Apresentação
O
Direito Internacional dos Direitos Humanos nasce com um esforço
de reconstrução do valor da dignidade humana em resposta às
atrocidades cometidas ao longo da era Hitler. Se a barbárie da 2a
Guerra Mundial significou uma ruptura com o valor dos direitos
humanos, o Pós Guerra deveria significar sua reconstrução.
Neste
sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é
o marco do processo de universalização dos direitos humanos, na
medida em que objetivou consolidar um parâmetro ético
internacional que, transcendendo a diversidade cultural dos povos,
pudesse resguardar a dignidade humana.
Pautada
pela universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, a
Declaração de 1948 afirma que a dignidade é inerente a toda e
qualquer pessoa, como também reforça a concepção de que os
direitos humanos compõe uma unidade invisível, inter-relacionada
e interdependente, na qual os valores da igualdade e liberdade são
conjugados, inexistindo um sem a observância do outro. Introduz,
deste modo, a concepção contemporânea de direitos humanos, que
passa a iluminar todo o desenvolvimento da normativa internacional
de proteção destes direitos, seja no âmbito global (ONU), seja
nos âmbitos regionais (interamericano, europeu e africano). No
plano do Direito dos Direitos Humanos vige uma lógica e uma
principiologia próprias, fundadas na primazia da pessoa, do que
decorre o princípio da prevalência de uma norma mais benéfica
à proteção da vítima.
O
processo de internacionalização dos direitos humanos apresenta,
por sua vez, duas conseqüências fundamentais: a) a flexibilização
da soberania do Estado em prol do respeito aos direitos humanos e
b) a consolidação do indivíduo como sujeito de Direito
Internacional.
Na
América Latina, foi a partir do processo de democratização na
região que se iniciou o processo de incorporação dos mais
relevantes tratados de direitos humanos. Vale dizer, com a
democratização há um movimento de reinserção dos países
latino-americanos no contexto da sistemática internacional de
proteção dos direitos humanos. Se a Democracia permitiu o
fortalecimento da gramática de direitos humanos, o reforço do
regime de proteção dos direitos também permitiu o
fortalecimento da dinâmica democrática.
Na
experiência brasileira, somente a partir da Constituição
Federal de 1988 – marco jurídico da transição democrática e
da institucionalização dos direitos humanos no país – é que
o Brasil ratificou os principais tratados de direitos humanos.
Estes
instrumentos internacionais têm um duplo impacto: perante as instâncias
nacionais e internacionais de proteção dos direitos humanos. Na
esfera nacional, há a interação do Direito Internacional e do
Direito Interno no tocante à proteção da pessoa humana.
Ressalte-se que a normativa internacional só é aplicável no
sentido de estender, aprimorar e fortalecer o grau de proteção
dos direitos humanos no âmbito interno. Logo, expande-se o regime
de proteção de direitos humanos no plano interno, mediante a
prevalência da norma que melhor e mais eficazmente proteger os
direitos humanos.
Este
processo aponta à redefinição da cidadania no Brasil, que,
ampliada, passa a integrar direitos humanos nacionais e
internacionais, em constante dinâmica de interação, inspirada
na primazia da pessoa. Contudo, este processo de alargamento da
cidadania está condicionado ao desafio da transformação da
cultura jurídica tradicional, a fim de que seja capaz de
introjetar estes novos paradigmas de proteção da dignidade
humana.
Daí
a absoluta importância deste Manual
para a Aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos
no Direito Brasileiro, organizado pelo Centro de Justiça e o
Direito Internacional (CEJIL). Nele delineia-se a estrutura do
sistema internacional de proteção aos direitos humanos, com ênfase
na aplicação e implementação dos intrumentos internacionais no
Direito Brasileiro.
Este
Manual simboliza, sobretudo, um estímulo e um convite a reinvenção
da prática jurídica nacional, para que seja pautada pelo
paradigma da prevalência dos direitos humanos, sob enfoque
contemporâneo da interação do Direito Internacional e do
Direito Interno.
Cabe,
portanto, à advocacia dos direitos humanos potencializar estas
estratégias inovadoras para a defesa, promoção e proteção dos
direitos humanos no Brasil, com a crença de que os direitos
humanos constituem a plataforma emancipatória de nosso tempo,
voltada a revitalização e ao resgate da dignidade humana.
Flávia
Piovesan, Procuradora do Estado, Coordenadora do Grupo de Trabalho
de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo,
professora de Direito Constitucional e de Direitos Humanos da
PUC/SP, doutora em Direito Constitucional, visiting fellow do
Humans Rights Program da Harvard Law Scholl (1995), membro da
Comissão Justiça e Paz e membro do CLADEM (Comitê Latino
Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher).
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