MECANISMOS
DE ACESSOS
inicialmente,
deve-se esclarecer que os mecanismos internacionais do sistema
global são bastante complexos, podendo ser divididos em: mecanismos convencionais (treaty based), uma vez que são previstos
em certos tratados; e mecanismos
extra-convencionais ou especiais (non-treaty based), pois,
apesar de não previstos em tratados, são utilizados para situações
de violação de alto impacto perante a Comunidade
Internacional, como uma forma de proporcionar tratamento
especial a certos fatos, que podem ou não ter sido objeto de
algum dos mecanismos convencionais.
CONVENCIONAIS:
Pelo
sistema das Nações Unidas há órgãos que, criados por suas
respectivas convenções, são competentes para receber petições
ou comunicações de indivíduos vítimas de violações de
direitos humanos, tais como o Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais; o Comitê de Direitos da Criança; o Comitê
Contra a Tortura; e o Comitê de Direitos Humanos, entre outros.
Tais órgãos foram criados com a função de monitorar as
obrigações assumidas pelos Estados-partes, e estes, ao
aderirem a um tratado, concordam automaticamente em desenvolver
um diálogo com o órgão de monitoramento respectivo, devendo
ainda submeter ao órgão relatórios periódicos a respeito das
medidas tomadas para a proteção dos direitos constantes no
tratado. O sistema de petições, no entanto, é facultativo, o
que significa afirmar que a mera ratificação do tratado não
implica em aceitação desse mecanismo de controle pelo Estado.
De
todos os órgãos, o Comitê
de Direitos Humanos é o mais bem estruturado e experiente
em receber petições individuais, razão do destaque dado a
este órgão de monitoramento. Este Comitê foi criado pelo Protocolo
Facultativo do Pacto de Direitos Civis e Políticos e é
formado por 18 (dezoito) expertos os quais se reúnem
ordinariamente três vezes ao ano.
Os
Estados-partes devem submeter ao Comitê relatórios a cada 5
(cinco) anos, e estes serão examinados pelo Comitê em audiências
públicas através do diálogo com representantes dos
Estados-partes cujos relatórios estão sendo analisados. Apesar
de não poderem participar das discussões, as ONGs são
estimuladas a enviar informações escritas ou relatórios as
Comitê.
O
Protocolo prevê requisitos substanciais e formais para a
admissibilidade da comunicação pelo Comitê. Quanto aos
requisitos substanciais, o art. 1º do Protocolo determina que o
Comitê é competente para receber petições de indivíduos vítimas
de violações previstas no Pacto (direitos previstos nas partes
II e III do citado instrumento, além da proibição de pena de
morte, contida no Segundo Protocolo Facultativo, vigente a
partir de 11 de junho de 1991). A comunicação poderá ainda
ser submetida por um representante, na hipótese da vítima não
poder fazê-lo por impedimentos diversos, tais como a alegação
de seu desaparecimento. Acrescente-se que este representante
dever ser um parente próximo, cabendo a este último provar a
sua qualidade, constituindo-se este no primeiro requisito de
admissibilidade da comunicação.
Além
disso, somente os Estados que haviam ratificado o Protocolo
Facultativo podem ser sujeitos a denúncias levadas ao Comitê
de Direitos Humanos. Quanto ao indivíduo que alega ser vítima
de violação, este pode ser cidadão ou residente do
Estado-parte, contanto que esteja sob a jurisdição do referido
Estado-parte do Protocolo no momento da denúncia.
No
caso do Brasil, apesar de haver ratificado alguns tratados (vide
quadro acima), não aceitou nenhum dos Protocolos Facultativos
correspondentes e, portanto, não está sujeito a denúncias
enviadas aos respectivos Comitês. Não aceitou, por exemplo, o
Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, o que habilitaria o Comitê de Direitos Humanos a
receber e apreciar petições individuais que veiculem denúncia
de violação de direitos humanos previstos no Pacto; não
reconhece o Comitê contra a Tortura (CAT) como competente para
examinar as comunicações interestatais e as petições
individuais referentes à violação de direitos previstos na
convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis,
Desumanos e Degradantes; o mesmo ocorrendo quanto à Convenção
sobre todas as formas de Discriminação Racial. Isto posto,
urge ressaltar que todos os citados instrumentos demandam a
declaração expressa do Estado-parte para que reconheça a
competência do respectivo Comitê em examinar petições
individuais, competência esta ainda não reconhecida pelo
Brasil.
Quanto
aos direitos assegurados, não possuem efeito retroativo no que
se refere às petições. Assim, uma denúncia/comunicação
individual será declarada inadmissível se a mesma tiver
ocorrido antes da vigência do Pacto e de seu Protocolo
Facultativo no Estado-parte. Mas, se a violação for
continuada, e parte dela houver ocorrido na vigência de tais
instrumentos, o Comitê irá considerá-la admissível. Deve-se
ainda observar, quando da aceitação da comunicação pelo
Comitê, se o direito invocado segundo o Pacto não foi objeto
de reserva quando da ratificação pelo Estado-parte.
Ademais,
o artigo 5 (2), prevê que o Comitê não poderá considerar
comunicação, com mesmas partes e objeto, que esteja sendo
apreciada por outro procedimento de investigação
internacional, como a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, de âmbito regional.
Por
fim, assim como outros órgãos internacionais de direitos
humanos, o Comitê não pode aceitar comunicações antes que os
recursos internos tenham sido esgotados ou que tais recursos
tenham sido ineficazes ou injustamente prolongados.
Quanto
aos requisitos, o Comitê de Direitos Humanos possui um modelo
de petição para auxiliar aos peticionários, ainda que não
seja obrigatório o seu uso. A petição deve conter as
seguintes informações: a) nome, endereço e nacionalidade da vítima
e do autor, se diferentes; as razões que levam o autor a agir
em nome da vítima, na hipótese de parente próximo; identificação
do Estado contra o qual a denúncia é feita; os artigos do
Pacto que se alega terem sido violados; procedimentos tomados em
âmbito interno (espécie de histórico das fases processuais
domésticas); declaração de que o mesmo caso está ou não
sendo apreciado por outro procedimento internacional regional ou
global; uma descrição detalhada dos fatos como forma de
fundamentação das alegações, incluindo-se das mais
importantes.
A
petição deve ser encaminhada ao Comitê de Direitos Humanos,
aos cuidados do Centro de Direitos Humanos da Sede das Nações
Unidas em Genebra. Não deve ser anônima, podendo-se requerer
ao Comitê que não revele o nome do autor e/ou vítima quando
da publicação da decisão. Por fim, não há prazo específico
para a submissão da petição ao Comitê.
O
procedimento tem início com o recebimento da petição pelo
Comitê. Em seguida um Special Rapporteur, membro do Comitê, é
designado para obter maiores informações das partes sobre a
petição recebida, até que esteja certo de que a petição
preenche todos os requisitos preliminares de admissibilidade.
O
exame da admissibilidade da petição geralmente leva 12 a 18
meses, e o exame de seu mérito pode demorar um ou dois anos,
dependendo da colaboração das partes. Por essa razão, se
houver necessidade, no curso da apreciação dos requisitos de
admissibilidade o Comitê pode requerer ao Estado que tome
medidas cautelares, como por exemplo o Comitê pode demandar que
o Estado não aplique pena de morte contra a vítima. Essa
medida não possui caráter compulsório, mas somente moral.
Uma
vez declarada a petição admissível, pelo artigo 4 (2) do
Protocolo, o Estado tem seis meses para submeter explicações
escritas, esclarecendo os fatos, ou mencionando as providências
tomadas, se houver. Qualquer procedimento do Estado é enviado
ao autor o qual, por sua vez, tem seis semanas para oferecer
informações adicionais ou observações.
Para
este procedimento em particular predominam as informações
escritas fornecidas pelas partes. Em casos de violação do
direito à vida, tortura, prisões arbitrárias e
desaparecimentos, o Comitê já estabeleceu que o ônus da prova
não recai apenas sobre o autor, assim como não considera
suficiente a simples negação em termos gerais da denúncia de
violação pela parte contrária. Inexistem previsões de oitiva
das partes em audiência ou investigações in loco das denúncias. Ademais, ao contrário de muitos
procedimentos internacionais, o Comitê não possui a função
de intermediador de possível conciliação (solução amistosa)
entre as partes,.
No
que se refere à decisão, esta deve compreender a maioria de
votos dos presentes, mas na prática tenta-se obter o consenso
dos membros. Com o recebimento de todas as informações
relevantes, o Comitê formula suas recomendações, as quais são
enviadas às partes. É dada a devida publicidade dessas
recomendações através de publicação imediata ao final da
cada sessão, e posterior reprodução no Relatório Anual do
Comitê para a Assembléia Geral.
Acrescente-se
que as recomendações não são de caráter compulsório e, até
recentemente, nenhuma sanção existe para os Estados que não
as fazem cumprir. Na prática, o que se tem observado é que
poucos Estados respondem positivamente às recomendações,
informando sobre as medidas tomadas para remediar a situação.
Alguns Estados, no entanto, chegaram a mudar suas leis como
resultado de decisões do Comitê, e em alguns casos
prisioneiros foram libertados e indenizações foram pagas a vítimas
de violações de direitos humanos. Numa tentativa de aprimorar
os resultados obtidos, em 1990 o Comitê instituiu um mecanismo
para monitorar mais de perto se os Estados-partes realmente
levaram a efeito as decisões finais do Comitê.
Além
do mecanismo previsto no Protocolo Facultativo acima descrito,
as convenções em geral prevêem a criação de respectivos
comitês de monitoramento através de comunicações
interestaduais e individuais, com procedimentos de
admissibilidade e fases procedimentais semelhantes, ainda que
cada qual tenha alguma peculiaridade.
Cabe
aqui ressaltar que esses comitês são muito recentes e pouco
eficazes – o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação
Racial (CERD), por exemplo, somente tornou-se competente para
receber petições em dezembro de 1982, a até 1991 somente
havia apreciado duas petições individuais, apesar de outras
estarem pendentes – o que muito se atribui ao reduzido número
de Estados que reconhecem essas cláusulas facultativas. Sendo
assim, pode-se afirmar que de todos os mecanismos convencionais
das Nações unidas, somente o Comitê de Direitos Humanos,
instituído pelo Protocolo Facultativo do Pacto de Direitos
Civis e Políticos, encontra-se em funcionamento por um período
relativamente longo para ser objeto de uma análise justa quanto
à sua validade.
EXTRA-CONVENCIONAIS
OU ESPECIAIS
esses
mecanismos variam de forma considerável, mas pode-se afirmar
que os mais importantes são os que tratam da situação de países
específicos e os mecanismos temáticos.
Tais
mecanismos têm sido estabelecidos, via de regra, pela Comissão
de Direitos Humanos (CDH) e sua Subcomissão
para Promoção e Proteção dos Direitos Humanos. Os
mecanismos extra-convencionais assumem elevada importância pelo
fato da sua aplicação independer de ratificação ou aceitação
pelo Estado a ser investigado.
Pelo
processo de votação, nota-se que a Comissão assume caráter
eminentemente político, uma vez que os representantes dos
Estados-membros da Comissão (eleitos pelo ECOSOC), ao exercerem
seu direito de voto, são instituídos pelos seus respectivos
Estados para que tomem posicionamentos que não entrem em
conflito com as suas relações políticas. Portanto, um dos
fatores mais positivos destes mecanismos especiais, contrariando
a prática habitual dos demais órgãos das nações Unidas que,
em geral, tomam decisões de cunho político, como a Comissão e
a Subcomissão.
Os
mecanismos de investigação
de países específicos já foram utilizados em um grupo de
trabalho ad Hoc (e.g., África do Sul), um relator especial
(e.g., Chile), uma delegação observadora (e.g., Cuba). O que há
em comum entre esses mandatos investigatórios (fact-finding) é
o fato de terem sido criados pela Comissão (sujeitos à aprovação
do ECOSOC), para o qual eles submetem relatórios atuais e públicos.
Via
de regra, os mecanismos de países recebem informação de indivíduos,
grupos ou governos e ainda, na maioria dos casos, seus
representantes realizam visitas in loco em busca de fontes de
informações mais idôneas. No entanto, essas visitas dependem
da permissão do Governo, havendo raras vezes em que o próprio
Governo de um país toma a iniciativa de convidar um relator
especial. As informações podem ser orais ou escritas, não
havendo formalidades, sendo da responsabilidade do Grupo de
Trabalho ou do Relator avaliar a veracidade dos fatos.
Ao
contrário dos mecanismos citados acima, que tratam de situações
gerais de violação de direitos humanos, OS mecanismos
temáticos tratam de casos específicos de violação ou
ameaça de violação de direitos humanos, considerando-se países
em que um tipo particular e grave de violação vem sendo
difundido em larga escala.
Na
primeira metade da década de 80, a Comissão criou três
mecanismos, quais sejam: o Grupo de Trabalho sobre
Desaparecimento forçado (1980); o Relator Especial sobre Execuções
Arbitrárias ou Sumarias (1982) e o Relator Especial sobre
Tortura (1985). Mais tarde, a Comissão estabeleceu o Relator
Especial sobre Intolerância Religiosa (1986) e o Grupo de
Trabalho sobre Detenção Arbitrária (1991).
As
atividades dos relatores ou grupos incluem a procura e o
recebimento de informações (comunicações); pedidos ao
governo para informações relativas à legislação interna;
encaminhamento de pedido de esclarecimento de alegações sobre
casos urgentes que surjam durante o mandato; proposição ou
aceitação de convites para realizar visitas a países sobre os
quais haja denúncia de violação relativa a seu mandato;
apresentação de relatório anua à Comissão.
O
relatório anual de cada grupo ou relatório deve conter as
informações de todas as atividades supracitadas, bem como
detalhes sobre as reuniões com os governos, descrições das
visitas, análises gerais e recomendações.
Na
prática todos esses mecanismos temáticos aceitam informações
das mais variadas fontes, vítimas ou seus parentes, ONGs, entre
outros, entre outros, desde que consideradas idôneas, e essas
comunicações podem ser enviadas de várias formas (ex: cartas,
faxes). Não existe nenhum procedimento formal de denúncia,
como aquele exigido pelos Comitês criados por tratados.
Exige-se apenas que a informação seja a mais clara, confiável
e convincente possível, devendo conter as seguintes informações
básicas: os nomes da vítima e do autor da violação; a data,
o lugar e as circunstâncias do incidente; e o nome da pessoa ou
organização enviando a comunicação (não pode, portanto, ser
anônima). Outros detalhes podem ser necessários dependendo do
caso concreto. Qualquer informação superveniente à denúncia
deve ser levada ao conhecimento do relator ou grupo, seja com o
intuito de corrigir ou confirmar a denúncia.
A
princípio, estas informações não serão apreciadas se também
forem submetidas de acordo com a Resolução confidencial 1503
do ECOSOC e/ou o Protocolo Opcional do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos. E em geral, o mesmo se aplica às
informações contendo linguagem abusiva e àquelas que têm óbvia
motivação política. ,
Para
este procedimento, diferente dos demais mecanismos de denuncia
baseados em tratados, não se exige o esgotamento dos recursos
da jurisdição interna.
Qualquer
indivíduo, grupo, organização não-governamental, agência
intragovernamental ou Governo, que tiver conhecimento fundado da
ocorrência de uma violação, pode levar as informações
relevantes ao conhecimento do Relator Especial ou Grupo de
Trabalho correspondente.
Pode
ocorrer da comunicação conter informação de que uma violação
grave de direitos humanos está prestes a ser cometida, como uma
iminente execução extra-judicial. Nestes casos, o relator
especial ou o presidente de um grupo de trabalho pode enviar uma
mensagem às autoridades daquele Estado por fax ou telegrama,
pedindo esclarecimentos e a aplicação das medidas necessárias
para garantir os direitos da suposta vítima.
Para
facilitar o exame das violações denunciadas, desenvolveram-se
modelos de comunicações/denúncias para vários mecanismos temáticos
que passamos a expor a seguir. Note que a obediência a esses
modelos não é essencial para que uma comunicação seja
admitida e levada à análise.
|