MODERNIDADE
BRASILEIRA:
Sem
Trabalho, Pobreza E Exclusão
Paulo
Peixoto de Albuquerque
A
razão de ser deste seminário esta diretamente relacionado ao fato de
vivermos tempos de aumento ?????significativo dos processos de exclusão
que resultam não só na ampliação do fenômeno do desemprego, mas
na dificuldade de se entender como se constróem a identidade dos
sujeitos coletivos: os trabalhadores.
Nesse
sentido, articular a categoria sociológica - trabalho - com o
conceito da exclusão social oferece uma perspectiva analítica que
serve para examinar o mundo do trabalho durante o processo de
reestruturação produtiva promovido nos anos 90.
Primeiro,
porque a exclusão social acrescenta o poder analítico de conceitos
como pobreza, desigualdade, marginalização não somente porque
descreve uma situação, mas também por apontar que o processo de
exclusão se inseriu no
mundo do trabalho. Segundo, porque a construção social de
identidades em torno do atributo
- "ser trabalhador" ou "ter
emprego" sempre
tiveram um impacto imenso nas experiências e opções abertas a
grupos socialmente, mesmo porque serviram para diferenciar e excluir
certos segmentos da sociedade.
O
Fenômeno da pobreza tal como se apresenta não é novo, sua novidade
deriva da conjunção de mudança tecnológica e reestruturação econômica
e de seus efeitos sobre a estrutura do emprego. Desdobramentos que
atingem a novos segmentos sociais - as classes médias urbanas, nascidas nos anos de estabilidade e crescimento econômicos
do pós-guerra - acentuando
as desigualdades de uma sociedade extremamente injusta e excludente como é a brasileira.
A
perda de posições na estrutura produtiva, causada
pela introdução maciça de processos automatizados de trabalho, ou
pelas formas enxutas de organização e gerenciamento, ou,
ainda pela perda de postos de trabalho para indústrias mais
competitivas neste ou em outros países
concorre para que os direitos
sociais pactuados anteriormente tornem cada vez mais difusos os
limites e as fronteiras daquilo que entendemos por sociedade de
direito ou a "res pública".
O
tema deste painel tem seu eixo no
trabalho, mas a sua articulação
com pobreza e direitos humanos só
é possível se tivermos presente o
cenário de modernidade no qual o Brasil
se inscreve.
A
nova configuração da economia marcada fundamentalmente pelas
transformações tecnológicas da informática e da microeletrônica
concorrem para que o contexto social se caracterize por uma crescente,
e cada vez maior, interdependência nas relações mundiais.
Interdependência que associada a valorização excessiva do
liberalismo (entendido como hegemonia do mercado
livre), configura, não só em nosso país, uma profunda crise
social representada por índices crescentes de desemprego, miséria,
desigualdades e de exclusão
social.
As
pressões da economia internacional aliada aos processos de
reestruturação da economia mundial, ao mesmo tempo em que desregulam
os antigos pactos sociais minam as condições do Estado-nação,
instaurando uma forma de atuar do Estado em que a questão social
passa a ser elemento tangencial e secundário nas propostas e projetos
de desenvolvimento
Este
cenário internacional concorre para
uma configuração social, fragmentada
e imensamente diversificada, seja
pela emergência de grupos demandantes
de múltiplos interesses e de múltiplas
identidades, seja pela diferenciação
que se apresenta ora nas novas formas
de organização do processo produtivo
ora nas novas forma do da
ação política . Este
quadro que não é conjuntural e resultado
de uma reorganização apenas da economia
altera a formação e
o comportamento da sociedade
civil
Ora,
essa diferenciação não corresponde a uma determinação apenas
exterior, mas a uma indeterminação também interior (e nisso emerge
a dimensão dialética), onde o imprevisível favorece ao não
entendimento das mudanças e das inovações sociais.
"A
reflexão sobre as sociedades contemporâneas está governada por duas
constatações principais: a dissociação crescente do universo
instrumental e do universo simbólico, da economia e das culturas, e
em segundo lugar, pela explicitação de um vazio social e político
que é ocupado por ações estratégicas
individuais e coletivas cuja meta não é criar uma ordem
social senão acelerar as mudanças, o movimento, a circulação de
capitais, bens, serviços, informações."
Esse
quadro nos indica que as dificuldades de constituição de sujeitos
sociais é uma realidade cada vez mais presente em nossas sociedades.
Principalmente porque nos anos 90 a questão do sujeito social
(coletivo) não pode mais ser entendida de forma fragmentada a partir
do modelo institucional e representativo - (que tem nos sindicatos ou
associações políticas seu modelo mais significativo) - onde as
demandas eram elaboradas e delineadas institucionalmente a partir de
uma identidade que se dava pelo fato do indivíduo estar ou não
inserido no mundo do trabalho.
Na
verdade as transformações do mundo do trabalho devem
ser entendidas como um conjunto de tendências - contraditórias -
que podem (dependendo do
recorte teórico/ideológico) atenuar
ou aprofundar as desigualdades da força de trabalho.
As
novas práticas produtivas estão alterando
os conceitos de qualificação, passando
a exigir trabalhadores polivalentes
que podem antecipar, identificar e
resolver problemas, garantir qualidade,
participar em equipes de trabalho.
Ao modificar pressupostos e critérios
de qualificação para a inserção do
trabalhador no processo produtivo
se instaura uma nova dinâmica de duplo
e ambíguo movimento: 1) da obsolêsencia dos saberes profissionais tradicionais e o
esvaziamento do "estatuto
de profissional" e especialista
e, 2) remetem para uma
outra dimensão as mediações
que antes se faziam no ambiente de
trabalho.
Para
aumentar a qualidade e produtividade e em reação as pressão do
mercado, as empresas, aquelas
que estão inseridas no mundo produtivo do capitalismo contemporâneo
estão optando por uma alternativa técnico-gerencial que se caracteriza por investir mais em equipamento
do que em treinamento.
O
predomíno desta estratégia patronal,
acima descrita, permite caracterizar
as atuais mudanças do processo produtivo
como sendo de uma modernização
conservadora
uma vez que preservam e mantém a condição
social dos trabalhadores, ampliando
suas responsabilidades e não alterando
significativamente a qualidade de
vida.
Esta
"modernização
conservadora" utiliza uma segmentação de qualificação em
duas direções: 1) reservando os processos mais sofisticados e de
maior valor agregado para as grandes empresas no topo da cadeia
produtiva, e 2) segmentação dentro da empresa entre o “core”
da força de trabalho (formado na maior parte das vezes por
trabalhadores masculinos, estáveis, qualificados e com remuneração
relativamente elevada) e a mão-de-obra periférica (formada por um
grupo de trabalhadores semiqualificados com remuneração
significativamente mais baixa, com alta porcentagem de mulheres que
trabalham com contratos temporários de curto prazo e que são
demitidas de acordo com as flutuações do mercado,
formando, assim, “os elos mais
fracos na cadeia de subcontratação".
Se
é verdade que os anos 90 vêm se caracterizando
principalmente pela existência de
articulações plurais nas quais os
indivíduos buscam seus direitos e
a partir deles incidir diretamente
na elaboração de políticas públicas
que traduzam propostas cívicas, culturais.
Também é verdade que este fato apenas
marca um tipo de cidadania representativa
que nem sempre remete a discussão
dos direitos humanos.
Mas
que direitos humanos? Em um mundo em transformação permanente apelar
para o entendimento da ação do Sujeito coletivo é uma das respostas
para contrapor a dissociação da economia e da cultura ?
Apelar
para os Direitos Humanos pode ser também a fonte possível para a
compreensão dos movimentos sociais que se opõem aos donos da mudança
econômica ou dos ditadores comunitários.
Segundo
Touraine é na afirmação das liberdades pessoais que o Sujeito coletivo se faz também em movimento social e esse esforço
por ser ator não deve ser confundido com um conjunto de experiências
orientado por um princípio superior, mas no desejo que todo indivíduo
e/ou grupo social tem de resistir ao seu próprio desmembramento num
universo em movimento, sem ordem ou equilíbrio.
Por
outro lado, cada movimento de “resistência”
deste ator social corresponde a um nível de mudança na medida em que
ele deve inventar e se diferenciar
daquilo que já existe, pois o futuro aparece como sendo o re-construção de tudo aquilo que antes se
encontrava indiferenciado e sem novidade.
Esta
nova configuração do comportamento social leva a necessidade de se
repensar novos paradigmas de explicação para o mundo do trabalho e a
repensar o processo social a partir de outras perspectivas que não
seja a da identidade ou centralidade do trabalho, como por exemplo, do
local, do global, da diversidade, da complementariedade, da
mutabilidade e da rejeição.
Neste
sentido, o mundo do trabalhador dos
anos 90 está a exigir um esforço de
tradução, principalmente porque realidade
social se apresenta pela combinação
de
movimento
social e do sujeito aparentemente
contraditórios e excludentes, mas
que na verdade traduzem um processo
social que articula atores diferenciados
e introduz a noção ou a idéia de mutação
no agir social.
A
mutabilidade do mundo do trabalho se
expressa e é sinalizada pela horizontabilidade das relações
sociais, pela formação de
redes, na complementariedade das ações e através do um modo diferenciado de fazer política, que não esta
mais na representação apenas reativa das organizações de
trabalhadores que já não administram todos os elementos de uma
realidade produtiva cada vez mais complexa.
O
futuro não está na “frente”, mas em qualquer lugar do presente, numa espécie de imanência
que nos leva a buscar entender e a agir sobre o tempo e em favor de um
tempo por vir, pois é impossível compreender essas noções e inflexões
de passado, presente, agora, instante, atual, devir, porvir, futuro,
novo, outro, diferenciado se não a situarmos umas em relação as
outras.
Se
a transformações sociais e do mundo
do trabalho eram definidas como resultado
da iniciativa de um ou vários indivíduos
e que afetavam, conforme o caso, a
economia, a política, a ciência, ou
ainda, a cultura e estavam centradas
nos aspectos técnico, hoje sabe-se
que não podemos mais considerá-las
restrita a esta uma
única
dimensão.
É
por isso que não nos contentamos em analisar os fenômenos da pobreza
ou da exclusão social a partir da forma dualista que marcou o “pensar” a vida e o social. Este dualismo (ser ou não ser
trabalhador/ter ou não emprego ) -
no pensar a vida e os fenômenos sociais foi implodido pela
complexidade das modernas sociedade e o
advento de novas formas de pensamento mais abrangentes que diz
respeito a uma nova ética social baseada na universalidade dos DH.
Hoje,
entender como se dá a construção da
urbanidade ou da cidadania necessariamente
implica na análise dos processos de
constituição de sujeitos sociais que
se constróem
nas mediações, nas práticas de intercâmbio,
nas alianças, nas redes de informações
e nos
de projetos sociais cuja
diversidade traduzem relações
de genêro, raça, princípios democráticos,
de justiça social, que para ser melhor
compreendidas necessitam de um recorte
ético.
Recorte
ético que nem sempre é realizado e em função disso aprofunda-se a
distância entre o que seria necessário compreender e as ferramentas
conceituais necessárias para a compreensão do “desencantamento
do mundo”
que parece dominar a realidade social
"um
mundo fortemente sacudido por formidáveis mutações tecnológicas,
pela persistência das desordens econômicas e pelo aumento dos
perigos ecológicos. Esses três feixes de distúrbios traduzem-se,
principalmente, pelo desassossego social, explosão das desigualdades,
aparecimento de novas formas de pobreza e exclusão, crise do
valor-trabalho, profundo mal-estar do poder, desemprego em massa,
progressão do irracional, proliferação dos nacionalismos e, por uma
demanda bastante forte de moral e um rápido desenvolvimento das
preocupações éticas.”
O
ritmo da revolução tecnológica é cada
vez mais rápido. Sua aceleração altera,
por contato, todas as atividades da
sociedade. Como acontece muitas vezes
quando faz irrupção uma inovação tecnológica
acompanhada por um efeito de modo
que muitos ficam extasiados, enquanto
outros ficam assustados.
As
mudanças sociais recentes na esfera do trabalho concorrem para que a
idéia de estas mudanças sejam entendidas apenas como o resultado de
processos de modernização fundados na tecnologia do processo
produtivo e dependente ao extremo de uma política determinada por
interesses econômicos.
Esta
concepção de sociedade está fundada nas idéias de integração,
ordem e progresso a ponto de tornarem-se princípios positivos que
postulam que a sociedade é regida por uma lógica social
racional e por modelos dominados fundamentalmente por
realidades técnico-econômicas.
Hoje,
o “retorno dos atores sociais”
e dos Direitos Humanos parecem levar nas suas ações, não só a crítica
a outros atores e a uma dada ordem social , mas a afirmação de si
mesmo como sujeitos coletivos diferenciados.
Esta
perspectiva remete a questão da compreensão da sociedade não
somente ao entendimento do social e da vida a partir de uma
perspectiva Hobbesiana onde o “homem aparece como lobo do homem”,
mas do social como resultado de processos complexos em que o trabalho
como espaço de construção individual e social e do Direito de ser não
apenas como homem econômico não sejam apenas o resultado da prepotência
e rapacidade de poucos.
Nesse
sentido, pensar hoje, as questões dos Direitos Humanos não é apenas
uma questão de agenda técnica, estas questões exprimem muito mais
do que o direito individual, estas questões são a afirmação
pluralista de querer e buscar mais liberdade, garantir espaços de
expressão da subjetividade e de maior responsabilidade cívica
propositiva.
E,
neste sentido fica muito mais difícil compreender como os grupos
sejam de trabalhadores ou não se comportam ou como mudam suas
atitudes na sociedade .
Se
partirmos do pressuposto que as decisões
políticas não são a simples aplicação
de análises econômicas ou sociológicas,
mas se apoiam em uma perspectiva ética
torna-se
fundamental
compreender as atuais urgências
da sociedade Latinoamericana, assim
como entender como e porque as respostas
da sociedade industrial não dão conta
dos conflitos, da exclusão social,
da miséria e da mutação, da diversidade
ou da possibilidade de construção
de uma sociedade que garanta ao mesmo
tempo liberdade pessoal e ideal comum.
O
mundo moderno se caracteriza fundamentalmente pela "irreversibilidade"
e pela " imprevisibilidade".
Nele o "ser social"
se define fundamentalmente pela rede
de interações em que o "relacional
e o comunicacional" constituem-se
no essencial da vida social.
Sendo
assim, e tendo presente os efeitos
da mundialização da economia, dos
novos meios de informação e a fragilização
dos marcos sociais tradicionais
entendemos que as análises
do mundo do trabalho não podem ser
reduzidas a explicações da crise ou
da mudança que remetam unicamente
a considerações de ordem política
ou econômicas.
Entendo
que a busca de elementos explicativos de um fenômeno tão complexo
como o da exclusão social necessariamente não pode deixar de ter na
sua matriz lógica os pressupostos da ética e dos direitos humanos.
Espero
que na minha fala esta articulação tenha ficado explicitada, mesmo
porque o social não se define hoje pela conservação de uma ordem,
mas sim de um duplo e ambíguo movimento, que é por um lado de
abertura, da mudança, da circulação mais rápida e intensa de bens
serviços, informações e por outro, se caracteriza pela demanda de
segurança, proteções sociais e de reconstituição de vínculos sociais comunitários e incluam, por uma
questão ética tudo quanto for diferenciado e estranho. E, isto é
pensar na sociedade contemporânea Direitos Humanos.
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