O
SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
2.1
Gênese e desenvolvimento histórico do Direito Internacional dos
Direitos Humanos
Após
os dois conflitos mundiais, surgiu um novo ramo do direito que
passou a reconhecer a capacidade processual dos indivíduos e
grupos sociais no plano internacional, trazendo uma nova concepção
de sujeito no direito internacional – Direito Internacional dos
Direitos Humanos. Até a chegada deste momento, houve o
desenvolvimento de um processo gradativo de reconhecimento da
capacidade processual dos indivíduos, em sucessivas experiências
internacionais, tornando-os beneficiários direitos de mecanismos
internacionais de proteção previstos nos instrumentos
internacionais de direitos humanos.
O
período de elaboração dos tratados e instrumentos
internacionais foi chamado de “fase legislativa”.
Posteriormente, seguiu-se a fase de implementação dos
instrumentos internacionais e a sua inter-relação, na qual
estamos atualmente.
Antes
do surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
somente os Estados podiam estar sujeitos de direito no cenário
internacional, pois não existiam órgãos internacionais de proteção
dos direitos humanos e não era reconhecida a capacidade
processual aos indivíduos. A proteção dos direitos humanos era
possível, excepcionalmente, no contexto das relações
inter-estatais e dependia do livre arbítrio dos Estados, uma vez
que não havia órgãos internacionais para receber e examinar as
denúncias de casos de violações dos direitos humanos.
O
contexto existente naquela época era de descentralização do
ornamento jurídico internacional em vista da ausência de um
legislador e de um órgão jurídico supra nacionais permanentes
para processarem petições sobre os direitos humanos. Naquela época,
a única forma de grupos sociais envolvidos e indivíduos,
desprovidos de capacidade processual no plano internacional,
oferecem denúncias era através da forma de petições ad hoc apresentadas em conferências diplomáticas.
O
gradual fortalecimento da capacidade processual das supostas vítimas
dos direitos humanos e de seus representantes é um fenômeno que
tem ocorrido nas últimas quatro ou cinco décadas. Os
instrumentos jurídicos que tem base jurídica em Convenções ou
Declarações, exercem efeitos jurídicos nos Estados membros dos
respectivos organismo internacionais (ONU e OEA), através do
mecanismo de denúncias individuais ou petições.
Assim
através deste mecanismo, a vítima de violações de direitos
humanos, o seu familiar ou representante pode encaminhar uma denúncia
de violação de direitos humanos ocorrida sob a jurisdição de
um estado membro, que assumiu o compromisso internacional de
prevenir e reparar as violações ocorridas em seu território, ao
ratificar os instrumentos internacionais de proteção.
A
objeção pelos Estados de “competência nacional exclusiva”,
ou da “soberania nacional”, ao ser demandado
internacionalmente, tornou-se ultrapassada, após o surgimento da
capacidade processual internacional dos indivíduos perante os órgãos
internacionais de proteção. O objetivo deste novo Direito
Internacional emergente é fortalecer a proteção dos direitos
humanos dos indivíduos, através de novos procedimentos previstos
nos instrumentos internacionais. Os objetivos destes procedimentos
ou mecanismos internacionais não são mais voltados a
prerrogativas dos Estados e sim aos direitos das vítimas de violações
de direitos humanos.
2.2
Objetivos, lógica e princípios do Direito Internacional dos
Direitos Humanos
O
Direito Internacional dos Direito Humano vem regulamentar novas
formas de relações jurídicas, questionando certos dogmas do
passado, através das sua interação com o Direito Interno de
outros países. O Direito Internacional sustenta que o indivíduo
é sujeito de direitos tanto no direito interno quanto no plano
internacional, sendo dotado ambos de personalidade e capacidade
jurídicas próprias. Assim, deve ser constante a interação
entre o direito internacional e o direito interno de forma a
garantir a maior proteção aos indivíduos.
O
Direito Internacional dos Direitos Humanos deve ser aplicado pelos
órgãos internos dos Estados, como forma de cumprimento das
obrigações internacionais de proteção assumidas perante os órgãos
internacionais. Assim, depende da adoção e aperfeiçoamento de
medidas eficazes de implementação.
O
propósito do direito internacional é assegurar a proteção
integral do ser humano em todas as suas esferas de atividade
formando um corpo jurídico
harmônico e indivisível. Assim, o direito internacional dos
direitos humanos não rege relações entre iguais, mais opera em
favor dos mais fracos. Na relação entre desiguais, indivíduo-Estado,
posiciona-se em favor do indivíduo, necessitado de proteção.
Desta forma, não busca o equilíbrio entre as partes, mas
remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades, na media
em que são afetados os direitos humanos.
O
direito internacional dos direitos humanos é inspirado em
considerações de ordem pública, em defesa de interesses comuns
e da realização da Justiça para todos os indivíduos sem
discriminação. Neste sentido, os instrumentos de proteção são
invocados quando os mecanismos de direito interno não são
eficazes ou adequados para assegurar a proteção devida. Os
tratados internacionais de direitos humanos possuem termos e
conceitos autônomos, independente do que lhes é atribuído nos
sistemas jurídicos nacionais. Na sua interpretação, prevalece a
natureza objetiva das obrigações que consagram, uma vez que são
voltados para a proteção dos mais fracos (interpretação pro
homine).
Outro
princípio do direito internacional dos direitos humanos é a
primazia da norma mais favorável para a vítima, ou seja, a norma
que melhor proteja o direito que foi violado é a que deverá ser
aplicada ao caso concreto. Não há mais a pretensão de primazia
do direito internacional ou do direito interno. Ambos interagem em
benefício dos destinatários, as vítimas de violações. O critério
da primazia da norma mais favorável para as vítimas é
consagrado em vários tratados de direitos humanos e contribui
para minimizar ou reduzir as possibilidades de conflito entre os
instrumentos legais. Tal critério demonstra que o propósito do
direito internacional dos direitos humanos é garantir, ampliar e
fortalecer a proteção a partir da coexistência de vários
instrumentos legais. Assim, num caso concreto, o que importa em última
análise é o grau de eficácia da proteção; é aplicar a norma
que melhor proteja a vítima, seja ela de direito internacional ou
de direito interno.
O
direito internacional dos direitos humanos é o direito
internacional de proteção dos mais vulneráveis que conta com o
indispensável concurso do poder público, pois são os Estados os
detentores da responsabilidade primária pela observação e proteção
dos direitos humanos. A responsabilidade primária pela observância
dos direitos humanos de proteção tem caráter subsidiário
quanto aos procedimentos previstos no âmbito interno. Neste
sentido, é um princípio do Direito Internacional a necessidade
de serem esgotados os recursos internos para que então seja
apresentada uma denúncia perante um órgão internacional. Quando
os recursos internos demonstram-se insuficientes ou precários
para reparar violações de direitos humanos, pode-se acionar os
mecanismo internacionais estrategicamente
como último recurso disponível e garantia adicional de
proteção.
O
esgotamento dos recursos internos não deve ser entendido como um
requisito formal que deve ser cumprido antes da vítima de violação
dos direitos humanos ter aceso aos mecanismo internacionais de
proteção. Tal requisito deve ser entendido como uma oportunidade
para exigir do Estado a aperfeiçoamento dos recursos judiciais,
conforme determinam os padrões internacionais.
Além
do sistema de petições sobre casos individuais de violação dos
direitos humanos, há mais dois mecanismos de implementação
internacional dos direitos humanos, previsto no Direito
Internacional dos Direitos Humanos: os sistema de relatórios e o
sistema de determinação de fatos ou investigações. O sistema
de relatórios é utilizado principalmente pelos órgãos
internacionais que elaboram relatórios sobre a situação dos
direitos humanos em determinados países e realizam visitas para
investigar in loco,
através do sistema de fatos.
A
obrigação dos Estados de encaminhar relatórios sobre a situação
de direitos humanos está prevista em diversos tratados os convenções
sobre direitos humanos globais e regionais. O método de determinação
dos fatos ou investigações pode operar de forma permanente
institucionalizada, prevista nos tratados de direitos humanos, ou
em base ad hoc, através
de missões de investigação por países ou temáticas,
estabelecidas por resoluções dos organismos internacionais.
Atualmente,
alcançamos um estágio de complementaridade e interação de vários
instrumentos de proteção aos direitos humanos e da total ausência
de hierarquia entre eles. Tais mecanismos reforçam-se ampliando o
elenco de direitos protegidos, com natureza complementar que
caracteriza a indivisibilidade dos direitos humanos. O uso do
direito internacional acarreta a extensão e ampliação do rgau
de proteção de vida.
2.3
Declaração Universal de Direitos de 1948 e a concepção
contemporânea de direitos humanos: a universalidade e a
indivisibilidade dos direitos humanos
A
partir da adoção, em 1948, da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (em dezembro de 1948) e da Declaração Americana
de Direitos e Deveres do Homem (em abril de 1948), houve a
abertura do processo de generalização da proteção
internacional dos direitos humanos. Com o processo de generalização
da proteção internacional dos direitos humanos passou-se a visar a proteção do ser humano como tal e não mais sob certas
condições do passado, no qual era dirigido a proteção para as
minorias, trabalhadores, refugiados, apátridas, e outros. Os
sistema de tutela vigente, antes do processo de generalização,
era o chamado sistema de minoria e mandatos, utilizado na liga das
nações, que era antecessor ao sistema de petições individuais
atual das Nações Unidas.
As
duas Declarações de direitos humanos abriram caminho para a adoção
de vários tratados sobre a matéria. Por exemplo, após a Declaração
Americana de 1948, foi aprovada
a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969 e a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial, de 1963, seguida pela Convenção das Nações Unidas de
1965. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial transcendeu à simples solução de casos
puramente individuais, com deveres de caráter negativo (não
apoiar práticas de caráter discriminatório), ou de caráter
positivo (dever de todos os estados partes de tomar medida
eficazes para revisar políticas governamentais nacionais e
locais; rescindir ou anular leis que perpetuem a discriminação
racial; dever de todos os Estados partes declarar ilegais e puníveis
os atos de disseminação e incitação a discriminação racial,
tais como: aperfeiçoamento do ordenamento jurídico interno para
fins de proteção legal e judicial contra a discriminação
racial; o aprimoramento de políticas públicas para a erradicação
das práticas discriminatórias.
A
partir da Declaração Universal de 1948, multiplicaram-se os
tratados “gerais” de direitos humanos, tais como: o Pacto de
Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, das Nações Unidas; os “regionais”, como
a Convenção Americana, a Convenção Européia e a Carta
Africana de Direitos Humanos; e os “especializados”, voltados
para determinados setores ou aspectos especiais da proteção de
direitos humanos.
Nos
tratados especializados, há referências expressas a Declaração
Universal de 1948, que constam nos seus preâmbulos, tais como: na
Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial (1965), Convenção sobre a Eliminação de todas as formas
de Discriminação contra a Mulher (1979), Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989), Convenção sobre a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984).
Igualmente,
a Convenção Americana, A Européia, de Direitos Humanos e a
Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (1981), contém
referências expressas em seus preâmbulos à Declaração de
1948.
A
Declaração Universal é a fonte de inspiração e o ponto de
irradiação e convergência dos instrumentos de direitos humanos
a nível local e global. Sendo assim, os instrumentos globais e
regionais sobre os direitos humanos, inspirados e derivados da
mesma fonte, complementam-se, com o objetivo de garantir a maior e
mais eficaz proteção dos direitos humanos. Não há antagonismos
e sim complementaridade entre os diversos instrumentos
internacionais de proteção, com vistas à ampliação do âmbito
da proteção devida às vítimas de violações dos direitos
humanos. Foi neste sentido que a Convenção Americana de 1969
incluiu no seu preâmbulo referência aos princípios
“reafirmados e desenvolvidos em distintos instrumentos tanto de
âmbito universal como regional”.
A
multiplicação dos instrumentos é um reflexo do processo histórico
de generalização de proteção dos direitos humanos no plano
internacional. Neste sentido, outro aspecto importante deste
processo é a interação entre os vários instrumentos
internacionais de proteção, sejam as declarações, convenções
ou cartas constitutivas das organizações internacionais (OEA e
ONU) voltadas à observância dos direitos humanos. O uso do
direito internacional tem como objetivo ampliar e aperfeiçoar a
proteção dos direitos humanos.
Assim,
independentemente das posições dos Estados membros em relação
às Convenções e Tratados Internacionais sobre os Direitos
Humanos, as Declarações Universal e Americana, apesar de serem
instrumentos jurídicos tecnicamente não mandatórios, exercem
efeitos jurídicos sobre os Estados membros das Nações Unidas e
da OEA. A nível regional, a Comissão Americana opera em relação
aos Estados que não são partes na Convenção Americana, com
base na Declaração Americana.
Com
a entrada em vigor de diversos instrumentos, as Declarações
Universal e Americana não diminuíram de importância e nem
perderam o seu valor jurídico pois há estados que ainda não
ratificaram ou aderiram aos novos instrumentos.
Na
atual fase em que estamos vivendo, não se justifica mais fazer
distinção entre os direitos humanos, que devem ser invocados e
protegidos na sua totalidade. É a concepção integral dos
direitos humanos, que abarca os direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais. A evolução histórica dos direitos humanos
aponta nos sentido de acumular, expandir e interagir os direitos
individuais aos direitos sociais, através da natureza
complementar de todos os direitos humanos e da noção de
indivisibilidade dos direitos humanos. A visão de “gerações
de direitos” é a parte do passado, e deve ser abandonada pois
está ultrapassada, e corresponde a uma visão fragmentada de
direitos humanos
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