Caderno 11:
Aplicação da Lei no
Caso dos Grupos Vulneráveis Mulheres
Índice do Capítulo:
Perguntas-chave para os Encarregados da
Aplicação da Lei
Os Direitos Humanos da Mulher
* Introdução: a Realidade do Gênero na
Sociedade * A Proteção Legal dos
Direitos da Mulher: Igualdade e Não-Discriminação * Os Mecanismos Internacionais de Proteção dos
Direitos Humanos da Mulher * A
Violência contra a Mulher
A Situação da Mulher na Administração da
Justiça * Prevenção e Detecção do Crime * Os Direitos Humanos da Mulher ao Ser
Capturada * Os Direitos Humanos da
Mulher Detida * A Mulher Vítima da
Criminalidade e do Abuso de Poder *
A Mulher como Encarregada da Aplicação da Lei
A Mulher em Situações de Conflito Armado:
Direito Internacional Humanitário * Comentários Gerais * A
Proteção de Mulheres Combatentes * A
Proteção de Mulheres Não Combatentes * Observação sobre o Estupro como Tática de Guerra
Pontos de Destaque do
Capítulo
Perguntas Para Estudo *
Conhecimento * Compreensão
* Aplicação
Perguntas-chave para os Encarregados da Aplicação da Lei
* Qual é a situação da mulher
na sociedade atual?
* Qual é o significado dos princípios
de igualdade e não-discriminação para as mulheres?
* Quais são os instrumentos internacionais
que protegem os direitos da mulher?
* Quais são as razões da violência
contra a mulher?
* Qual é o papel e a responsabilidade
da aplicação da lei com relação à violência doméstica?
* Qual é a situação da mulher na prevenção e detecção do crime?
* Quais são as necessidades especiais
para a proteção de mulheres infratoras?
* Quais são as necessidades especiais das vítimas
femininas do crime e do abuso de poder?
* Por que existem tão poucas
mulheres encarregadas da aplicação da lei no mundo
todo?
* Por que são tão poucas as mulheres
que ocupam cargos de direção?
* Por que as mulheres são tão
vulneráveis ao abuso e exploração?
* Como que a aplicação da lei
pode combater a prostituição forçada?
* Qual é a posição da mulher
nos conflitos armados?
* Qual é o nível de proteção
proporcionado à mulher pelo direito internacional
humanitário, nos conflitos armados?
Os Direitos Humanos
da Mulher
Introdução:
A Realidade do Gênero na Sociedade
A igualdade é o alicerce
de toda sociedade democrática comprometida com
a justiça e os direitos humanos. Em praticamente
todas as sociedades e em todas as esferas de atividade,
a mulher está sujeita a desigualdades por lei
e de fato. Esta situação é causada e agravada
pela existência de discriminação na família, na
comunidade e no local de trabalho. A discriminação
contra a mulher se perpetua mediante a sobrevivência
de estereótipos (do homem assim como da mulher),
de culturas tradicionais e crenças prejudiciais
às mulheres.
Poucos países tratam
suas mulheres tão bem quanto tratam seus homens.
As diferenças sociais e econômicas entre as
mulheres e os homens, em quase todas as partes
do mundo, é ainda enorme. As mulheres constituem
a maioria da população pobre do mundo, tendo
o número de mulheres que vivem na pobreza em
zonas rurais aumentado em 50% desde 1975. As
mulheres também formam a maioria da população
mundial analfabeta. Na África e Ásia, trabalham
13 horas por semana a mais do que os homens
e, na maioria das vezes, nem são pagas. No mundo
inteiro, ganham 30 a 40% menos do que os homens
pelo mesmo trabalho. Elas ocupam 10 a 20% dos
cargos de gerência e administração e menos que
20% dos empregos na indústria. Somam menos que
5% dos chefes de Estado no mundo. A discriminação
contra as mulheres é chamada de uma
doença mortal. Mais mulheres e meninas morrem a cada dia por causa de diferentes formas
de discriminação de gênero do que qualquer outro
tipo de abuso dos direitos humanos. De acordo
com os números da ONU, mais de um milhão de
meninas morrem a cada ano porque são do sexo
feminino.
As mulheres sofrem
muito ao passarem pela administração de justiça.
Em muitos países, não possuem os mesmos direitos
legais que os homens, sendo, portanto, tratadas
como cidadãs de segunda classe nas delegacias
e tribunais. Ao serem detidas ou presas, são
muito mais vulneráveis que os homens a ataques
- especialmente às formas de abuso com motivo
sexual como estupros. Muitas vezes, as mulheres
são detidas, torturadas e, algumas vezes, até
assassinadas porque seus parentes ou pessoas
com quem se relacionam estão ligados a grupos
de oposição política ou são procurados pelas
autoridades. Em época de distúrbios internos,
todos os direitos humanos encontram-se sob ameaça
- particularmente os direitos dos civis - e
as mulheres sofrem especialmente nessas situações,
são rapidamente envolvidas em conflitos que
não causaram, tornando-se o alvo das matanças
em represália. Elas também são a maioria da
população refugiada e deslocada no mundo, deixadas
para criar famílias sozinhas. São estupradas
e abusadas sexualmente com impunidade.
A Proteção Legal dos Direitos Humanos da Mulher: Igualdade
e Não-Discriminação
A Carta
das Nações Unidas
foi o primeiro instrumento jurídico internacional
a afirmar explicitamente os direitos iguais
do homem e da mulher e a incluir o gênero como
uma das formas proibidas de discriminação (juntamente
com a raça, língua e religião). Estas garantias
foram repetidas na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, adotada
pela Assembléia Geral em 1948. Desde então os
direitos iguais para a mulher têm sido ajustados
e ampliados em inúmeros tratados internacionais
de direitos humanos - ressaltando o PIDCP
e o PIDESC. Os
direitos contidos nestes instrumentos são exercidos
completamente tanto pela mulher como pelo homem
- assim como os direitos na Convenção
contra a Tortura e
a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial.
A não-discriminação baseada no sexo também encontra-se
na Convenção sobre os Direitos da Criança e nos tratados de direitos humanos regionais (CADHP, artigo
20 ; CADH, artigo 10 ; CEDH artigo 14 ).
Por que, então, se
julgou necessário elaborar um instrumento jurídico
separado para
a mulher? Considerou-se necessário adotar os
meios adicionais de proteção dos direitos humanos
da mulher pelo simples fato de que a sua humanidade não era suficiente para
lhe assegurar seus direitos. Como o preâmbulo
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
a Mulher explicita,
as mulheres ainda não possuem direitos iguais
aos dos homens e a discriminação contra a mulher
continua a existir em todas as sociedades.
A Convenção foi adotada
pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em
1979, passando a vigorar em 1981. O artigo 10
declara que:
a expressão "discriminação
contra as mulheres" significa qualquer distinção,
exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha
como efeito ou como objetivo comprometer ou
destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício
pelas mulheres, seja qual for seu estado civil,
com base na igualdade dos homens e das mulheres,
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais
no campo político, econômico, social, cultural,
civil ou qualquer outro campo.
A Convenção reforça
e amplia as disposições dos instrumentos internacionais
já existentes, elaborados para combater a discriminação
permanente contra a mulher, identificando também
muitas áreas de notória discriminação, como,
por exemplo, os direitos políticos, o casamento
e a família, e o trabalho. Nestas e em muitas
outras áreas, a Convenção estabelece objetivos
e medidas específicos a serem seguidos pelos
Estados Partes para facilitar a criação de uma
sociedade global dentro da qual as mulheres
possam gozar de plena igualdade junto aos homens,
obtendo assim o exercício pleno dos seus direitos
humanos garantidos.
Também faz-se necessário
que os Estados Partes reconheçam a importante
contribuição econômica e social da mulher para
a família e a sociedade como um todo. A convenção
enfatiza o fato de que a discriminação impedirá
o crescimento econômico e a prosperidade e reconhece,
também, a necessidade de uma mudança de atitude, por intermédio da educação
de homens e mulheres para que aceitem a igualdade
de direitos e superem os preconceitos e práticas
baseados em estereótipos. Outra característica
importante da Convenção é o reconhecimento explícito
de que é necessária uma igualdade real
,ou seja, igualdade de fato e não somente por lei, - e de que medidas
temporárias especiais devam ser tomadas para
atingir esse objetivo. Ao contrário de outros
tratados importantes sobre direitos humanos,
a Convenção sobre a Mulher exige que os Estados
Partes combatam a discriminação nas vidas
e relacionamentos particulares de
seus cidadãos, e não somente nas atividades
do setor público.
A Convenção sobre a
Mulher foi ratificada pela maioria dos países
do mundo. O número de Estados Partes à Convenção
teria sido uma mostra do compromisso real em
terminar com a discriminação baseada no gênero
se não fosse pelas reservas submetidas por muitos
Estados. Como mencionado no capítulo sobre Direito
Internacional dos Direitos Humanos, o
procedimento de reservas foi elaborado para
auxiliar a causa dos direitos humanos na medida
em que permite exceções àquelas garantias de
direitos humanos que os governos não podem assumir
completa e imediatamente no momento da ratificação.
As reservas à Convenção sobre a Mulher causaram
muita controvérsia porque há mais reservas a
este instrumento do que a qualquer outro tratado
de direitos humanos, e
muitas
das reservas parecem ir contra o objeto e a
finalidade da Convenção. Algumas delas, por
exemplo, são feitas ao princípio geral de não-discriminação,
enquanto outras tentam limitar as disposições
da Convenção que estabelecem direitos iguais
à mulher em relação à família, cidadania e no
âmbito jurídico . Algumas reservas são tão vagas
e tão amplas que fica difícil dizer exatamente
a que elas se referem. Tantas reservas substanciais
têm a capacidade de limitar significativamente
as obrigações assumidas pelos Estados que as
apresentaram, podendo desta forma solapar nitidamente
o objetivo e a finalidade da Convenção. Essa
questão das reservas à Convenção sobre a Mulher
tornou-se uma questão política dentro da Assembléia
Geral das Nações Unidas e da Comissão sobre
o Estatuto da Mulher. Até agora, entretanto,
os Estados Partes na Convenção ainda não exerceram
seu direito (de acordo com a Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados) de buscar uma
determinação normativa sobre a permissibilidade
de reservas que parecem solapar o compromisso
de assumir obrigações fundamentais de direitos
humanos para com a mulher.
Mecanismos
Internacionais de Proteção dos Direitos da Mulher
Na teoria, todos os
mecanismos pertencentes à principal corrente
dos direitos humanos, mencionados no capítulo
sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos (incluindo a Comissão dos Direitos Humanos, os procedimentos de investigação
e os órgãos de supervisão dos tratados), ocupam-se
com os direitos humanos de todas as pessoas
- de mulheres como de homens. A situação na
prática é um pouco diferente. Os ditos mecanismos
da corrente principal dos direitos humanos têm
tradicionalmente deixado de considerar os direitos
humanos da mulher e a violação destes direitos.
Uma das razões para isso é que a questão dos
direitos da
mulher foi
separada pela ONU das outras questões desde
muito cedo, fazendo com que órgãos especializados
fossem criados para tratar dos assuntos relativos
à mulher. Infelizmente, estes órgãos têm sido
mais fracos e recebido menos apoio que aqueles
pertencentes à principal corrente. Outro motivo
para a marginalização dos direitos humanos
da mulher é a natureza dos próprios instrumentos
de direitos humanos. Muitos ativistas dos direitos
da mulher argumentam que o direito internacional
dos direitos humanos foi criado pelos homens
para os homens, ou seja, que aquele não trata
de questões que são de importância vital para
as mulheres, como o analfabetismo, a pobreza,
a violência e a saúde ligada à reprodução humana.
Acusações parecidas têm sido feitas contra o direito
internacional humanitário quando se argumenta
que ele está mais preocupado com a honra que reconhecer e
lidar com os verdadeiros problemas enfrentados
pelas mulheres em situação de conflito armado.
Felizmente, a situação
está se invertendo gradualmente. Na Conferência
Mundial sobre os Direitos Humanos, em 1993,
os Estados membros da ONU concordaram que os
direitos humanos da mulher deverão estar ligados
a todos os aspectos do trabalho da organização
com os direitos humanos. Foi declarado ainda
mais que:
Os direitos humanos
da mulher e da menina fazem parte de forma inalienável,
integral e indivisível dos direitos humanos
universais. A participação plena e igualitária
da mulher na vida política, civil, econômica,
social e cultural em nível regional, nacional
e internacional, e a erradicação de todas as
formas de discriminação baseada no sexo são
objetivos prioritários da comunidade internacional.
(Declaração e
Programa de Ação de Viena, Parte
1, parágrafo 18.)
Os órgãos especializados,
que serão mencionados, permanecem sendo importantes
para a implementação dos direitos humanos da
mulher. Conforme já foi explicado no capítulo
sobre O Direito Internacional dos Direitos Humanos, a Comissão sobre o Estatuto da
Mulher foi
criada pelo ECOSOC em 1946. Sua função é a de
elaborar relatórios e recomendações para o ECOSOC
sobre a promoção dos direitos da mulher em todas
as esferas. A Comissão também tem poderes para
elaborar propostas de ação para problemas urgentes
na área de direitos humanos da mulher. De forma
significativa, porém, a Comissão não pode tomar
nenhuma ação com relação às denúncias individuais
que está autorizada a receber e considerar.
Em vez disso, seu procedimento é voltado para
discernir as tendências e os padrões de discriminação
que surgem, para que assim elabore uma política
de recomendações com vistas à solução de problemas
em larga escala.
O artigo 17 da Convenção
sobre a Mulher cria o Comitê
para a Eliminação da Discriminação contra as
Mulheres para
supervisionar a implementação de suas disposições.
O Comitê é composto de 23 peritos (quase sempre
mulheres) designados pelos Estados Partes à
Convenção, os quais, assim como no????????º??0s
outros órgãos de tratados, exercem suas funções
a título pessoal e não como delegados ou representantes
de seus países de origem. A função do Comitê
é de supervisionar, principalmente por meio
de relatórios apresentados, a implementação
da Convenção pelos Estados que a ratificaram
ou aderiram a ela. O Comitê não está capacitado
a receber denúncias provenientes de particulares
ou denúncias de um Estado Parte em relação à
conduta de outros. Muitos comentaristas consideram
que esta seja a grande debilidade da Convenção
sobre a Mulher, e, por isso, esforços estão
sendo feitos no sentido de elaborar um Protocolo
Facultativo
para estabelecer procedimentos de denúncia.
É importante observar, neste contexto, que o
Comitê
dos Direitos Humanos (que
supervisiona a implementação do PIDCP) pode
receber denúncias de violações das disposições
do PIDCP sobre a igualdade dos sexos - especificamente,
do artigo 26. A proibição da discriminação baseada
no sexo foi ampliada aos direitos estabelecidos
em outros instrumentos (por exemplo, o direito
à seguridade social garantido pelo PIDESC).
O procedimento de denúncias individuais do Comitê
dos Direitos Humanos está disponível a todas
as pessoas de cada um dos países que ratificou
o Protocolo Facultativo ao PIDCP. As mulheres
nestes países podem, portanto, fazer denúncias
sobre violações de seus direitos estabelecidos
naquele instrumento, assim como dos direitos
protegidos por outros tratados de direitos humanos
- desde que seu país seja também parte desses
tratados. Os procedimentos de denúncias individuais
criados pelos sistemas de direitos humanos europeu e interamericano também
se encontram disponíveis às mulheres cujos direitos
foram violados (procedimentos sujeitos, é claro,
à aceitação dos Estados Partes).
Violência
contra a Mulher
O Comitê da Mulher (CEDM) definiu a violência baseada no gênero
como:
... violência
que é dirigida à mulher pelo fato dela ser mulher
ou que atinge a mulher desproporcionalmente.
Inclui atos que infrinjam sofrimento ou dano
físico, mental ou sexual, ameaças de tais atos
e outras privações da liberdade...
A violência contra
a mulher não é um fenômeno recente, tem existido
por toda a história - não sendo notada nem contestada.
Após pressão internacional, muito recente para
que se considere a violência contra a mulher
como uma questão internacional de direitos humanos,
a CEDM respondeu com a declaração específica
de que a proibição geral da discriminação baseada no gênero que consta na Convenção
sobre a Mulher inclui a violência baseada no
gênero conforme
definida acima. O Comitê afirma ainda que a
violência contra a mulher constitui uma violação
de seus direitos humanos reconhecidos internacionalmente
- não importando se quem cometeu a violação
seja um servidor público ou pessoa particular.
A responsabilidade
do Estado perante a violência contra a mulher
pode
ser invocada quando um funcionário do governo
está envolvido em um ato de violência baseada
no gênero e
também quando
o Estado deixa de agir com a devida diligência
de modo a evitar as violações dos direitos cometidas
por particulares ou de investigar e punir tais
atos de violência, proporcionando compensação.
Essas decisões foram
reforçadas pela Declaração
sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher,
adotada
pela Assembléia Geral, em 1993; pela Convenção
Interamericana sobre a Mulher e Violência, adotada em 1994, dentro da estrutura do sistema interamericano de direitos
humanos; assim como pelas disposições específicas
da Declaração
e Programa de Ação de Viena, adotadas
na Conferência Mundial de Direitos Humanos,
em 1993, e pela Declaração e Plataforma de Ação de Beijing, adotadas por ocasião d????????º??0a Quarta Conferência Mundial
sobre a Mulher em 1995. Cada um destes instrumentos
torna claro que a violência contra a mulher,
ocorra ela em casa, no trabalho ou nas mãos
dos agentes públicos, é uma violação dos direitos
humanos.
A Situação da
Mulher na Administração de Justiça
Prevenção e Detecção do Crime
Conforme já foi explicado
no capítulo dedicado a este assunto, não existe
um único instrumento internacional que trate da
prevenção e detecção do crime - nem dos aspectos
relativos ao gênero dentro desta função específica
de aplicação da lei. Portanto, os direitos e as
responsabilidades nesta área devem ser reunidos
a partir dos inúmeros instrumentos de direitos
humanos. Os direitos relevantes a serem considerados
nesta fase incluem o
direitos de todas pessoas (homens e mulheres)
à igualdade perante a lei;
e a presunção da inocência que garante
que qualquer pessoa, do sexo masculino ou feminino,
acusada de um delito penal, tem o direito de ser
presumida inocente até que se prove o contrário
no tribunal (PIDCP, artigo 14.2; CADHP, artigo
7.1 (b); CADH, artigo 8.2; e CEDH, artigo 6.2).
Deve-se observar que, com relação à presunção
da inocência, os encarregados da aplicação da
lei não têm nenhum papel a desempenha????????º??0r
na decisão sobre a inocência ou culpa de uma pessoa
capturada por um delito A função da aplicação
da lei limita-se ao levantamento de fatos, cabendo
ao judiciário descobrir a verdade. Os outros direitos
que dizem respeito à detecção do crime são o
direito a um julgamento justo e
o direito
à privacidade
- ambos examinados em maiores detalhes no capítulo sobre Prevenção
e Detecção do Crime.
Deve-se ter em mente que, com respeito ao direito
à privacidade,
o teor deste direito pode não ser o mesmo para
a mulher que o homem, já que pode ser necessário,
em algumas ocasiões, que os encarregados da aplicação
da lei, envolvidos em investigação de um crime,
tomem medidas especiais e distintas para assegurar
que a privacidade pessoal da mulher seja protegida
e preservada.
A prevenção
do crime
é um objetivo fundamental da aplicação da lei,
sendo uma área que possui um valor específico
para os direitos da mulher. Em todas as sociedades,
as mulheres são vulneráveis a certos tipos de
crime simplesmente
porque são mulheres,
como a violência doméstica, a ????????º??0violência
sexual e outros tipos de agressão, a prostituição
forçada e tráfico. Os encarregados da aplicação
da lei podem tomar inúmeras medidas para evitar
que as mulheres se tornem vítimas desses crimes.
A prostituição forçada, por exemplo, é uma violação
dos direitos humanos (e um crime) que atinge
desproporcionalmente as mulheres imigrantes
- muitas das quais são procuradas nos países
mais pobres para serem exploradas sexualmente
nos países mais ricos. Elas estão , muitas vezes,
ilegalmente no país, deixando, por medo, de
procurar a ajuda das autoridades - mesmo quando
são submetidas aos tratamentos mais desumanos.
Nestes casos, é evidente a responsabilidade
das organizações de aplicação da lei para que
se esforcem em identificar as mulheres vítimas
de prostituição forçada (no ponto de saída bem
como no país de entrada) e para tomar medidas
que assegurem sua proteção, ao mesmo tempo em
que se espera que as organizações se esforcem
ao máximo para encontrar os culpados e pôr um
fim definitivo a suas práticas ilegais.
A violência
doméstica é
outra violação dos direitos humanos e um crime
(na maioria dos países) que os encarregados
da aplicação da lei podem ajudar a prevenir.
Os homens que batem nas suas mulheres ou companheiras
estão normalmente confiantes de que o podem
fazer com impunidade - de que não serão denunciados
à polícia e, mesmo que o sejam, conseguirão
escapar da punição. Infelizmente, as autoridades
da aplicação da lei, em todo o mundo, contribuíram
para esta situação ao se recusarem não só em
tratar a violência doméstica como um crime,
mas em intervir para acabar com a violência,
baseados supostamente na noção de que fosse
um problema de família.
A violência doméstica não é um problema só de
família - é um problema da comunidade e esta em sua totalidade é normalmente responsável pela continuação
da violência: são os amigos e vizinhos que ignoram
ou encontram desculpas para as provas evidentes
de violência; é o médico que apenas cuida dos
ossos quebrados e machucados; é a polícia e
o tribunal que se recusam a intervir em assunto
particular. Os encarregados da aplicação da lei podem ajudar a prevenir
o crime de violência doméstica ao tratá-lo como
um crime. Eles são responsáveis por assegurar
e proteger o direito da mulher à vida, à segurança
e à integridade corporal, ocorrendo uma evidente
abdicação dessa responsabilidade quando falharem
em proteger a mulher contra a violência no lar.
Na maioria dos países
do mundo, os crimes contra a mulher são de baixa
prioridade. É dever de toda organização de aplicação
da lei expor esses crimes, de modo a evitá-los
o máximo possível, tratando das vítimas com
cuidado, sensibilidade e profissionalismo.
Os
Direitos Humanos da Mulher ao ser Capturada
De acordo com o princípio básico de não-discriminação, a mulher
possui os mesmos direitos que o homem no ato
da captura (vide o capítulo Captura para maiores detalhes). Além disso, o princípio correlato de proteção
igualitária dos direitos de todas as pessoas,
assim como o de respeito
pela dignidade inerente ao ser humano (Conjunto
de Princípios, Princípio 10), podem fazer com
que sejam necessárias formas adicionais de proteção
e consideração a serem oferecidas à mulher durante
a captura. Tais medidas incluem as garantias
de que a captura das mulheres seja feita por
um agente do sexo feminino (sempre que possível);
de que as mulheres e suas vestimentas serão
revistadas por um agente do sexo feminino (em
todas as circunstâncias) e de que as mulheres
detidas serão mantidas separadas dos homens
detidos (também, em todas as circunstâncias).
Deve-se observar que
a proteção e consideração adicionais para a
mulher em situações de captura não devem ser tidas como discriminatórias,
pelo motivo de que se visa contrabalançar um
desequilíbrio inerente, de fazer com que a possibilidade
da mulher gozar seus direitos seja igual à do
homem.
Os
Direitos da Mulher Detida
Como mencionado no capítulo sobre Detenção, os direitos humanos das
pessoas detidas são violados mais freqüentemente
do que com pessoas em liberdade. Criaram-se,
portanto, padrões específicos para proteger
os detidos contra maus-tratos, abuso de poder
e danos à saúde causados por condições inadequadas
de detenção, também para garantir que os direitos
básicos dos detidos - como seres humanos - sejam
respeitados. A necessidade de se assegurar direitos
especiais
aos detidos
provém do entendimento da sua condição dependente
, colocando a mulher detida em um risco dobrado.
Elas quase sempre são pobres, muitas vezes são
emigrantes e, em muitos países, são detidas
por crimes que somente incriminam mulheres.
Uma vez detida, a mulher sofre um risco muito
maior de ser agredida que o homem (especialmente
agressão causada pelos encarregados de aplicação
da lei).
A legislação internacional
de direitos humanos na área de detenção - como
em todas as outras - é guiada pelo princípio
fundamental de não-discriminação: as mulheres
detidas possuem os mesmos direitos que os homens
detidos, não podendo sofrer discriminação. Como
já foi observado anteriormente, a igualdade
nos resultados não implica necessariamente
igualdade no tratamento. A necessidade de se
ampliarem as formas especiais de proteção à
mulher é reconhecida no Conjunto de Princípios, que determina claramente que as
medidas aplicadas ao abrigo da lei e exclusivamente
destinadas a proteger os direitos e a condição
especial da mulher (especialmente da mulher
grávida e da lactente) não são consideradas
discriminatórias (Princípio 5.2). Entre tais medidas incluem-se as instalações
médicas especializadas, pois a recusa ao tratamento
médico adequado a mulheres detidas constitui
maus-tratos, proibido por leis
nacionais e internacionais; o alojamento separado
para mulheres detidas e a disponibilidade de
pessoal do sexo feminino na justiça penal. Outras
medidas especiais podem ser necessárias para
abranger a criação de filhos e tratamentos durante
a gravidez.
As Regras
Mínimas para o Tratamento de Presos (RMTP) exige que categorias diferentes de presos sejam mantidos em
instituições separadas ou áreas separadas, levando
em conta o sexo, a idade, os antecedentes criminais,
a razão jurídica para sua detenção e as medidas
corretivas a serem aplicadas (RMTP 8). As RMTP
também estipulam explicitamente que homens
e mulheres deverão, na medida do possível, ser
detidos em instituições separadas; em instituições
que abriguem homens e mulheres, os locais destinados
às mulheres, em sua totalidade, deverão ser
completamente separados (RMTP 8 (a)). Como já foi dito, na seção sobre captura, a
supervisão de mulheres e a revista de suas roupas
devem ser feitas por agentes femininas.
As regras acima são
as únicas explícitas em relação às mulheres
detidas, e nem mesmo a Convenção sobre a Mulher contém
alguma disposição sobre elas. A falta de padrões
específicos relativos ao gênero é normalmente
ligada ao fato de que as mulheres constituem
uma pequena minoria da população carcerária.
Não obstante, os números pequenos não podem
diminuir os direitos humanos básicos. Já é um
fato consumado de que a percentagem de mulheres
em custódia cresce rapidamente em quase todas
as partes do mundo. Uma das preocupações mais
sérias dentro dos direitos humanos é certamente
a violência
contra as mulheres detidas,
perpetrada pelos agentes de aplicação da lei e segurança.
A proteção contra a violência é um direito humano
básico. O Conselho Econômico e Social das Nações
Unidas (ECOSOC) tem exortado os Estados membros
a tomarem urgentemente todas as medidas necessárias
para erradicar os atos de violência cometidos
contra as mulheres detidas. Entre as medidas,
algumas são consideradas o mínimo absoluto:
a garantia da mulher somente ser interrogada
ou detida por agentes femininas, ou sob supervisão
delas, não podendo haver nenhum
contato entre guardas masculinos e mulheres detidas sem a presença
de uma guarda feminina. Todos os encarregados
da aplicação da lei que entrem em contato com
detentas devem receber treinamento adequado.
Todos os agentes devem estar conscientes de
que a violência sexual contra uma mulher em
detenção é um
ato de tortura
que não será tolerado em nenhuma circunstância.
As organizações de aplicação da lei devem assegurar
que os procedimentos protejam as mulheres e
não exacerbem sua vulnerabilidade; que investigações
imparciais, imediatas e integrais sejam conduzidas
para apurar todas as denúncias de tortura, agressão
ou maus-tratos das mulheres detidas e que todo
encarregado responsável por tais atos, ou por
encorajá-los ou por não denunciá-los, seja levado
à justiça. Devem-se também adotar procedimentos
especiais para identificar e responder às alegações
de violência contra detentas. As vítimas de
estupro, abuso sexual, ou outro tipo de tortura
ou maus-tratos, sofridos enquanto estavam em
custódia, devem ter o direito à indenização
justa e adequada????????º??0 e ao tratamento
médico (abaixo, maiores detalhes).
A
Mulher Vítima da Criminalidade e do Abuso de
Poder
Como já referido no
capítulo sobre vítimas, os direitos e a posição
legal das vítimas da criminalidade e do abuso
de poder são infimamente protegidos - especialmente
quando comparados com a gama de direitos que
é estendida (pelo menos na teoria) aos infratores.
A Declaração
dos Princípios Básicos de Justiça Relativos
às Vítimas da Criminalidade e de Abuso do Poder
(Declaração
sobre Vítimas) é o único instrumento que oferece
uma orientação aos Estados membros com relação
à proteção e compensação para as vítimas. Como
não constitui um tratado, não cria obrigações
legais aos Estados.
Existem apenas algumas
disposições em tratados que criam obrigações
legais aos Estados Partes com respeito aos direitos
e a situação das vítimas do crime e do abuso
de poder:
* o direito exeqüível das
vítimas de prisão ou detenção ilegal à indenização (PIDCP, artigo 9.5);
* vítimas de
pena cumprida em virtude de erro judicial devem ser indenizadas em conformidade
com a lei (PIDCP, artigo 14.6);
* vítimas de
tortura possuem o direito exeqüível à indenização justa e adequada (Convenção
contra a Tortura, artigo 14.1)
A Declaração das Vítimas define
vítimas de crime como sendo: as
pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido danos, nomeadamente à
sua integridade física ou mental, ou sofrimento de ordem emocional, ou perda
material, ou grave atentado aos seus direitos fundamentais, como conseqüência de
atos ou omissões que violem as leis penais em vigor em um Estado membro,
incluindo as que proíbem o abuso do poder (artigo
1o).
Uma definição de Vítimas do Abuso do Poder é dada
no artigo 18 da Declaração das Vítimas: as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido danos,
nomeadamente à sua integridade física ou mental, ou sofrimento de ordem
emocional, ou perda material, ou grave atentado aos seus direitos fundamentais,
como conseqüência de atos ou omissões que, não constituindo ainda uma violação
da legislação penal nacional, representam violações das normas
internacionalmente reconhecidas em matéria de direitos humanos.
A Declaração das Vítimas
afirma ainda que uma pessoa pode ser considerada
uma vítima quer o autor seja ou não identificado,
capturado, julgado ou declarado culpado, e quaisquer
que sejam os laços de parentesco deste com a vítima
(artigo 2). O termo vítima inclui também a família próxima ou dependentes da vítima,
assimcomo as pessoas que tenham sofrido algum
dano ao intervirem em nome da vítima.
A Declaração das Vítimas
não distingue entre vítimas do sexo masculino
ou feminino, nem discute a vulnerabilidade e
necessidades específicas das vítimas da criminalidade
e abuso de poder.
Estabelece disposições
relativas ao acesso
à justiça e ao tratamento, restituição, indenização
e assistência eqüitativos, afirmando os seguintes direitos para as vítimas da criminalidade
e abuso de poder:
* de
serem tratadas com compaixão e respeito por
sua dignidade. Têm direito ao acesso às instâncias
judiciárias e a uma rápida reparação (artigo
4o);
* de beneficiarem-se
da criação de procedimentos de reparação, oficiais
ou oficiosos, que sejam eqüitativos, de baixo
custo e acessíveis (artigo 5o);
* de serem informadas
da função das instâncias que conduzem os procedimentos,
do âmbito, das datas e do progresso dos processos
e da decisão de suas causas, especialmente quando
se trate de crimes graves e quando tenham pedido
essas informações (artigo 6º a);
* de apresentarem
as suas opiniões e que estas sejam examinadas
nas fases adequadas do processo quando os seus
interesses pessoais estejam em jogo (artigo
6º b);
* de receberem
assistência adequada ao longo de todo o processo
(artigo 6º c);
* à proteção de
sua privacidade e às medidas que garantam sua
segurança e de sua família, preservando-as de
intimidação e represálias (artigo 6º d);
de que se evitem demoras desnecessárias na resolução
das causas e na execução das decisões que lhes
concedam indenizações (artigo 6º e);
* de beneficiarem-se de mecanismos extrajudiciários de resolução
de disputas, incluindo a mediação, a arbitragem
e as práticas de direito costumeiro ou as práticas
autóctones de justiça, que devem ser utilizados,
quando adequados, para facilitar a conciliação
e obter a reparação em favor das vítimas. (artigo
70)
Os artigos de 8 a 13 estabelecem vários princípios relativos à
restituição e reparação:
os infratores devem fazer a
restituição a suas vítimas; incentivam-se os Estados a manter sob escrutínio
constante os mecanismos de restituição e que considerem sua inserção nas leis
penais; nos casos em que o infrator for um funcionário ou agente do Estado, este
deve ser responsável pela restituição.
Quando não seja possível obter do infrator ou
de outras fontes a indenização, os Estados devem procurar assegurá-la. É
incentivada a criação de fundos para esta finalidade em particular.
Além disso:
as vítimas devem
receber a assistência material, médica, psicológica e social de que necessitem
(artigo 14);
as vítimas devem ser informadas da possível
existência de serviços de assistência que lhes possam ser úteis (artigo
15);
o pessoal dos serviços de polícia, de justiça
e de saúde, tal como o dos serviços sociais e
outros serviços interessados, deve receber uma
formação que os sensibilize para as necessidades
das vítimas, bem como instruções que garantam
uma ajuda pronta e adequada às vítimas (artigo
16).
A Declaração das Vítimas e as outras disposições
importantes em tratados são perturbadoramente neutras em gênero. Não chegam nem perto em
reconhecer que as necessidades das mulheres vítimas da criminalidade e abuso de
poder são, muitas vezes, muito diferentes das necessidades das vítimas do sexo
masculino, não somente em termos físicos e psicológicos, mas também porque a
vítima feminina provavelmente sofreu um tipo de violação que é peculiar a seu
sexo. Em muitos casos, os encarregados da aplicação da lei serão o primeiro
contato que uma vítima do sexo feminino de um crime terá, quando seu bem-estar
deve ser da mais alta prioridade. Não se pode desfazer o crime cometido, mas o
auxílio e a assistência adequados farão com que as conseqüências negativas do
crime para as vítimas sejam definitivamente limitadas.
Caso o
incidente for de natureza doméstica ou a vítima conhecer o infrator, ela poderá
estar relutante em apresentar queixa com medo de represálias. O cuidado e a
assistência adequados para as mulheres vítimas de crime podem fazer com que
sejam necessárias medidas especiais, incluindo a proteção contra uma vitimização
posterior, o encaminhamento a abrigos e a prestação de serviços médicos
especializados. O respeito pelo direito à privacidade e à dignidade pessoal da
mulher vítima também pode exigir medidas especiais como o treinamento
especializado dos encarregados da aplicação da lei, a disponibilidade de
encarregados do sexo feminino para conduzir a investigação e as instalações
especiais dentro das delegacias para o conforto e bem-estar da vítima.
As mulheres vítimas de abuso de poder também necessitam
de proteção especial para assegurar que seus direitos
não sejam ainda mais violados. Há uma preocupação
em particular com a situação das mulheres vítimas
de violência nas mãos dos agentes e funcionários
do Estado - vítimas que incluem as mulheres que
sofrem agressões enquanto detidas. Como indicado
acima, é nítido o dever das organizações de aplicação
da lei de assegurar-se de que qualquer
alegação de violência deste tipo seja investigada pronta, completa e imparcialmente;
que assistência médica, aconselhamento ou outro
serviço de apoio sejam oferecidos às vítimas e
que a implementação de seu direito à compensação
seja facilitado.
A Mulher como Encarregada da Aplicação da
Lei Os vários instrumentos citados neste Manual fazem uma clara referência à
necessidade de se ter uma aplicação da lei
representativa (vide o capítulo sobre a
Aplicação da Lei nos Estados
Democráticos). O requisito de que toda
organização de aplicação da lei deva ser representativa da comunidade como um
todo encontra-se incluído especificamente na resolução (34/169) da Assembléia
Geral, pela qual foi adotado o Código de Conduta para os Encarregados da
Aplicação da Lei. O direito ao acesso
igualitário ao serviço público (Declaração Universal, artigo 21(2); PIDCP, artigo 25(c), CADHP, artigo
13.2, CADH, artigo 23c) e o direito à livre
escolha da profissão e do emprego e à igualdade de oportunidades
(Convenção das Mulheres, artigo 11 (b) e
(c)) são também requisitos importantes que dizem respeito às mulheres exercendo
a função de encarregadas da aplicação da lei.
Infelizmente, as mulheres estão seriamente sub-representadas em quase todas
as organizações de aplicação da lei do mundo,
sendo os números particularmente escassos nos
níveis estratégicos, gerenciais e de formulação
de políticas. O fato de serem sub-representadas
é uma razão fundamental pela qual a aplicação
da lei é tão hostil às mulheres e a suas necessidades
básicas, não sendo suficiente que se tenha um
punhado de mulheres nos escalões mais baixos.
Tais medidas significam nada mais do que uma concessão,
e a falta de uma massa
feminina crítica
não permitirá que as mulheres possam servir em
seu potencial pleno.
Outro problema enfrentado pelas mulheres que são
recrutadas pelas organizações de aplicação da lei é o fato de que não são
integradas às áreas regulares de aplicação da lei, ficando ao invés, restritas
às tarefas administrativas e aos aspectos femininos da aplicação da lei (como
mulheres e crianças) - e recebendo, muitas vezes, menos do que os homens em
funções equivalentes. Outras considerações incluem a predominância do assédio
sexual e a preservação de políticas, práticas e atitudes que marginalizem as
encarregadas e seu impacto na organização. Pouquíssimas organizações de
aplicação da lei do mundo desenvolveram estratégias coerentes para lidar com
esse tipo de problemas. As organizações são, muitas vezes, muito isoladas da
sociedade na qual operam e estão entre as últimas organizações a reagirem a
hábitos sociais em transformação.
A discriminação contra a mulher nos procedimentos de
recrutamento e seleção deve ser identificada e providências
devem ser tomadas. Freqüentemente essa discriminação é dissimulada,
com procedimentos que parecem ser neutros
em gênero, mas, quando vistos de perto, são específicos em gênero, ao serem aplicados.
Como exemplo temos a exigência de altura e o teste físico, ambos
são obstáculos em potencial para o acesso à aplicação da lei
pelas mulheres (e também, seguidamente, para pessoas provenientes
de minorias étnicas). Um requisito de mesma altura para homens
e mulheres é discriminatório porque os homens são, em média,
mais altos que as mulheres, fazendo com que mais homens sejam
aceitos. A mesma lógica aplica-se aos testes físicos, programados
no mesmo nível para homens e mulheres, ou mesmo se diferentes,
não estabelecendo metas realísticas para as candidatas.
A Mulher em Situações de
Conflito Armado: Direito Internacional Humanitário Comentário Geral
As mulheres encontram-se em situações de maior perigo que os
homens durante as situações de conflito armado tanto
interno quanto internacional. O perigo maior em
si, assim como os danos aos quais as mulheres são
submetidas, são específicos
de seu sexo,
sendo esta a razão pela qual se justificam as medidas
especiais para a proteção de mulheres. O direito
internacional humanitário (DIH)
contém disposições específicas, elaboradas para
proteger as mulheres contra a violência durante
um conflito armado. Inclusive, as disposições gerais
dos tratados de direitos humanos podem também ser
interpretadas como proibindo a violência contra
as mulheres nas situações de conflito armado.
Também considerado importante é o fato de que as
mulheres têm o direito à proteção geral do direito internacional humanitário
(tanto para combatentes como para civis) com base não-discriminatória. Cada uma
das Convenções de Genebra de 1949
assim como seus Protocolos Adicionais de 1977 contêm uma proibição idêntica contra qualquer distinção adversa baseada no sexo (CG I, artigo 12; CG II, artigo 12; CG III, artigo 14 e 16; CG
IV, artigo 27; I0 P , artigo 17, 20 P , artigo 4). Distinções baseadas no sexo
são, portanto, somente proibidas à medida que sejam desfavoráveis. Os Estados
Partes às inúmeras Convenções e Protocolos mantêm o direito de estender uma
proteção adicional às mulheres. Os dispositivos relativos à não-discriminação
são, na maioria dos instrumentos, suplementados por outro dispositivo que
estipula que as mulheres deverão ser
tratadas com toda consideração devida a seu sexo (CG I, artigo 12; CG II, artigo 12, CG III, artigo 14).
As mulheres também têm o direito a certas formas de
proteção específicas ao gênero, de acordo com o DIH. As disposições mais
importantes tratam dos seguintes assuntos:
- o tratamento humano para as combatentes, incluindo
as prisioneiras de guerra; - a proteção das
prisioneiras de guerras e das mulheres civis acusadas de delitos contra as
forças de ocupação; - a proteção das civis
contra violência sexual e tratamento degrada????????º??0nte; - suprimento às necessidades físicas especiais das grávidas e mães de
crianças pequenas.
A Proteção de Mulheres Combatentes Não há leis proibindo as mulheres de tomarem parte
(oficialmente) na conduta de hostilidades em situações de conflito armado. Nas
situações em que as mulheres escolhem tornar-se combatentes, de acordo com o
significado das Convenções de Genebra de 1949, a proteção, à qual elas têm
direito, depende primordialmente do tipo de conflito armado. O termo
combatente
não é utilizado nos instrumentos jurídicos (artigo comum 30; ou artigo comum 30
e Segundo Protocolo Adicional) aplicáveis em situações de conflito armado
não-internacional. Não obstante, nenhum dos instrumentos estabelece uma proteção
às pessoas que participam ativamente das hostilidades, suas disposições foram
claramente elaboradas para oferecer proteção àquelas pessoas que não tomam
parte, ou não participam mais. Nas situações de conflito armado internacional,
às quais as quatro Convenções de Genebra e o Primeiro Protocolo Adicional se
aplicam, as regras sobre a conduta de hostilidades, que impõem limitações aos
métodos e táticas de guerra, oferecem alguma proteção e garantia aos
combatentes.
A Proteção de Mulheres Civis durante um Conflito
Armado
As mulheres que não participam
nas hostilidades podem ser chamadas de não-combatentes
ou civis. Tanto no conflito armado não-internacional
como internacional, o DIH oferece proteção às
pessoas que não participam, ou não mais, das hostilidades.
O artigo 30 comum às quatro Convenções de Genebra
lista vários atos que são proibidos de serem cometidos
contra essas pessoas, e o Segundo Protocolo Adicional
estabelece garantias fundamentais nos artigos
40 e 50 para o tratamento humano e proteção, tendo
sua liberdade sido restringida ou não. Em situações
de conflito armado internacional, a proteção de
civis é tratada pela Quarta Convenção de Genebra,
de 1949, que contém algumas disposições específicas
sobre a proteção das mulheres nessas situações.
O Primeiro Protocolo Adicional, de 1977, reitera
a necessidade de que se tenha acomodação separada
para homens e mulheres cuja liberdade tenha sido
restringida; e ainda exige que haja supervisão de mulheres por mulheres cuja liberdade foi restringida por razões relativas ao conflito
armado (I0 P, artigo 75.5).
A violência sexual, ou de outro tipo, direcionada
especificamente contra as mulheres civis durante o conflito armado pode fazer
parte de uma estratégia deliberada para reprimir ou punir a população civil, ou
pode ser o resultado da falha dos comandantes em disciplinar suas tropas. O DIH
proíbe especificamente qualquer ataque à honra da mulher, incluindo
estupro, prostituição forçada ou qualquer
outro tipo de atentado ao pudor (CG IV,
artigo 27, 10 P, artigos 75 e 76; 20 P, artigo 40).
Observação sobre o Estupro como
Tática de Guerra
O estupro e abuso de mulheres
são denunciados em praticamente todas situações
atuais de conflito armado - tanto internacional
como não-internacional. Não há dúvida de que o
estupro, prostituição forçada e qualquer outra
forma de atentado ao pudor contra a mulher estejam
proibidos de acordo com as normas internacionais
que ditam a conduta de hostilidades. Não obstante,
como foi demonstrado graficamente nas guerras
recentes em Ruanda e no território da antiga Iugoslávia,
o uso do estupro como tática de guerra ainda prevalece.
Em ambos os conflitos, o estupro de mulheres e
meninas era feito de maneira sistemática e organizada
- uma evidente indicação de que a violência sexual
era parte de uma tática de guerra mais ampla,
utilizada para privar os oponentes de sua dignidade
humana, de solapar e punir os inimigos e recompensar
as tropas. O Tribunal Internacional criado pelo
Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas para lidar com as conseqüências do conflito
na Iugoslávia condenou, inequivocamente, as atrocidades
como crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Os perpetradores são, portanto, responsáveis individualmente
de acordo com o direito internacional, assim como
os seus superiores que deixaram de tomar providências
para evitar esse abuso.
O estupro não é um acidente de guerra. Seu uso
indiscriminado durante os conflitos reflete o terror único que ele representa às
mulheres, o sentimento de poder que passa ao perpetrador e o desprezo pelas
vítimas expresso por meio do ato, também reflete a desigualdade que as mulheres
sofrem em quase todas as esferas de suas vidas. Tais atrocidades continuarão a
ocorrer enquanto a discriminação endêmica contra a mulher continuar a existir,
enquanto houver uma ausência de vontade política em evitar a discriminação e
enquanto a impunidade puder ser garantida aos infratores.
Pontos de Destaque do
Capítulo * O homem e a mulher devem
desfrutar dos mesmos direitos e liberdades em plena equidade e sem nenhuma
distinção adversa por qualquer motivo. A realidade no mundo todo, no entanto, é
que a situação da mulher está longe de ser igualitária à do
homem.
* As premissas básicas dos
direitos humanos são a igualdade e a não-discriminação entre os sexos.
* A questão da discriminação contra a
mulher está recebendo, somente gradativamente, o nível de atenção que merece. Os
mecanismos principais para a promoção e a proteção dos direitos humanos ainda
não dedicam uma parte substancial dos esforços aos direitos humanos das
mulheres. * A violência contra a mulher é um
problema que atinge todas as sociedades. É perpetuada pela ausência ou recusa
das autoridades dos Estados em reconhecer a violência contra a mulher como sendo
tanto um delito penal, a ser punido pela legislação nacional, como uma violação
dos direitos humanos da mulher envolvida. * As
organizações de aplicação da lei devem acabar com a prática de considerar a
violência doméstica como um assunto particular de família. Devem agir sempre que
a violência doméstica ocorrer, da mesma forma que o fazem quando qualquer outro
crime ocorre dentro de sua jurisdição. *
Durante a captura e detenção, os encarregados da aplicação da lei devem atender
as necessidades e direitos especiais da mulher. As infratoras devem sempre ser
tratadas e supervisionadas por encarregadas da aplicação da lei. Durante a
detenção, as mulheres devem ser mantidas separadas dos homens. * A Declaração das Vítimas procura proporcionar proteção e
assistência às vítimas da criminalidade e abuso do poder, assim como ressarcir
pelos danos que sofreram. No entanto, no instrumento não é demonstrada nenhuma
sensibilidade, em particular, à situação especial das vítimas
femininas.
* Em geral, a mulher ocupa
os cargos disponíveis no mercado de trabalho em
proporção desigual, sendo sub-representadas em todos
os níveis - das funções operacionais à formulação
de políticas. A situação é a mesma com relação às
mulheres encarregadas da aplicação da ei.
* As organizações de
aplicação da lei devem formular políticas e práticas distintas para assegurar
uma representação igualitária das mulheres em todos os níveis da
organização. * As mulheres são extremamente
vulneráveis nas situações de conflito armado, necessitando de proteção e
cuidados especiais. * A violência baseada no
gênero, como a agressão sexual e o estupro, é utilizada como tática de guerra,
sendo largamente prejudicial aos direitos e liberdades das mulheres e
meninas. * O direito internacional humanitário
proíbe terminantemente certos tipos de atos contra as pessoas, incluindo o
estupro, a tortura e os maus-tratos. * É da
responsabilidade da comunidade internacional dos Estados a prevenção desses atos
contra as mulheres e as meninas, da mesma forma que o julgamento e a punição
desses crimes contra a humanidade são da responsabilidade do Estado.
Perguntas para
Estudo Conhecimento 1. O que significa igualdade
entre o homem e a mulher? 2. Qual é o papel e a função da Comissão sobre o Estatuto da
Mulher? 3. Qual é o papel e a função do Comitê da
Mulher criado junto ao CEDM? 4. Quais são os direitos
especiais da mulher à proteção durante a captura e detenção? 5. Quais são os direitos das mulheres civis em situações de conflito
armado? 6. Quais são os direitos das mulheres
combatentes em situações de conflito armado? 7. Qual
seria uma definição para o princípio de não-discriminação?
Compreensão 1. Qual é sua opinião sobre a situação da mulher na
sociedade? 2. O quê você considera como sendo as
principais causas para a discriminação contra a mulher? 3. Quais são os passos que devem ser tomados para melhorar a
situação da mulher em termos de igualdade com o homem? 4. O que pode ser feito pelos encarregados da aplicação da lei para
melhorar o bem-estar das mulheres? 5. O que você
considera que seja a função principal da aplicação da lei perante a violência
baseada no gênero? 6. Quais medidas que as
organizações de aplicação da lei devam tomar para combater e prevenir o abuso
e a exploração da mulher?
Aplicação Elabore propostas
definindo as ações de aplicação da lei referentes aos seguintes
assuntos:
1. prostituição forçada de trabalhadoras emigrantes em seu
país;
2. incidentes de violência doméstica dentro de sua
jurisdição;
3. sub-representação
de mulheres em todos os níveis de sua organização.
|