DIREITOS
HUMANOS. COMPROMISSOS, ATIVISMO E MELANCOLIA
Luis
Milman
Como
as coisas, neste campo da justiça e dos direitos humanos, são digamos,
um tanto quanto confusas, mesmo porque há muitos que afirmam certos
compromissos com a sua defesa, mas, em verdade, são de
facto insensíveis ou refratários a eles, convém discutir algumas
teses que me parecem essenciais para a compreensão da natureza do
humanismo e do ativismo que dele decorre. A quem se interessar pela
leitura, adianto que minha conclusão não é edificante.
As
Teses
I.
Tese Política da Não-transigência: A defesa dos direitos humanos
toma inaceitável qualquer regime político de força ou qualquer medida
de estado que suspenda, ainda que sob a alegação de emergência ou
transitoriedade, direitos democráticos assegurados. Se alguém defende
uma posição humanista com relação à importância da vida, da
liberdade individual e política e da dignidade humana, não há meios
de justificar a não-validade desta tese, em qualquer circunstância política
possível. Note-se que se trata de uma tese e não de um princípio ou
de uma máxima. Qua tese, a não-transigência
é certamente demonstrável e segue-se dos princípios modernos da
Democracia e da Justiça.
II.
Tese da Materialidade da Justiça: A defesa dos direitos humanos
implica a sua realização. E a realização dos direitos humanos requer
a realização da Justiça. Por Justiça entenda-se não apenas o
sistema normativo que pode impor sanções a violações de regras
justas, mas -e principalmente- o sistema político e econômico, responsável
pela articulação equânime dos meios de distribuição da riqueza, sem
os quais não se produzem as condições para a erradicação da miséria
e das carências que tomam impeditivas a sua obtenção.
III.
Tese da referência impessoal: A defesa dos direitos humanos exige a
referencialidade universal da sua aplicação. Não há direitos que
sejam atribuídos a um grupo social apenas ou a certos grupos em
circunstâncias especiais, assim como não há direitos que possam ser
transformados em prerrogativas de grupos. A idéia de igualdade perante
a lei é axiomática e dela resulta a tarefa de pensar os direitos
humanos como próprios de qualquer indivíduo, sob quaisquer condições.
Decorre daí que os direitos do homem não são suprimíveis, sob
quaisquer circunstâncias. Aqueles que desafiam ou transgridem normas
sociais de convivência podem perder direitos sociais, mas não podem
ser privados dos direitos da pessoa, que são os direitos à vida e à
dignidade.
São
três teses e não podem ser menos que estas três. É sobre elas que
desejo fazer um comentário geral, que leva em conta tanto os fatores
que decorrem da sua aceitação como os pontos que as tomam basilares
para o tipo de ativismo que elas podem orientar.
O Comentário
Geral
As
três teses constituem um campo doutrinário articulado.
Dito de outra forma, constituem o espaço teórico do qual as práticas
humanistas se projetam para a realidade social e política. Esse corpus
doutrinário não admite exceções e colide com qualquer concepção
política supressora da liberdade.
Historicamente, é o corpos
que orienta o combate ao fascismo, ao autoritarismo e a qualquer
forma discricionária de exercício de poder, mesmo quando tal poder
alega contar com respaldo popular.
Como
campo articulado, o humanismo é certamente um ponto de vista reflexivo;
ou seja, ele tematiza suas próprias pressuposições e, na medida em
que o faz, opera ao nível da racionalidade e não do passionalismo.
A defesa dos direitos humanos é, portanto, uma posição ético-política
universal e racional. Daí decorre que qualquer tipo de voluntarismo
(ingênuo ou circunstancialmente motivado), ou comoção coletiva, ou
oportunismo profissional-partidário, ou oposicionismo, ou
perspectivismo de vitimização, que muitas vezes podem determinar a
adesão de grupos ou pessoas para a defesa dos direitos humanos, emerge
como deformação do humanismo.
Exemplificando:
Não se defende a luta contra a fome porque se está faminto, embora o
fato de estar faminto possa vir a ser uma motivação forte para alguém
lutar contra a fome. A relação entre estar faminto e lutar contra a
fome é condicional e possível, logo, não é condicional e necessária
nem condicional e suficiente. Dictum
rnutalis mutandis, a defesa dos direitos humanos não é necessária
nem suficientemente condicionada pela condição de violação deste ou
daquele direito por parte de alguém. Ela é condicionada pela
capacidade de refletir sobre compromissos permanentes, que a violação
sistemática dos direitos de todos, em quaisquer circunstâncias,
consideram indisputáveis numa sociedade justa e humana. Assim como
muitos esfomeados (e são mesmo muitos) não lutam racionalmente contra
a fome, muitas vítimas de violações não fazem a defesa dos direitos
humanos, embora possam fazer, circunstancialmente, a defesa pontual de
um ou outro direito violado.
O
discernimento da relação articulada entre as três teses deve
caracterizar, portanto, o que pode ser chamado de "consciência
humanista". É muito freqüente que esta falta de discernimento
termine por gerar monstros. Por
exemplo, o sentimento de vingança ou de revolta pessoal, resultante de
uma perda ou de um prejuízo causado pela criminalidade endêmica,
embora compreensível em certas circunstâncias, não se integra na
perspectiva humanista. Em muitos casos, talvez mesmo na maioria deles,
ele se atomiza e gera uma adesão ao anti-humanismo fascista.
A
defesa dos direitos humanos deve discernir a compreensão do sentimento
das vítimas, sua indignação e suas demandas legítimas de reparação,
da avaliação e da denúncia dos fatores que determinam a escalada do
medo e da violência. A consciência humanista não aceita, como corolário
do discernimento de seus compromissos, soluções que localizam a reparação
de violações num conceito meramente punitivo de Justiça. Na mais das
vezes, para não dizer em todas, o discernimento traz à tona a exposição
regular da sociedade a uma criminalidade institucionalizada (ou
para-institucionalizada), produzida pela incapacidade histórica do
Estado em atuar na erradicação da miséria e da desigualdade social.
É este marco conceitual que toma legítima a compreensão da Justiça.
É
um fato amplamente sabido que, em muitos países, não há justiça
social, porque justiça social implica em justiça material-distributiva
e garantia de padrões mínimo' s de condições de vida para todos.
Este é o caso do Brasil (paradigmaticamente). E sem justiça social,
toda a administração do sistema estatal de justiça (que inclui polícia
e poder judiciário) transforma-se num sistema de contenção da
criminalidade. A Justiça que decorre da implementação do humanismo não
pode ser sequer avaliada por critérios de contenção da criminalidade,
porque isto a reduz à noção de repressão.
O Caso Brasileiro
No
Brasil, para ficarmos com os problemas que nos dizem respeito
diretamente, há um Estado formalmente democrático, com uma Justiça
abstrata e burocrática, operada por legiões de agentes deste Estado. O
paroxismo próprio desta situação é o seguinte: O Estado, através de
seus agentes, alega pretender garantir a realização de uma Justiça
para a qual não há condições materiais de realização. Isto induz a
transformação de todo o aparato estatal em aparato de repressão,
cujas práticas são condicionadas pela dissociação patológico-política,
que é a expressão clara do exercício do poder que nada pode
socialmente. Dissociada de suas bases materiais, a Justiça que este
aparato produz torna-se sinônimo de repressão e se reduz à administração
das condições de força que, quanto mais exponenciais, mais revelam a
precariedade das soluções do Estado com respeito à violência que se
generaliza.
Esse
tipo de diagnóstico torna impositiva uma observação. O humanismo não
é uma fenomenologia intelectualista ou uma reconstrução conceitual
das causas da impotência política. Ele é crítica fenomenológica que
orienta uma praxis permanentemente lúcida de defesa dos direitos
humanos que, por conseqüência, flagra, em simplificações sempre
repetidas, a etiologia da esclerose do Estado.
Por essa razão, afirmo que tanto o emotivismo como o
justificacionismo, que são marcas ideológicas da nomenclatura dos
direitos humanos instalada em repartições governamentais (em todos os
níveis de estado e de governo) são a antítese do humanismo.
Que
fique claro: não estou dizendo que a consciência humanista deve ficar
paralisada pela crítica academicista, mas sim que a idéia do
humanismo, se suficientemente compreendida em seus parâmetros
racionais, deve encontrar meios de realizar, na sua ação, a crítica
que elabora em seu diagnóstico.
Qual
é o sentido de "realizar", aqui? Há
muitos sentidos, pois é possível, para uma expressão, possuir muitos
sentidos e não ser ambígua. Certos tipos de expressão carregam muitos
sentidos diferentes, todos claros e compatíveis entre si, se são
usadas para referir padrões de conduta e práticas específicas. Assim,
afirmo que o humanismo realiza-se quando se toma ativismo humanista e
executa, na prática e prioritariamente, o combate às anomalias
instaladas no Estado (anomalias que o seu diagnóstico reflexivo
revela).
O
Estado brasileiro é o correlato político do Monstro da Tasmânia, o
animal que não se extingue porque aprendeu a se esconder dos problemas.
Se ficarmos apenas na sua história dos últimos 50 anos,
detectamos nele o tipo de comportamento das entidades que se preservam
na medida em que evitam tornar visível a sua impotência, que é a sua
essência. E se a essência
do Estado brasileiro, como a da criatura tasmânica, é a patologia
derivada da sua impotência, a sua intransparência passa a ser a
garantia da sua reprodutibilidade e autopreservação. Assim, quanto
mais formalista, hierarquizado, seccionado em incontáveis órgãos
administrativos, burocratizado, corporativista e clientelista, menos
tangível toma-se a sua responsabilidade.
O
Estado brasileiro é essa variação, no reino da política, do mais bem
sucedido ens absconditus
do reino animal, que intriga aos conservacionistas da vida selvagem.
Sofisticado em suas carências, esperto em suas limitações, sempre e
acima de tudo, atento para a (auto)conservação da sua essência, que
é a permanente ausência. A sua estrutura regressiva e retrógrada,
produzida ao longo de toda a sua história, é tal que o faz
reproduzir-se em condições das mais adversas, coagindo e corrompendo
mesmo os seus eventuais gestores reformistas.
Neste contexto, cabe ao ativismo humanista discrepar da monotonia
retórica da nomenclatura e da repartição pública, e denunciar a
mesmice oficial que se expressa apenas pela força delegada aos seus
agentes repressivos e nas declarações patéticas de seus porta-vozes.
No
Brasil, a cultura de contenção e repressão tomou folclórica a medida
estatal mais adotada em situações de crise; ou seja, naquelas situações
em que as barreiras da opacidade oficializa não são suficientes para
evitar manifestações de irredentismo social: criam-se comissões e
ouvidorias ou instauram-se sindicâncias (a medida é sempre protelatória
e tem caráter retórico, independentemente da coloração conservadora
ou progressista do Poder). Por isso há tanta hipocrisia em comissões
presididas por políticos carreiristas, atrelados ao interesse
obscurantista e formalista do Estado. Por isso as comissões de direitos
humanos dos parlamentos são operadas por fantoches da nomenclatura.
Também por isso, inventam-se ouvidorias heterônomas, penduradas no órgãos
de repressão, cuja função é meramente demagógica: fazer de conta
que quer ouvir o que as incontáveis vítimas das suas políticas têm a
dizer.
Nossa
tarefa, enquanto humanistas e ativistas é, neste caso, fazer o que
fazemos historicamente, a saber: denunciar a farsa oficialista, exigir
que o estado não viole nem ultrapasse seus limites constitucionais,
desafiar a arrogância da corte e de seus cortesãos, desmitistificar
seu hipocrisia e bom-mocisimo de fachada, mostrar a miséria que subjaz
à sua retórica, o oportunismo e a ineficácia de suas soluções demagógicas,
a sua enraizada incapacidade de enfrentar os problemas reais e,
sobretudo, a sua indiferença com o sofrimento humano. Além disso -em casos de violência estatal - é também
necessário lutar pelos direitos humanos espicaçados, acionando o
instrumental jurídico existente para forçar a geralmente omissa e
burocrática oficialidade, a desempenhar aquilo que deveria fazer sem
constrangimento, em situações específicas e diante de problemas reais
Certo,
isto está longe de ser suficiente. O aticismo humanista no Brasil, que
enfrentou a condição de ditadura e as suas instituições de força e
que vem enfrentando os populistas sucessivos, de matiz conservador ou
messiânico, mas refratários e alheios à miséria social e ao
sofrimento humano, é uma prática de consciência que não sensibiliza
muita gente e, neste sentido, está limitado como ação em defesa da
vida e da dignidade humanas. Mas é uma prática persistente de consciência,
orientada por princípios inegociáveis e, portanto, vigentes em
qualquer circunstância política.
É
evidente que tais enferrujamentos não são inocentemente articulados. A
superação da inocência pela reflexão é o que toma a defesa dos
direitos humanos intransigente com as pseudo-soluções simplórias e
esquemáticas. Sabemos, por exemplo, que a lógica juvenil da
culpabilidade não é a lógica da responsabilidade. Ser responsável
por uma situação não é o mesmo que ser culpado por ela. Isto se
aplica a indivíduos e, a fortiori, a grupos políticos que assumem
responsabilidades de execução governamental.
A
história da política brasileira tem sido a história da
responsabilidade pelo constante agravamento do apartheid social herdado,
em grande medida, da convivência muito longa com um sistema econômico
de fundações escravocratas. O escravismo ideológico, ou a cultura
servil instalada na consciência das maiorias brasileiras, é certamente
a matriz histórica do conservadorismo político de nossas elites, até
hoje dominante na cena política.
Se
por um lado, não combatemos mais o sistema econômico escravista, por
outro, continuamos a combater as suas conseqüências e a ideologia que
ele produziu, e que se até hoje expressa na autocompreensão e nas práticas
coronelistas que as elites brasileiras possuem de si mesmas.
E devemos combater, além disso, a consciência servil que a
massa da população brasileira reproduz em função da sua precariedade
econômica e cultural secular. Este modelo, que alguns chamam de modelo
de exclusão, está na base da constituição da perversidade do Estado
brasileiro contemporâneo.
É
preciso atentar para ( e denunciar) a convivência pacífica e a tolerância
regular para com esta que parece ser uma segunda natureza brasileira, a
miséria social. Tal convivência produz uma perspectiva categorial
assustadora: nossas elites intelectuais e econômicas, assim como as
camadas médias da população, referem-se à pobreza, à criminalidade,
à delinqüência adulta e juvenil (e infantil), à corrupção, à
fome, ao analfabetismo, à prostituição de crianças, ao desemprego,
como se estivessem se referindo a uma armação fixa da realidade. Mesmo
quando pensam na erradicação destes problemas, pensam-na a partir do hábito
adquirido com a sua convivência. Já
as massas (este termo em desuso) se referem à sua própria condição
como pré-configurada e inevitável, como que articulando a compreensão
da vida com categorias aplicáveis à sobrevivência na miséria que é
a sua rotina.
Esses
hábitos, que se cristalizaram em conceitos, normalizaram o sofrimento
humano num país onde os esforços para a extirpação da tragédia
social são indefinidamente proteláveis. Os governos se sucedem na sua
incapacidade de alterar a fixidez desta anomalia e produzem apenas soluções
ao nível da retórica, acompanhadas de análises estatísticas,
balancetes, muito carnaval e muito futebol. Tudo isto devido a infinita
tolerância dos pobres, cada vez mais submetidos ao círculo do
conformismo e a uma adoração de ídolos cretinos fabricados pela mídia.
Quando
atua, o Estado joga tudo na contenção dos efeitos desta realidade, que
uma minoria em pânico não considera aceitáveis. Proibida de ir ao
restaurante preferido à noite, cercada pela violência, atrás de
grades que afastam os delinqüentes de suas casas, o que restou da
classe média brasileira implora pela segurança que perdeu, implora ao
Estado para que ele não despreze a sua pequena propriedade e a sua
vida. Cede assim., ao jogo da militarização das ruas, do
recrudescimento repressivo e da violência policial contra aqueles que não
tem a quem reclamar.
É
óbvio que a lógica da culpabilidade não é a lógica da qual se vai
extrair a compreensão adequada deste problema.
Mas a lógica da responsabilidade pode, em muito, contribuir para
o seu enfrentamento. Quem, afinal, são os responsáveis?
Em
certo sentido, devemos admitir que somos todos nós. É indiscutível
que há, nas multidões que fazem as estatísticas brasileiras, milhões
de pessoas lúcidas, sensíveis, preocupadas, indignadas, amedrontadas.
O problema é que jamais fomos capazes de extrair da nossa humanidade
uma finalidade mais solidária, um sentimento de revolta provocada pela
dor da qual padecem
conformados os miseráveis. Para nós, a miséria é como uma
inevitabilidade que lamentamos e desaprovamos, mas que faz parte da
paisagem brasileira, porque ela está na criança que esmola, nos
garotos que roubam e cheiram cola, na mulher que chafurda em nosso lixo,
no assaltante que nos ameaça e que, às vezes, nos mata. Nossa casa é
ainda um refúgio, a derradeira proteção contra uma realidade que
somos incapazes de mudar.
Os
governantes, é claro, são responsáveis pelo que deixam de fazer,
reproduzindo na política profissional as omissões cotidianas dos seus
eleitores. Talvez por isso
a omissão e a transferência de responsabilidade tenham penetrado tão
fundo na nossa cultura. Talvez por isso sejamos o país onde mais
cresce, ao lado da miséria, a indústria do divertimento barato, do faz
de conta televisivo, da veneração eletrônica de bundas e dos
comerciais de partidos políticos.
Os
governos repetem sempre o que as elites que eles representam tem feito há
séculos no País: eternizar o sofrimento, fazer com que nos acostumemos
com ele, que o compreendamos. Você não pode dizer a um homem que ele
vai morrer de fome, ou a uma menina da periferia que há muitas chances
dela ser estuprada, mais cedo ou mais tarde.
As pessoas não aceitam isto dito assim, na cara delas, mesmo
pela autoridade que elas se acostumaram a venerar. As pessoas devem ser
contidas, devem supor que o seu sofrimento comove. É isto que os
governos dizem a elas, enquanto mandam a Polícia invadir, cercar a sua
vizinhança, aterrorizar o seu dia a dia, a pretexto de lhes garantir
uma integridade que elas nunca tiveram.
O
recrudescimento da violência, que é a marca explícita de uma revolta
de miseráveis, é, em verdade uma resposta ao recrudescimento da violência
deste Estado miserabilizado pela sua impotência e covardia. O
humanismo, enquanto consciência, não pode discenir neste panorama nada
parecido com esperança e otimismo. Isto ele deixa para os carreiristas
e para os loucos. O humanismo é uma forma de combate, um combate da
consciência e pela consciência, uma denúncia do próprio fato da miséria
que é, sobretudo, a nossa própria miséria. Esta é a sua essência, a
essência de uma luta pelos direitos que estamos perdendo, a todo
instante, abertamente, tragicamente.
Essa
idéia de humanismo é, na verdade, uma utopia, porque a sua realização
depende de uma capacidade de discernimento e de enfrentamento cada vez
mais raras. Por isso o humanismo não é urna panacéia e, por isso,
certamente não tem a suficiência exigível para produzir as
transformações que fariam, dos direitos humanos, os direitos que
todos respeitamos. Mas sem esta utopia, não há como pensarmos em uma
sociedade melhor, mais solidária, tolerante e justa.
Enquanto idéia, o humanismo não é propriedade doutrinária ou
programática deste ou daquele grupo, nem pode ser reivindicada como
adereço de campanhas políticas, porque ele não existe como discurso.
O humanismo ou é uma prática ou nada é. Devemos aprender, com urgência,
as maneiras de realizá-lo, porque, como mera idéia, ele cada vez mais
toma-se longínquo, cada vez mais se distancia da sua condição
existencial, que é a universalização. Estamos todos, ativistas ou não,
na ante-sala do seu ocaso anunciado. Estamos todos aguardando pela
selvageria. Melancolicamente.