Perguntas-chave
para os Encarregados da Aplicação da Lei* O que é Direito
Internacional?
* Quais são as fontes do Direito Internacional?
* Quem/O que tem personalidade jurídica perante o Direito Internacional?
* O que é jurisdição do Estado?
* Que jurisdição penal os Estados têm?
* O que é a imunidade dos Estados?
* Quando os Estados podem alegar imunidade?
* O que é imunidade diplomática?
* O que significa responsabilidade do Estado?
* Como são elaborados os tratados?
* Como os tratados entram em vigor?
* Qual é a validade dos tratados?
* Qual é o papel da arbitragem na solução de controvérsias entre
Estados?
* Qual é o papel e a posição da Corte Internacional de Justiça
com relação às controvérsias?
* Qual é o papel e a posição dos tribunais criminais internacionais
no Direito Internacional?
* Qual é a posição dos direitos humanos e do direito internacional
humanitário no direito internacional?
Introdução
Definição clássica de direito internacional:
o conjunto de normas que governa as relações entre os Estados.
Esta definição, hoje em dia, não pode ser aceita como uma descrição
adequada e completa das intenções, objetivos e âmbito do direito
internacional, nem se pode acatar a sugestão de que o direito
internacional é uma questão que envolve somente os Estados.
O direito internacional consiste em normas que governam as relações
entre os Estados, mas compreende também normas relacionadas
ao funcionamento de instituições ou organizações internacionais,
a relação entre elas e a relação delas com o Estado e os indivíduos.
Além disso, certas normas do direito internacional abrangem
indivíduos e entidades que não pertencem ao Estado, de tal maneira
que seus direitos ou obrigações dizem respeito à comunidade
internacional dos Estados. O direito internacional, entre outros
atributos, estabelece normas relativas aos direitos territoriais
dos Estados (com respeito aos territórios terrestre, marítimo
e espacial), a proteção internacional do meio ambiente, o comércio
internacional e as relações comerciais, o uso da força pelos
Estados, os direitos humanos e o direito internacional humanitário.
De acordo com a intenção
e os objetivos deste Manual, não é necessário discutir
aqui todos os aspectos do direito internacional. Este capítulo,
portanto, tem como foco aqueles aspectos que possuem relevância
direta para os tópicos de direitos humanos e direito internacional
humanitário contidos aqui, consistindo não mais do que uma introdução
ao direito internacional.
As Fontes do Direito Internacional
Introdução
Há muitas teorias diferentes que explicam a origem e a subseqüente
evolução do direito internacional. Teorias, como as relacionadas
a conceitos de lei natural, postulados morais e a doutrina do
direito internacional, que influenciaram o desenvolvimento do
que é o direito internacional moderno. No entanto, essas teorias
não são suscitadas quando se trata da questão do que é lei numa
disputa entre Estados. O Estatuto da Corte Internacional
de Justiça (CIJ) rege, em seu artigo 38.1, amplamente
aceito como a listagem das fontes do direito internacional,
que:
1. A Corte, cuja função é decidir,
de acordo com o direito internacional, as controvérsias que
lhe são submetidas, aplicará:
a. as convenções internacionais,
sejam elas gerais ou específicas, estabelecendo normas
expressamente reconhecidas pelos Estados contestantes;
b. o costume internacional,
como evidência de uma prática geral aceita como lei;
c. os princípios gerais
do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. as decisões judiciais
e os ensinamentos dos publicistas mais altamente qualificados
das várias nações, sujeitos às disposições do artigo
59, como meios subsidiários para a determinação das
normas do direito.
Os parágrafos a. - c.
constituem as principais fontes ao estabelecimento do que é
o direito internacional; o parágrafo d. é de importância
secundária, conforme indicado pelo uso da expressão meios
subsidiários. Desta expressão deve ficar claro que a existência
de meios principais (a. - c.) é necessária, e
que os meios subsidiários (d.) somente terão um efeito
(adicional) qualificador e/ou clarificador. O artigo 38.1 cria
uma exclusividade em relação às fontes do direito internacional,
e não permite que se considerem processos legislativos de nenhuma
das já mencionadas teorias subjacentes ao direito internacional
em geral. A CIJ certamente considerará apenas as normas de direito
que se afirmem estarem baseadas em um ou mais dos processos
legislativos mencionados em a. - c., acima.
Seria certamente excessivo aos
propósitos deste Manual considerar em igual profundidade
todas as fontes dos processos legislativos mencionados no
artigo 38.1 do Estatuto da CIJ. Portanto, nossa atenção vai
voltar-se aqui ao "costume" e aos "tratados" como fontes principais
do direito internacional. Os outros processos foram agrupados
sob o título Fontes Adicionais, tendo em vista que
são de menor importância ao uso prático deste.
Costume
O artigo 38.1b do Estatuto da CIJ define como costume
internacional a "evidência de uma prática geral
aceita como lei". Esta definição requer uma análise
mais apurada para ser entendida corretamente. A primeira exigência
para o estabelecimento do costume é a existência de uma prática
geral nas relações entre os Estados. Exemplos da existência
de tal prática geral podem ser vistos nas relações bilaterais
e multilaterais entre Estados. Uma prática geral
necessita ter natureza (habitual) consistente
para ser reconhecida como tal. Consistente, neste caso, significa
a existência de uma freqüência repetitiva bem como um período
de tempo durante o qual a prática tenha ocorrido entre os
Estados. Contudo, a existência de uma prática geral, por si
própria, é insuficiente para a conclusão de que o direito
internacional do costume sobre um ponto específico exista
realmente. É crucial para o reconhecimento de tal prática
geral, como parte do direito internacional do costume, que
exista a crença da obrigação legal por parte do(s) Estado(s)
atuante(s) nessa prática. Esta crença necessária é melhor
conhecida por sua descrição em latim, opinio juris sive
necessitatis. A combinação de uma prática que ocorre
regularmente (entre Estados) com a crença subjacente (dos
Estados) que tanto a prática quanto sua recorrência são o
resultado de uma norma compulsória é o que constitui direito
internacional do costume.
Provas da existência das práticas
gerais dos Estados podem ser encontradas, inter alia,
na análise mais detalhada dos atos ou declarações de Chefes
de Estado e diplomatas, nas opiniões de assessores jurídicos
dos governos, nos tratados bilaterais, nos comunicados de
imprensa, nos comunicados oficiais de porta-vozes de governos,
nas leis dos Estados, nas decisões judiciais de tribunais
dos Estados e nas práticas militares ou administrativas dos
Estados.
Tratados
O artigo 38.1a do Estatuto da
CIJ estipula, com relação a controvérsias submetidas a esta,
que aplicará:
a. convenções internacionais, sejam elas gerais ou específicas,
estabelecendo normas expressamente reconhecidas pelos Estados
contestantes;
O termo convenções internacionais
aqui usado pode ser lido como sinônimo de tratados.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(Convenção de Viena, 1969) define, em seu artigo 2.1 tratados
como sendo:
"1. No que diz respeito à presente Convenção:
(a) 'tratado' significa um acordo internacional firmado
entre Estados na forma escrita e governado pelo direito
internacional, contido em um instrumento único ou em dois
ou mais instrumentos relacionados e qualquer que seja sua
designação específica..."
A natureza de um tratado é bilateral
(entre dois Estados) ou multilateral (entre mais do que
dois Estados). A designação específica de um tratado (isto
é, seja este chamado de Pacto, Convenção, Protocolo ou Carta)
tem apenas interesse relativo. O importante, no entanto,
é que um tratado, seja ele bilateral ou multilateral, cria
obrigações legais para os Estados signatários. Quando surge
uma disputa entre Estados a respeito de uma questão de um
tratado específico entre eles, as disposições daquele tratado
- com relação aos direitos e deveres dos Estados signatários
- servirão de fonte primária de direito para a solução da
controvérsia. Maiores informações com relação aos tratados
e a Convenção de Viena podem ser encontradas sob o título
O Direito dos Tratados, mais adiante.
Fontes Adicionais
O costume e os tratados não são as fontes exclusivas do direito
internacional, mas, para os objetivos do presente Manual
que discorre sobre direitos humanos e direito internacional
humanitário para os encarregados da aplicação da lei, são sem
dúvida as fontes mais importantes. Apesar disso, é útil mencionar
brevemente fontes subsidiárias de direito internacional, sem
contudo entrar em detalhes sobre estas:
* princípios gerais do
direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
* decisões judiciais de cortes e tribunais internacionais;
* ensinamentos dos publicistas mais altamente qualificados
das várias nações;
* resoluções da Assembléia Geral da ONU
A importância legal das resoluções da
Assembléia Geral da ONU é cada vez mais um assunto em debate.
No que diz respeito ao funcionamento interno da ONU, essas resoluções
possuem efeito jurídico pleno. A questão que permanece, no entanto,
é até que ponto tais resoluções são legalmente obrigatórias
aos Estados Membros, principalmente àqueles que votaram contra
as mesmas. Os critérios importantes para se determinar a obrigatoriedade
subsistem no grau de objetividade que cerca a adoção das resoluções
e, ainda mais importante, até que ponto uma resolução pode ser
considerada a expressão da consciência legal da humanidade como
um todo. Este último aspecto é ainda mais importante do que
a maioria dos Estados simplesmente adotar a resolução. As resoluções
emanadas da Assembléia Geral estão recebendo um apoio cada vez
maior por parte de escritores e publicistas como um meio subsidiário
para se determinar estados de direito.
A Relação entre o Direito Internacional
e o Direito Interno
De maneira geral, desde que um Estado
cumpra com suas obrigações de acordo com o direito internacional,
como o faz não diz respeito ao direito internacional.
Em alguns casos, no entanto, os Estados concordaram em cumprir
suas obrigações de maneira específica. Freqüentemente é este
o caso na área dos direitos humanos, onde os Estados assumiram
a responsabilidade de fazer com que certas condutas (por exemplo,
tortura e genocídio) sejam crime, e de puni-las por meio de
seus sistemas jurídicos nacionais. Nem
todos os Estados concordam a respeito da relação precisa entre
o direito internacional e o direito interno. Na maioria dos
Estados, considera-se que ambos constituem um sistema jurídico
único. Uma das conseqüências disto é que uma norma de direito
internacional, tão logo tenha sido definida como tal, se tornará
automaticamente parte do direito interno a vigorar nos tribunais.
Muitos desses Estados adotam o princípio da superioridade
do direito internacional, isto é, o direito internacional
prevalecerá em caso de conflito entre uma norma deste e outra
da legislação nacional. Outros Estados vêem os dois tipos de
direito nacional como dois sistemas separados; embora cada um
possa incorporar partes do outro, são na verdade entidades distintas.
Nesses Estados, uma norma internacional (seja na forma de um
acordo ou norma de costume) não será considerada parte da legislação
nacional até que seja formalmente incorporada ao sistema jurídico
do Estado (geralmente por meio de ratificação legislativa).
A forma com que um Estado vê essa relação terá impacto no cumprimento
das obrigações internacionais no nível doméstico. No entanto,
sob uma perspectiva internacional, é importante ter em mente
que o direito internacional vincula todos os Estados. Conforme
será explicado, o Estado é responsabilizado caso o direito internacional
seja violado por um de seus agentes ou instituições. A responsabilidade
dos Estados também abrange a função de assegurar que seus governos,
suas constituições e suas leis os possibilitem a cumprir suas
obrigações internacionais. Ainda mais importante, um Estado
não pode alegar disposições em sua Constituição ou legislação
nacional como escusa para furtar-se a cumprir suas obrigações
perante o direito internacional.
Personalidade Jurídica
Comentários
Gerais
A questão do quem ou o quê são os sujeitos do
direito internacional ou, em outras palavras, se quem ou o quê
tem personalidade jurídica (isto é, a competência
jurídica para agir) frente ao direito internacional é de importância
crucial. A resposta a esta pergunta permite um discernimento
do real escopo do direito internacional, ao se definir se, e
a extensão na qual, pessoas físicas e jurídicas são (ou podem
ser) vinculadas a seu teor, ou podem a ele referir-se para proteção
de seus interesses particulares. O direito internacional define
que entidades terão capacidade jurídica e qual a extensão daquela
capacidade em termos da competência de realizar certos atos.
Desta proposição conclui-se logicamente que a competência legal
de diferentes entidades podem diferir.
Estados
O direito internacional trata primariamente dos direitos,
deveres e interesses dos Estados. Na verdade, até recentemente,
considerava-se que somente os Estados teriam
personalidade jurídica e, conseqüentemente, somente eles poderiam
ser sujeitos do direito internacional. Este
termo "sujeito do direito internacional" refere-se ao que
era considerado como capacidade exclusiva dos Estados, ou
seja:
* possuidor de direitos
e deveres sob o direito internacional;
* possuidor do privilégio regimental de ajuizar ação
perante um tribunal internacional;
* possuidor de interesses para os quais é feita provisão
no direito internacional;
* competente para firmar tratados com outros Estados
e organizações internacionais.
Estes qualificadores não são
necessariamente cumulativos; a mera posse de um deles por
uma entidade (por exemplo, um Estado) é suficiente para qualificar
aquela entidade como sujeito do direito internacional. Quando
tais características são vistas conjuntamente com a legislação
internacional de direitos humanos vigente, fica evidente que
a tese de sua exclusividade aos Estados não pode ser mantida.
A legislação internacional de direitos humanos define pessoas
físicas como sendo sujeitos do direito internacional, dando-lhes
direitos e deveres, e permitindo-lhes ajuizar ações perante
tribunais internacionais ou mesmo fazer-se representar em
pessoa perante tais tribunais. Um tratamento mais detalhado
será dado adiante a outras pessoas jurídicas ou sujeitos
do direito internacional.
Estados são claramente sujeitos
do direito internacional. Isto requer, porém, uma definição
mais clara de quais são exatamente os critérios identificadores
de um Estado. O artigo 10 da Convenção de Montevidéu
sobre os Direitos e Deveres dos Estados (1933) tem
a seguinte redação:
O Estado como pessoa [isto
é, sujeito] do direito internacional deve possuir as seguintes
qualidades: (a) uma população permanente; (b) um território
definido; (c) governo; e (d) capacidade de estabelecer relações
com outros Estados.
A Convenção de Montevidéu é comumente
aceita como reflexo, em termos gerais, dos requisitos necessários
para satisfazer a condição de Estado no direito internacional
consuetudinário. Argumenta-se que esses requisitos foram suplantados
por outros de caráter mais político ou moral - isto é, independência
alcançada (i) de acordo com o princípio da autodeterminação,
e (ii) não seguindo políticas racistas. A história confirma
este argumento, tomando-se como exemplo a antiga Rodésia do
Sul e as práticas do antigo regime do apartheid na
África do Sul, combinados com as subseqüentes reações do Conselho
de Segurança e Assembléia Geral da ONU, respectivamente. No
caso da Rodésia do Sul, o Conselho de Segurança impôs sanções
econômicas a esse país, após sua declaração de independência,
em 1965, e "[clamou] a todos Estados a não reconhecer este
regime ilegal, racista e minoritário". Nenhum Estado reconheceu
a Rodésia do Sul como Estado, embora pudesse ter alegado atingir
todos os requisitos técnicos necessários para satisfazer a
condição de Estado, de acordo com a Convenção de Montevidéu.
Este exemplo serve como uma indicação clara do fato de que
a independência deve ser alcançada de acordo com o princípio
da autodeterminação, o qual é tido como sendo um
quesito adicional da condição de Estado. Da mesma
forma, a Assembléia Geral de 1976 condenou duramente a declaração
de independência de Transkei (como parte da política
do apartheid da África do Sul) e a declarou inválida
ao mesmo tempo que conclamou a todos os governos que "[neguem]
qualquer forma de reconhecimento ao suposto Transkei independente,
abstendo-se de manter qualquer relação com esse...". Subseqüentemente,
nenhum Estado (exceto a África do Sul) reconheceu Transkei
como um Estado. A interpretação prática de Estado neste ponto
significa que o Transkei, como uma entidade criada diretamente
de uma política fundamentalmente ilegal do apartheid
não é, por esta razão, um Estado, não importando seu
grau de independência formal ou real.
A situação atual da Somália (com
sua ausência de governo), bem como a situação da antiga Iugoslávia
(com sua divisão territorial de facto) antes do acordo
de Dayton, talvez ofereçam exemplos mais recentes da questão
dos requisitos (adicionais) da condição de Estado e as respectivas
respostas da comunidade internacional por intermédio da ONU.
Os requisitos da condição de
Estado de acordo com a Convenção de Montevidéu merecem um
exame e definição mais detalhados. Com respeito a população
e território, é importante saber que não existe limite
mínimo em termos de tamanho. Tampouco existe a necessidade
das fronteiras do Estado estarem claramente definidas ou sem
disputas. Basta que o território tenha coesão suficiente,
mesmo que suas fronteiras ainda não estejam precisamente delimitadas.
Israel, que é sem duvida um Estado, muito embora suas fronteiras
nunca tenham sido definitivamente resolvidas, talvez possa
servir como exemplo prático para este fim. A existência de
um governo é outro requisito da condição de
Estado. Significa a existência de uma forma estável de organização
política, bem como a capacidade das autoridades públicas de
afirmarem-se por todo o território do Estado. (Teria a Somália
atualmente condições de satisfazer esse requisito técnico
da condição de Estado?). A prática de Estado, com relação
a esse ponto, sugere que o requisito de uma "organização política
estável", em controle do território do Estado, não se aplica
a situações de conflito armado após o estabelecimento próprio
de um Estado. A necessária capacidade de estabelecer
relações com outros Estados é uma referência direta
à independência dos Estados. Por independência, neste sentido,
deve-se entender a existência de um Estado separado, que não
é sujeito à autoridade de nenhum outro Estado ou grupo de
Estados. Esta situação pode ser descrita como sendo uma soberania
externa, significando que um Estado não tem outra autoridade
sobre si mesmo do que aquela do direito internacional. Do
dito acima a respeito da declaração de independência de Transkei,
a conclusão importante a ser tirada é de que o reconhecimento
do Estado (por outros Estados) é outro principal requisito
adicional da condição de Estado.
Outras
Pessoas Jurídicas
Já ficou estabelecido antes que a prática dos Estados abandonou
a doutrina de que eles são os únicos sujeitos do direito internacional.
A prática internacional ampliou a gama de sujeitos de direito
internacional muito além dos Estados, para incluir:
* Organizações públicas
internacionais (por exemplo, a ONU, a OTAN,
a União Européia (UE), a OEA, o Conselho da Europa, etc.)
Tais organizações, criadas geralmente
por um tratado multilateral, têm personalidade internacional
de graus variados, visto que têm capacidade (isto é, competência)
para firmar tratados, têm certos privilégios e imunidades,
são capazes de possuir direitos e deveres internacionais e
têm a capacidade de ajuizar ações perante tribunais internacionais.
Isto não faz com que essas organizações sejam iguais a Estados,
nem tampouco faz com que seus direitos e deveres sejam os
mesmos dos Estados.
* Indivíduos
A capacidade de indivíduos possuírem direitos e deveres sob
o direito internacional, bem como sua capacidade de ajuizar
ações perante tribunais internacionais, são reconhecidas nas
práticas dos Estados. Essas capacidades estão, por exemplo,
incluídas nos vários tratados de direitos humanos. Faz
parte do direito internacional consuetudinário o fato das
obrigações do direito internacional vincularem diretamente
indivíduos, independente da legislação de seus Estados.
O Tribunal de Nuremberg (criado após a Segunda Guerra Mundial
para julgar criminosos de guerra) reafirmou a importância
desse princípio para a aplicação eficaz do direito internacional.
Foi declarado pelo do Tribunal que:
Os crimes contra o direito
internacional são cometidos por homens [e mulheres], e não
por entidades abstratas, somente ao se punir indivíduos que
cometem tais crimes é que as disposições do direito internacional
podem ser executadas.
A Assembléia Geral das Nações Unidas,
na sua resolução de 11 de dezembro de 1946, declarou a adoção
dos princípios da Carta de Nuremberg e seu julgamento.
Na medida em que não pode haver
nenhuma dúvida quanto a indivíduos serem sujeitos do direito
internacional, considera-se que, na maioria das vezes, os
indivíduos são objetos do direito internacional,
e não sujeitos.
*
Outras Entidades
Como exemplo de outra entidade temos A Santa Sé e a Cidade
do Vaticano. A Santa Sé é uma instituição não territorial,
e a Cidade do Vaticano é internacionalmente reconhecida como
um Estado. No entanto, a ausência de um território definido
não constituiu nenhum empecilho para se conceder à Santa Sé
personalidade internacional, ou para que se reconhecesse a soberania
e jurisdição exclusiva da Santa Sé sobre a Cidade do Vaticano.
Jurisdição do Estado
Comentários
Gerais
O direito internacional estabelece normas que definem os poderes
dos Estados individuais para governarem pessoas e propriedades.
Essas normas, juntas, definem a chamada jurisdição do
Estado. Entre os poderes dos Estados individuais estão
incluídos os poderes de legislação (jurisdição prescritiva)
assim como poderes de aplicação (jurisdição aplicativa), tanto
no sentido executivo quanto no sentido judicial da palavra.
É uma conseqüência natural disto que o poder e a autoridade
do Estado para com a legislação incluam os domínios civil e
penal. As normas efetivas do direito internacional que definem
a jurisdição do Estado identificam os indivíduos
e a propriedade dentro do âmbito permissível da legislação de
um Estado, e de seus procedimentos para aplicar a lei. O teor
em si da legislação de um Estado encontra-se além do âmbito
do direito internacional, na medida em que o Estado tem por
finalidade sujeitar um indivíduo a sua jurisdição ou prescrever
procedimentos para aplicar sua jurisdição. De acordo com os
objetivos deste Manual, não é necessário que se concentre
em demasiado em todos os aspectos da jurisdição do Estado, mas
justifica-se um apanhado breve de questões específicas relacionadas
a este assunto.
Jurisdição
Penal
Quando os Estados reivindicam a jurisdição penal de uma determinada
situação, a tendência é a de invocar um, ou mais, dos cinco
princípios abaixo:
* o princípio
do território;
* o princípio da nacionalidade;
* o princípio da proteção;
* o princípio da universalidade;
* o princípio da personalidade passiva.
O princípio do território
determina a jurisdição por referência ao local onde o delito
foi cometido, ou onde se deram seus efeitos constituintes.
O princípio da nacionalidade determina a jurisdição
de acordo com a nacionalidade ou caráter nacional do infrator.
O princípio da proteção determina a jurisdição
por referência ao interesse nacional prejudicado pelo delito.
O princípio da universalidade determina a jurisdição
por referência ao local de custódia do infrator. O princípio
da personalidade passiva determina a jurisdição por
referência à nacionalidade ou caráter nacional do indivíduo
que sofreu o delito.
Os três primeiros princípios são
os mais utilizados e aceitos. O quarto princípio é considerado
como a base para uma competência auxiliar, exceto (é claro)
com relação ao delito da pirataria, para o qual é geralmente
reconhecido o princípio da jurisdição. O quinto princípio
deve ser, na verdade, considerado como um caráter secundário
e observa-se que seu uso por um Estado não fica sem ser contestado
por outros. De qualquer forma, não é um princípio essencial
para qualquer Estado se seus objetivos são adequadamente atingidos
pelos outros princípios.
Imunidade
dos Estados
Era considerado uma norma do direito internacional o fato
de que os Estados gozavam de imunidade absoluta para não serem
levados perante os tribunais de outros Estados sem seu consentimento.
Com a entrada dos Estados em áreas como o comércio, começaram
a praticar atos que poderiam ser igualmente praticados por
indivíduos e, portanto, agindo de facto como indivíduos.
Esses atos privados praticados pelos Estados são chamados
de atos jure gestionis, em contraposição àqueles
exercidos pelos Estados em sua capacidade pública e que não
podem ser exercidos igualmente por indivíduos. Alguns exemplos
de atos públicos, também chamados de atos jure
imperii, são:
* atos administrativos internos,
como a expulsão de um estrangeiro;
* atos legislativos, como nacionalização;
* atos relativos à atividade diplomática;
* empréstimos públicos.
A característica desses atos
públicos (jure imperii) não é apenas que a finalidade
ou o motivo do ato é o de servir aos objetivos do Estado,
mas que o ato é, por sua própria natureza, um ato governamental
que difere de um ato que qualquer cidadão possa praticar.
Em sua prática vigente, a maioria dos Estados segue uma doutrina
de imunidade restritiva, na qual se concede a um outro Estado
imunidade apenas por atos jure imperii. O critério
que distingue os atos jure imperii é que será utilizado
por um tribunal para decidir sobre questões de imunidade alegada
por um Estado.
Imunidade
Diplomática
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
(Convenção sobre Relações Diplomáticas, 1961) estabelece os
privilégios e imunidades concedidos a missões diplomáticas
para garantir o desempenho eficiente de suas funções como
representantes de Estados. A Convenção sobre Relações Diplomáticas
distingue os membros do corpo diplomático da missão de outros
membros, como os empregados administrativos, técnicos e de
serviços (artigo 10 ). A Convenção também estipula que as
dependências da missão são invioláveis (artigo
22). Sob a definição de "dependências da missão" entende-se
como sendo o(s) prédio(s) ou parte deste(s) incluindo o terreno
e área auxiliar, independente da titularidade da propriedade,
usados para os fins da missão e incluindo-se a residência
do chefe da missão (artigo 1.i). Da mesma forma, as dependências
da missão, sua mobília e outras propriedades dentro destas
e os meios de transporte da missão são imunes de busca, requisição,
penhora, ou execução (artigo 22.3). A correspondência oficial
da missão (isto é, toda correspondência relacionada à missão
e suas funções) é inviolável (artigo 27.2). A mala diplomática
não será aberta ou retida (artigo 27.3), no entanto, somente
poderá conter documentos diplomáticos ou artigos com a finalidade
de uso oficial (artigo 27.4).
A pessoa do agente diplomático
(isto é, o chefe da missão diplomática ou um membro do corpo
diplomático - artigo 1.e) é inviolável (artigo 29); estas
pessoas não podem ser sujeitas a nenhuma forma de prisão ou
detenção. Um agente diplomático tem imunidade diplomática
da jurisdição penal do Estado anfitrião (artigo 31.1). Esta
disposição não exime, contudo, o agente da jurisdição do Estado
remetente (artigo 31.4). Os Estados remetentes podem abdicar
da imunidade de jurisdição de seus agentes diplomáticos (artigo
32.1). Esta abdicação dever ser sempre expressa (artigo 32.2).
Os Estados tendem a abdicar da imunidade de seus agentes diplomáticos
onde isto não impeça o desempenho das funções da missão e
com o intuito de manter boas relações com o Estado anfitrião.
Freqüentemente, os Estados usam do princípio da reciprocidade
a este respeito, e estendem privilégios e imunidades a um
Estado remetente, na medida em que este Estado tenha feito
o mesmo como Estado anfitrião a agentes diplomáticos do outro.
O Estado anfitrião pode, a qualquer momento e sem ter de explicar
sua decisão, notificar o Estado remetente que o chefe da missão
diplomática ou qualquer um (outro) membro do corpo diplomático
da missão é persona non grata ou inaceitável
(artigo 9.1). Em qualquer um dos casos, o Estado remetente
deverá, conforme apropriado, remover a pessoa em questão ou
cessar suas funções junto à missão.
Pode-se tirar da história inúmeros
exemplos de pessoas que pedem asilo diplomático dentro das
dependências de uma missão diplomática em seu país. Esta questão
foi omitida na Convenção de Viena (deliberadamente) porque
os Estados não queriam reconhecer um direito geral a asilo
diplomático. No entanto, quando tais incidentes ocorrem, os
países tendem a conceder tal asilo somente a refugiados políticos
e baseados em motivos de humanidade, em casos de perigo iminente
ou instantâneo ou pessoal, bem como, é claro,a seus próprios
cidadãos em caso de perigo. Uma situação de asilo de facto
deixa o Estado anfitrião com um dilema insolúvel. Assumindo-se
que o Estado de refúgio não entregará o refugiado, o Estado
do território só poderá apreender aquela pessoa mediante violação
da imunidade das dependências diplomáticas, de acordo com
o expresso no artigo 22 da Convenção sobre Relações Diplomáticas,
ou então rompendo relações diplomáticas. Em geral, este preço
a ser pago por apreender o refugiado é considerado muito alto.
Tem sido argumentado (sem sucesso) que
as dependências de uma missão diplomática devem ser consideradas
como parte do território do Estado remetente. Se esta tivesse
sido verdadeiramente a visão dos signatários da Convenção sobre
Relações Diplomáticas, a mesma teria sido formulada na Convenção,
e não haveria, portanto, a necessidade de estabelecer-se as
imunidades das missões diplomáticas, como foi feito no artigo
22.
Responsabilidade do Estado
Comentários
Gerais
O que acontece se um Estado se furta de honrar um tratado do
qual é signatário? O que acontece se um Estado viola a soberania
territorial de outro Estado? O que acontece no caso de maus
tratos de cidadãos de um Estado por outro Estado, ou no caso
de violação da imunidade diplomática?
Em qualquer sistema jurídico deve
haver uma responsabilidade pela não observância das obrigações
impostas por suas normas. Legislações nacionais distinguem
entre responsabilidade civil e penal, baseadas em atos deliberados
ou negligentes, ou omissões que constituem uma violação da
lei. Em direito internacional, a responsabilidade surge a
partir da violação de qualquer obrigação devida sob o direito
internacional.
A Teoria
da Responsabilidade
A Comissão do Direito Internacional A Comissão do Direito
Internacional é um corpo de especialistas estabelecido sob
o artigo 13.1(a) da Carta das Nações Unidas, para trabalhar
na "codificação e desenvolvimento progressivo do direito internacional".
A Comissão é composta de 34 membros, os quais "deverão ser
pessoas de reconhecida competência em direito internacional".
Os membros participam como indivíduos e não representantes
de seus governos. Esses são eleitos pela Assembléia Geral
da ONU a qual "deverá ter em mente que .... seja assegurada
a representação, na Comissão como um todo, das principais
formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos
do mundo".
(CDI) está atualmente redigindo
um tratado sobre a questão da responsabilidade do Estado.
A minuta dos artigos redigidos até o presente especifica que
todo o ato ilícito internacional por parte de
um Estado resulta na responsabilidade internacional daquele
Estado. Tal ato ilícito internacional é tido como real quando:
(a) a conduta resultante
de uma ação ou omissão é atribuível (imputável) ao Estado
perante o direito internacional; e
(b) a conduta resulta na violação de uma obrigação internacional
daquele Estado.
Cada Estado está sujeito à possibilidade
de lhe ser atribuído o cometimento de um ato ilícito internacional,
resultando em sua responsabilidade internacional. É um princípio
do direito internacional que qualquer violação de um compromisso
resulta na obrigação de fazer uma reparação. A reparação é
um complemento indispensável da inobservância do cumprimento
de um tratado e, portanto, não há necessidade de que esta
seja incluída no próprio tratado.,
Alguns atos ilícitos internacionais
resultam da violação, por parte de um Estado, de uma obrigação
internacional tão importante à proteção dos interesses fundamentais
da comunidade internacional que esta violação é reconhecida
como crime por aquela comunidade como um todo. Estes crimes
internacionais podem resultar, inter alia,
de:
(a) uma violação séria de uma obrigação
internacional de importância essencial à manutenção da paz
e segurança internacionais, tal como a que proíbe agressão;
(b) uma violação séria de uma obrigação
internacional de importância essencial à proteção do direito
de autodeterminação dos povos, tal como a que proíbe o estabelecimento,
ou manutenção pela força, de dominação colonial;
(c) uma violação séria e em grande
escala de uma obrigação internacional de importância essencial
à proteção do ser humano, tais como as que proíbem escravidão,
genocídio e apartheid;
(d) uma violação séria de uma obrigação
internacional de importância essencial à proteção e preservação
do ambiente humano, tais como as que proíbem poluição massiva
da atmosfera ou do oceano.
Já está firmemente estabelecido que
Estados podem ser responsabilizados tanto por atos ilícitos
civis quanto criminais. A responsabilidade existe não somente
em casos onde o próprio Estado é o perpetrador, mas também
em situações onde a conduta de uma pessoa ou órgão pode ser
imputada ao Estado. A conduta de um órgão Estatal será considerada,
perante o direito internacional, como um ato daquele Estado,
seja o órgão pertencente ao legislativo, executivo, judiciário,
constitucional ou à outra autoridade, sejam suas funções de
natureza internacional ou nacional e independente de sua posição
superior ou subordinada na estrutura da organização do Estado.
Em relação aos atos cometidos por
funcionários públicos, em quaisquer que sejam suas capacidades,
sempre que se levantar dúvidas a respeito da execução apropriada
desses atos, as considerações mais importantes a serem levadas
em conta são o caráter dos atos que alegadamente resultaram
em danos físicos ou materiais, ou a natureza das funções exercidas
na execução desses. Se os atos em questão forem executados
na capacidade oficial (pública) da pessoa em questão, não
obstante sua natureza e sua legalidade, então o Estado é responsável
por tais ações. Esta responsabilidade existe mesmo em situações
onde as ações são diretamente contrárias às ordens dadas por
autoridades superiores. O Estado em questão não pode refugiar-se
atrás da noção de que, de acordo com as disposições de seu
sistema jurídico, aquelas ações ou atos de omissão não deveriam
ter ocorrido ou deveriam ter tido um curso diferente. Somente
onde os atos cometidos possam ser atribuídos a funcionários
públicos agindo em sua capacidade privada é que poderão não
ser imputados ao Estado. Da mesma forma, o Estado não é responsável
perante o direito internacional pela conduta de uma pessoa
ou grupo de pessoas que não agem em seu nome.
A respeito da responsabilidade
do Estado, as normas mencionadas são as mais relevantes para
os objetivos e intenções deste Manual. Estas deixam
bem claro que, no tocante aos encarregados da aplicação da
lei, suas ações, quando executadas em capacidade oficial,
são imputáveis ao Estado e, conseqüentemente, são uma questão
de responsabilidade do Estado. Também ficou claro que esta
responsabilidade não cessa simplesmente porque leis nacionais
proíbem a execução ou omissão de certos fatos, ou por causa
da existência de ordens superiores com um intuito diferente.
O princípio essencial inerente à noção
de reparação de um ato ilegal é o de que a reparação deve, tanto
quanto possível, eliminar todas as conseqüências do ato ilegal,
e restaurar a situação que teria existido, com toda a probabilidade,
não fosse o ato cometido. Portanto, quando um Estado tem atribuído
a si a perpetração de um ato ilícito internacional, o Estado
tem a obrigação de tentar remediar as conseqüências deste. A
reparação pode ser na forma de retribuição ou de pagamento de
uma soma igual à retribuição quando esta for impossível. Além
disso, o Estado pode ser levado a pagar indenização por perdas
ou danos sofridos pela parte lesada.
O Direito dos Tratados
Comentários
Gerais
Conforme explicado acima, sob o título: As Fontes do Direito
Internacional, os tratados bilaterais e multilaterais existentes
constituem uma base importante para a determinação dos direitos
e obrigações dos Estados signatários. A elaboração de um tratado
é freqüentemente usada para conduta de relações internacionais
de vários tipos, mas também para impor normas vinculantes, com
precisão e detalhe, em várias áreas do direito internacional
(por exemplo, direitos humanos, meio ambiente, direito internacional
humanitário). Outra característica de muitos tratados é que
estes podem ser vistos como uma clarificação, codificação ou
suplementação do direito internacional consuetudinário. O direito
internacional em relação aos próprios tratados está fundamentado
na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(Convenção de Viena, 1969). Esta Convenção representa a codificação
das normas do direito internacional consuetudinário com respeito
a tratados e não é contestada a este respeito. Já foi dito que
a maior parte da Convenção consiste de "leis para advogados",
sobre as quais não há conflito entre os interesses políticos
dos Estados. A importância da Convenção para o dia-a-dia das
relações entre os Estados é clara por si só, e aceita como tal
pelos Estados, deixando talvez como única área possível de disputa
aquela que diz respeito à interpretação dos tratados entre eles.
Este capítulo considerará somente
as partes do direito dos tratados que têm importância e relevância
direta ao assunto do presente Manual. Não é, portanto,
completo.
A Elaboração
dos Tratados
A Convenção de Viena define tratado como sendo:
um acordo internacional
concluído entre Estados na forma escrita e
governado pelo direito internacional, contido em
um instrumento único
ou em dois ou mais instrumentos relacionados e qualquer
que seja sua
designação específica... (artigo
2.1 a)
Todo Estado possui a capacidade
de firmar tratados (Convenção de Viena, artigo 6). Esta capacidade
constitui, em si evidência da condição de Estado tal como prescrito
na Convenção de Montevidéu já mencionada. A forma com que o
Estado organiza seus poderes na elaboração de tratados é de
sua própria conta. Os tratados são normalmente firmados na forma
de acordos entre Estados, acordos entre Chefes de Estado,
ou acordos intergovernamentais.
Os artigos 70 e 80 da Convenção
de Viena clarificam quais as pessoas que podem representar
um Estado para os propósitos de adotar ou autenticar o texto
de um tratado, ou com a finalidade de expressar o consentimento
do Estado a ser obrigado por um tratado. Geralmente essa competência
pertence a uma pessoa que apresente plenos poderes (artigo
7.1(a)), isto é, um documento originário da autoridade competente
de um Estado designando alguém para representá-lo em determinado
ato relacionado ao tratado.
Considera-se que os Chefes de
Estado, os líderes do governo e os ministros das relações
exteriores representam seu Estado pela própria natureza de
suas funções, sem a necessidade de apresentarem plenos poderes
(artigo 7.2 a). Podem ser concedidos poderes limitados, para
a adoção do texto de um tratado em nome de seu Estado, aos
chefes de missões diplomáticas (artigo 7.2 b) ou a representantes
credenciados pelos Estados para uma conferência internacional
ou organização internacional, ou um de seus órgãos. A Convenção
de Viena estabelece normas para a adoção do texto de um tratado
(artigo 90). Há diferentes maneiras pelas quais os Estados
podem expressar sua vontade de serem vinculados ao teor de
um tratado. A maneira específica dependerá do que foi acordado
no próprio tratado. O consentimento de um Estado para
vincular-se a um tratado pode ser expresso através de assinatura,
troca de instrumentos constituintes de um tratado, ratificação,
aceitação, aprovação ou acessão, ou por qualquer outro meio
desde que acordado (artigo 11). Acessão é o método
tradicional pelo qual um Estado, em certas circunstâncias,
torna-se parte de um tratado do qual não foi signatário. Durante
o século dezenove, a ratificação era considerada como meio
de verificação e confirmação pelo soberano de que seu representante
tinha agido realmente com plenos poderes. Atualmente, a ratificação
constitui um ato separado, que vincula definitivamente um
Estado a um tratado, sendo necessário sempre que um tratado
assim o prescreva.
É um preceito do direito internacional
consuetudinário - reiterado na Convenção de Viena - que um
Estado fica obrigado a abster-se de cometer atos que
contrariem o objeto e a finalidade de um tratado quando:
(a) o Estado firmou o tratado ou
trocou instrumentos constituintes do tratado sujeito à ratificação,
aceitação ou aprovação, até que tenha deixado clara sua intenção
de não se tornar signatário do tratado; ou
(b) expressou seu consentimento de
vincular-se ao tratado, aguardando o período da entrada em
vigor do tratado, desde que esse período não seja estendido
indevidamente (Convenção de Viena, artigo 18).
Às vezes acontece de um Estado
não desejar ser parte de um tratado em sua totalidade, mas
apenas de parte deste. Neste caso, o Estado em questão formulará
uma ou mais ressalvas ao tratado quando da assinatura,
ratificação, aprovação, ou acessão a este. A legislação internacional
dos direitos humanos fornece muitos exemplos deste desejo
e desta prática. As ressalvas são permitidas a menos que:
(a) a ressalva seja proibida pelo
tratado;
(b) o tratado prevê que somente ressalvas
específicas, as quais não incluem a ressalva em questão, podem
ser feitas; ou
(c) nos casos não previstos em (a)
e (b) acima, a ressalva seja incompatível com o objeto e finalidade
do tratado (Convenção de Viena, artigo 19).
A Comissão de Direito Internacional
(CDI) é da opinião que a maioria das ressalvas relacionam-se
a pontos específicos que um Estado, em particular, por uma
razão ou outra, acha difícil de aceitar. Seus efeitos na integridade
geral do tratado são, freqüentemente, mínimos, ocorrendo o
mesmo ainda que a ressalva em questão se refira a uma disposição
comparativamente importante do tratado, desde que esta não
seja feita por mais do que alguns Estados. A integridade de
um tratado somente será afetada materialmente se uma ressalva
do tipo substancial for feita por um número razoável de Estados.
Hoje em dia, as Nações Unidas são compostas de 187 Estados
membros, com circunstâncias sociais, econômicas, culturais
e políticas diferentes. A chave para o sucesso, de acordo
com a CDI, são tratados multilaterais aos quais um grande
número de Estados adere, aceitando a maior parte de suas disposições.
A CDI considera que a falha, por parte dos Estados, em tomar
as medidas necessárias para tornarem-se partes de acordos
multilaterais, é um obstáculo maior ao desenvolvimento do
direito internacional, por meio de tratados, do que a possibilidade
da integridade dos tratados seja indevidamente enfraquecida
pela aceitação liberal de Estados signatários que façam ressalvas.
No entanto, deve-se atentar para a prática de fazer ressalvas
a respeito de tratados sobre direitos humanos, onde é honestamente
difícil de se argumentar que certas ressalvas feitas por Estados
a alguns tratados (vide, por exemplo, a Convenção das Mulheres)
na verdade não estão frustrando o objeto e finalidade de tais
tratados. Este problema só poderia ser resolvido se a CDI
fosse requisitada a proferir um parecer consultivo a respeito.
Até o presente, tal requisição ainda não foi feita (exceto
no caso da Convenção do Genocídio). A questão das ressalvas
em tratados sobre direitos humanos será tratada em maior profundidade
no capítulo dos direitos humanos.
Um tratado entra em vigor da
forma e na data prevista nele ou da forma acordada entre os
Estados signatários dele (Convenção de Viena, artigo 24).
Todo tratado em vigor é vinculante aos Estados Partes e deve
conseqüentemente ser executado em boa fé (artigo 26). Esta
norma - pacta sunt servanda - é um princípio
fundamental do direito internacional e do direito dos tratados.
Conforme já observado na seção sobre a responsabilidade do
Estado, um Estado não pode alegar as disposições de sua legislação
interna como justificativa pelo não cumprimento de um tratado
(Convenção de Viena, artigo 27). A exceção à norma do artigo
27 é definida no artigo 46, sendo limitada às situações onde
a violação (da legislação nacional consentindo
na vinculação ao tratado) fora óbvia e tratava-se de
uma norma de sua legislação nacional de vital importância.
Uma violação é óbvia se esta for objetivamente evidente
a qualquer Estado agindo na matéria em questão com a prática
normal e em boa fé.
Jus
Cogens
O artigo 53 da Convenção de Viena estipula que:
Um tratado é nulo se,
quando da sua conclusão, este for conflitante
com uma norma peremptória do direito internacional
geral. No que toca à
presente Convenção, uma norma peremptória do direito
internacional geral é
uma norma aceita e reconhecida, pela totalidade
da comunidade internacional
dos Estados, como sendo uma norma da qual nenhuma
derrogação é permitida
e a qual somente pode ser modificada por uma norma
subseqüente de direito
internacional geral que tenha o mesmo caráter.
Há uma longa controvérsia sobre
o assunto de quais normas (do direito internacional geral) podem
ser consideradas como sendo normas peremptórias
daquele direito. No sentido gramatical, a palavra peremptório
é, inter alia, sinônima de compelativo, obrigatório,
sem apelação, irrefutável, imperativo, sendo indicativa das
normas que devem ser tomadas como fundamentais e intocáveis.
Evidencia-se também pelo fato de que uma norma peremptória (do
direito internacional geral) só pode ser modificada por uma
norma peremptória subseqüente (também do direito internacional
geral). As normas peremptórias do direito internacional geral
são também chamadas de jus cogens. Na confecção
da Convenção de Viena houve uma clara relutância, por parte
da CDI, em incluir exemplos de normas do jus cogens
na Convenção. Isto se deveu principalmente ao fato de que a
simples menção de alguns casos de jus cogens, ainda que
com uma redação muito cuidadosa, poderia levar a problemas de
interpretação com relação à posição em outros casos. Essa relutância
não se limita à CDI, mas aparenta ser uma atitude mais geral,
presente em toda a literatura disponível. Há ainda aqueles que
argumentam que não existem normas de jus cogens, pois
mesmo as normas mais gerais ainda não seriam universais. Apesar
disto, é possível se achar argumentos em prol das normas jus
cogens, incluindo os da proibição do uso da força pelos
Estados (contidos na Carta das Nações Unidas), as proibições
contra genocídio, escravidão, discriminação racial, tortura,
e a afirmação do direito à vida de todas as pessoas. O jus
cogens e as normas peremptórias do direito internacional
geral são as normas das quais nenhuma derrogação é permitida.
Os tratados firmados entre Estados não devem entrar em conflito
com tais normas e, quando isto ocorrer, os tratados tornam-se
nulos. É discutível se um tratado inteiro deve ser considerado
nulo quando somente uma de suas disposições é incompatível com
as normas do jus cogens, principalmente quando essa pode
ser removida do tratado.
O artigo 64 da Convenção de Viena
estipula que se surgir uma nova norma do direito internacional
geral, qualquer tratado existente que esteja em conflito com
aquela norma torna-se nulo e cessa sua existência.
O uso da expressão surgir
deve ser entendido como referência a uma nova norma
de jus cogens, que era previamente uma norma de direito
internacional consuetudinário ou uma norma incorporada a um
tratado multilateral. Faz-se referência, neste sentido, ao
processo de evolução constante das normas do direito internacional,
onde o uso entre Estados torna-se direito internacional consuetudinário
e uma norma de direito internacional consuetudinário pode
chegar ao nível de uma norma peremptória da qual nenhuma derrogação
é permitida. A proibição absoluta da tortura pode servir como
exemplo de uma norma que evoliu desta forma. É facilmente
argumentável que qualquer tratado advogando ou permitindo
o uso da tortura seria nulo de acordo com o artigo 64 da Convenção
de Viena.
Término,
Suspensão, Retirada
O artigo 42 da Convenção de Viena estipula que
o término de um tratado, sua
renúncia formal, ou a retirada de um dos seus signatários
somente pode ocorrer como resultado da aplicação de suas disposições,
ou das disposições da presente Convenção. A mesma norma se
aplica à suspensão da operação de um tratado.
A Convenção de Viena estabeleceu,
em seus artigos 54 a 79, os requisitos necessários para o término,
suspensão e retirada. Não é necessário, para os fins deste Manual,
entrar em detalhes a respeito deste aspecto dos tratados.
É importante, no entanto, estar a par da possibilidade de tais
medidas, bem como da norma geral do artigo 42.2. Os tratados
no campo dos direitos humanos e direito internacional humanitário
tendem a incluir disposições para lidar com o término, a suspensão
e a retirada, que nesse caso terão efeito vinculante total sobre
os Estados membros. Vide, por exemplo, o artigo 63 da Primeira
Convenção de Genebra de 1949, ou o artigo 12 do Protocolo Facultativo
ao PIDCP.
Arbitragem e Solução de Controvérsias
Comentários
Gerais
As relações entre Estados não são sempre amigáveis e baseadas
em opiniões compartilhadas, ou em acordos alcançados por consenso.
As controvérsias entre Estados surgem, e podem ser basicamente
de qualquer tipo, incluindo as que surgem em função das relações
decorrentes dos tratados entre Estados. A resolução de tais
controvérsias é importante, não somente do ponto de vista de
aprofundar as relações amigáveis entre os Estados, mas também
constitui uma área interessante do direito internacional. Geralmente
pode afirmar-se que os Estados tentarão resolver suas disputas
por meio da negociação ou mediação, às vezes com a ajuda de
terceiros, na forma de bons ofícios, ou por meio de conciliação
ou com o uso de averiguações na busca de fatos. São raros os
casos em que os Estados resolverão suas diferenças no tribunal.
Em alguns casos, a ajuda de terceiros mencionada acima é fornecida
pela ONU, ou por uma das organizações regionais como a OEA ou
OUA. Este tipo de acordo pacífico das controvérsias deixa em
aberto opções para chegar a acordos que não são necessariamente
baseados no direito internacional, mas que têm o apoio das partes
de uma determinada disputa. O acordo por intermédio da arbitragem
ou de um tribunal envolve necessariamente a aplicação de normas
do direito internacional, que limita as opções para a solução
de controvérsias. Outro problema que pode ocorrer a nível internacional
é a ausência, na maioria dos casos, de uma jurisdição compulsória
para a solução de controvérsias entre os Estados, ou para casos
em que não se observam as normas gerais do direito internacional.
Para o propósito deste Manual, nós nos concentraremos
na arbitragem e no Tribunal Internacional de Justiça. Os recentes
acontecimentos em Ruanda e na antiga Iugoslávia pedem uma análise
mais detalhada do fenômeno dos tribunais criminais internacionais.
Arbitragem
A Convenção de Haia para a Solução Pacífica de Controvérsias
Internacionais (Convenção de Haia No I, 1907) define
o objeto da arbitragem como sendo a solução de controvérsias
entre Estados por juízes de sua própria escolha e com base
no respeito pela lei (artigo 37). A CDI definiu a
arbitragem como sendo um procedimento de resolução de controvérsias
entre Estados por um juízo arbitral com base na lei, e como
resultado de uma incumbência aceita voluntariamente. A única
diferença que resta entre a arbitragem e o acordo judicial
é a seleção dos integrantes desses órgãos judiciais. Enquanto
na arbitragem isto é feito com base em acordo entre as partes,
o acordo judicial pressupõe a existência de um tribunal permanente
com seu próprio painel de juízes e regimento interno de juízo,
que devem ser aceitos pelas partes da disputa. Os tribunais
de arbitragem podem ser constituídos de um único arbitrador
ou serem órgãos colegiados - o essencial é que haja o consenso
dos Estados envolvidos na disputa sobre sua composição.
A precursora da mencionada Convenção
de Haia de 1907, a Convenção de mesmo nome de 1899, previu
o estabelecimento da Corte Permanente de Arbitragem,
o que aconteceu em 1900. A Corte ainda existe, mas tem pouca
reputação e poucos casos são a ela referidos. O Estatuto da
Corte contém fórmulas para o estabelecimento de tribunais
de arbitragem com base em acordos entre os Estados e, ao mesmo
tempo, oferece soluções para situações onde haja empate no
número de votos. A Corte não registrou muitas façanhas, porém
considera-se que tenha influenciado na área da resolução pacífica
de controvérsias mediante moldagem do direito moderno e a
prática da arbitragem, especialmente nos primeiros anos deste
século.
O resultado da arbitragem, o
juízo pelo tribunal, é obrigatório às partes da disputa,
embora a história tenha mostrado que um Estado pode decidir
em não o aceitar.
A Corte
Internacional de Justiça
A Corte Internacional de Justiça (CIJ) deve ser considerada
como a corte internacional mais importante atualmente em existência.
Há outras cortes internacionais, tais como a Corte Interamericana
de Direitos Humanos, a Corte Européia de Direitos Humanos,
e o Tribunal de Justiça Europeu da União. Cada uma das três
cortes, contudo, somente tem jurisdição limitada para adjudicar
queixas entre Estados submetidas a elas, de acordo com os
tratados que as instituem.
A CIJ é o órgão judicial das
Nações Unidas e foi estabelecida em 1946 com base no artigo
92 da Carta da ONU. A CIJ é organizada de acordo com seu Estatuto
(que é parte da Carta da ONU) e tem tido seu foro tradicionalmente
sempre em Haia, nos Países Baixos. Os juízes da CIJ são eleitos
pelo Conselho de Segurança e Assembléia Geral da ONU por meio
de um procedimento complicado (vide artigos 40 a 14 do Estatuto
da CIJ). Sua nomeação é um processo altamente politizado.
O entendimento corrente a respeito da distribuição das quinze
vagas da CIJ (em termos de nacionalidade e blocos de poder)
corresponde à representação no Conselho de Segurança. Isto
significa, inter alia, que a CIJ tem um cidadão de
cada um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança
(EUA, Grã-Bretanha, França, China e Rússia). A CIJ profere
um único juízo, porém permite que juízes emitam seus pareceres.
O juízo da CIJ é obrigatório aos Estados Partes da disputa.
A jurisdição da CIJ relaciona-se
à decisão de causas contenciosas e à pronúncia de pareceres
consultivos, nenhuma das quais pode ser exercida por
sua própria volição. A jurisdição da CIJ compreende todos
os casos que forem a ela submetidos, e todas as matérias especificamente
fornecidas pela Carta da ONU ou nos tratados e convenções
em vigor (artigo 36.1 do Estatuto). Os Estados podem,
a qualquer tempo, declarar que aceitam a jurisdição compulsória
da CIJ em todas as controvérsias legais a respeito:
a. da interpretação de
um tratado;
b. qualquer questão de direito internacional;
c. a existência de um fato que, se confirmado, constituiria
uma violação de uma obrigação internacional;
d. a natureza ou extensão de uma reparação a ser feita
pela violação de uma obrigação internacional (Estatuto, artigo
36.2).
Tal declaração pode ser feita incondicionalmente
ou condicional à reciprocidade da parte de certos ou vários
Estados, ou por um certo tempo (Estatuto, artigo 36.3). O
artigo 38 do Estatuto (apresentado no início deste capítulo)
estabelece exaustiva e especificamente os diferentes instrumentos
disponíveis à Corte para determinar as normas de direito aplicáveis
a um determinado caso trazido perante ela.
Além da jurisdição sobre os casos
trazidos pelos Estados de acordo com seu Estatuto, a CIJ pode
dar um parecer consultivo sobre qualquer questão jurídica,
quando for requisitada por qualquer um dos organismos autorizados
a fazer tal requisição pela Carta da ONU, ou de acordo com
ela (Estatuto, artigo 65.1). O Conselho de Segurança e a Assembléia
Geral estão autorizados "pela" Carta da ONU (artigo 96.1)
a requerer tais opiniões da CIJ. O ECOSOC e o Conselho de
Tutela foram autorizados "de acordo" com a Carta da ONU a
fazê-lo, bem como treze das quatorze agências especializadas
das Nações Unidas (artigo 96.2 da Carta). O órgão principal
restante da ONU - o Secretariado - não foi autorizado a requerer
pareceres consultivos à Corte. As opiniões da Corte são obrigatórias
para o órgão requerente, e a tendência é de que estas também
sejam aceitas e seguidas pelos Estados concernentes, embora
a história propicie exemplos de casos em contrário. Os Estados
não têm capacidade para requerer pareceres consultivos à Corte;
todavia, em vista dos artigos 66.2 e 66.4 do Estatuto, estes
têm o direito de participar dos autos dos processos perante
a Corte e exprimir suas próprias opiniões, bem como quaisquer
comentários que possam vir a ter sobre as opiniões expressadas
por outros.
Tribunais
Criminais Internacionais
Os primeiros tribunais criminais internacionais a serem organizados
foram os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, ambos criados
logo após a Segunda Guerra Mundial. O Tribunal Militar de
Nuremberg passou a existir em 8 de agosto de 1945, quando
representantes da União Soviética, do Reino Unido, dos Estados
Unidos, e do governo provisório da República Francesa assinaram
o Acordo para o Processo e Punição dos Grandes Crimes de Guerra
do Eixo Europeu, também conhecido por Acordo de Londres. Por
meio do acordo, foi criada a Carta do Tribunal Militar Internacional,
que estabeleceu o regimento interno de juízo e normas substantivas
a serem aplicados pelo Tribunal. O Tribunal de Tóquio (o Tribunal
Militar Internacional para o Extremo Oriente) foi criado por
proclamação especial do Comandante Supremo dos Aliados no
Pacífico, no dia 19 de janeiro de 1946. Até muito recentemente,
estes eram os únicos tribunais criminais internacionais criados
pela comunidade internacional dos Estados.
Os horrores contra a humanidade
constituídos pelas atrocidades e atos de genocídio cometidos
em Ruanda, em 1994, e os atos de genocídio, crimes de guerra
e crimes contra a humanidade cometidos no território da antiga
Iugoslávia levaram à criação de dois Tribunais Criminais Internacionais,
que possuem o dever de levar indivíduos responsáveis por atrocidades
a julgamento. O exato mandato de cada um desses Tribunais
não é particularmente importante no presente contexto. É mais
interessante e significativo considerar a base jurídica para
sua criação. A questão principal que a ONU enfrentou foi decidir
se os tribunais deveriam ser criados por meio de um tratado
multilateral ou de uma resolução do Conselho de Segurança.
Ficou claro que a elaboração de um tratado levaria muito tempo.
Além disso, havia dúvida se o tratado seria ratificado por
todos os Estados cujos esforços seriam necessários para implementá-lo
com êxito. Essas considerações fizeram com que ambos os tribunais
fossem criados por uma resolução do Conselho de Segurança
da ONU. Promulgando a resolução, o Conselho de Segurança da
ONU evoca sua autoridade do Capítulo VII da Carta da ONU.
Dentro do contexto do Capítulo VII, as resoluções estabelecendo
os Tribunais da Iugoslávia e Ruanda devem ser vistas como
medidas ... para manter ou restaurar a paz e segurança
internacional (Carta da ONU, artigo 39). O pré-requisito
para tais medidas é que o Conselho de Segurança, por resolução,
determine a existência de qualquer ameaça à paz, violação
da paz, ou ato de agressão... (Carta da ONU, artigo
39). O Conselho de Segurança, em resoluções anteriores, já
havia feito a determinação necessária pelo artigo 39 da Carta
para justificar recomendações ou medidas, conforme definições
contidas no Capítulo VII.
Esta abordagem para estabelecer um
tribunal criminal internacional nunca antes havia sido feita
e tem conseqüências distintas. Os Estados Membros da ONU são
legalmente obrigados a obedecer às decisões que estabeleceram
ambos os Tribunais (vide artigos 2.5, 25 e 48 da Carta da
ONU, em relação a seu artigo 49). Esta obrigação de obedecer
é vista como sendo de importância crucial para que se tragam
pessoas indiciadas fisicamente perante ao Tribunal. Uma das
obrigações incumbentes sobre os Estados Membros, conforme
definido nos Estatutos dos Tribunais, é o dever de obedecer
a qualquer ordem expedida pelo Tribunal relacionada à captura
ou detenção de pessoas.
Alguns Estados opuseram-se à
maneira com que foram estabelecidos os Tribunais (ou seja,
por meio de uma resolução do Conselho de Segurança baseada
no Capítulo VII da Carta). Estas objeções dizem respeito à
alegada falta de capacidade jurídica da parte do Conselho
de Segurança para efetuar tais atos, bem como à indevida violação
da soberania nacional mediante a constituição dos tribunais
por qualquer outro meio que não por meio de tratado. O último
ponto enfatiza o fato que, tecnicamente falando, os Estados
Membros não têm escolha senão aceitar e implementar a resolução
do Conselho de Segurança. O Advogado de Defesa da primeira
pessoa (Dusko Tadic) a ser trazida perante o Tribunal da Iugoslávia
contestou os poderes legais do Conselho de Segurança para
estabelecer um tribunal criminal como uma expressão de uma
medida tomada dentro do sentido do artigo 39 da Carta, principalmente
considerando-se que a medida específica de estabelecimento
de um tribunal não é mencionada nos artigos 40 a 42 do Capítulo
VII da Carta. A Câmara de Apelação do Tribunal chegou à conclusão
que, embora não mencionado especificamente, o estabelecimento
de um tribunal criminal se encaixa dentro dos poderes do Conselho
de Segurança de acordo com o artigo 41 da Carta. Na
opinião da Câmara de Apelação, o argumento de que a criação
de um Tribunal (empossado com poderes judiciais) seria um
ato além da capacidade do Conselho de Segurança, tendo em
vista sua falta de poderes judiciais, era insustentável pois
resultava de um equívoco fundamental de compreensão da estrutura
constitucional da Carta. A criação do Tribunal deve ser vista
como uma medida com vistas à restauração da paz e segurança,
e não como um ato pelo qual o Conselho de Segurança delegou
alguns de seus poderes ou o exercício de algumas de suas funções.
Outra questão importante a respeito
dos tribunais criminais internacionais é a jurisdição
da matéria. Em relação ao Tribunal da Iugoslávia, a
decisão foi de que este deveria aplicar as normas do direito
internacional humanitário, as quais são, sem dúvida nenhuma,
parte do direito consuetudinário, de forma que não ocorreu o
problema relativo à adesão de alguns, mas não todos, Estados
a convenções específicas. A questão da jurisdição da matéria
foi outra questão duramente contestada no caso Tadic, mencionado
anteriormente, sendo decidido pela Câmara de Apelação do Tribunal
que, sob o Estatuto do Tribunal, tal jurisdição pode ser considerada
como existente para atos cometidos no território da antiga Iugoslávia.
Direitos Humanos e Direito
Internacional Humanitário
Comentários
Gerais
Os instrumentos dos direitos humanos e do direito internacional
humanitário formam parte integral do direito internacional -
com ambos os tipos de legislação destinadas a proteger direitos
e liberdades fundamentais individuais bem como coletivos. Sob
o título de direito internacional dos direitos humanos, os padrões
são estabelecidos para a responsabilidade dos Estados com relação
aos direitos e liberdades de indivíduos e dos povos. O direito
internacional humanitário fornece os padrões a serem aplicados
na proteção de vítimas de guerra e conduta de hostilidades.
Os dois tipos de legislação são complementares e compatíveis
de fato e na aplicação, não importando as normas existentes
sobre sua aplicabilidade jurídica. Já que dois capítulos tratam
dos direitos humanos e do direito internacional, esta seção
se limitará a fornecer uma rápida introdução aos dois e tentará
indicar seu lugar dentro do arcabouço mais amplo do direito
internacional.
Posição
dentro do Direito Internacional
Os horrores da Segunda Guerra Mundial, sem dúvida nenhuma,
deixaram dolorosamente claro que as normas e medidas existentes
para a proteção dos indivíduos das conseqüências dos conflitos
armados eram totalmente inadequadas. Ao mesmo tempo, a soberania
nacional e a inviolabilidade do território nacional, tidas
como garantidas, demonstraram ser uma falácia pelas transgressões
de ambas, cometidas em particular pelos nazistas na Europa
e mais tarde pelos japoneses na Ásia. Um resultado imediato
da Segunda Guerra foi a vontade, partilhada por todos os Estados,
de que se devesse evitar que estes acontecimentos ocorressem
novamente. Com a fundação das Nações Unidas e a criação da
carta da ONU, a proteção da paz e segurança internacional
e a disseminação e encorajamento do respeito aos direitos
humanos e liberdades fundamentais tornaram-se, dentre
outros, os principais objetivos das Nações Unidas (Carta
da ONU, artigo 10).
A Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948) é hoje o documento mais
importante já adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
Apesar de não tomar a forma de um tratado, sua história o
fez mais do que um instrumento que simplesmente oferece normas
orientadoras. A ausência, por muitos anos, de outros textos
de referência (foi só em 1976 que os dois maiores Pactos entraram
em vigor) deu condições para que a Declaração Universal gozasse
de uma autoridade incontestável. Pode-se com certeza afirmar
agora que algumas de suas disposições fazem parte do direito
consuetudinário internacional. Qualquer outro tratado de direitos
humanos já elaborado faz referência à Declaração Universal,
formulando suas disposições baseadas nas originais da Declaração.
Muitas constituições nacionais incorporam dispositivos chaves
da Declaração Universal.
O direito internacional
humanitário é aquele ramo do direito que cobre a proteção
das vítimas de conflito armado e estabelece normas internacionais
para a conduta em hostilidades. As quatro convenções de Genebra
de 1949, com seus Protocolos Adicionais de 1977, proporcionam
uma extensa consolidação das normas codificadas para este
fim. Um exame superficial dos dois ramos - direitos humanos
e direito internacional humanitário - revelará muitas diferenças
entre eles. O que ambos possuem em comum é, entre outros,
o problema de transformar os requisitos legais em ação adequada
e apropriada. Ao mesmo tempo, esse processo de transformação
pode ser visto como uma marcação da fronteira entre a responsabilidade
internacional e a subseqüente ação nacional necessária, dando
margem, portanto, ao surgimento de todos os tipos de discussões
freqüentes sobre soberania.
Não é possível afirmar que os direitos
humanos e o direito internacional humanitário formem uma área
especializada em separado do direito internacional, que não
mantêm nenhuma relação com outros aspectos deste. Os dois
tipos de direito e a manutenção do respeito pelos princípios
que defendem devem ser vistos como um pré-requisito fundamental
para a criação, existência e consolidação de relações amistosas
duradouras entre os Estados. Exemplos como a África do Sul,
Somália, Ruanda, Burundi, Angola, Iugoslávia, Nigéria, Iraque
e muitos outros demonstram repetidamente que quando a coexistência
pacífica dos povos em nível nacional não pode ser garantida
(com todo o respeito devido para com os direitos e liberdades
fundamentais), coloca-se em dúvida simultaneamente a condição
do Estado a ser aceito perante a comunidade internacional.
O respeito pelo estado de direito, conforme estipulado pelos
direitos humanos e princípios humanitários, não é um ornamento
do direito internacional, mas suas próprias fundações.
Para uma análise mais detalhada destes
tópicos, vide os capítulos sobre direitos humanos e direito
internacional humanitário deste manual
Perguntas para Estudo
Conhecimento
1. O que é direito internacional?
2. Quais são as fontes do direito internacional?
3. O que é direito internacional consuetudinário?
4. O que é um tratado?
5. Que outras fontes de direito internacional existem?
6. Quem/o que possui personalidade jurídica perante o direito
internacional?
7. Que princípios são utilizados pelos Estados para decidir
sobre questões de jurisdição penal?
8. Para quais atos os Estados gozam de imunidade perante os
tribunais nacionais?
9. Quais são as normas básicas da imunidade diplomática?
10. Qual é a definição de responsabilidade do Estado?
11. Quais são os requerimentos formais da condição de Estado?
12. Quais requerimentos adicionais existem atualmente para atingir-se
a condição de Estado?
13. O que pode ser entendido pelo termo jus cogens?
14. O que significa assinar um tratado?
15. Quando são permitidas ressalvas a um tratado?
16. Qual é a diferença entre arbitragem e acordo judicial?
17. Qual é a competência da CIJ?
18. Quem pode requerer um parecer consultivo à CIJ?
19. Qual é a base jurídica para a criação do Tribunal da Iugoslávia?
20. Que tipo de controvérsias podem ser submetidas à CIJ?
Compreensão
1. Qual é a posição dos direitos humanos em relação ao direito
internacional?
2. O que são direitos e liberdades fundamentais?
3. Como sua resposta se relaciona a sua opinião sobre jus
cogens?
4. Qual é sua opinião sobre a teoria relativa da imunidade
do Estado?
5. Qual é o propósito da concessão de imunidade a agentes
diplomáticos em um Estado anfitrião?
6. Qual é sua opinião sobre o asilo diplomático?
7. Qual é sua definição de Estado?
8. O que se quer dizer com a comunidade internacional?
9. Como a responsabilidade do Estado se relaciona à soberania
nacional?
10. Qual é sua opinião sobre as ressalvas feitas aos tratados
de direitos humanos?
11. O que é mais importante: o nível da ratificação ou o objeto
e finalidade do tratado?
12. Por que você acha que a Corte Permanente de Arbitragem
tem tão pouco trabalho a fazer?
13. O que você pensa do significado da CIJ para o desenvolvimento
do direito internacional?
14. Qual é sua opinião sobre o embasamento jurídico do Tribunal
da Iugoslávia?
15. Por que o advogado de defesa atacaria a jurisdição da
matéria do Tribunal?
16. Por que a tarefa de tais Tribunais não é atribuída à CIJ?
17. Por que a legislação dos direitos humanos e o direito
internacional humanitário são dois lados de uma mesma moeda?
18. Você concorda com a importância fundamental de ambos para
as relações internacionais?
19. Como você vê o desenvolvimento futuro das relações entre
os Estados?
Referências Selecionadas: Apêndice III
Capítulo 2: Direito Internacional
dos Direitos Humanos
Introdução ao Manual