Perguntas-chave para os Encarregados da Aplicação da Lei
* Qual o papel da aplicação
da lei na promoção e proteção dos direitos humanos?
* Como as estruturas organizacionais
afetam a capacidade de antecipação e reação
das organizações de aplicação da lei?
* Quais são as implicações
dos direitos humanos para a formação e o treinamento
dos encarregados da aplicação da lei?
* Qual a finalidade da verificação e avaliação de desempenho da
aplicação da lei?
* Como a avaliação de desempenho
pode afetar a promoção e a proteção dos direitos
humanos?
* Qual a importância das relações
públicas para a aplicação da lei?
* O que significa aplicação
da lei proativa/reativa?
* Perante quais instâncias
os encarregados da aplicação da lei deverão
considerar-se responsáveis?
* De que maneiras os encarregados
da aplicação da lei podem ser responsabilizados
por suas ações?
* Como os cidadãos devem encaminhar
suas denúncias contra as práticas de aplicação
da lei?
* Como deverão as organizações de aplicação da lei tratar tais
denúncias?
* Que lições é possível tirar
das denúncias contra as práticas de aplicação
da lei?
Os encarregados da
aplicação da lei detêm poderes conflitantes
em relação aos direitos humanos. Embora sua
principal função seja a de promover e proteger
os direitos humanos e liberdades fundamentais,
as condições peculiares ao exercício de seus
deveres fazem deles infratores potenciais
dos próprios direitos que deveriam manter
e apoiar. Esta situação paradoxal é suscitada
pelo acúmulo de poderes e prerrogativas legais
delegados aos encarregados da aplicação da
lei, a fim de habilitá-los ao cumprimento
de suas tarefas e deveres. Pressupõe-se desde
já que o emprego ilícito e/ou arbitrário de
tais poderes e prerrogativas sequer é cogitado
pelas autoridades legislativas dos Estados.
Entretanto, o abuso ou mau uso dos mesmos
é freqüente por toda a parte. Captura e detenção
ilícitas ou arbitrárias, falsificação de provas,
emprego excessivo da força, maus tratos a
pessoas detidas e tortura são apenas alguns
dos muitos exemplos de práticas ilícitas e
inaceitáveis correntes em nossos dias.
Este capítulo procura
examinar os meios pelos quais os encarregados
da aplicação da lei com responsabilidades
de comando e/ou gerenciamento poderão institucionalizar
mecanismos de controle e supervisão capazes
de assegurar uma prática adequada e eficiente
da aplicação da lei. Propõe-se, também, a
explicar as obrigações legais relevantes dos
Estados no âmbito internacional.
Estruturas,
Mudança, Desenvolvimento
Um exame comparativo
das organizações de aplicação da lei em todo
o mundo não revelará nenhuma diferença substancial
entre suas estruturas organizacionais. A maioria
destas organizações é de caráter civil, estando
subordinadas ao Ministério do Interior ou
da Justiça. Apenas uma minoria é vinculada
ao Ministério da Defesa e possui caráter (para)militar.
Deixando de lado o caráter e o tipo de vínculo
dessas organizações, pode-se afirmar que a
maioria delas costuma apresentar uma estrutura
rigidamente hierárquica (do tipo militar),
com planos funcionais distribuídos proporcionalmente
ao número de escalões. São sistemas eminentemente
fechados, nos quais a maioria dos processos
decisórios é restrita à cúpula da organização.
As promoções geralmente se baseiam na antiguidade
e não na qualidade, e a maioria dos agentes
permanece ligada à organização até a aposentadoria.
Embora todas as organizações de aplicação
da lei sejam, de uma forma ou de outra, submetidas
à fiscalização pública, a maioria não se empenha
em estabelecer ou manter relações estruturadas
com a comunidade a que servem.
As organizações de
aplicação da lei, ou melhor, os funcionários
responsáveis por sua administração estratégica,
só há pouco começaram a sentir o quanto a
capacidade e a eficiência das mesmas são prejudicadas
pelas estruturas altamente burocratizadas
e centralizadas. O incentivo à mudança deve-se
mais a uma crescente pressão (política) exercida
de fora para dentro da organização, que a
uma convicção categórica de que a burocracia
e os sistemas hierárquicos são provavelmente
características contraproducentes, num contexto
dinâmico e sujeito a contínuas mudanças. Essa
pressão parte de instâncias políticas decisórias
insatisfeitas com os níveis atuais de eficiência
apresentados pelas organizações (tradicionais)
de aplicação da lei. Por trás dessa insatisfação,
quase sempre haverá a reprovação da
opinião pública, ao lado de percepções e experiências desfavoráveis
do desempenho da aplicação da lei, senão mesmo
a ausência de qualquer registro. O rápido
crescimento do mercado da segurança privada
é um indicador seguro de que as empresas do
setor, na verdade, passaram a vender a proteção
e a segurança que os órgãos governamentais
estão deixando de fornecer.
A crescente insatisfação
experimentada pela sociedade ocasiona a mudança
das organizações de aplicação da lei. Aos
poucos, por toda a parte, observa-se a adoção
em caráter experimental de estruturas
descentralizadas e menos burocratizadas de
aplicação da lei. Novos conceitos de gerenciamento
são adotados e testados. O velho estilo de
tomada de decisões de cúpula dá lugar aos
conceitos de autogestão e responsabilidade pelos resultados,
que implicam a distribuição de responsabilidades
e créditos pelo desempenho da aplicação da
lei entre todos os planos funcionais da organização.
Conceitos como o de policiamento
comunitário são vistos com crescente favor, enquanto outros têm sua
validade questionada, como o de emprego
vitalício,
por exemplo, ameaçado pela introdução de contratos
temporários para todos os agentes. Renovam-se
os esforços no sentido de tornar as estratégias
de aplicação da lei mais proativas e suscetíveis
às necessidades da comunidade.
É de capital importância
compreender o impacto das realidades organizacionais
sobre a capacidade de desempenho, sobretudo
quando tais realidades (burocracia, estruturas
hierárquicas, complexidade etc.) interpõem-se
no caminho da mudança. Para alcançar o grau
desejável de mudança, será preciso remover
tais obstáculos.
Recrutamento e Seleção
A aplicação eficaz da lei depende, em larga medida, das qualificações
individuais dos agentes, em termos de conhecimento,
competência, postura e conduta. A aplicação
da lei não é de modo algum um processo mecânico
de produção com alternativas variáveis de
controle de qualidade anteriores
à venda do produto acabado. O principal produto
dessa indústria são serviços.
A maioria destes serviços é prestada no local, fora dos limites de controle
dos funcionários com poderes de supervisão
e/ou revisão. Os poderes e prerrogativas outorgados
pelo Estado à função de aplicação da lei são,
na verdade, poderes e prerrogativas exercidos
por agentes individuais, em circunstâncias
determinadas. A questão de saber se se deveria,
por um lado, delegar a esses agentes responsabilidades
e prerrogativas que, em última instância,
poderão significar um poder de decisão sobre
a vida ou a morte, enquanto, por outro lado,
os mesmos não detêm quase nenhuma autoridade
ou poder de decisão dentro da própria organização
a que pertencem, é um ponto polêmico. Voltaremos
a este ponto específico mais adiante, quando
examinarmos a questão da responsabilidade
final na aplicação da lei.
Tendo em vista que
o capital humano é o fator determinante da
qualidade do desempenho na aplicação da lei,
torna-se óbvio que os critérios
de recrutamento e seleção, bem como a qualidade da formação
e do treinamento, são de vital importância.
As qualificações básicas do pessoal encarregado
da aplicação da lei podem ser aprimoradas,
tanto pela elevação do nível dos requisitos
para admissão, durante a fase de recrutamento
e seleção, quanto pela reformulação da formação
e do treinamento básico e avançado. A escolha
dos futuros agentes é feita (ou deveria sê-lo)
com base no confronto do perfil e das qualificações
do candidato com o perfil e as qualificações
do agente ideal. O perfil deste último
é uma combinação de qualidades pessoais julgadas
necessárias para atender aos requisitos essenciais
de colocação. Muitas vezes, entretanto, a
seleção e recrutamento de agentes no âmbito
nacional não se processa dessa forma. Quando
os padrões são muito baixos ou praticamente
inexistentes, as qualificações médias dos
agentes também serão baixas. Se o nível efetivo
de formação e treinamento é igualmente baixo,
então a qualidade do desempenho na aplicação
da lei provavelmente ficará aquém das expectativas.
Formação e Treinamento
A exemplo do que se passa com o recrutamento e a seleção, a formação
e treinamento dos encarregados da aplicação
da lei apresenta enormes diferenças de nível
e qualidade de um país para outro. Em certos
países, o período de treinamento básico de
um agente é de seis semanas; em outros, pode
chegar a dois anos. Em alguns países, não
existe formação e treinamento de nível avançado.
Em outros, esse tipo de treinamento é proporcionado
somente aos oficiais superiores; noutros,
ainda, é obrigatório para todos os quadros.
Alguns países privilegiam especialmente o
conhecimento, enquanto outros dão prioridade
à competência ou a uma combinação de ambos.
Em alguns países, a formação e o treinamento
obedecem a uma concepção tradicional da aplicação
da lei, com relevo especial para a lei, a
ordem, a autoridade e as táticas de aplicação.
Em outros países, observa-se uma tendência
oposta e os conceitos de serviço comunitário,
trato social, consenso e táticas preventivas
prevalecem gradualmente sobre os enfoques
tradicionais.
A aplicação da lei
dá-se em um contexto dinâmico, onde os enfoques
e relações evoluem continuamente e adquirem
crescente complexidade. A organização de aplicação
da lei deverá, pois, por intermédio
de seus agentes, desenvolver uma capacidade
de adaptação e mudança, a fim de que o sistema
como um todo não se torne um obstáculo ao
progresso da sociedade. Os programas de formação
e treinamento não devem ser concebidos como
sistemas fechados, com um futuro predeterminado.
Tal como a própria organização, eles também
necessitam incorporar as mudanças e novos
desenvolvimentos ditados pelas exigências
de uma conjuntura em contínua transformação.
Somente assim os encarregados da aplicação
da lei estarão em condições de atender às
demandas e necessidades da comunidade e corresponder
às expectativas que depositou neles.
Os
Direitos Humanos e a Aplicação da Lei
Duas são as obrigações
complementares decorrentes dos instrumentos
internacionais dos direitos humanos para os
Estados Partes. A primeira, adequar (ou promulgar)
a legislação no âmbito nacional, de modo a
garantir o cumprimento das disposições contidas
naqueles instrumentos. A segunda requer que
as Partes se abstenham de práticas contrárias
ao disposto nos tratados. Tal como explicamos
anteriormente, no capítulo intitulado A Aplicação da Lei nos Estados Democráticos, esta segunda obrigação pressupõe, na verdade, uma correlação
entre a prática da aplicação da lei e o direito
internacional humanitário internacional, na
medida em que a prática nacional é matéria
de competência de cada Estado.
Os Estados Partes
deverão tomar medidas efetivas para garantir
tanto a implementação eficaz quanto a observância
das obrigações decorrentes dos tratados por
parte de todos os funcionários do poder público.
Para a aplicação da lei, isto se traduz por
obrigações relacionadas à formação e treinamento,
ou à necessidade de rever continuamente
os procedimentos de execução da lei e garantir
sua conformidade com o direito internacional
humanitário. Além desta obrigação relativa
à supervisão no âmbito nacional, os Estados
deverão tomar medidas rigorosas para evitar
e opor-se a quaisquer violações dos direitos
humanos por parte dos encarregados da aplicação
da lei. O Estado é responsável em última instância
pelas práticas de aplicação da lei. A questão
da responsabilidade final na aplicação da
lei será examinada adiante.
Gestão das Operações
Os encarregados da aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade
humana, manter e apoiar os direitos humanos
de todas as pessoas, sem distinção de qualquer
natureza (Código de Conduta para os Encarregados
da Aplicação da Lei, artigo 2.). Este objetivo
somente será alcançado se a prática conformar-se
aos requisitos inerentes a esta disposição.
É preciso ter sempre em vista os quatro princípios
fundamentais que devem guiar a prática adequada
da aplicação da lei:
* legalidade;
* necessidade;
* proporcionalidade;
* ética.
Todas as práticas
de aplicação da lei deverão estar fundamentadas
no direito positivo, embora, ao mesmo tempo, o recurso às
mesmas seja ditado pelas circunstâncias determinadas
e a gravidade das medidas tomadas não deva
ser excessiva em relação àquela situação específica.
Além desses princípios fundamentais,
os encarregados de aplicação da lei deverão
tomar em consideração os padrões morais e
éticos. (Vide o capítulo Conduta
Ética e Legal na Aplicação da Lei).
Sabe-se que nem todas
as operações de aplicação da lei são executadas
segundo
o manual.
Com muita freqüência, o princípio de legalidade
e, sobretudo, os de necessidade e proporcionalidade
são violados. N maiorias das vezes, também,
tais práticas não são suscetíveis de verificação.
No curso de uma investigação criminal, por
exemplo, os agentes poderão obter informações
valendo-se de métodos e/ou meios que não se
acham em estrita conformidade com os princípios
citados. À medida que as informações assim
obtidas não serão utilizadas senão como informação paralela -
ou seja, não serão aproveitadas ou lançadas
no relatório (final) - a prática, como tal,
geralmente não é suscetível de verificação.
É importante chamar a atenção dos agentes
para tal fenômeno - o chamado policiamento
obscuro
-, especialmente porque os mesmos tendem a
sustentar a opinião de que sua maneira de
agir é admissível, senão mesmo justificável,
em vista das circunstâncias. O policiamento obscuro não é admissível, nem justificável. Em investigações criminais, esse
tipo de procedimento pode conduzir à violação
do direito da pessoa suspeita (ou do acusado)
a um julgamento justo, além de constituir
uma intromissão ilícita e/ou arbitrária na
vida privada, na intimidade, na casa ou na
correspondência do indivíduo.
Verificação e Avaliação de Desempenho
Pode-se apresentar
uma série de razões para justificar o registro,
a verificação e a avaliação periódicas do
desempenho individual dos encarregados da
aplicação da lei. A principal destas razões
é assegurar a qualidade constante dos produtos e serviços ao público em geral. Tal como explicamos anteriormente,
a qualidade do desempenho da aplicação da
lei é, em larga medida, determinada pelas
qualidades e qualificações individuais dos
encarregados. Uma razão adicional para a verificação
e avaliação de desempenho é, pois, incentivar
os encarregados a desenvolver suas aptidões.
Revisões periódicas de desempenho, orientação,
planos de carreira e continuidade da formação
e do treinamento são alguns dos recursos a
serem utilizados para esse fim.
Além das razões já
mencionadas, certos requisitos legais tornam
imprescindível a supervisão, registro e avaliação
das atividades de aplicação da lei. Quando
a supervisão e revisão constam entre os requisitos
legais da prática de aplicação da lei, as
mesmas desempenham um papel bem caracterizado
na responsabilidade final dos organismos de
aplicação da lei. Por exemplo, quando se dá
o uso da força e de armas de fogo, os encarregados
deverão relatar o fato a seus oficiais superiores.
Deverão ademais fazê-lo por escrito sempre
que o uso da força e de armas de fogo ocasionar
morte ou ferimentos. É importante chamar a
atenção dos encarregados para tais requisitos.
Neste sentido, remetemos o leitor aos capítulos
Captura
e Detenção,
e Uso da Força e Armas de Fogo.
Introdução
Pode-se afirmar que a aplicação da lei é em geral um serviço comunitário,
embora isto não se aplique a todos seus aspectos.
É natural, portanto, que se criem expectativas
em torno do tipo de serviço prestado pelas
organizações de aplicação da lei e seus membros,
e da pertinência e adequação dos mesmos. Ambos
os aspectos - tipo e qualidade dos serviços
- dependem da capacidade da organização para
identificar e interpretar as demandas e necessidades
da comunidade a que serve. Isto implica algo
mais do que manter linhas telefônicas de emergência
para atender os pedidos de socorro de pessoas
em perigo. Requer o acesso a todas as camadas
da população e ligações com todos os setores
da sociedade. Pressupõe, ao mesmo tempo, fácil
acesso à própria organização de aplicação
da lei e a existência de uma confiança mútua
entre os cidadãos e os encarregados da aplicação
da lei a seu serviço. Esse tipo de relacionamento
não surge espontaneamente, nem se consolida
de um dia para outro. Ele exige sólidos investimentos,
aliados à clareza de visão e definição de
objetivos.
Capacidade de Antecipação e Reação
Capacidade de antecipação e reação significa a capacidade da organização
de aplicação da lei de responder - de maneira
reativa ou proativa (preventiva, antecipada)
- às demandas e necessidades da sociedade.
Assim definida, esta característica encontra-se
diretamente relacionada e condicionada ao
padrão e à qualidade efetiva dos serviços
de relações públicas. A maioria das organizações
de aplicação da lei têm baixa capacidade para
responder de forma proativa aos desenvolvimentos
externos e, por conseguinte, limita-se
a um gerenciamento à base de respostas reativas.
É por esta razão, provavelmente, que a aplicação
da lei tende a concentrar o foco de suas atenções
nos indivíduos em situações de perigo ou nos
casos de infração da lei, situações que obviamente
exigem uma ação legal. As respostas proativas
pressupõem um foco muito mais amplo, procurando
tomar em consideração os diversos componentes
que constituem a sociedade e determinam suas
necessidades em termos de aplicação da lei.
Aspectos como status
e desenvolvimento econômicos, composição da
população, grau de urbanização e dados demográficos,
cada um a seu modo, favorecem a compreensão
das tendências atuais e futuras de desenvolvimento
da sociedade. Com base em tais insights, pode-se chegar a prognósticos úteis e precisos quanto aos futuros
desdobramentos na esfera da ordem e da segurança
públicas.
As estratégias preventivas
não constituem o ponto forte da aplicação
da lei, não sendo muito apreciadas ou valorizadas
pelos encarregados da aplicação da lei. Tem-se
a impressão de que os resultados da prevenção
não podem ser verificados objetivamente, dificultando
a avaliação do valor das táticas isoladas.
É difícil afirmar quantos acidentes de trânsito
poderiam ser evitados postando-se um guarda
uniformizado num cruzamento perigoso, ou quantos
furtos são impedidos por rondas policiais
noturnas em áreas residenciais.
O requisito da capacidade
de antecipação e reação só há pouco motivou
algumas tentativas incipientes e ineficazes,
por parte das organizações de aplicação da
lei, de tomar em consideração as opiniões
da comunidade e formular respostas proativas,
com preferência às reativas. A constatação
de que a organização tradicional
de aplicação da lei constitui, na verdade,
um obstáculo à aplicação proativa da lei,
só muito lentamente ganha terreno no interior
das organizações de aplicação da lei.
Responsabilidade Final
Tal como foi explicado anteriormente, o registro, verificação e avaliação
de desempenho eqüivaleriam a uma espécie de
contabilidade das práticas de aplicação da
lei. As organizações de aplicação da lei devem
prestar contas ao governo local e à comunidade
como um todo, e suas ações e práticas devem
ser compatíveis com as leis nacionais e com
as obrigações assumidas pelo Estado perante
o direito internacional dos direitos humanos
e o direito internacional humanitário. A fim
de facilitar a necessária fiscalização, a
transparência das organizações nas práticas
de aplicação da lei é imperativa.
Três níveis de responsabilidade
final precisam ser estabelecidos. O primeiro
nível é o da responsabilidade perante a comunidade internacional
pelas práticas de aplicação da lei. Conforme
o direito internacional dos direitos humanos,
os Estados podem ser individualmente responsabilizados
por situações em que se verifica, dentro de
seus territórios, um padrão consistente de violações graves e seguramente atestadas dos
direitos humanos
(vide Resolução 1503 (XL VIII) do ECOSOC,
de 27 de Maio de 1970). Nos casos em que se
possa atribuir este padrão
de violações
às práticas de aplicação da lei, tais práticas
serão consideradas no âmbito internacional
como atribuíveis ao Estado, e pelas quais
o mesmo pode ser responsabilizado.
No caso de eventuais violações dos direitos
humanos que não configurem um
padrão consistente de violações graves,
o Estado, não obstante, será ainda responsabilizado
pelas mesmas. Apenas os mecanismos de denúncia
diferem. Este ponto será examinado em detalhe
mais adiante.
O segundo nível é
o da responsabilidade perante a sociedade das organizações de aplicação da lei por suas práticas.
Os encarregados da aplicação da lei deverão
atuar dentro do território do Estado em conformidade
com a legislação respectiva e serão responsabilizados
perante ela. O desenvolvimento de estratégias
e políticas de aplicação da lei não é matéria
de competência restrita das organizações de
aplicação da lei. O governo local, a comunidade
e o poder judiciário deverão empenhar-se por
igual nesta tarefa. A conseqüência lógica
deste requisito para o desenvolvimento de
estratégias e políticas é que as mesmas partes
deveriam empenhar-se igualmente também na
avaliação da implementação de estratégias
e políticas. (Embora evidente, tal lógica
não reflete necessariamente a realidade de
todos os países do mundo).
O terceiro nível,
a responsabilidade interna das
organizações de aplicação da lei, compreende
a responsabilidade individual efetiva de todo
encarregado da aplicação da lei de respeitar
e observar rigorosamente os preceitos da lei.
Tal responsabilidade ultrapassa o simples
conhecimento da legislação. Pressupõe requisitos
precisos de postura e competência, os quais,
aliados ao necessário conhecimento, poderão
garantir a aplicação imediata, adequada e
oportuna da lei, sem distinção de
qualquer natureza. Os encarregados da aplicação
da lei prestar-se-ão, pois - mediante os procedimentos
de relato e revisão - à supervisão, ao controle
e à fiscalização de seus atos. Deverão, além
disso, conservar e aprimorar os padrões de
conhecimento e competência necessários para
o desempenho adequado e eficiente de suas
tarefas.
Os oficiais superiores
deverão proporcionar orientação a seus subordinados
e impor medidas corretivas, sempre que as
circunstâncias assim o exigirem. Se necessário,
tais medidas poderão resultar em ação disciplinar
e/ou acusações criminais contra determinado
funcionário. Outro aspecto da responsabilização
interna é o exame periódico de desempenho
da aplicação da lei em função das estratégias
e políticas em curso. As conclusões de tais
avaliações contribuirão para assegurar o correto
gerenciamento e administração da organização
como um todo.
Os três níveis de
responsabilização propostos não serão concebidos
como entidades separadas, mas antes como um
todo coeso. O relatório das atividades desenvolvidas
no nível de responsabilização interna será
parte integrante do relatório correspondente
ao nível de responsabilização externa que,
por sua vez, poderá vir a ser parte integrante
do relatório apresentado pelo Estado no nível
de responsabilização internacional.
Ao final do processo,
a responsabilidade final visa a estabelecer
garantias de que a prática da aplicação da
lei será compatível com os princípios de legalidade,
necessidade e proporcionalidade.
Mecanismos de Denúncia
Em acréscimo às observações feitas acima, sob a rubrica Responsabilidade
Final, convém dedicar alguma atenção ao fato da ocorrência
de denúncias contra práticas ou procedimentos
de aplicação da lei. Consulte-se, a propósito,
o capítulo Investigação
de Violações dos Direitos Humanos.
O negócio da aplicação da lei não conta somente
com uma clientela satisfeita. As sociedades
contemporâneas tendem, com efeito, a apreender
a função de aplicação da lei como um mal necessário.
O dever dos encarregados da aplicação da lei
de atuar imparcialmente, sem estabelecer discriminações
de qualquer natureza entre as pessoas, contribui
para agravar semelhante percepção. A aplicação
da lei tem por premissa fundamental o respeito
e a obediência à lei. Isto, evidentemente,
pode dar margem a situações nas quais os indivíduos
não se contentem com certas decisões ou medidas
tomadas pelos encarregados da aplicação da
lei, mesmo que tais medidas sejam compatíveis
com os requisitos de legalidade, necessidade
e proporcionalidade. Por outro lado, nos casos
em que tais decisões e medidas sejam incompatíveis
com os princípios de legalidade, necessidade
e proporcionalidade, haverá igualmente margem
para denúncias. A prática da aplicação da
lei não se acha ao abrigo de denúncias por
parte de cidadãos que se sentem vitimados
em razão de decisões tomadas ou medidas levadas
a efeito.
A ocorrência de denúncias
não deve ser vista como uma conseqüência inevitável
da aplicação da lei, podendo, pois, prescindir
de atenções e cautelas especiais. Muitos instrumentos
internacionais dos direitos humanos reconhecem
o direito do indivíduo de apresentar denúncias
quanto à conduta dos agentes do poder público,
concedendo às vítimas de crime e/ou abuso
de poder um direito exeqüível de reparação
(vide, por exemplo, o artigo 9.5 do PIDCP,
que dispõe sobre captura e detenção ilícitas
ou arbitrárias; e o artigo 13. da
CCT, que concede às supostas vítimas de tortura
o direito de apresentar denúncia perante as
autoridades competentes do Estado). Qualquer
pessoa poderá submeter casos de supostas violações
dos direitos humanos à atenção da Comissão
de Direitos Humanos para que esta delibere
sobre a matéria, mesmo que o direito de apresentar
denúncia não tenha sido expressamente reconhecido
(para que tais comunicações pessoais
mereçam a devida atenção da Comissão de Direitos
Humanos, o Estado interessado deverá ter ratificado
o Protocolo Facultativo do PIDCP, de 1966).
No âmbito nacional, os indivíduos poderão
encaminhar denúncias acerca da aplicação da
lei movendo acusações criminais, instaurando
procedimentos civis ou tomando ambas as iniciativas.
Uma terceira opção viável é registrar a denúncia
junto às autoridades judiciais competentes
e requerer investigação e reparação.
A possibilidade de
registrar denúncias junto à organização de
aplicação da lei competente não existe em
todos os países. Nos países onde ela ocorre,
a maneira pela qual os procedimentos são estruturados
e conduzidos varia consideravelmente. As denúncias acerca de práticas de aplicação da lei serão
apuradas imediatamente, integralmente e imparcialmente.
Em certos países, este requisito acarretou a criação de
juntas revisoras civis, encarregadas de investigar
as denúncias. Em outros, as investigações
preliminares são levadas a efeito por funcionários
da organização de aplicação da lei afetada.
O direito de registrar denúncia em uma junta
revisora, ou na própria organização afetada, não exclui qualquer
direito do indivíduo de levar o caso
em questão aos tribunais. O objetivo geral
dos mecanismos de denúncia, quaisquer que
sejam suas estruturas ou a natureza de seus
vínculos, é a mediação e a solução pacífica
da controvérsia. Um número cada vez maior
de países proporciona aos indivíduos descontentes
com o resultado dos procedimentos de denúncia
a oportunidade de submeter a questão à apreciação
do ouvidor nacional (ombudsman) ou de uma comissão nacional de direitos humanos. No capítulo
que trata da Investigação
das Violações dos Direitos Humanos,
a questão da denúncia feita por indivíduos
é examinada com maior profundidade.
* Os encarregados
da aplicação da lei deverão respeitar e proteger
a dignidade humana, manter e apoiar os direitos
humanos de todas as pessoas.
* As organizações
de aplicação da lei dependem do capital humano
para o desempenho de suas tarefas e deveres.
* Investir na qualidade
dos encarregados de aplicação da lei é investir
na qualidade do desempenho de aplicação da
lei.
* A formação e treinamento
dos agentes não se limitará a questões teóricas.
A aplicação adequada e eficiente do conhecimento
é fundamental para a prática correta.
* As ações devem observar
os princípios de legalidade, necessidade,
proporcionalidade e conduta moral e ética.
* A aplicação da lei
está sujeita à fiscalização pública. As operações
devem ser conduzidas com transparência e o
desempenho, registrado e avaliado
regularmente.
* Os encarregados de aplicação da lei devem respeito e obediência à
lei.
* O estabelecimento
e manutenção de relações entre as organizações
e a comunidade a que servem é essencial para
o desempenho adequado da aplicação da lei.
* Relações públicas são um fator essencial da aplicação da lei reativa/proativa.
* As organizações
de aplicação da lei são legalmente responsáveis
perante o governo e a comunidade como um todo.
* O Estado pode ser
responsabilizado por práticas contrárias aos
os princípios de legalidade, necessidade e
proporcionalidade.
* Cabe ao Estado a responsabilidade de assegurar a promoção e a proteção
dos direitos humanos por todas as entidades
governamentais e seus funcionários.
* As organizações
de aplicação da lei e seus quadros poderão
ser responsabilizados por suas ações perante
as legislações nacionais.
* O desenvolvimento
de estratégias e políticas de implementação
da lei envolve a organização de aplicação
da lei, o governo, o poder judiciário e a
comunidade.
* As organizações
de aplicação da lei, por meio de suas hierarquias
internas, tornarão seus funcionários individualmente
responsáveis por seus atos. Os oficiais superiores
deverão proporcionar orientação e apoio, e
tomar medidas rigorosas contra atos ilegais.
* O desempenho da
aplicação da lei está sujeito a denúncias
por parte dos cidadãos. As organizações de
aplicação da lei deverão estar preparadas
para investigar qualquer denúncia imediata,
integral e imparcialmente.
* Em certos países,
a investigação de denúncias acerca
do desempenho de aplicação da lei é confiada
a uma junta revisora civil, que atua de maneira
independente.
* O direito de apresentar
denúncia a uma junta revisora ou à organização
de aplicação da lei atingida não exclui qualquer
direito do indivíduo de levar a matéria a
uma corte ou tribunal independente, por meio
de procedimento civil, criminal ou ambos.
Conhecimento/Compreensão
1. Por que as práticas de
aplicação da lei devem ser supervisionadas
e avaliadas regularmente?
2. Qual o propósito da responsabilidade
final na aplicação da lei?
3. O que significa exatamente
aplicação da lei reativa/proativa?
4. Qual a função da aplicação da lei na proteção dos direitos humanos?
5. Qual é a posição do Estado
em face das práticas ilícitas de aplicação
da lei?
6. Que opções tem a pessoa
cujos direitos foram infringidos em virtude
da ação de aplicação da lei?
7. O que podem fazer os oficiais
superiores para evitar práticas ilícitas de aplicação da lei?
8. Como a formação e o treinamento
afetam a promoção e o respeito aos direitos
humanos?
Aplicação
Seu chefe confiou-lhe a tarefa
de estabelecer um mecanismo de denúncia dentro
da organização, para a solução rápida de controvérsias
envolvendo encarregados da aplicação da lei.
Pediu-lhe que elaborasse e dirigisse a ele
um memorando delineando os seguintes pontos:
1. formulação da tarefa
do mecanismo;
2. formulação de seus poderes e autoridades;
3. composição (membros) proposta para o mecanismo;
4. formulação dos procedimentos
básicos;
5. alternativas propostas
para a solução de controvérsias.
Você agendou uma reunião
com os representantes da comunidade servida
por sua organização. Já sabe que eles têm
motivos para se queixar e esperam consideração
de sua parte. Você também pretende debater
alguns pontos relativos à cooperação entre
a organização e a comunidade.
1. Que pontos você gostaria
de debater com vistas a estabelecer uma cooperação
produtiva entre sua organização e a comunidade?
2. Que resposta você daria,
caso sua organização fosse considerada ineficiente
e incapaz de atender às necessidades específicas
da comunidade?
Referências Selecionadas: Apêndice III
Caderno 16: Investigação sobre Violações de Direitos Humanos
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Introdução ao Manual