máximo de cuidado
possível em relação ao avanço no desenvolvimento destas [1]
O Movimento Internacional
da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a Guerra
O Movimento Internacional
da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho é constituído pelo
Comitê Internacional da Cruz
Vermelha e pela Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho, ambos com suas sedes
em Genebra, e com mais de 160 Sociedades
Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho em todo o mundo. Novas Sociedades Nacionais ainda são
formadas atualmente. Cada uma das duas instituições internacionais tem seu
caráter e atividades específicas que embora bastante diferentes, são
complementares.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha
(CICV),
fundado em 1863, é uma instituição neutra e independente.
É o órgão fundador da Cruz Vermelha e o promotor
das Convenções de Genebra. Em tempos de conflito
armado - conflitos internacionais, guerras civis
e distúrbios internos - ele propicia proteção
e assistência às vítimas militares e civis, sejam
elas prisioneiros de guerra, detidos civis, feridos
de guerra ou populações civis em território ocupado
ou inimigo; bem como visita detidos políticos.
O mandato do CICV para suas atividades durante
conflitos é baseado nas quatro Convenções de Genebra
de 1949 e seus Protocolos Adicionais de 1977,
bem como em seus próprios Estatutos (direito de
iniciativa em outras situações que não conflitos
armados). O CICV trabalha para aprimorar os tratados
mencionados anteriormente, para promover e supervisionar
sua implementação e para disseminar o conhecimento
destes pelo mundo.
A Federação
Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho, fundada em 1919 e até
recentemente mais conhecida como a Liga, trabalha no sentido de promover o
desenvolvimento das Sociedades membros no nível nacional, para coordenar suas
atividades no nível internacional e para incentivar a criação de novas
Sociedades Nacionais. Ela organiza, coordena e direciona as operações
internacionais de assistência nos casos de desastres naturais, apoiando o
trabalho humanitário das Sociedades Nacionais com vistas a prevenir e aliviar o
sofrimento humano, portanto, também contribuindo para a promoção da paz.
Cada uma das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho
também tem seu caráter específico. Suas atividades
abrangem desde a assistência emergencial até serviços
médicos e sociais, primeiros socorros, treinamento
de enfermeiros, transfusão de sangue e programas
para jovens. Em tempos de conflito armado, as
Sociedades Nacionais agem como auxiliares dos
serviços médicos das forças armadas, vindo em
socorro das vítimas civis e militares. Para obterem
o reconhecimento do CICV e serem admitidas como
filiadas à Federação, as Sociedades Nacionais
necessitam preencher quesitos bem definidos. Elas
devem, principalmente, respeitar os Princípios
Fundamentais do Movimento Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho,
dentre se destacam a imparcialidade e neutralidade.
A independência que deve ser concedida às Sociedades
Nacionais propicia que elas ajam sem consideração
de raça, religião ou opinião política.
A Conferência
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho é o órgão deliberativo supremo do Movimento Internacional da
Cruz Vermelha e Crescente Vermelho. Esta se reúne, em princípio, a cada quatro
anos, e agrupa o conjunto dos delegados do CICV e da Federação, das Sociedades
Nacionais devidamente reconhecidas, assim como representantes dos Estados Partes
das Convenções de Genebra.
O Movimento e a Guerra
A Cruz Vermelha nasceu
da guerra, ou melhor, dos horrores desta. Seu
fundador, Henry Dunant, ficou chocado ao ver o
campo de batalha de Solferino e os milhares de
jovens morrendo como resultado de suas feridas,
quando poderiam ter sido salvos se houvesse médicos
e enfermeiros suficientes para atendê-los, ou
seja, se os serviços médicos das forças beligerantes
tivessem sido capazes de enfrentar a situação.
Para Dunant, era vital que "os limites sejam postos
de uma vez por todas a esta tragédia de guerra,
já por mil vezes repetida". Mas como se pode alcançar
esse objetivo? Em seu livro, "Uma
Lembrança de Solferino", Dunant
propõe duas possibilidades: a primeira seria a
de criar,
em tempos de paz, uma sociedade de assistência
em cada país para ajudar os serviços médicos das
forças armadas em tempos de guerra;
a segunda idéia, era a de formular uma convenção
internacional, inviolável em seu caráter, para
a assistência aos feridos no campo de batalha.
Todavia, estabelecer um corpo de voluntários para
ajudar soldados feridos no campo de batalha não
poderia ser feito de outra forma a não ser por
completo: tais voluntários haveriam de ser protegidos
na tarefa de dar assistência e deveriam ser claramente
distinguíveis dos combatentes. Por isso, a idéia
de um símbolo
que fosse tanto indicativo quanto protetor: o
emblema da cruz vermelha sobre um fundo branco. Foi aí que a segunda idéia se encaixou: o desejo de prestar assistência médica no campo de batalha
– de forma neutra - necessitava, por parte
dos Estados, da confirmação de alguns princípios
reconhecidos de maneira geral e aplicados por
todos. Isto veio a ser a primeira Convenção de
Genebra de 1864.
Portanto,
o objetivo original da Cruz Vermelha era o de
tornar a guerra menos desumana, por meio de seu
trabalho para aliviar o sofrimento das vítimas: aqueles que não participam, ou deixaram de participar, das
hostilidades (civis, feridos e os prisioneiros
de guerra) devem ser poupados e respeitados; aqueles
que trazem ajuda a estes devem ser protegidos.
Foi este o desafio que a Cruz Vermelha quis enfrentar,
vindo ao auxílio de todas as vítimas sob a proteção
daquela que foi a primeira Convenção de Genebra.
O papel do Comitê Internacional da Cruz Vermelha,
como uma organização humanitária imparcial e um intermediário neutro, torna-se o
mais importante dentro do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho, em caso de guerra. Reconhecido como tal pelos Estados Partes
das Convenções de Genebra, o Comitê tem a tarefa de proteger e assistir às
vítimas civis e militares dos conflitos armados.
Dessa forma, a vocação do CICV é representar e
defender a causa humanitária na guerra. Fiel ao seu lema Inter arma caritas, e com o
apoio dos outros componentes do Movimento, tem feito mais do que qualquer outra
instituição na área. Desde sua fundação, há mais de 130 anos, tem ajudado
milhões de pessoas na desgraça.
O Comitê Internacional da
Cruz Vermelha
O Papel do CICV
O CICV age essencialmente em tempos de guerra, guerra civil ou distúrbios interiores e tensões
internas, protegendo e assistindo às
vítimas civis e militares. Existem três facetas deste papel, quais sejam:
1. Em primeiro lugar, o CICV ajudou a melhorar a
condição das vítimas de guerra pela legislação, visto que foi o autor das
Convenções de Genebra, que codificaram as normas que estipulam como as partes em
conflito devem tratar os inimigos capturados.
Promotor das Convenções de
Genebra
O CICV trabalha para o desenvolvimento e aplicação do direito
internacional humanitário e para seu entendimento
e difusão. Executa as tarefas a si incumbidas
pelas Convenções de Genebra e seus Protocolos
Adicionais, visando assegurar-se de que os últimos
sejam aplicados e estando pronto a aumentar-lhes
o escopo quando necessário.
2. No entanto, deve haver um intermediário entre os
Estados, que têm certos deveres, e as
vítimas de guerra, que têm certos direitos. É aqui
que o CICV entra em ação.
Intermediário Neutro
Em tempo de guerra, guerra civil ou distúrbios interiores e
tensões internas, o CICV age como um intermediário neutro entre as partes em
conflito ou outros adversários, esforçando-se para assegurar que as vítimas
militares e civis recebam proteção e assistência. Para fazê-lo, o CICV toma
qualquer iniciativa humanitária que corresponda a seu papel de instituição
especificamente neutra e independente.
3. Além disso, o CICV desempenha um papel especial
dentro do Movimento, que é o de:
Guardião dos Princípios
Fundamentais
O CICV certifica-se de que os princípios fundamentais sejam respeitados
no seio do Movimento. Também decide sobre o reconhecimento
das Sociedades Nacionais, as quais são então admitidas
como membros da Federação Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho, tornando-se
oficialmente parte do Movimento Internacional
da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. A decisão
do CICV baseia-se no cumprimento, pela Sociedade
Nacional, das condições estabelecidas pela Conferência
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho.
O CICV em
Resumo
O CICV é ativo em todo o mundo,
protegendo e assistindo as vítimas civis e militares de conflitos armados,
distúrbios interiores e tensões internas e promovendo o direito internacional
humanitário e sua disseminação. Não é uma organização multinacional, mas sim uma
instituição privada e
independente com sua sede em Genebra,
Suíça, porém internacional em termos de suas atividades que são
globais. É independente de todos os
governos, e suas ações e decisões são
baseadas inteiramente em considerações
humanitárias. Em situações de guerra
internacional, o CICV, baseado nas Convenções de Genebra de 1949,
age como um intermediário neutro entre os
beligerantes em favor das vítimas de guerra: prisioneiros de guerra e civis, feridos e doentes, pessoas deslocadas
ou vivendo em território ocupado. Em outras situações de conflito, tais como
guerras civis ou distúrbios interiores e tensões internas, o Comitê pode
oferecer seus serviços humanitários com base em seu direito de iniciativa,
reconhecido pelos Estados.
O CICV tem quatro fontes de renda: contribuições dos
Estados Partes das Convenções de Genebra, contribuições
das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do
Crescente Vermelho, contribuições privadas e várias
doações e legados.
Suas atividades
consistem essencialmente em: proteger os
prisioneiros de guerra, os feridos e detidos civis, visitando-os onde estiverem
(campos, prisões, hospitais, campos de trabalho, etc.); dar apoio material e
moral aos detidos visitados, aos civis em poder do inimigo ou em territórios
ocupados, às pessoas deslocadas ou a refugiados em zonas de combate. Nas
situações que não são previstas pelas Convenções de Genebra (distúrbios
interiores e tensões internas), o CICV visita pessoas que foram detidas por
razões de segurança e que podem ser vítimas de tratamento arbitrário,
restabelecendo o contato entre as famílias separadas como resultado de uma
situação de conflito e promovendo o desenvolvimento e implementação do direito
internacional humanitário.
Em qualquer uma dessas circunstâncias, o CICV aplica
os mesmos critérios a suas atividades com
detidos, sejam estes prisioneiros de guerra ou presos
políticos.
- Seus delegados devem ter acesso a todos os prisioneiros (ou detidos) e a falar com estes
sem impedimento e em particular;
- devem ter acesso a todos os locais de detenção e devem poder repetir as
visitas;
- devem receber listas de todas as
pessoas a serem visitadas
(ou serem capazes de estabelecer tais listas no
local).
As visitas do CICV têm relação exclusiva com as
condições materiais e psicológicas da
detenção e o tratamento recebidos a
partir do momento da captura. O CICV não questiona as razões da detenção. Como
uma instituição neutra e imparcial, o Comitê se abstém de expressar quaisquer
opiniões sobre as causas dos conflitos ou situações nas quais intervém. Os
relatórios produzidos pelo CICV após as visitas aos locais de detenção são
confidenciais e, como tais, são passados somente às autoridades da detenção, ou nos casos de prisioneiros de
guerra, à potência que os detém e à(s) potência(s) da(s) qual(is) os
prisioneiros dependem.
As atividades do CICV não estão limitadas às visitas
aos prisioneiros vítimas de conflitos armados ou ao cuidado dos feridos na luta.
Ele é freqüentemente chamado a organizar programas de assistência material e
médica para assegurar a sobrevivência de certas categorias vulneráveis de pessoas afetadas pelos
eventos (civis, pessoas deslocadas,
refugiados em zonas de combate).
Outras atividades essenciais são executadas pela Agência
Central de Pesquisa do CICV. As principais atividades
da Agência de Pesquisa têm sido, por mais de um
século, as seguintes: localizar pessoas desaparecidas
das quais seus parentes mais próximos não tenham
mais notícias; reunir famílias separadas pelos
acontecimentos; transmitir correspondência quando
os canais normais tiverem sido rompidos; tornar
possível a pessoas apátridas, refugiados ou outras
pessoas sem documentos de identidade ir para o
país de asilo ou serem repatriadas; e emitir certificados
de óbitos ou de detenção.
Função
A função do CICV, de acordo com o artigo 5o dos Estatutos do Movimento
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, será em particular a de:
Artigo 5.2: a) manter e disseminar os Princípios
Fundamentais do Movimento, nomeadamente humanidade, imparcialidade,
neutralidade, independência, serviço voluntário, unidade e
universalidade;
b) reconhecer qualquer Sociedade Nacional, nova ou
reconstituída, estabelecida e que preencha as condições para reconhecimento
determinadas no artigo 4o [dos Estatutos], e notificar as outras Sociedades
Nacionais de tal reconhecimento;
c) executar as tarefas que lhe são incumbidas de
acordo com as Convenções de Genebra*; trabalhar para a aplicação fiel do direito
internacional humanitário aplicável em conflitos armados; e tomar conhecimento
de quaisquer queixas baseadas em alegações de violações daquele direito;
d) empenhar-se sempre - como uma instituição neutra
cujo trabalho humanitário é conduzido particularmente em tempos de conflitos
armados internacionais ou outros conflitos armados internos - em assegurar a
proteção e assistência às vítimas civis e militares de tais eventos e de seus
resultados diretos;
e) garantir a operação da Agência Central de
Pesquisa, de acordo com as Convenções de Genebra;
f) contribuir, a
priori de conflitos armados, para o
treinamento do pessoal médico e a preparação de equipamento médico, em
cooperação com as Sociedades Nacionais, com os serviços médicos civis e
militares e outras autoridades competentes;
g) cultivar o entendimento e disseminar o conhecimento
do direito internacional humanitário aplicável
em conflitos armados, preparando qualquer aprimoramento
deste;
h) executar os mandatos confiados pela Conferência
Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (A Conferência
Internacional).
Artigo 5.3: O CICV pode tomar qualquer iniciativa
humanitária que venha ao encontro de seu papel de instituição e intermediário
especificamente neutro e independente, podendo considerar qualquer questão que
necessite seu exame.
* Nos presentes Estatutos, a expressão "Convenções de
Genebra" também abrange os Protocolos Adicionais aos Estados Partes destes
Protocolos.
O Mandato do CICV
O
mandato do CICV era, inicialmente, limitado a promover a criação de sociedades
de assistência em cada país e a incentivar os Estados a respeitar e assegurar o
respeito às disposições da Convenção de Genebra de 1864. Este documento havia
sido redigido pelo então Comitê de Genebra, que, subseqüentemente, ficou sendo
conhecido como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Em outras palavras, o
CICV pode ser visto desde o início como o promotor e guardião do direito
internacional humanitário. Esta tarefa tem sido a mais importante ao longo dos
anos; o exemplo mais importante da história recente foi a preparação da
Conferência Diplomática de 1974-1977, que adotou os dois Protocolos Adicionais
com base em textos iniciais submetidos ao CICV por especialistas de
governo.
A principal preocupação do CICV tem sido sempre, no
entanto, a de assistir às vítimas de conflitos
armados: as tarefas são voltadas para elas. Isto
significa que o CICV toma qualquer iniciativa
que considere apropriada para cumprir este mandato.
Os governos vieram a entender, ao longo dos anos,
a importância da existência de um órgão neutro
que cuide das vítimas de guerra sem escolher lados.
Foi dada expressão tangível a esse entendimento
por meio da concessão do direito de iniciativa,
por parte dos governos, ao CICV nas quatro Convenções
de Genebra e seus Protocolos Adicionais e em seus
Estatutos. Em virtude desse direito de iniciativa,
o CICV tem o direito de oferecer seus serviços.
Para ser mais específico, o CICV tem um direito
reconhecido de iniciativa para cada uma das situações
de conflitos em que esteja agindo.
Em conflitos armados internacionais (guerra
entre Estados)
O direito à iniciativa
do CICV, oriundo de tratados, é estabelecido pelo artigo 9o da Primeira, Segunda
e Terceira Convenções e pelo artigo 10 da Quarta Convenção:
"Estes
dispositivos da presente Convenção não constituem obstáculo às atividades
humanitárias que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha ou qualquer outra
organização humanitária imparcial possam, sujeitas ao consentimento das Partes
em conflito em questão, empreender para a proteção dos feridos e doentes,
pessoal médico e capelães (Primeira Convenção) / dos feridos, doentes, e
náufragos (Segunda Convenção) / dos prisioneiros de guerra (Terceira Convenção)
/ das pessoas civis (Quarta Convenção) e para sua assistência.
O artigo 81 do Primeiro Protocolo reforça esse
direito à iniciativa da seguinte maneira:
As Partes em conflito concederão ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha
todas as condições em seu poder para que este
possa executar as funções humanitárias atribuídos
a este pelas Convenções e por este Protocolo,
de forma a assegurar a proteção e assistência
às vítimas dos conflitos; o Comitê Internacional
da Cruz Vermelha também pode executar quaisquer
outras atividades humanitárias em favor destas
vítimas, sujeito ao consentimento das Partes
do conflito em questão.
No caso específico dos prisioneiros de guerra e
civis, concede-se ao CICV um direito especial, o direito de agir, estabelecido no
artigo 126 (citado abaixo) da Terceira Convenção de Genebra e no equivalente
artigo 143 da Quarta Convenção no que compete a civis:
Representantes ou delegados das Potências
Protetoras terão permissão de acesso a todos os locais onde prisioneiros de
guerra possam estar, particularmente nos locais de internamento, aprisionamento
e de trabalhos forçados, e terão acesso a todas as instalações ocupadas por
prisioneiros... Os delegados do Comitê Internacional da Cruz Vermelha gozarão
das mesmas prerrogativas...
Nesse caso, o CICV tem um mandato expresso: o direito de visitar prisioneiros de guerra
e civis. Em outras palavras, os Estados
não podem proibir o CICV de agir em favor dessas pessoas.
Em conflitos armados não internacionais (guerra
dentro dos Estados)
O artigo 3o, comum às Quatro Convenções de Genebra, estipula
que o CICV tem um direito à iniciativa
baseado em tratados:
... um órgão humanitário imparcial, tal como o
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, pode oferecer seus serviços às Partes em
conflito...
No caso dos chamados conflitos armados não
internacionais de alta intensidade, não somente
o artigo 3o comum às Quatro Convenções de Genebra
de 1949 se aplica, mas também o Segundo Protocolo
Adicional de 1977. No artigo 18 deste último é
estipulado que sociedades de assistência, localizadas no território da Alta
Parte Contratante, tais como as organizações ...
da Cruz Vermelha, podem oferecer seus serviços
para o desempenho de suas funções tradicionais
em relação às vítimas do conflito armado.
Em distúrbios interiores e tensões
internas
O CICV tem outro direito à
iniciativa, estabelecido não pelas
Convenções, mas sim pelos Estatutos do Movimento, que o capacita a agir em situações não definidas como de guerra
propriamente dita e, portanto, não abrangidas pelo direito internacional
humanitário. Este direito estatutário à iniciativa é especificado no artigo 5o,
parágrafo 3, dos Estatutos, e tem a seguinte redação:
O Comitê Internacional pode tomar qualquer
iniciativa humanitária que venha ao encontro de seu papel de instituição e
intermediário especificamente neutro e independente, podendo considerar qualquer
questão que necessite seu exame.
Onde quer que o CICV tenha o direito à iniciativa,
não importando a situação, os Estados podem
recusar sua oferta de serviços - a qual o
CICV pode voltar a apresentar. Se os Estados afetados por um conflito aceitarem
a oferta de serviços, o acordo resultante constituir-se-á no embasamento
jurídico para as atividades do CICV.
O CICV e os Distúrbios e Tensões
A prática do CICV de oferecer seus serviços para a proteção e assistência
de pessoas atingidas por distúrbios interiores
ou tensões internas está enraizada em sua própria
tradição. Está
confirmada nas resoluções das Conferências Internacionais
da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e nos
Estatutos do Movimento Internacional da Cruz Vermelha
e do Crescente Vermelho e do próprio CICV. Os
Estados nunca questionaram o princípio real no
qual essa prática está fundamentada: a base da
ação do CICV nos casos de distúrbios interiores
e tensões internas adquiriu, portanto, natureza
costumeira e o oferecimento dos serviços do Comitê Internacional nestas
situações não constitui interferência nos assuntos
internos de um Estado. Não obstante, não há obrigação
correspondente por parte dos governos em aceitar
esse oferecimento naquelas situações que não estão,
por definição, cobertas pelas Convenções de Genebra.
As inúmeras violações das normas essenciais de
humanidade que acontecem nos distúrbios interiores e tensões internas justificam
plenamente as razões humanitárias que o CICV possui para agir nestas situações:
violência indiscriminada, atos de terrorismo, tomada de reféns, estados de
direito que são violados por indivíduos ou pelo Estado, desaparecimentos
forçados, condições precárias de detenção, tortura, etc. O espiral clássico de
violência e repressão leva, muitas vezes, a situações em que o indivíduo perde
de fato - ou até por lei - a proteção do Estado, ou porque o governo não é mais
capaz de manter a ordem, ou porque ao manter a ordem também viola os princípios
humanitários. Em tais circunstâncias, as atividades do CICV podem assumir várias
formas:
Melhoria das
condições de detenção e tratamento de pessoas encarceradas
A tarefa tradicional do CICV, nos casos de distúrbios
interiores e tensões internas, é a de visitar
locais de detenção para melhorar as condições
de encarceramento.
Em virtualmente todas as situações de distúrbios
interiores e tensões internas, certas categorias de pessoas são presas pelas
autoridades. Todos têm uma coisa em comum: o que fizeram, disseram ou escreveram
é considerado pelas autoridades como uma oposição de tal magnitude ao sistema
político vigente que devem ser punidos pela privação de sua liberdade. A
intenção jurídica das medidas de detenção pode ser punitiva ou preventiva,
visando à reeducação ou à reintegração. As sentenças podem ser pronunciadas de
acordo com as leis normalmente em vigor ou com a legislação ou jurisdição em
caso de emergência; de outra forma, podem resultar de medidas administrativas em
vigor por um período limitado ou ilimitado. Em alguns casos, a captura pode ser
uma medida geral e indiscriminada que atinge grande grupos de pessoas.
O CICV, em sua
preocupação em preservar a confiança de todas as partes por meio de sua
neutralidade, não se envolve com o problema político na raiz dos distúrbios e
tensões, nem comenta os motivos para a detenção; se preocupa, essencialmente,
com as condições materiais e psicológicas dos detidos.
A experiência mostra que, mesmo nos países em que o governo
deseja que seus detidos recebam um tratamento humano, a realidade de cada dia da
vida no cárcere pode e deve ser melhorada. Os encarregados em contato direto com
os detidos tendem a vê-los como inimigos. Não há, freqüentemente,
nenhuma maneira prática para que eles possam comunicar suas queixas às
autoridades nacionais que poderiam e estariam dispostas a assegurar um
tratamento humano e digno.
Assim, tanto durante o período de interrogatório quanto
posteriormente – quando a única segurança
envolvida é aquela do próprio local de detenção
– os delegados do CICV têm, freqüentemente,
estado cientes da grande necessidade de melhoria
nas condições de prisão. As atividades do CICV
consistem de vários passos. Visitas periódicas
e completas aos locais de detenção e às pessoas
detidas são conduzidas por delegados do CICV propriamente
treinados. Essas visitas são seguidas de discussões
em todos os níveis com os encarregados da detenção.
Relatórios confidenciais são então escritos e
enviados exclusivamente à autoridade do local
de detenção, geralmente do mais alto nível. Esses
relatórios levam em consideração o contexto social,
econômico e cultural particular ao respectivo
país e descrevem, de forma objetiva e detalhada,
as condições de detenção e tratamento dos detentos.
Sugestões específicas e práticas para melhoria
são feitas. Os relatórios não são destinados à
publicação: o CICV torna público apenas o lugar,
a data e o número de pessoas vistas e o fato de
que seus delegados puderam entrevistar privadamente
os detentos. Nunca se comenta publicamente sobre
as condições materiais ou psicológicas observadas.
(Contudo, caso a autoridade de detenção publique
parte desses relatórios, o CICV se reserva o direito
de publicar os relatórios concernentes em sua
totalidade).
Caso surja a necessidade e as autoridades concordem,
freqüentemente o CICV providencia material de assistência aos detentos.
Visando a desempenhar eficazmente sua tarefa
de proteção, os delegados da CICV solicitam visitar
todas as pessoas detidas em conexão com uma ocorrência,
entrevistar livre e privadamente os detidos de
sua escolha e retornar aos locais de detenção
em base regular ou quando a necessidade exigir.
Esse procedimento geralmente traz resultados positivos,
e os governos que escolheram fazer uso dos serviços
do CICV são em geral gratos. Além disso, nenhum
Estado reclamou ao CICV que sua segurança foi
posta em perigo por tais visitas ou que o status legal das pessoas visitadas foi afetado. É válido mencionar
isso quando se recorda que, desde 1918, o CICV
visitou mais de meio milhão de detentos em mais
de uma centena de países
A luta contra a tortura e maus
tratos
Conforme é bem
conhecido, a tortura é proibida em todas as
circunstâncias tanto pelo direito internacional quanto pela legislação
nacional. Contudo, dentre os muitos
problemas relativos ao tratamento de presos políticos, o CICV considera que o
problema da tortura merece atenção especial, por causa de sua gravidade e da
freqüência com que isto ocorre, enfrentando-o resolutamente. Para o CICV, a proteção significa a salvaguarda não somente da
integridade física dos indivíduos, mas também de sua integridade
psicológica. Durante entrevistas privadas
com detentos, os delegados do CICV observaram incontáveis formas de maus tratos
que esses vêm sofrendo. Alem das várias formas de tortura física, os delegados
registraram uma série completa de métodos para infligir o sofrimento moral e
mental, assim como pressão psicológica que destrói a identidade pessoal dos
detidos. Da mesma forma, as condições materiais de detenção são às vezes tão
pobres que, se são intencionais, podem também ser consideradas como tortura. A
fase de interrogatório, períodos de confinamento solitário e a incerteza causada
pela detenção sem base legal figuram proeminentemente entre as preocupações dos
delegados do CICV.
É igualmente evidente que há graves conseqüências para
toda a sociedade na qual a tortura se desenvolve.
De qualquer modo que seja praticada, os delegados
observam que ela afeta não somente a pessoa torturada
mas também sua família e seu grupo social –
sem mencionar o torturador em si mesmo que é moralmente
maculado e amiúde psicologicamente desequilibrado
pelas suas ações. Obviamente, a responsabilidade
primária na luta contra a tortura repousa nos
governos. Cabe a eles tomar medidas (legislativa,
judicial ou disciplinar) para prevenir e reprimir
atos de tortura. A esse respeito, os relatórios
confidenciais que os delegados escrevem e enviam
às autoridades, em seguida a suas visitas regulares
e entrevistas sem testemunha, devem possibilitar
aos governos dispostos, por meio de constante
diálogo com o CICV, assumir suas responsabilidades
e, juntos, colocar um fim em tais práticas inaceitáveis.
O Direito Internacional
Humanitário e os Instrumentos de Direitos Humanos
Introdução
O emprego indiscriminado dos termos direitos dos povos, direitos humanos e direito internacional humanitário,
jogados no mesmo caldeirão, tem induzido a uma grande
confusão e igual ceticismo com respeito a esses
conceitos mal conhecidos, que certas pessoas consideram
ser uma criação recente da política internacional,
quando de fato dizem respeito fundamentalmente aos
sistemas legais. Isso torna essencial especificar
a natureza do direito internacional humanitário
e dos direitos humanos, concentrando-se nas similaridades
e diferenças entre esses dois ramos do direito internacional
público. É, do mesmo modo, absolutamente essencial
para os responsáveis pela disseminação de informação
sobre o direito internacional humanitário e direito
internacional dos direitos humanos que eles sejam
capazes, conforme requerido, de dar explicações
claras e simples sobre o assunto. Isso deve ser
feito para defender o interesse das pessoas protegidas
por ambos os tipos de leis, mas também facilita
a tarefa daqueles funcionários públicos (do Estado)
responsáveis por essa proteção.
Embora o direito internacional humanitário e o
direito internacional dos direitos humanos sejam ambos baseados na proteção da
pessoa, há diferenças específicas entre eles quanto ao escopo, propósito e
aplicação. O direito internacional humanitário é aplicável em casos de conflitos
armados, quer internacionais ou não-internacionais, consistindo, por um lado, de
padrões de proteção a vítimas de conflitos, o assim chamado Direito de Genebra,
e, por outro, de regras relativas a meios e métodos de combate e condução das
hostilidades, também conhecido como Direito de Haia. Atualmente, a maior parte
desses dois conjuntos de regras foram fundidos e modernizados nos dois
Protocolos adicionais às Convenções de Genebra, adotados em 1977.
Os instrumentos de direitos humanos, em contraste,
visam a garantia de que os direitos e liberdades – quer civis, políticos,
econômicos, sociais ou culturais – de cada indivíduo sejam respeitados todo o
tempo, assim como seja assegurar-lo que ele ou ela possa desenvolver-se
completamente na comunidade, protegendo-os, quando necessário, contra abuso por
parte das autoridades responsáveis. Esses direitos dependem de legislação
interna, estando os mais fundamentais incluídos nas constituições dos Estados.
Não obstante, os instrumentos de direitos humanos são também concernentes à
proteção internacional dos direitos humanos, isto é, às regras que os Estados
concordaram em observar com respeito aos direitos e liberdades dos indivíduos e
povos.
Pode ser afirmado que o direito internacional humanitário
é destinado especificamente a salvaguardar e preservar
os direitos fundamentais (à vida, segurança, saúde,
etc.) de vítimas e não combatentes na ocorrência
de conflito armado. É um direito de emergência,
ditado por circunstâncias particulares, ao passo
que os direitos humanos, que floresceram melhor
em tempos de paz e estabilidade, mas não cessam
de existir em situações de conflito armado, estão
relacionados essencialmente com o desenvolvimento
de cada indivíduo.
Após a Segunda Guerra
Mundial
A Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948, não se refere, em qualquer de suas disposições, à
questão do respeito aos direitos humanos em conflitos armados. Da mesma forma,
as Convenções de Genebra de 1949, que foram redigidas mais ou menos ao mesmo
tempo, não fazem menção aos direitos humanos. Contudo, uma ligação foi
estabelecida não intencionalmente entre aqueles dois conjuntos de direito
internacional: as Convenções de Genebra e as convenções de direitos humanos. Por
um lado, uma tendência pode ser detectada nas Convenções de Genebra de 1949 para
que suas disposições sejam consideradas não somente como obrigações a serem
cumpridas pelas Altas Partes Contratantes, mas também como direitos individuais
de pessoas protegidas, resguardadas por esses acordos. Um artigo em cada uma das
quatro Convenções estipula que pessoas protegidas não podem renunciar a direitos
a elas asseguradas pelas Convenções (artigo 70 da Primeira, Segunda e Terceira
Convenções e artigo 80 da Quarta). Além disso, o artigo 30, comum a todas as
quatro Convenções, obriga as Partes a aplicar, no mínimo, certas regras
humanitárias em conflitos armados sem caráter internacional. Desse modo, isso
delineia as relações entre o Estado e seus próprios cidadãos e,
conseqüentemente, estende-se para a esfera tradicional dos direitos
humanos.
Por outro lado, alguns dos tratados internacionais
de direitos humanos contêm disposições para sua
implementação em tempo de guerra. O artigo 15
da Convenção Européia de Direitos Humanos, de
1950, dispõe que, em tempos de guerra ou de emergência
pública ameaçando a vida da nação, certos direitos
contidos na Convenção podem ser derrogados, exceto
alguns direitos inalienáveis que constituem uma
base imutável (vida, liberdade, segurança, personalidade
legal, tortura, discriminação racial e escravidão).
Disposições semelhantes podem ser encontradas
no artigo 40 do Pacto Internacional das Nações
Unidas sobre Direitos Civis e Políticos e no artigo
27 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Os tratados internacionais de direitos humanos
devem, desse modo, também ser aplicados na eventualidade
de conflitos armados. Onde o conflito não ameace
a vida da nação (e um estado de emergência não
foi formalmente declarado), todas as disposições
das convenções sobre direitos humanos permanecem
aplicáveis, lado a lado com aquelas originárias
do direito internacional humanitário.
Por um longo
período, não se prestou nenhuma atenção às relações
entre essas duas ramificações do direito internacional.
Foi somente ao final dos anos sessenta, com a
eclosão de uma série de conflitos armados –
guerras de libertação nacional na África, o conflito
no Oriente Médio, as guerras da Nigéria e do Vietnã
– envolvendo simultaneamente aspectos do
Direito de Guerra e considerações de direitos
humanos, que as pessoas começaram a tornar-se
atentas a relação entre os dois. Na Conferência Internacional de Direitos Humanos, convocada, em 1968, pelas Nações Unidas, em Teerã, um elo
foi oficialmente estabelecido entre direitos humanos
e direito internacional humanitário. Em sua Resolução
XXIII, adotada em 12 de maio de 1968, e intitulada
Respeito
pelos direitos humanos em conflitos armados,
a Conferência obrigou a uma rigorosa aplicação
das convenções existentes em conflitos armados
e à conclusão de acordos adicionais. Essa Resolução
iniciou a atividade das Nações Unidas a respeito
do direito internacional humanitário, como pode
ser visto nos relatórios anuais do Secretário
Geral e nas resoluções adotadas a cada ano pela
Assembléia Geral das Nações Unidas.
O direito internacional de direitos humanos criou
impacto no teor dos dois Protocolos Adicionais, de 1977, às Convenções de
Genebra de 1949, como, por exemplo, o artigo 75 do Primeiro Protocolo (garantias
fundamentais) e o artigo 60 do Segundo Protocolo (processos penais), que derivam
diretamente do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações
Unidas.
A convergência do direito internacional humanitário e
os direitos humanos demonstra que a guerra e a paz, guerras civis e conflitos
internacionais, direito internacional e direito interno, se sobrepõem uns aos
outros. Pode-se afirmar que o direito internacional humanitário e o direito
internacional dos direitos humanos podem ser legalmente aplicáveis
simultaneamente, de forma acumulativa e complementar.
O Direito Internacional
Humanitário e a Aplicação da Lei
Enquanto o
direito internacional humanitário é legalmente aplicável em situações de
conflito armado, os princípios do direito internacional humanitário – relativos
ao cuidado e proteção das vítimas de situações de conflito armado – são
igualmente relevantes para outras situações, que podem ser melhor caracterizadas
como distúrbios e tensões.
As situações de conflito armado não eclodem espontaneamente.
São um produto da deterioração do estado da lei
e da ordem em um país, pelos quais as organizações
de aplicação da lei possuem uma responsabilidade
direta. Pela verdadeira natureza de seus deveres,
o envolvimento prático dos encarregados da aplicação
da lei em casos de manifestações de violência,
distúrbios e tensões, que podem escalar em direção
à guerra civil, requer deles que sejam cuidadosos
– e capazes - de integrar os princípios
de direito internacional humanitário e direitos
humanos em suas operações e treinamento. Por essa
razão, para o correto desempenho de sua atividade,
um certo nível de conhecimento do direito internacional
humanitário é indispensável aos encarregados da
aplicação da lei.
Embora a função de aplicação da lei possa ser
temporariamente suspensa durante as situações de conflito armado, a questão da
subseqüente investigação de (graves) violações do Direito de Guerra naturalmente
abrangerá uma responsabilidade da aplicação da lei. Isso pode ser tomado como
uma razão adicional pela qual os encarregados da aplicação da lei precisam estar
familiarizados com o direito internacional humanitário.
Conseqüentemente, será feita, conforme apropriado
neste Manual, uma alusão sobre disposições relevantes de direito internacional
humanitário que poderiam (ou deveriam) ter um impacto na prática da aplicação da
lei.
PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
* CIEDR = Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial
** CEDM = Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher
*** Convenção contra o Genocídio = Convenção para a Prevenção e a Repressão
do Crime de Genocídio
**** CANI = Conflito Armado
Não Internacional e CAI = Conflito Armado Internacional
DIREITOS PROTEGIDOS |
INSTRUMENTOS DE D.H.
GLOBAIS:
DUDH PIDCP |
INSTRUMENTOS DE D.H.
REGIONAIS:
CEDH/CADH/CADHP |
INSTRUMENTOS ESPECIALIZADOS DE
D.H. |
INSTRUMENTOS DE DIH
CANI CAI |
O DIREITO À VIDA, LIBERDADE E
SEGURANÇA PESSOAL |
3 |
6, 9 |
2, 5 |
4, 74, 6I-IV, 3
20 P, 4IV, 68, 75
10 P, 40-42, 51, 75 |
A PROIBIÇÃO DE TORTURA, TRATAMENTO
OU PENA CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES |
5 |
7 |
3 |
5.2 5Convenção Contra a TorturaI-IV,
3
20 P, 4IV, 27, 31, 32
10 P, 75 |
A PROIBIÇÃO DA
DISCRIMINAÇÃO |
1, 2 |
1, 3 |
14 |
1 2C.I.E.D.R*
C.E.D.M. **I-IV, 3`
20 P, 2.1, 4IV, 13, 27
10 P 9.1, 75, 85.4 |
A PROIBIÇÃO DA CAPTURA OU DETENÇÃO
ARBITRÁRIA |
9 |
9 |
5 |
7, 3 6XIV, 41, 49, 71,
79 |
A PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA |
11 |
14.2 |
6.2 |
8.27.1B20 P, 6.2(d)10 P, 75.4
(d) |
O DIREITO AO JULGAMENTO JUSTO -
GARANTIAS MÍNIMAS |
10 |
14.1, 14.3 |
6 |
8XI-IV, 3.1(d)
20 P, 6IV, 64-75
10 P, 75 |
A PROIBIÇÃO DE INTERFERÊNCIA
ARBITRÁRIA NA PRIVACIDADE, FAMÍLIA, LAR, CORRESPONDÊNCIA |
12 |
17 |
8 |
11.2XXIV, 27
10 P, 76, 77 |
O DIREITO AO TRATAMENTO HUMANO PARA
AS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE |
X |
10.1 |
X |
5.2 XI-IV, 3.1
20 P, 4IV 5.3, 27.1, 100
10 P, 75.1 |
O DIREITO À LIBERDADE DE
MOVIMENTO |
13 |
12 |
AP 4 |
22 12Convenção relativa ao Estatuto
dos Refugiados20 P, 17.2IV, 35, 48, 49, 73 |
O DIREITO À LIBERDADE DE OPINIÃO E
EXPRESSÃO |
19 |
19 |
10 |
13 9.2I-IV, 3.1
20 P, 2.1 IV, 13.1
10 P, 9.1 |
O DIREITO À LIBERDADE DE PENSAMENTO,
CONSCIÊNCIA E RELIGIÃO |
18 |
18 |
9 |
12 8 I-IV, 3.1
20 P, 2.1 IV, 13.1, 27.1
10 P, 9.1, 75.1 |
O DIREITO À LIBERDADE DE REUNIÃO E
ASSOCIAÇÃO |
20 |
21 |
11 |
15, 16 10, 11 X X |
PROIBIÇÃO DA PROPAGANDA DE GUERRA E
DA INCITAÇÃO AO ÓDIO POR MOTIVO RELIGIOSO, NACIONAL E ÉTNICO |
X |
20 |
X |
13.5 X Convenção contra o Genocídio,
art. III c X X |
MEDIDAS DE DERROGAÇÃO DURANTE
ESTADOS DE EMERGÊNCIA DECLARADOS |
X |
4 |
15 |
27 X X X
Os números referem-se aos artigos
correspondentes dos instrumentos |
Questões para
estudo
Conhecimento
1. O que se entende por
Direito de Genebra?
2. O que se entende por Direito
de Haia?
3. Qual a razão para a criação da Cruz
Vermelha?
4. Qual é o objeto e o propósito do direito
internacional humanitário?
5. Qual é a essência do
Direito de Guerra?
6. Qual a razão para a adoção dos
Protocolos Adicionais de 1977?
7. Qual é a regra
fundamental para a condução das hostilidades?
8. Qual
o objetivo das regras limitando os métodos e recursos da guerra?
9. Qual são as regras básicas para a proteção dos bens
culturais?
10. Qual é a missão do
CICV?
11. Qual é o significado do direito de
iniciativa do CICV?
12. Quando devem as partes em
conflito aceitar a missão do CICV?
13. Porque o CICV
deseja visitar os detidos?
14. O que faz o CICV
durante tais visitas?
15. Qual o papel da Agência
Central de Pesquisas do CICV?
16. Qual o papel do
CICV durante distúrbios e tensões?
Compreensão
1. Indique a
aplicabilidade legal do direito internacional humanitário e dos tratados de
direitos humanos.
2. Qual sua opinião sobre a relação
entre os dois tipos de direito?
3. Quais convenções e
protocolos são aplicáveis em conflitos armados não
internacionais?
4. Por que os princípios humanitários
devem ser observados durante distúrbios e tensões?
5.
Qual é o papel das organizações de aplicação da lei na promoção e defesa do
direito internacional humanitário?
6. O que você
pensa da alta taxa de ratificação dos tratados de direito internacional
humanitário quando comparado a alguns tratados de direitos
humanos?
7. Porque o CICV se absteria de publicar
relatórios sobre seu trabalho de amparo aos detentos?
8. Como podem as organizações de aplicação da lei contribuir para a
paz e estabilidade?
9. O quanto deveriam os
encarregados da aplicação da lei saber sobre o direito de
guerra?
10. Qual sua opinião sobre forças militares
assumindo responsabilidade pela aplicação da lei?
11.
Qual sua opinião sobre encarregados da aplicação da lei conduzindo operações
militares?
12. Qual sua visão sobre a incorporação de
encarregados da aplicação da lei nas forças armadas, tornando-os
combatentes?
13. Qual é o papel das organizações de
aplicação da lei na investigação de crimes de guerra?
14. Qual é o papel das organizações de aplicação da lei na proteção
de civis durante situações de conflitos armados?
15.
O que você pensa do relacionamento entre o CICV e as organizações nacionais de
aplicação da lei?
Notas :
1.
Esta seção inclui informações retiradas dos
seguintes documentos:
- Sylvie Stoyanka-Junod, Protection of Victims of Armed Conflits - Falklands- Malvinas Islands (1982):
international humanitarian law and humanitarian
action, ICRC, Genebra, 1984.
- Yves Sandoz, Jean-Jacques Surbeck,
The Hague Conventions and the Geneva
Conventions, Lecture paper, 1979.
Referências Selecionadas: Apêndice III
Caderno 4: Aplicação da Lei nos Estados Democráticos