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O Brasil e a Luta Anti-Imperialista
(Nacionalismo nos países subdesenvolvidos)
Discurso pronunciado da Tribuna da Câmara, nas sessões extraordinária e ordinária de 12 de fevereiro de 1960.

Deputado DJALMA MARANHÃO

Sr. Presidente, Srs. Deputados, trazemos para esta tribuna, nesta hora tão difícil para os destinos do Brasil, o debate de problemas, que consideramos fundamental que é da luta anti-imperialista.

Se nos voltarmos para o passado, vamos encontrar nas épocas mais remotas a presença de brasileiros lutando duramente, bravamente, contra a dominação e, principalmente, contra a exploração estrangeira. A luta de Tiradentes não foi mais nem menos do que a batalha contra a pressão, a usurpação e, poderíamos mesmo dizer, contra o roubo pelas taxas excessivas cobradas aos mineradores das Minas Gerais. Não é por acaso que Tiradentes, nos dias atuais, é o patrono do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional. Todos aqueles que se interessam pelos problemas da libertação nacional verificam, no exemplo de Tiradentes, que a melhor maneira de lutar contra a opressão é organizar o povo. Tiradentes foi o primeiro organizador do povo brasileiro, na sua luta pela emancipação do País.

De exemplo em exemplo, chegaríamos também até aos heróis de 1817; e, lá no meu estado, naquela pequena nesga de terra encravada no Atlântico Sul, que é o Rio Grande do Norte, teríamos o exemplo de frei Miguelinho que, na hora decisiva do seu julgamento, quando procuravam salvar-lhe a vida, assumia atitude condizente com a essência da luta em que se engajara e recusava uma burla para receber o perdão, confirmando a sua participação naquele grande movimento libertário com aquela comprovação de que já no seu nome – Castro – faltava à última letra.

Mas nessas manifestações, depois do grande exemplo de Tiradentes, vêm-nos o do Marechal de Ferro – Floriano Peixoto. Quanta falta nos está fazendo um homem da sua têmpera, para repetir aquela famosa frase de que “receberia à bala” a esquadra inglesa, se tentasse desembarcar no Porto do Rio de Janeiro!

Encontramo-nos hoje perante um Brasil humilhado, um País subjugado que quase não reage, e cujas manifestações se perdem no eco longínquo das manifestações das ruas. O exemplo do Marechal de Ferro, entretanto, perdura, e temos a esperança e a impressão de que, dentro em breve, marcharemos para uma luta mais dura, mais tenaz, mais patriótica, visando libertar o Brasil da tutela imperialista.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, nessa marcha através dos tempos, poderíamos atingir àquele episódio que foi o máximo divisor de águas da vida política nacional, a Revolução de 1930.

O sonho alcandorado dos tenentes de 23 e de 24, daqueles jovens que penetraram no Brasil, realizou, antes da Belém-Brasília, a Grande Marcha de integração nacional, (muito bem) percorrendo a selva, afrontando todos os sacrifícios, inclusive as maiores distâncias deste imenso País. Lavaram eles portanto, a todos os rincões altiva mensagem de esperança e confiança nos destinos da Pátria.

Chegamos a 1930. Entretanto, se não fosse um fator de ordem econômica, se não fosse o craque da Wall Street, se não fosse a derrocada do café, produto básico da economia nacional, se não fossem isto, os ideais daqueles bravos de 22 e 24 não se teriam transformados em realidade. Mas as condições psicológicas, aliadas às condições econômicas, tornaram a Revolução de 1930 vitoriosa. Nos dias presentes estamos vivendo aquelas mesmas condições. Se naquela hora se denunciava a corrupção, a desmoralização do voto e se lutava pelo voto secreto, hoje, estamos verificando que, na prática, o voto secreto não cumpriu sua verdadeira finalidade. Da mesma forma que antes de 1930, nos dias de hoje continua o eleitorado a ser manipulado e somente uma minoria, muita diminuta, tem condições de chegar a esta Casa, porque o voto continua ainda sob o controle das mesmas forças econômicas que dispunham do poder antes de 1930.

O Sr. Nelson Carneiro – Não acha V. Excia. que essa manipulação do voto se tornará muito maior, quando se converter em realidade o pretendido desejo de alguns de realizar eleições apenas uma vez em cada quadriênio ou quinquênio para todos os postos? Não será melhor que, em vez dessa tendência desdobrássemos e os multiplicássemos os pleitos? Todos os anos teríamos eleição; hoje, pleito para a Câmara Municipal; amanhã, para a Câmara Estadual; depois, para a Câmara Federal. Assim, esse poder econômico se irá diluindo evitando combinações e conchavos que desfiguram o sentido democrático que a eleição poderia ter.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Poderíamos fazer essa complementação através do voto do analfabeto. Dessa forma, não teria o poder econômico condições para comprar a consciência de todo um povo.

O Sr. Nelson Carneiro – Gostaríamos que V. Excia. enfrentasse o problema, sem querer desvia V. Excia. da linha de seu discurso, que a Câmara ouve com tanta atenção.

Desejava que V. Excia. focalizasse esse aspecto, para que se note que essa tendência que se pensa democrática...

O SR. DJALMA MARANHÃO – É antidemocrática.

O Sr. Nelson Carneiro - ... é profundamente antidemocrática, porque permite se multiplique essa peculiaridade das eleições brasileiras, quando se realizam eleições ao mesmo tempo para o campo federal e para o campo municipal. Assistimos, na abertura do envelope, um candidato, para determinado posto, da UDN; outro, para posto diferente, do PSD, um terceiro do PSP e um quarto do Partido Socialista. Afinal, o eleitor não pensa em nada. É apenas um resultado desse choque, dessas influências, quando, se fizéssemos apenas uma eleição municipal, aí se afirmaria a consciência partidária, que deve ser aquela que fortalece e que deve trazer a si a responsabilidade de fortalecer o sentido democrático do pleito. Noutra oportunidade, seria uma eleição estadual e na terceira, uma eleição federal.

O SR. DJALMA MARANHÃO – V. Excia. tem razão. Isso evitaria a concentração do poder econômico em torno de uma só eleição, quando seriam monopolizados e reunidos todos os recursos.

O Sr. Corrêa da Costa – Lamento discordar do nobre Deputado Nelson Carneiro, S. Excia. fala em termos de um político privilegiado do Distrito Federal. O Rio de Janeiro não é o retrato do Brasil. V. Excia. sabe que as eleições se processam no interior brasileiro à custa dos partidos, que são obrigados a fornecer ao eleitor transporte e alimentação.

Imagine V. Excia. se Repetíssemos o pleito cada ano, como preconiza o nobre Deputado, não haveria partido que se mantivesse no País.

O Sr. Alves Macedo – Permita V. Excia. uma aparte.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Com satisfação.

O Sr. Alves Macedo – Não acredita V. Excia. que nas condições atuais de processamento a democracia brasileira não seria uma temeridade estender ao analfabeto direito integral de votar para os cargos de esfera municipal, estadual e federal, especialmente se V. Excia. considerar que o Governo vem controlando os instrumentos de propaganda, os instrumentos de orientação da opinião, notadamente aqueles que vão diretamente à consciência do analfabeto. Isto é, a televisão e o rádio? Bem sabe V. Excia. que o analfabeto não pode saber dos acontecimentos políticos através da imprensa escrita; só poderia tomar conhecimento deles por meio da imprensa falada ou da televisão. Daí entender eu que nas condições atuais com o nosso Governo reacionário que se opõe terminantemente a abrir a imprensa escrita e falada às oposições, não teríamos condições de orientar a opinião pública no sentido de exercer plenamente a democracia no País.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Evidentemente V. Excia., em aparte, também tem razão. Entretanto na mesma hora em que lutamos pelo voto do analfabeto, também deveremos lutar pela libertação do rádio. Mas não podemos deixar à margem o analfabeto que contribui, da mesma maneira que o alfabetizado, para o engrandecimento, a riqueza e o progresso da Nação. O analfabeto não pode ficar relegado, porque, se ele trabalha pelo País, deverá ter o direito de ajudar a eleger os seus representantes.

O Sr. Nelson Carneiro – Apenas para consignar, com muita alegria, que no discurso de V. Excia. vai figurar, em primeira manifestação pública, a “bossa nova” da UDN, através da palavra e da intervenção, sempre brilhante, do nobre Deputado Alves de Macedo.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Meu caro deputado Nelson Carneiro, um dos capítulos do nosso discurso é justamente sobre a “bossa nova”. Não sabemos se, dentro do Expediente, poderemos chegar o nosso raciocínio até lá, e dar a interpretação da luta anti-imperialista, em relação aquilo que se chama “a bossa nova”.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, passada a fase de 30 houve no Brasil e no mundo conseqüências do que estava acontecendo em todos os horizontes e em todos os continentes – a formação das grandes correntes ideológicas, isto é, a divisão entre esquerda e direita.

Aqui tivemos duas definidas organizações, que interessaram de perto, principalmente à classe operária e à estudantil: a Aliança Nacional Libertadora e a Ação Integralista Brasileira. Foram esses os dois maiores movimentos de opiniões que já se verificaram no País.

A Aliança Nacional Libertadora, sob a inspiração do Sr. Luiz Carlos Prestes, e a Ação Integralista Brasileira, dirigida pelo Sr. Plínio Salgado. E a juventude deste País se dividiu, se bifurcou nessas duas grandes e largas estradas, aqueles que não participaram desses dois movimentos ficaram à margem da vida nacional. Certas ou erradas, aliancistas e integralista, ambas as correntes tinham uma mensagem e transmitir às novas gerações, e levar ao povo.

Verificaram-se, então, as primeiras grandes lutas populares nacionalistas, as primeiras manifestações realmente anti-imperialistas. Foi o brado da Aliança Nacional Libertadora que despertou no povo o desejo de lutar. E ainda nos recordamos da primeira e memorável campanha contra a Light. Foram os integralistas, através do livro de Gustavo Barroso – em que se dizia que o Brasil era uma colônia de banqueiros – que também incutiram na mocidade o desejo de lutar contra a hipertrofia do capital, contra os exploradores do povo, contra os gananciosos, contra aqueles que vivem do suor de seus semelhantes.

Mas, o Sr. Presidente, esses dois marcantes movimentos de opinião pública tiveram o seu fim na noite trágica do Estado Novo. Quando mergulhamos nos subterrâneos do Estado Novo, desapareceu completamente, neste País, aquilo que se chamava opinião pública. E toda uma geração não pode plasmar o seu desenvolvimento dentro dos ideais da democracia. A opinião passou a ser dirigida, orientada e comandada. O Brasil, naquela hora, naquele instante passava a figurar na órbita dos países totalitários. Era a grande hora do eixo Roma-Berlim-Tóquio, quando o mundo estarrecido ouvia Hitler anunciar que suas divisões blindadas, de País em País, marchavam para dominar o mundo. Mussolini, do Palácio Veneza, em Roma, fazia ameaças. Era a hora das grandes decisões.

Sr. Presidente Srs. Deputados, simultaneamente também tomava corpo no mundo outra luta, de essência mais popular e democrática, através da formação de Frentes Populares, que tiveram seu apogeu e seus dias maiores na França e na Espanha; e uma derrota na Espanha possibilitou que o regime fascista do General Franco ali se perpetuasse.

Quando o mundo marchou para a guerra, quando todas as forças, todas as últimas reservas democráticas do mundo forma mobilizadas, o Brasil também esteve presente e soube colocar em sua posição foi a hora de grande luta da libertação dos povos, daqueles que não se queriam submeter à tirania totalitária. Combatemos nos mares do Atlântico, nos céus da Itália e nos contra-fortes de Monte Castelo. Tivemos então aquelas epopéias memoráveis. Von Rommel avançava pelos desertos africanos e somente foi detido às portas de Alexandria pelas forças de Montgomery. Nós no Brasil, sobretudo nós do Nordeste, lá em Natal, sentimos de perto as ameaças da guerra, nas noites de blackout, com os holofotes cruzando os céus como se anunciassem a presença de aviões inimigos, ou indicassem ataques de submarinos nazistas que infestavam os nossos mares. Houve então no Brasil uma concentração de opinião pública, e o Governo redemocratizou-se, reencontrou-se com os grandes destinos libertários do Brasil.

Tivemos, entretanto, naquela fase grandes momentos de angústia e de depressão. Nos instantes agudos, quando ameaçavam ruir as defesas de Stalingrado, o mundo todo estremecia na expectativa do domínio de Hitler; na hora amarga de Pearl Harbour, quando os japoneses, traiçoeiramente, quase aniquilavam o poder naval norte-americano no Pacífico, estremecia no Brasil o mesmo impulso de revolta, o mesmo desejo de revanche observado em todos os quadrantes do mundo. Mas, a bandeira da Democracia, mantinha-se firme, nas mãos serenas de Franklin Roosevelt.

Sr. Presidente, esta luta de libertação dos povos foi vitoriosa e nós então marchamos no Brasil para a grande campanha da redemocratização nacional. E ainda está na memória de todos nós a famosa entrevista de José Américo, no Correio da Manhã, o grito de José Américo alertando e quebrando as comportas, e arrebentando a censura do Estado Novo, e levando para o povo novas palavras, novas mensagens.

Tivemos, naquela mesma época, o Manifesto dos Mineiros, outro movimento eminentemente democrático de repercussão na alma nacional. E não poderíamos deixar também de recapitular, relembrar a posição dos estudantes através dos seus órgãos de classe. Foram os estudantes de ontem e hoje homens públicos deste País que deram contribuição das mais puras para esse clima em que hoje vivemos.

Depois do embate da redemocratização, instalada a Assembléia Constituinte, voltamos à mesma luta anti-imperialista, porque é uma constante do povo brasileiro a luta anti-imperialista. Sofremos na nossa própria carne e sentimos a necessidade de levar esse País par diante, e não há outro caminho, não há outra orientação. Não é esta guitarra de imprimir dinheiro que o Presidente Juscelino Kubischek faz funcionar diariamente, diuturnamente, o maior mal. Não. Isto prejudica muito pouco em relação à opressão imperialista ao Brasil.

Não é a construção de Brasília que levará o Brasil à derrocada. O que vai levar o Brasil à falência é a pressão, a subjugação imperialista, a nossa dependência econômica às forças de capital monopolizadas.
Esta é que é a grande luta do povo brasileiro. E nós só poderemos alcançar a etapa de industrialização do País e a abolição do analfabetismo quando anularmos a pressão econômica imperialista em nossa Pátria.

Sr. Presidente, a grande manifestação da luta anti-imperialista no Brasil foi a campanha do “o petróleo é nosso”. Essa campanha nasceu com Monteiro Lobato que lutou por todos os meios, foi injuriado, perseguido e penetrou na história do Brasil como o homem que legou seu nome às gerações vindouras e deixou um marco na memorável luta pelo petróleo. E chegamos então à fase em que nesta Casa se discutia o destino da política petrolífera nacional, quando o General Juarez Távora no Ministério da Agricultura e o então Deputado Odilon Braga preparou aquele famoso estatuto do petróleo, que passou a ser denominado pelas forças nacionalistas do Brasil, como “o estatuto entreguista do Petróleo”. Foi para o povo que apelamos. Se isso não tivesse acontecido, a Câmara teria aprovado o “estatuto entreguista do petróleo”. Era o início da memorável luta da Petrobrás.

E aqui precisamos fazer uma grande referência a duas ilustres personalidades, ao ex-Presidente Arthur Bernardes, que encarnou naquela hora os sentimentos mais dignos do nosso povo e ao General Horta Barbosa que reviveu nos galões de sua farda todas as glórias nacionalistas do nosso Exército. Arthur Bernardes e Horta Barbosa, foram grandes comandantes, grandes chefes de uma grande campanha. E neste País, de Norte a Sul, nós nos encontrávamos naquelas caravanas, naqueles congressos, naqueles conclaves, naqueles debates, explicando ao povo, expondo ao povo, mostrando ao povo que o petróleo nos pertencia. E, da mesma maneira que a Standard Oil havia comandado a luta contra Monteiro Lobato, sob a afirmação de que no subsolo brasileiro não havia petróleo, passou, então a outra campanha; foi muito duro rebater a propaganda de que somente com o capital estrangeiro poderíamos explorar o nosso ouro negro, de que precisávamos da inversão de um capital muito grande, de um imenso capital; foi árduo explicar ao nosso povo que os nosso técnicos, que os nosso recursos, que o nosso dinheiro dava para explorar o nosso petróleo, porque da mesma maneira que o nordestino perfura o solo com suas sondas à procura de água para beber, também em outros rincões poderiam as sondas penetrar o solo em busca de ouro negro. Não havia nenhum mistério na exploração do petróleo.

Hoje, a Petrobrás é esta realidade atuante, de que ninguém se atreve a duvidar. É uma das dez maiores companhias petrolíferas do mundo. Mas custou muito suor, muita luta e, poderíamos dizer, muito sangue do nosso povo.
A batalha da Petrobrás foi árdua, mas ainda não terminou e não vai terminar. Já sentimos isso. Nesta casa mesmo já foi denunciado que as forças imperialistas querem torpedear a Petrobrás; primeiro, através do Acordo de Roboré, com as suas notas reversíveis, que o ilustre Deputado Gabriel Passos, mais de uma vez, desta mesma tribuna, tem explanado com tanta clareza e patriotismo, principalmente com patriotismo, pois nesta hora estamos precisando de patriotismo. Precisamos lançar mão das últimas reservas patrióticas de nosso povo, que não quer viver subjugado às forças imperialistas.

A luta da Petrobrás, Sr. Presidente, serviu para demonstrar que uma campanha popular, feita com alma, sentida pelo povo, mobiliza um País, empolga uma Nação, interessa a toda uma geração. A campanha da Petrobrás, realmente galvanizou o povo, e hoje, apesar de todas as ameaças, apesar da presença do Coronel Sardenberg, que não está inspirando a total confiança das forças nacionalistas, apesar de tudo, a Petrobrás continua ainda intocável. No dia em que as Forças Armadas e o povo deste País sentirem que as garras aduncas dos imperialistas estão fincadas na Petrobrás, infelizes daqueles que estiverem do outro lado. A luta pela Petrobrás vai continuar a servir o marco, de anteparo, de exemplo a outras grandes lutas nacionalistas.

Nessa campanha anti-imperialista precisamos, antes de tudo, olhar a industrialização do País. Não se faz luta anti-imperialista sem desejar chegar à industrialização. Um País agrícola é sempre um País subdesenvolvido, um País dependente, um país produtor de matéria-prima para os países industrializados. É o caso do Brasil, País subdesenvolvido, que produz matéria-prima para os países industrializados.

Temos atualmente, alguns marcos que demonstram o início de nossa industrialização. Volta Redonda é o marco primeiro. Sabemos como conseguimos Volta Redonda, passo inicial da nossa industrialização. Foi na época da guerra, em que a Alemanha, a Itália e o Japão ameaçavam destruir os centros vitais da indústria aliada, inclusive norte-americana, que os Estados Unidos, no entrosamento da defesa comum de uma causa que era comum às forças aliadas, permitiram que, em alguns países subdesenvolvidos, como o Brasil, o Chile e outros da América do Sul, se começasse a etapa da industrialização, da indústria pesada. E surgiu Volta Redonda em conseqüência da guerra, como decorrência da Segunda Grande Guerra.

Mas, Sr. Presidente, vimos, nesta hora, um falso desenvolvimento industrial no País. Será, porventura, nacional, brasileira, a indústria automobilística? Sabemos que não. A Willis Overland é empresa estrangeira, a General Motors também não é do Brasil, apesar de ser General Motors do Brasil; a Mercedes Benz também não é brasileira. Essas empresas estrangeiras, que adotam, muitas vezes, nomes nacionais, aqui se instalam par, aproveitando o grande mercado consumidor brasileiro – somos, inegavelmente, no mundo civilizado, um dos grandes, um dos maiores mercados consumidores – produzir no Brasil e vender aos brasileiros, ganhando os nossos minguados cruzeiros, por aquilo que eles estavam mandando de lá para aqui, porque é mais fácil produzir aqui e transferir os lucros para o exterior. É muito mais prático.

Na realidade, continuamos nesta sangria, como se do organismo nacional estivesse permanentemente pingando uma gota de sangue. As nossas energias vão-se esvaindo, vão diminuindo, e o País vai empobrecendo, apesar do ritmo acelerado de progresso que encontramos em todos os campos da atividade nacional.

Nenhum governo faz este País ir para trás, nenhum governo é capaz de deter a marcha progressista do Brasil. A Nação avança, apesar da exploração, apesar de tudo. Imaginemos, Sr. Presidente, se o País não sofresse essa espoliação, em que ponto nos encontraríamos hoje, se todas as nossas reservas, os nossos lucros, as nossas fabulosas energias fossem manipuladas em proveito da Nação, em favor do povo. Seríamos, inegavelmente, uma das cinco maiores potências do mundo.

O Sr. Campos Vergal – Toda a Casa está ouvindo com grande interesse o magnífico discurso de Vossa Excelência. Creia V. Excia. que também participei vivamente daquela luta gloriosa do “O Petróleo é Nosso”, e a imprensa reacionário-obscurantista classificou-me, inúmeras vezes, de comunista, por essa minha atitude. Congratulo-me efusivamente com V. Excia. por prestar duas grandes homenagens, uma a Monteiro Lobato, que conheci pessoalmente e com o qual mantive sempre sinceras ligações de amizade, e outra ao grande brasileiro Artur Bernardes. Continuamos na mesma linha de luta. Vejo em V. Excia. a manifestação do brasileiro que confia plenamente nos altos destinos da nossa Pátria e do nosso povo. Acredito, todavia, que não constitui erro para nós outros, no campo da economia, a vinda de capitais estrangeiros para o Brasil. Temos de iniciar com alguma coisa. Refere-se, entretanto, V. Excia. com muita oportunidade e inteligência, a necessidade que temos, impreterível, inexorável, de evitar a sangria das nossas economias, todas elas transferidas para os países capitalistas estrangeiros. O de que necessitamos, inegavelmente, é que esses lucros, essas grandes vantagens, não sejam devolvidas àqueles países, mas fiquem no Brasil. Devemos abrir os braços a todos os estrangeiros, como sempre o fizemos, que desejam colaborar conosco, viver uma existência inteligente conosco. Permitir, porém, a evasão desses lucros, dessas vantagens, desses ganhos, constitui suicídio para a Nação brasileira.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Não somos contra o estrangeiro. Somos contra o capital estrangeiro no seu aspecto colonial. Mas adiante, no capítulo em que examinamos o problema da remessa de lucros, motivo de projeto de autoria do ilustre deputado Sérgio Magalhães que ora preside os trabalhos, focalizamos este assunto.

O Sr. Jacob Franz – Permite Vossa Excelência um aparte?

O SR. DJALMA MARANHÃO – Com satisfação.

O Sr. Jacob Franz – Nobre Deputado Djalma Maranhão, aproveito o ensejo do aparte do eminente Deputado paulista para dizer a V. Excia. que nossa restrição ao capital estrangeiro é ao capital que vem para o nosso País em forma de investimento direto, entra e não se incorpora ao patrimônio nacional; permanece estrangeiro, drenando, indefinidamente, seus lucros para o exterior. Apoiamos a vinda do capital estrangeiro com empréstimo ao elemento nativo, ou então, de governo para governo. Exatamente o que aconteceu com Volta Redonda, construída à base de empréstimos estrangeiros. Uma vez indenizado aquele capital, o que dele se originou, o que com ele foi construído, incorporou-se ao patrimônio nacional...

O SR. DJALMA MARANHÃO – Perfeitamente. V. Excia. tem toda razão.

O Sr. Jacob Franz - ... passou a ser patrimônio do povo brasileiro, o que não ocorre com os outros capitais, que conduzidos por mãos esnando, indefinidamente, para fora, os lucros obtidos. Isso representa uma verdadeira, gritante, enorme descapitalização. Observamos, então, um aspecto curioso: enquanto temos a impressão de uma grande riqueza nacional, pelo desenvolvimento desse parque industrial que ai está, notamos o povo vivendo em extrema pobreza. Esse é grave problema nosso. Como disse, ontem, num aparte ao Deputado Oscar Correa, de 47 a 56 a nossa balança comercial apresentou um saldo positivo de cerca de dois bilhões de dólares. No entanto, nobre Deputado Djalma Maranhão, nesse mesmo período, segundo dados da SUMOC, milhões de dólares, de mais de três bilhões, o que representa uma média anual de quase 350 milhões de dólares. Como vê V. Excia. todo o esforço nacional, tudo aquilo que produzimos em matérias-primas, e que exportamos, vai servir tão-somente para pagarmos os lucros auferidos pelo capital estrangeiro. V. Excia. está fazendo um brilhante e atualizado discurso. Hipoteco a V. Excia. meu integral apoio.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Muito grato a V. Excia.

Depois de passarmos, rapidamente, pela fase da industrialização no campo da libertação nacional e da luta anti-imperialista, não poderíamos esquecer o problema da reforma agrária.

Não se faz luta anti-imperialista sem antes se realizar a reforma agrária. Nosso País, com sua vasta área está a exigir uma política agrária e, nesse sentido, diversos trabalhos já foram apresentados a esta Casa. Entre outros podemos citar o de Coutinho Cavalcanti e o de Emanuel Almeida, Passos Pôrto, subsídios magníficos para que o Parlamento, siga uma diretriz a respeito.

Sr. Presidente as condições do nosso homem do campo, nos sertões brasileiros, no extremo Norte, no Nordeste, em Minas gerais, enfim em qualquer parte do interior, são as piores possíveis, inferiores mesmo às em que vivem os habitantes das mais infectas cubatas africanas.

O nosso homem do campo não desfruta daquele mínimo conforto que exige a dignidade humana. Sua situação é de miséria, de pauperismo, de completo abandono. Não pode continuar a Nação com os olhos voltados apenas para as grandes cidades, para a orla marítima. Já se disse, mesmo que somos um povo com vocação para caranguejo, porque vivemos arranhando a praia. Torna-se mister volvamos nossa atenção para o interior, para o sertão, para o caboclo perdido e abandonado do nosso hinterland.

A luta anti-imperialista exige, paralelamente à campanha da industrialização, a grande campanha pela reforma agrária. Os projetos neste sentido que se encontram nesta Casa devem merecer de todos os Srs. Deputados acurado exame, porque somente assim poderemos encontrar melhores dias para este povo.

O Sr. Arno Arnt – Permita-me. Existem nesta Casa dezenas de projetos que pretendem reformular a política agrária brasileira. E, para felicidade nossa, uns quantos desses projetos querem antes de mais nada que haja um certo cadastramento da propriedade no Brasil. Sr. Deputado Djalma Maranhão, nem isto os Estados brasileiros possuem. Vou dar um exemplo a V. Excia., que se pode multiplicar por vinte e tanto, tantos quantos são os Estados mais os territórios. Pode-se até adaptar ao Distrito Federal. Há no Brasil milhares, dezenas de milhares de lotes que não estão regularizados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, Estados com a formulação agrária mais sólida do Brasil, existem mais de 40 mil propriedades nas mãos de homens que estão produzindo, porém sem serem legalizados, há 10, 15 ou 20 anos. E esse Distrito Federal, do qual o Brasil já se ufanou tanto, possui milhares de lotes que até hoje não foram regularizados em cartório. Nobre Deputado, a Secretaria de Agricultura do rio Grande do Sul, de março a dezembro deste ano, regularizou 2.100 títulos de propriedade e pretende, no ano de 1960, regularizar 18.000 títulos de propriedade. Veja V. Excia dentro do Rio Grande do Sul, aquela propriedade que é cognominada de posse, dos que estão lá trabalhando, ainda o brasileiro não teve a coragem e a compostura moral de entregar legalmente aos brasileiros que a estão cultivando há dezenas de anos. Nobre Deputado nesta hora em que V. Excia. começa a falar em reformulação agrária, é necessário que tenhamos cautela e que, em primeiro lugar, o brasileiro seja homem para retalhar o seu solo de maneira lógica de maneira racional e não fazê-lo como o fez neste passado bem próximo da década dos 20, dos 30 e dos 40 deste século.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Estou de acordo com V. Excia. de maneira geral. Entretanto, num detalhe não concordo. É quando V. Excia. diz que precisamos de cautela. Somos de opinião que precisamos é de audácia para realizar a reforma agrária. A reforma agrária precisa de muita audácia, sempre audácia, mais audácia.

O Sr. Jacob Franz – Nobre Deputado, quando se fala em reforma agrária, neste nosso País, que dispõe de imensa área territorial, não pretendemos, certamente, tratar apenas da divisão da terra. Existem outros fatores, da máxima importância, relacionados com o problema. São, por exemplo, aqueles que poderíamos chamar de ranços de produção semifeudais, que existem por este Brasil afora, na nossa região – o Nordeste – com especialidade. V. Excia. conhece perfeitamente o regime da meação. Sabe que o agricultor nordestino, na sua maioria, trabalha em regime de meia. Quais as conseqüências desse regime? É que inúmeras famílias, residentes em determinada propriedade, trabalhando em regime de meia, entregam no fim do ano a metade da sua produção ao proprietário, ficando apenas com a metade do seu esforço. Quando lhe faltam os financiamentos necessários para ocorrer as despesas do seu trabalho e da sua própria manutenção, no período inicial de inverno, além de meeiro, comercia a sua produção em perspectiva pela metade do preço. Então: entrega metade de seu esforço ao proprietário ficando com 50% apenas destes 50% ainda sacrifica a metade pelo regime de venda na folha. Resultado: o homem, produzindo determinado volume, no final das contas fica apenas com 25% de todo o esforço por ele produzido. Deste modo, nobre Deputado, a reforma agrária não envolve apenas aquilo que se poderia chamar a divisão de terras, mas a eliminação, ou seja a reformulação de toda uma estrutura agrária danosa, maléfica, que existe neste País. Este o aparte que eu queira dar a V. Excia., como uma espécie de resposta à intervenção do Deputado Arno Arnt, do Rio Grande do Sul.

O SR. PRESIDENTE – (Sérgio Magalhães, 1º Vice) Comunico ao nobre orador que dispõe de apenas quatro minutos para terminar a sua oração.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Sr. Presidente, em conseqüência dos inúmeros e honrosos apartes ao meu discurso, não foi possível terminá-lo. Nestas condições eu solicitaria que me informasse se existe algum orador inscrito para a parte final do Grande Expediente desta sessão.

SR. PRESIDENTE - (Sérgio Magalhães, 1º Vice) – Comunico ao eminente orador que a sessão se iniciou às 10h30m, em virtude da falta de número necessário. Assim, tivemos de descontar o tempo de atraso do período destinado ao Expediente. Coube, dessa maneira, ocupar o tempo um único orador, que foi V. Excia. Desta forma esgotou-se o tempo para o Expediente e devemos passar à Ordem do Dia.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Sr. Presidente, ao encerrarmos a primeira parte deste discurso, solicitaria à Mesa que nos inscrevesse com orador do Grande Expediente da primeira sessão extraordinária que se realizar nesta Casa, para concluir o discurso iniciado nesta reunião – (Muito bem; muito bem. Palmas; O Orador é cumprimentado).

O SR. DJALMA MARANHÃO:
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na sessão extraordinária realizada na manhã de hoje tivemos oportunidade de iniciar este discurso que esperamos concluir na presente reunião, abordando justamente o problema da luta anti-imperialista no Brasil. Fizemos, inicialmente, recapitulação das lutas nativistas e chegamos até 1930, no grande divisor de águas que marcou a revolução de outubro; estávamos no capítulo referente à reforma agrária quando tivemos de interromper a nossa digressão.

Para apoiar e reforçar o nosso ponto de vista, trazemos à tribuna, em relação ao Brasil, o exemplo da China. Até há bem pouco tempo, conhecíamos a situação deplorável em que se encontrava a grande nação asiática. Quando se falava naquele país era para se aludir aos seus falsos negócios, às suas grandes negociatas; eram os generais corruptos vendendo armamento aos adversários. Quando se mencionava a China era para comentar os atos desabonadores dos governadores de suas províncias, que faziam do governo trampolim para as maiores insensatezes administrativas a se registrar; quando se falava na China, era para destacar a miséria do seu povo, milhões de crianças morrendo de fome, milhões de pessoas vivendo sem habitação. A China era um exemplo de degradação. Naquele País, a inflação havia atingido a um nível tão alto que víamos no cinema pessoas carregando dinheiro em carrinhos, porque a desvalorização do papel moeda havia chegado a um ponto nunca antes conhecido em parte alguma do mundo. A China era, portanto, um país infeliz, um país esquecido, onde o povo passava fome e onde o analfabetismo alcançava um ano dos mais graves. De dez anos para cá, entretanto, a China se transformou numa das maiores potências do mundo e se as condições dela eram tão parecidas com as do Brasil, pela sua vastidão territorial, pela sua população, ela, como o Brasil tinha condições magnificas de se recuperar, de dar um salto adiante e atingir a larga estrada do progresso, que realmente atingiu. Se nós colocamos o exemplo da China paralelo ao Brasil, é porque sentimos que aqui também se encontram as melhores perspectivas, as melhores condições para transformarmos este País em um dos mais fabulosos do futuro. Possuímos condições intrínsecas, condições positivas e imagináveis para operar dentro de dez anos o milagre de nossa reformulação econômica e social, a exemplo do que fizeram os chineses. O que aconteceu na China foi realmente um milagre. Hoje não existem mais “negócios da China”. Quando desejamos exemplificar uma negociata, podemos dizer, são “negócios do Brasil”.

O Sr. Celso Blant – Sr. Deputado, em 1842 foi celebrado um convênio entre a China e os Estados Unidos, que previa o controle, dado à aduana chinesa pelos fiscais norte-americanos. Seis anos depois, tentou-se uma revolução com o fim de conseguir para a China o direito de fazer-se representar junto àquela fiscalização exercida em seu próprio território. Vê V. Excia. como estava asfixiada aquela potência. Outro convênio, com a Inglaterra, estendia o direito de fiscalização também à Inglaterra. Observe V. Excia. a situação em que se encontram os países que não se submetem àqueles outros que, embora apregoem não desejar vantagens, interesses, ajuda financeira, só fazem, de fato, escravizá-los. V. Excia. coloca muito bem o problema. Devemos proporcionar ao povo reais possibilidades de encontrar ele mesmo o caminho do progresso. Ninguém nos pode ajudar. O que as grandes potências fazem, de fato, é policiar, fiscalizar aqueles que desejam crescer.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Sabemos, e o povo começa a compreender e sentir isto – que é uma falsa ilusão a ajuda econômica e o auxílio estrangeiro aos países subdesenvolvidos. Chegaremos até esse ponto quando analisarmos esse capítulo.

Queremos dizer que hoje a China, no campo da pesca, tem a Segunda ou terceira frota pesqueira do mundo. Antes os mares, os golfos, as baías das costas da China pertenciam ao Japão. O Japão dominava o Oceano Pacífico e pescava os peixes, os cardumes de atum que quisesse. Hoje a China construiu sua própria frota pesqueira, que conta já com mais de 2 mil barcos e que é a Segunda ou terceira frota pesqueira do mundo.
E outros ramos de atividade, no campo agrícola, no setor da produção de cereais, na esfera industrial, em qualquer aspecto, inclusive a indústria pesada, a China já começa a competir e a superar mesmo as grandes nações capitalistas e a rivalizar também com as grandes nações socialistas.

Este um exemplo para o Brasil, exemplo de um povo milenarmente espoliado, de um povo secularmente oprimido, que resolveu tomar em suas próprias mãos seu destino, se recuperar e que nos dias de hoje, está impressionando o mundo. Todos aqueles que vêm da China trazem uma impressão nítida de um povo feliz, bem alimentado, que encontrou finalmente o caminho desejado.

Mas, Sr. Presidente, não precisávamos ir muito longe. Poderemos aqui também encontrar outros exemplos. Poderemos aqui na América Latina encontrar o exemplo de Cuba, país tão pequeno, diferente da China na sua expressão geográfica.

Cuba, que não representa na geografia continental, maior expressão, resolveu também tomar nas próprias mãos o seu destino, e hoje o povo cubano é respeitado, não recebe mais ordens do estrangeiro; o povo cubano sabe o que quer e o que pode fazer.

Foi, porém o Primeiro Ministro Fidel Castro, herói da resistência contra a ditadura sanguinolenta de Batista, herói da Sierra Maestra, quem soube, com tanta coragem, com tantos desprendimento, incutir no povo essa capacidade de resistência e fazer de Cuba de hoje um País líder das Américas, um País que já tem voz alta, voz firme, voz independente nos grandes conselhos internacionais. A pequena e heróica Republica de Cuba, nessa luta dos países subdesenvolvidos, nessa luta anti-imperialista, está convocando uma reunião par o próximo mês de julho. Então, poderíamos dizer que essa reunião de Cuba a realizar-se em julho, poderá ter para as Américas o mesmo efeito, não somente psicológico, mas principalmente econômico da reunião de Bandung, convocada na Ásia, para os povos do Oriente, para os países subdesenvolvidos daquela região. E aqui na América, o Brasil poderia ocupar aquela posição que a Índia ocupou; poderíamos reivindicar, se tivéssemos um grande Líder, para a nossa Pátria o comando e a liderança das Américas.

O Sr. Celso Blant – Permita-me. O problema, Sr. Deputado, não é de liderança. Seria um problema do Itamarati. Sabe V. Excia. que o Brasil, naturalmente, pelas suas condições políticas e econômicas, está à frente daqueles países subdesenvolvidos deste Continente que procuram seu próprio caminho. Mas o Brasil tem tido uma política internacional acadêmica, livresca, de palavras bonitas, de discursos bem proferidos.
O SR. DJALMA MARANHÃO – Essa política precisa ser reformulada.

O Sr. Celso Blant – Temos de modificar completamente essa política. Só, convidados para um congresso de países subdesenvolvidos, não vamos lá, quando nós é que deveríamos ter a iniciativa desse congresso, como pensar na liderança do movimento? Precisamos, em primeiro lugar, reconhecer que, país subdesenvolvido tem de reunir-se a países subdesenvolvidos. Temos apoiado politicamente os países de bases econômicas seguras, os países capitalistas, de economia avançada, como os Estados Unidos. Há que reformular a nossa política econômica, a nossa política internacional, dar objetividade a essa política. Não se trata de encontrar um líder, mas reconhecermos nós as nossas condições, de equacionarmos nossos problemas e nós mesmos encontrarmos as soluções. A liderança do continente do Brasil é uma decorrência de suas condições.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Os povos dos países subdesenvolvidos que compareceram à Conferência de Bandung, tiveram dois grandes líderes nas pessoas de Nehru e na de Sukarno. Eles, realmente naquela hora, representavam as aspirações dos seus povos. Os países subdesenvolvidos da Ásia passaram a ter autodeterminação, resolveram traçar o próprio caminho, escolher os horizontes do seu destino. Isso, entretanto, custou muitas lutas; não foi por acaso que Nehru e Sukarmo, facilmente, chegaram às posições em que se encontram; lutaram à frente do seu povo; lutaram em defesa do seu povo pelas suas grandes reivindicações.

Poderíamos, no entanto, dizer que, se o Presidente Juscelino desejasse encarnar as aspirações nativistas do povo brasileiro, devia, ir em pessoa, à Conferência de Cuba e, levantar a bandeira dos países subdesenvolvidos deste hemisfério.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, já se comenta e se murmura que a próxima visita do Presidente Eisenhower tem, como uma das finalidades precípua, colocar um dique, amortecer o impacto, diminuir o entusiasmo dos brasileiros na luta em favor dos países subdesenvolvidos.

Poderíamos antecipadamente comentar que o Presidente Eisenhower vem fazer algumas concessões no campo econômico. Possivelmente não haverá aquela pressão que se presumia em torno da Petrobrás para quebrar o monopólio estatal do petróleo. As forças imperialistas já compreenderam que é difícil, ou melhor, que é perigoso, que é perigosíssimo tocar nessa empresa.

A Petrobrás já está na consciência do povo, a Petrobrás está no coração do povo, a Petrobrás está no sangue do povo. Assim, modificar o monopólio estatal do petróleo seria arrastar este País a uma luta de proporções imprevisíveis. Às forças imperialistas não interessa esse método porque a elas não interessa abertamente, nem mesmo contra a pequena Nação cubana. A elas não interessa a luta armada, a luta com desembarque de marinheiros, com a presença do Exército. Essa fase de colonização já passou; hoje é a luta pelo domínio econômico, pelo financiamento, pela colocação dos homens-chaves nas posições-chaves. Por isso tocar na Petrobrás seria como tocar numa casa de marimbondos e levantar de armas na mão este País inteiro.

Então, o Presidente Eisenhower faria concessões em torno do monopólio estatal do petróleo, dentro de determinados compromissos para que o Brasil não participasse e não tomasse a sua grande posição histórica, que é a de líder continental na luta contra o subdesenvolvimento. Não podemos deixar que o Brasil perca sua grande oportunidade de liderar os povos sul-americanos.

Soou a hora da América Latina. É, portanto a hora psicológica para o Brasil. Se o Brasil se colocar à frente da Conferência de Cuba, se o Presidente Juscelino Kubtischek comparecer a Cuba e lá tiver uma posição atuante, forte, o Brasil, da mesma forma que a Índia, verá crescer sua posição no âmbito internacional. Entretanto, não iremos adotar essa posição. É triste, é vergonhoso dizer: as forças imperialistas, que corromperam o Brasil e que continuam dominando a nossa economia, não irão permitir a presença do Brasil na Conferência de Cuba. Melancolicamente, vai passar esta magnifica oportunidade de o Brasil surgir como Nação-líder no cenário mundial, como Nação-líder do continente, como Nação de posição definida frente aos grandes problemas sócio-econômicos do mundo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, há poucos instantes o nobre colega Celso Blant deu um aparte sobre o problema da reformulação da política externa do Brasil, ferindo um dos assuntos mais importantes deste País e que desejamos, mesmo rapidamente, abordar neste discurso. A atual política do Governo é arcaica, ultrapassada, não tem mais condições para possibilitar rendimento ao nosso País. Sabemos que não é somente o Ministério das relações Exteriores. É o Ministério da Fazenda, por onde circula a força econômica do País. É a política do Banco do Brasil, que apesar de ser do Brasil, está a serviço das firmas e empresas estrangeiras. No dia em que se realizar e fazermos desta Casa a denúncia – uma devassa no Banco do Brasil, iremos verificar que a quase totalidade dos seus financiamentos – 70%, 80%, 90%, não sabemos nem podemos aquilatar, mas podemos imaginar – é feita a empresas alienígenas, que vêm para o Brasil afirmando falsamente, tapeando a opinião pública, que trazem capitais para fazer o desenvolvimento econômico do nosso País, quando a verdade é bem outra.

Tenho um fato que serve de exemplo. Quando abordei desta tribuna o problema da defesa do algodão do chamado Grande Nordeste brasileiro, juntei um documento do Ministro da Fazenda, fornecido através do Banco do Brasil. Imaginem os Srs. Deputados, que 90 por cento do financiamento da safra de algodão de 1958 haviam sido destinados a duas firmas estrangeiras: Anderson Clayton Co. e a SANBRA.

O Sr. Salvador Losacco – V. Excia. se refere aí apenas ao setor do algodão. Também já denunciei desta Casa que, no mesmo ano de 1958, do total de financiamentos da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, 114 bilhões de cruzeiros, essas duas firmas, Anderson Clayton Co. e SANBRA, levaram 54 bilhões, ou seja, quase a metade de todos os financiamentos feitos no ano de 1958 por aquela Carteira. Verifica, então, V. Excia. que a penetração dessas duas firmas não é apenas no algodão, mas em toda a nossa economia que, aliás, hoje se encontra verdadeiramente estrangulada, porque nosso processo de desenvolvimento industrial, que deveria ficar nas mãos dos brasileiros, está sendo realizado, em virtude da Instrução 113 da SUMOC, em razão da discriminação de crédito do Banco do Brasil, por firmas estrangeiras, com o sacrifício do nosso povo. O mais grave, é que aquelas firmas nacionais, aquelas indústrias que há cinco anos pertenciam a brasileiros, acabaram caindo, uma a uma, nas mãos dos trustes internacionais, em virtude da instrução 113 da SUMOC.

Verificamos, agora, Sr. Deputado melancolicamente, que se em 1934 70 por cento da produção industrial eram feitos por firmas nacionais e 30 por cento por firmas ligadas aos trustes internacionais, hoje a posição se inverteu, ainda com grande desvantagem para a nossa economia: 90 por cento da produção industrial brasileira, hoje, pertencem às firmas industriais ligadas aos trustes internacionais. Se bem que algumas delas se denominem firmas nacionais, como a Fábrica de jipes Willys e outras, se disfarcem com diretores brasileiros natos, sabemos que elas, de fato, pertencem a trustes internacionais. Toda a indústria automobilística, com exceção da Fábrica Nacional de Motores, pertence às matrizes instaladas no estrangeiro. Nós apenas recebemos a tecnologia: nós apenas recebemos aqui a oportunidade de mais empregos para os nossos operários. Mas verificamos que o desenvolvimento industrial, da maneira como foi feito vai-nos obrigar a duas etapas: a encampação e a nacionalização dessas firmas industriais que se instalaram no País.

O Sr. Breno da Silveira – Permita-me rápido aparte. Estivemos juntos em Natal, para num grande esforço evitar o fechamento de mais uma indústria naquela Cidade. Duas indústrias das mais prósperas, que utilizavam o algodão do Seridó, foram fechadas – a Tecelagem Santa Maria e uma outra que encerrou suas atividades anteriormente.

O SR. DJALMA MARANHÃO – No Ceará, no Rio Grade do Norte e em Pernambuco, a indústria de tecidos está atravessando crise dramática e praticamente desapareceu, estrangulada pela falta de financiamento.

O Sr. Breno da Silveira – V. Excia. sabe que esses dois grupos – Anderson Clayton e SANBRA foram e são, os principais responsáveis por essa desgraçada situação do Nordeste.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Sr. Presidente, a luta anti-imperialista deve ser, neste instante, a grande bandeira do povo brasileiro, porque enquanto não nos libertamos da influência e da tutela econômica do estrangeiro, não poderemos pensar em melhorar as condições de vida do nosso povo. Não adiantam os projetos, por melhores que sejam votados nesta Casa. Enquanto o Brasil for um País dependente, seremos um povo pobre, um País de mendigos.

Sr. Presidente, o desenvolvimento nacional se confunde com a independência nacional. Se não fizermos esse desenvolvimento, não poderemos em instante algum, pensar na nossa independência, porque ela será fictícia, sem nenhuma consistência.

Poderíamos aqui adiantar que nenhum País do Mundo conseguiu o seu desenvolvimento econômico com a ajuda do capital estrangeiro. Nenhum País do Mundo, nem mesmo os Estados Unidos da América do Norte, na sua fase de independência, atingiu a sua emancipação econômica ajudado pelo capital estrangeiro. O pouco que vai para cada País se destina à produção de artigos manufaturados lá fora. Ele vem aqui para plantarmos café, para plantarmos algodão, para que depois então importemos todos aqueles produtos manufaturados que precisamos.

Este sentido da luta dos países subdesenvolvidos, e aqui poderemos citar, como exemplo, a Anderson Clayton & Cia, o grande truste internacional do algodão. Quando o truste de Anderson Clayton & Cia. Se implantou no Brasil – e quem o denunciou foi o grande patriota Agamenon Magalhães, então Ministro do Trabalho – não trouxe da América do Norte um real, um vintém, um tostão. Instalou-se no Brasil com saldos congelados de firmas americanas que haviam ganho dinheiro aqui no Brasil e que não haviam transferido seus lucros para a América do Norte. Dessa maneira instalada, está operando com o dinheiro do Banco do Brasil. É assim, pois, que o capital estrangeiro quer ajudar este infeliz País, este povo desesperado.

Sr. Presidente, para tudo, porém, há remédio e, da mesma maneira que o Egito soube se libertar, da mesma maneira que a Índia desfraldou a sua bandeira, da mesma maneira que Cuba, México, China, Iugoslávia encontraram o caminho da sua industrialização, o Brasil porá fim a esse descalabro.

O Sr. Mário Gomes – Nobre Deputado, estou ouvindo com muita atenção o discurso patriótico de V. Excia. Entretanto, precisamos mudar a mentalidade do povo brasileiro. Quando procuramos desenvolver este País criando indústrias eminentemente nacionais, há sempre uma onda daqueles que não acreditam nos brasileiros. Digo isso citando fatos concretos. Por exemplo, quando foi fundada a Companhia Siderúrgica Nacional, procurou-se por todos os meios e modos desacreditá-la. Na ocasião era eu diretor da Companhia e posso afirmar que tivemos dificuldades de toda a ordem porque as indústrias nacionais não queriam adquirir o aço de Volta Redonda. Fui obrigado a ir até a Argentina, durante o governo peronista, para trocar aço por trigo! A nossa indústria automobilística também tem sofrido críticas extraordinárias. Chegou-se a dizer neste plenário que os automóveis brasileiros iam ficar encalhados porque não havia mercado interno pra seu consumo. Pois, bem, aí está a indústria automobilística e aí estão as filas para comprar, até no câmbio negro carros nacionais. Estamos, até graças a Deus, exportando carros para outros países.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Grato a V. Excia.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Magalhães – 1º Vice) Comunico ao nobre orador que dispõe apenas de cinco minutos para terminar sua oração.

O Sr. CELSO BRANT – Temos um caso típico de intervenção do País estrangeiro em nossa economia no caso dos depósitos nacionais em bancos estrangeiros. Sabe V. Excia. que um desses bancos, First National bank of New York, em tempos passados, foi o motivo central de um intervenção dos Estados Unidos em Porto Rico. No Brasil esse Banco é o sétimo em depósitos, com 8 bilhões, que servem de financiamento a indústrias estrangeiras aqui sediadas. Veja V. Excia. que esse caso, realmente escandaloso, ainda tem defensores neste País. Ainda há dias, o Sr. Deputado Daniel Faraco disse que esses bancos tiram seus maiores lucros, não dos depósitos, mas do comércio de câmbio. Ora, se não é esse o motivo de maiores lucros, porque os bancos então não aceitam o que todos desejamos – uma legislação de nacionalização desses depósitos bancários? Veja V. Excia. como temos de trabalhar muito em defesa do nosso povo.

O SR. DJALMA MARANHÃO – Perfeitamente. Há nesta Casa alguns projetos que ajudariam muito esta luta anti-imperialista: o projeto de remessa de lucros para o estrangeiro o da reavaliação dos ativos de empresas estrangeiras e o da nacionalização dos depósitos bancários, de autoria dos Srs. Sérgio Magalhães e Temperani Pereira.

Ora, não sabemos porque os Partidos – UDN, PSD, PTB, todas as agremiações políticas – que vão procurar disputar o voto do povo não olha, em primeiro lugar, para o interesse do povo. Seria o caso, neste instante, de em regime de urgência, votarmos esses projetos, porque somente assim poderíamos ajudar a libertação nacional.

Entretanto, Sr. Presidente, vemos que a UDN, que é um Partido de oposição, que estava colocado numa posição cômoda, lançou, através de um grupo de elementos jovens, uma política que pitorescamente, denominaram de “bossa nova”. Não acreditamos, apesar de sinceramente desejarmos vá adiante, essa campanha, porque não é na cadência dolente dos sambas que haveremos de conquistar a independência econômica do Brasil. Precisamos acelerar e marchar, precisamos modificar o ritmo dos nossos passos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, finalizando este discurso, queremos reafirmar o que foi dito no início, isto é, que a luta é anti-imperialista, é contra as forças que oprimem o Brasil. A luta não é, contra o PSD nem contra a UDN, nem contra o PTB, mas contra aqueles que exploram o povo brasileiro, sugam as energias da nossa gente, aqueles que vivem dos “royalties”, vivem a fazer com que o Brasil seja um País dependente, um País atrasado, um País de analfabetos, um País infeliz. Desejamos um Brasil diferente e esperamos que dentro de 5 anos este País seja o quinto do mundo: Estados Unidos da América do Norte, União Soviética, China, Índia e Brasil.

Este é o nosso cominho, esta é a nossa missão, que não desejamos transferir aos nossos filhos, nem aos filhos dos nossos filhos; é a missão da nossa geração que aí está, cabe levar adiante, essa tarefa de libertar economicamente o Brasil. (Muito bem. Muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado).

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