Memória
Histórica Potiguar
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Cascudo,
Mestre do Folclore Brasileiro
Djalma
Maranhão
De
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Cultural
Sem
sair da Província
Volumes dedicados ao Folclore
No campo da Etnografia
História e Estória
Defesa da autenticidade popular
O Autor
O
Rio Grande do Norte mantém o seu Folclore
na legitimidade da expressão lúdica.
Prestigiado pela Administração
Municipal, desde a primeira época em
que fui Prefeito, bem antes era mantido, defendido,
vivido pelo Povo. E é para sua visão
e divertimento que os autos se encenam no ciclo
do Natal. Comumente, retumba a bateria nas praias
e bairros pobre, na cadência contagiante
dos Bambelôs. Nas Noites de São
João, apesar das precauções
naturais, a cidade ilumina-se com milhares e
milhares de fogueiras, numa fidelidade comovente
que nem um elemento moderno conseguiu apagar
ou distrair. Essa permanência vital do
folclore no Rio Grande do Norte, com suas “vaquejadas”
que não mais têm expressão
utilitária e sim unicamente tradicionalista,
evidencia um sentido profundo de sua fisionomia
coletiva. Note-se que ainda não existe
rendimento econômico no Folclore e a ausência
do turismo não é condição
negativa para que os autos populares continuem
em sua vitalidade assombrosa.
Nunca
é demasiado que se afirme que a defesa
do Folclore Brasileiro implica na legítima
defesa da Cultura Popular. O Povo escolheu e
conserva o seu Teatro. Mantém seus ritmos
de dança, seus motivos de associação
e divertimento, sua melodia essencial, sua literatura
escrita e impressa nos folhetos lidos e cantados
pelos cegos nas feiras sertanejas e que registram
todos os acontecimentos sociais, políticos,
religiosos e até de ordem meteórica
ou atmosférica, como tempestades, inundações
estiagens prolongadas. É a literatura
oral, com os seus cantadores, os únicos
profissionais do canto popular no mundo, que,
de viola ao peito, batem-se no “desafio”,
de forma e efeito surpreendentes. Autênticos
e sentimentais menestréis.
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Sem sair da Província
Luís da Câmara Cascudo, menino,
rapaz e homem de Natal, criado no sertão,
desde quase quarenta anos, dedicou-se ao estudo
desse folclore. Já em 1923 publicava
seu primeiro estudo, “Animais Fabulosos
do Nordeste”, quando o Folclore estava
numa fase desanimadora para o interesse cultural
brasileiro. Tinham morrido Silvio Romeiro e
João Ribeiro e eram Gustavo Barroso,
Lindolfo Gomes e Basílio de Magalhães
os dedicados e mesmo heróicos estudiosos
do assunto.
Câmara
Cascudo sem sair da Província e com os
recursos pessoais, incompreendido e mesmo negado,
iniciou sua campanha pelo Folclore num ângulo
que não tinha sido visado. Para ele o
Folclore era o corpo, um organismo, um mundo,
que não devia ser apresentado senão
em forma sistemática, coordenada, total.
Muito interessante é estudar ou divulgar
o Folclore selecionando os motivos mais sedutores
e mais interessantes, apresentado desta forma
as flores mais bonitas que podem não
ser as mais características ou as mais
essenciais na cultura do Povo brasileiro. Toda
a existência desse grande trabalhador
nacional tem sido caminhar nesta estrada que
não lhe dá compensação
econômica, comissão rendosa, situação
confortável. Não falo aqui do
historiador, do autor do Conde D’Eu, do
Marquês de Olinda e seu Tempo, da Geografia
do Brasil Holandês, da História
do Rio Grande do Norte, da História da
Cidade do Natal, de tantos outros volumes que
foram resultados de pesquisas exaustivas e diretas
nos arquivos norte-rio-grandenses, revelando
aspectos novos e documentados para a crônica
estadual. O especial é afirmar-se o que
deve o Folclore Brasileiro a Luís da
Câmara Cascudo, agora com os seus 61 anos
feitos e pensando em aposentar-se de todos os
encargos.
O
canto sertanejo, instrumentos, a história
da origem do Desafio; o documentário
sobre os elementos da rítmica dos versos
do sertão, o estudo do Cantando, está
no “Vaqueiros e Cantadores”, publicado
em Porto Alegre há 21 anos. Todos os
demais volumes seguiram nesse critério
metodológico. Todos trazem à pesquisa
minuciosa, o exame dos assuntos e a divulgação
dos textos eruditos.
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Volumes
dedicados ao Folclore
Permita-me uma síntese, apenas a enunciação
dos títulos dos volumes dedicados ao
Folclore, à cultura popular brasileira,
devidos ao Professor Câmara Cascudo: -
Antologia do Folclore Brasileiro, oitenta e
dois trechos documentais, com biografia e bibliografia
de cada autor, fixando um aspecto típico
do povo brasileiro: Melhores Contos Populares
de Portugal, título dado pelo editor,
pesquisa de contos portugueses, registrados
no Brasil: Lendas Brasileiras anotadas; Contos
Tradicionais do Brasil; Meleágro, pesquisa
sobre a magia branca no Brasil, especialmente
o catimbó nordestino, Geografia dos Mitos
Brasileiros; Anubis e Outros Ensaios, trinta
e um motivos brasileiros estudados através
do tempo; Literatura Oral, o panorama total
da literatura popular, que um crítico
disse ser “obra de uma Universidade”;
Cinco Livros do Povo, o primeiro trabalho brasileiro
sobre a Novelística Nacional, publicando
e estudando cinco novelas tradicionais, mostrando
a antigüidade e valor desse documento jamais
mencionado nos livros de história literária;
basta lembrar que a novela mais recente, João
de Calais, é do tempo do Rei Luís
XV da França e a Donzela Teodora, em
sua versão castelhana, data de dois anos
antes do descobrimento do Brasil, 1498: Dicionário
do Folclore Brasileiro, unanimemente considerado
“monumento” e que o Instituto Nacional
do Livro dará proximamente a Segunda
edição ampliada e revista; Trinta
Estórias Brasileiras, editada em Portugal,
contos ouvidos de uma empregada doméstica.
A
Rede de Dormir, com mais de 600.000 produzidas
cada ano, leito de milhões de brasileiros,
onde nascem, amam e morrem e são sepultados
é um trabalho da América Tropical,
nas orlas Amazônicas dos Indígenas
Aruacos e Caraibas, e que se estendeu Luiza
Freire (Bibi), umas das realizações
mais eruditas do mestre de Natal; Superstições
e Costumes, análise de hábitos
e tradições no plano de explicação
das origens antigas e eruditas; Tradições
Populares da Pecuária Nordestina e o
ensaio Jangadeiro, são outras faces poderosas
de investigação e divulgação
de assuntos atuais acompanhados através
do tempo.
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No
campo da Etnografia
Ressalto o professor de Etnografia vivo em toda
sua bibliografia. Dois ensaios seus, publicados
em 1957 e em 1959 expõem a inteligente
valorização de elementos diários
e que nunca tinham merecido atenção
maior e aparato Cultural.
Refiro-me
às pesquisas sobre Jangada e sobre Rede
de Dormir. Inútil lembrar quanto elas
significam para o conhecimento moderno do Homem
Brasileiro em sua normalidade, na sua expressão
de vida diária e a Jangada ou a Rede
de Dormir, passam traduzir “permanentes”
de trabalhos e de ajustamento humano dentro
da paisagem telúrica do Brasil, não
apenas social mas econômico. Demonstra
Cascudo que a Jangada é a mais antiga
embarcação conhecida pelo homem
e, vinda do Neolítico, é contemporânea
a título de produção com
mais de 2.000 unidades pescando e sustentando
famílias de pescadores, do Ceará
a Sergipe. Em parte alguma do mundo a Jangada
resistiu. Desapareceu mesmo das regiões
da polinésia onde era normal e comum.
Vive apenas no Nordeste do Brasil, o produto
ameríndio que passou ao plano da universalidade
utilitária.
Há
mais de 6 anos que Câmara Cascudo trabalha
num livro de Etnografia Geral, batizado de Civilização
e Cultura que ele diz ser “O Depoimento
Provinciano de um Professor”, resultado
e fruto de toda a sua vida de pesquisador presentemente.
Escreveu diariamente durante vinte anos e sua
Ata Diurna na “A República”
em Natal.
Não
cito os livros de História, as pesquisas
literárias que lhe devem nascimento.
Nesses
próximos meses sairá o “A
Vida Breve de Auta de Souza”, a inesquecível
poetisa do “Horto”, sua primeira
biografia e como era de esperar pesquisa obstinada
e também divulgação de
muitos poemas inéditos.
Em
abril de 1941 Cascudo fundou a Sociedade Brasileira
de Folclore e essa Associação
mesmo radicada na Província, conquistou
renome e projeção universais.
Estabeleceu um intercâmbio intenso entre
os estudiosos do Brasil e do estrangeiro, espalhando
endereços, respondendo consultas, fornecendo
bibliografias.
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História
e Estória
Deve-se à Sociedade Brasileira de Folclore,
mais antiga do Brasil, o lançamento,
defesa e agora constatação de
uso vitorioso, do vocábulo Estória
com E não com H maiúsculo quando
se refere ao Conto Popular. Cascudo empregou
a grafia desde 1942 e mereceu críticas
e surpresas. Várias vezes explicou pela
imprensa os motivos determinantes dessa ideografia.
Hoje Estória é de uso normal e
comum. Está nos livros, nas revistas
e mesmo nas publicações universitárias.
Foi uma iniciativa de Mestre Cascudo em 1942.
Poucos sabem dessa origem.
Todo
trabalho de Mestre Cascudo tem se orientado
no sentido de conservar o “ESSENCIAL”
e dispensar o “ACESSÓRIO”,
dispensável do Folclore. Para esse fim
submeteu-se às leituras mais longas e
às pesquisas mais exaustivas. Quem já
o ouviu conversar na sua casa da Junqueira Ayres
sabe que feiticeiro expositor é ele e
quais os fundamentos irrecusáveis para
as distinções específicas
do Folclore. Já em 1943 ele dava as “permanentes”
do Conto Popular: - antigüidade, anonimato,
divulgação, persistência.
Subentendia-se a Oralidade como meio de transmissão.
É o autor de uma classificação
do Conto Popular, muito mais racional e fácil
que muitas que tentam tornar-se obrigatórias
pela imposição cultural e estrangeira
dos seus autores.
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Defesa da autenticidade
popular
No âmbito do Folguedo Popular, da Arte
Popular, da Música Tradicional, o papel
de Mestre Cascudo é de vigilância
serena e de inesgotável colaboração.
Dou o meu testemunho de sua inacreditável
capacidade auditiva e orientadora junto às
entidades que o procuram. A autoridade de Câmara
Cascudo está no ser erudito que ele é,
mas igualmente, no conhecedor e pesquisador
infatigável, sempre pronto a perguntar
e pedir, para todos os recantos do Brasil, elucidações
e material. E também é o menos
dogmático, o menos doutrinário
e o mais acessível dos Mestres. Costuma
repetir a frase do Conselheiro Zacarias de Góes
e Vasconcelos no Senado do Império: “Ninguém
me manda! Todos me convencem!...”
E
sua autoridade indiscutível de primeiro
Etnógrafo do Brasil e um dos Oito Grandes
Folcloristas do mundo, fundamenta-se no seu
trabalho assíduo e na perseverança
e cuidadosa atenção pelos documentos
manejados.
Quem
conhece sabe como o Mestre Cascudo trabalha,
cercado de livros, fotos, músicas, relatórios
, notas. Permanentemente inquieto, consultando,
perguntando, voltando dez vezes ao mesmo ponto
no plano do alicerce. Este é Luís
da Câmara Cascudo, professor de Direito
Internacional Público na Faculdade de
Direito, Professor de Etnografia Geral na Faculdade
de Filosofia, Consultor Geral do Estado, aposentado
em 1961, Diretor do Instituto de Antropologia
da Universidade, historiador oficial da minha
cidade, patrimônio cultural e humano do
Rio Grande do Norte, Mestre do Folclore Brasileiro.
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O
Autor
Prefeito de Natal duas vezes, restaurou todos
os autos populares, numa autêntica revalidação
do folclore natalense. Promoveu vários
congressos de folclore, praças de cultura,
feiras de livros, biblioteca pública,
galeria de arte, concha acústica, fontes
luminosas em vários bairros, trazendo
a Natal grandes nomes da cultura nacional como
Gustavo Barros, Mauro Mota, Jorge Amado, Paulo
Freire, Edson Carneiro, Mário Melo, José
Condé, Umberto Peregrino, Antônio
Vilela, Waldemar Cavalcanti, Ênio Silveira,
Luiza Barreto Leite, Miercio Tati, Mário
Jorge Couto Lopes, Hildegarde Viana, Paulo Dantas,
Edgar Proença, Eduardo Portela, Pierre
Furter, Carlos Pena Filho, Barbosa Lessa, Bruno
de Menezes, Théo Brandão, Manoelito
de Ornelles, Dante de Laytano, Carlos Galvão
Krebs, Eneida, Domingos Vieira Filho, Nunes
Pereira, João Clímaco Bezerra,
Mozart Soriano, Ascenço Ferreira, Júlia
Dourado, Rômulo Argentiere, Fagundes de
Menezes e tantos outros.
Todos
os anos, nos períodos de Natal, Ano Novo,
Reis e São João, eram armados
palanques no centro da Cidade e nos bairros
mais distantes, para exibição
dos conjuntos folclóricos, a fim de garantir
a perpetuação das danças
e cantigas do passado.
DJALMA
MARANHÃO foi Prefeito de Natal em dois
mandatos. Deputado Federal. Deputado Estadual.
Jornalista. Presidente da Associação
Norte-Rio-Grandense de Imprensa. Esportista.
Presidente do Conselho Estadual de Desportos.
Presidente do Partido Trabalhista Nacional e
Partido Social Progressista. Diretor do “Jornal
de Natal” e “Diário”.
Proprietário da “Folha da Tarde”.
Presidente da Empresa de Rádio “Rio
Grande”. Escritor. Autor de estudos sobre
o folclore, política e economia. Abordou
seriamente a problemática da industrialização
do tungstênio e bases estatais. Defendeu
entre outras teses: A democratização
da educação, com o acesso do povo
às fontes do saber, criando a campanha
“De Pé no Chão Também
se Aprende a Ler”. Pugnou pela necessidade
de reformas sociais no país e pela limitação
da remessa de lucros das multinacionais para
o exterior.
Não
amamos aquilo que desconhecemos. O próprio
autor deste livro, é um exemplo disto.
Em 1970, aos quarenta e quatro anos de idade,
pouco sabia do folclore potiguar. Por isto mesmo,
nos anos de 1956, 1957 e 1958, ao transitar
à noite, pelo centro de Natal e deparar-se
com a apresentação de grupos folclóricos,
nos grandes festivais promovidos pelo prefeito
Djalma Maranhão, ao invés de parar
e observá-los, para poder compreendê-los,
procurava diminuir sua importância, depreciando-os.
O
destino porém, foi implacável.
Quando, no referido ano de 1970, teve de se
aproximar desses grupos, na condição
de Diretor Municipal de Cultura, o autor mudou
radicalmente sua postura, passando a valorizá-los
e estudá-los, com o maior empenho.
Já
houve tempo em que um prefeito da Capital, chamado
Djalma Maranhão, compreendeu o significado
e importância de nosso folclore, realizando
em Natal três festivais que ficaram famosos
em todo o Brasil, nos anos de 1956, 1957 e 1958,
armando palanques pela cidade, para apresentação
de grupos de dança e atraindo a Natal
estudiosos de todo o País, do Amazonas
ao Rio Grande do Sul, para o debate, em mesas-redondas,
dos grandes temas da cultura popular.
Infelizmente,
o tempo passou e não tivemos outro Djalma
Maranhão. Para agravar a situação,
como ocorre em todo o Brasil, o advento dos
modernos meios de comunicação
de massa, levaram as novas gerações,
com o feitiço de seu encantamento, a
ignorar e, muitas vezes, a desprezar esse maravilhoso
universo de beleza e sabedoria.
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