Projeto DHnet
Ponto de Cultura
Podcasts
 
 Direitos Humanos
 Desejos Humanos
 Educação EDH
 Cibercidadania
 Memória Histórica
 Arte e Cultura
 Central de Denúncias
 Banco de Dados
 MNDH Brasil
 ONGs Direitos Humanos
 ABC Militantes DH
 Rede Mercosul
 Rede Brasil DH
 Redes Estaduais
 Rede Estadual RN
 Mundo Comissões
 Brasil Nunca Mais
 Brasil Comissões
 Estados Comissões
 Comitês Verdade BR
 Comitê Verdade RN
 Rede Lusófona
 Rede Cabo Verde
 Rede Guiné-Bissau
 Rede Moçambique

Educando para a Cidadania
Os Direitos Humanos no Currículo Escolar

A REALIDADE DA FÍSICA E A FÍSICA DA REALIDADE

Para começarmos a escrever este artigo foi fundamental a escolha de um enfoque. Tínhamos muitas possibilidades. Resolvemos, pois fazer uma breve análise da Física em lugares bem definidos. Inicialmente, uma pergunta: a realidade da Física, como disciplina, confunde-se com a física da realidade? A princípio a resposta parece óbvia: “é claro”! Façamos, porém, raciocínio mais complexo. Ao analisarmos a expressão “a realidade da Física”, devemos levar em consideração que não existe apenas “uma” realidade. Se vivemos num país subdesenvolvido, terceiro-mundista, onde as desigualdades econômicas são enormes, onde encontramos “seiks” abonados ao lado de gente que não consegue sequer alimentar-se, podemos só aí encontrar duas realidades, dois mundos. O primeiro, que tudo compra, isto é, que pode fazer investimentos altíssimos na área científica, possuindo, algumas vezes, tecnologia de ponta, utilizando diuturnamente a Física para o seu “bem-estar”. Ao mesmo tempo, um segundo que nada compra, marginal, que sobrevive e que, por isso, não tem tempo sequer para preocupar-se com a educação e menos ainda para pensar a Física, tida como disciplina enfadonha e pouco comprometida com o cotidiano. Falando em educação na perspectiva do ensino formal, caberia perguntar: como se dá o ensino-aprendizagem da Física dentro da sala de aula? Também aqui, encontramos algumas práticas peculiares. Há, por exemplo, o ensino da Física ortodoxa, que se encontrava já nos livros de cinqüenta ou sessenta anos atrás, hermética, pouco acessível. Esse procura, de forma mais acadêmica possível, informar os conteúdos, supondo que aprender é para poucos que, por destino ou, quem sabe, fatalidade, nasceram para isso. Mas há também aquele ensino que, de maneira velada, traz essa mesma realidade travestida numa roupagem atual. Antigos e ortodoxos conteúdos com pelagem colorida, práticas “modernas”, da mesma forma “informam” e muitas vezes “despejam” a Física como um fardo a ser carregado.

Infelizmente, esta realidade é a que percebemos com mais freqüência e onde se joga maior ênfase. Há, contudo, outra perspectiva, minoritária, é verdade, incipiente, é verdade, mas com muita gana de firmar-se. Uma perspectiva de construir o objetivo maior não apenas na informação, mas na formação. Uma perspectiva desalienada, preocupar em gestar consciências críticas, debruçadas sobre os problemas do mundo em que vivemos. É a partir desse mundo, que precisamos elaborar pactos de convivência, de respeito, de amor ao próximo e de responsabilidade diante desses valores. O educador necessita estar axiologicamente posicionado no sentido de vivenciar (e fazê-lo junto a seus alunos) um código ético-moral internalizado e explicitado através da prática concreta. É preciso ser cidadão para educar na perspectiva da cidadania. O que tem a Física a ver com isto? Muito. Não podemos, por exemplo, numa sala de Física, enquanto falamos de termologia, dilatação, calor ou termodinâmica, abordar fundamentalmente as causas e conseqüências do efeito estufa?

Por que não relacionarmos o referido fenômeno com a Biologia, mais especificamente com a Ecologia ou com a Química? E por que não com a Filosofia e a Sociologia, favorecendo a interdisciplinariedade? Será o tema de interesse restrito à primeira área ou terá caráter mais abrangente, indo provocar a reflexão das chamadas “Ciências Sociais”? aliás, existe uma ciência que não seja social? Não é a Física uma ciência social? Não creio que as coisas da vida possam ser compreendidas segmentadamente. Todos somos admiradores do surto de desenvolvimento e práticas científicas no Renascimento, uma época de profundas e profícuas transformações nas mais variadas áreas do conhecimento. Foram ocasionais ou inter-relação, a cosmovisão, a dinâmica integradora do saber possui papel essencial? Afirmamos que a influência e a permeabilidade das diversas áreas do conhecimento é que tornaram tão fértil esse momento da história humana. É exatamente desta atitude que estamos necessitando hoje. Precisamos de permeabilidade e transparência por parte de todos, para que possamos crescer juntos, prosperarmos com eficiência, competência e solidariedade. Ao nível das ciências: interdisciplinariedade. Neste sentido, o estudo da Física deve colaborar, unindo-se a outras áreas e analisando, de maneira ampla e irrestrita, os grandes problemas raciais na África do Sul, a fome na Etiópia e em Bangladesh (e em vários outros países), a superpopulação da Índia, o lixo atômico, o desmatamento da Amazônia no Brasil, a crise energética mundial, a destruição da camada de ozônio, etc. Temas urgentes, indispensáveis e multidisciplinares.

Pensemos um pouco na rota das soluções para os mega-problemas acima arrolados. Muitos de nossos jovens crêem na perspectiva individualizada: a única solução possível é fazer as malas e partir para o primeiro mundo. Façamos, então, uma análise de como ocorrem as relações num país de “primeiro mundo”: lá, onde a democracia impera, todos podem “comprar” quase tudo. Os avanços tecnológicos podem ser adquiridos por qualquer pessoa, todos podem ter acesso à tecnologia de ponta, porque o poder aquisitivo, a renda per capita, é maior. Apenas para termos uma idéia, em junho de 1990, para uma jornada de 30 horas semanais, na França, o salário mínimo respectivo era de US$ 890 mensais, ou US$ 668, nos Estados Unidos, por uma jornada de 40 horas semanais.

Enquanto isso, no Brasil, uma jornada de 40 horas semanais, US$ 67 mensais, e na Guatemala, para a mesma jornada, o mínimo representa US$ 50 (Fonte: Embaixada dos países no Brasil). A custa de quem isto ocorre? Existirão países melhores? A terra fértil que produz os grãos concentrou-se em algumas mãos, deixando outras sem nada? Certamente não. Nos países onde se produz avançada tecnologia, onde as ciências estão num grau de desenvolvimento invejável, a produção de alimentos nem sempre sustenta seus habitantes. Para exemplificar: há alguns dados extraídos de uma pesquisa publicada no DCI, em 08 de junho de 1988, mostrando a participação dos salários e a margem do lucro no produto industrial em 1980. Enquanto, em Hong-Kong, a participação dos salários no produto industrial era de 52% e a margem do lucro de 19%, ou na Noruega, respectivamente, 58% e 15%, no Brasil a situação literalmente invertia-se, cabendo a participação dos salários apenas 17% e a gorda margem de lucro ficando com 52% (Fonte: Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial)

Ao nível da divisão internacional do trabalho, conhecemos a situação. A máquina é fabricada no primeiro mundo, com tecnologia própria. O alimento é produzido terceiro mundo, com a máquina do primeiro mundo, mas sem o poder da tecnologia. É preciso produzir alimentos para ganhar dinheiro. Não adianta, contudo, ganhar dinheiro sem os alimentos para comprar, já que possuem o dinheiro. Por que não produzir a própria tecnologia? Não há tempo. É preciso plantar para exportar, para ganhar algum dinheiro, para comer um pouco.

Enquanto isso, no primeiro mundo, o povo bem alimentado, com recursos econômicos, pode investir pesado em sua tecnologia, aprimorando-a sempre mais. No entanto, muita produção tecnológica requer muita energia. Compramos, então, também esta energia, até que, num dado momento, um homem poderoso, sintetizando interesses, em nome de uma Nação, resolve intervir perigosamente junto a esse setor econômico-chave. Desencadeia-se uma guerra. Hipocritamente, o mundo civilizado só percebeu o que este homem representava, os abusos que vinha cometendo, as violações dos direitos dos cidadãos iraquianos, quando o fornecimento de petróleo passou a estar em questão. Podemos crer que a guerra se fez para salvar os “indefesos kuwaitianos”? na verdade, toda e qualquer guerra, qualquer forma de violência à vida é degradante. A morte dos Curdos, de crianças iraquianas, denuncia que, na utilização do cultivo da opressão, dos interesses escusos, ninguém sai ileso. Nem orientais, nem ocidentais, nem leste, nem centro, nem oeste... A única e verdadeira saída é a saída do Homem construtor da Paz e da Dignidade. Como podemos pensar a educação num mundo sem amor e solidariedade? Como podemos pensar a vida num emaranhado de rancores? Como podemos pensar a Física em tal universo de valores? Talvez, escolhendo uma proposta que leve em consideração o homem como valor supremo, desenvolvendo-lhe seu mais fundamental direito, a dignidade.

Tendo como ideal esta visão de mundo, a coisa não fica assim tão difícil. Como dizia o poeta: “A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros por aí”. Como levar a Física para a sala de aula nesta perspectiva? A Física deve ser mais uma, entre outras disciplinas, que auxilia o aluno a pensar de maneira lógica, utilizando, para para isso, todos os recursos e habilidades mentais que ele possui. Mas, deve desafiá-lo a cada instante, provocando desequilíbrio em seus conhecimentos, em suas falsas certezas, em suas verdades acabadas, para que ele possa, de maneira autônoma, transpor estes limites.

Deve, ao mesmo tempo, oferecer suportes de conteúdos, para que esse aluno se desenvolva de maneira gradativa e independente. O professor será o grande provocador desse desenvolvimento. Para que esses desafios ocorram de maneira paulatina, evitando traumatizar ou desestimular o aluno, é imprescindível que o professor o conheça com a maior integridade possível. Conhecendo seu aluno, o professor poderá saber o exato momento em que ele necessita de novo desafio, visto que já venceu o anteriormente provocado.

Nesta razão é que se dá o papel libertador dos chamados conteúdos. Eles subsidiam o orientando para que possa vencer as dificuldades que lhe são propostas, com tranqüilidade, segurança e autoconfiança. Cabe aqui salientar-se que só se constróem conhecimentos quando o trabalho é embasado em conteúdos significativos. Exatamente por esse motivo, não podemos pensar em educação sem conteúdo. Posto que o professor e o aluno são pessoas de relação, é evidente que, para cada desafio, seja estimulado, de comum acordo, um tempo. Este tempo não deve ser rígido e muito menos tomado como uma espécie de verdugo do professor e de seu orientando. O tempo é mais um desafio a ser derrotado. A avaliação, nesta perspectiva, precisa ser realizada bilateralmente, como um processo dentro do trabalho. Isto implica numa continuidade e num acompanhamento constante das realizações do professor e do aluno. esse acompanhamento deve ser feito tanto pelo professor (dos trabalhos seus e de seu orientando) como pelo aluno (dos seus trabalhos e de seu orientador). Isto não implica em que seja imprescindível a avaliação formal, com provas, exames ou testes, mas também não significa que estas modalidades estejam terminantemente proibidas. Quando alguma das partes sentir necessidade, poderá sugeri-las.

O que realmente interessa é que os objetivos de cada etapa do processo estejam plenamente explicitados, para que possa ocorrer uma efetiva aprendizagem e uma significativa mudança de atitudes em relação aos meios e aos fins de educação. Assim, a avaliação deve estar inserida corretamente no contexto metodológico, de forma dialética e dialógica. Apenas para exemplificar: há alguns anos, numa aula introdutória (terceira série do 2º grau), quando consultávamos a turma a respeito do método de trabalho e da forma como pretendíamos desenvolvê-lo, ao abordar o tema “avaliação”, comentamos que não era nossa intenção realizar avaliações formais, uma vez que os que lá estavam, estavam em fim de uma etapa e já haviam sido cobrados suficientemente até ali.

O que nos interessava naquele momento era fornecer-lhes o maior número de instrumentos possíveis para qualificar suas vidas. Mais tarde, fomos agradavelmente surpreendidos por uma história que nos foi contada pela mãe de uma daquelas alunas. Sua filha, ao chegar em casa, comentara que, naquele ano, seria necessário estudar mais Física do que em anos anteriores, uma vez que não haveria provas... Comentários desse tipo estimulam nosso agir e indicam que, pelo menos alguns alunos, conseguem realmente compreender uma proposta de caráter mais abrangente.

Finalmente, precisamos lembrar que esta forma de encarar o ensino de Física exigirá do professor e do aluno um engajamento político-social. Pensar em desafios, em qualquer área, não comporta o acadêmico "estudar por estudar”. Precisamos levar sempre em consideração, junto a nossos alunos, que o estudo e a cultura devem levar o homem a ascender material e espiritualmente na vida, na dimensão individual e coletiva. Somente a organicidade, com os Movimento Populares e com a sociedade civil organizada, poderá levar-nos a uma decisão real de colocarmos nossos intelectos e nossas ações a serviço da melhoria de vida para todos, do resgate pleno da dignidade humana, o maior dos valores.

A Física, como qualquer disciplina, tem tudo a ver com isso.

Moacyr Marranghello
Educador na Escola Municipal Emílio Meyer e nos Colégios Anchieta e Sévigné, em Porto Alegre, na Universidade Luterana do Brasil, em Canoas, e especialista em método e técnicas de ensino.

Desde 1995 © www.dhnet.org.br Copyleft - Telefones: 055 84 3211.5428 e 9977.8702 WhatsApp
Skype:direitoshumanos Email: enviardados@gmail.com Facebook: DHnetDh
Busca DHnet Google
Notícias de Direitos Humanos
Loja DHnet
DHnet 18 anos - 1995-2013
Linha do Tempo
Sistemas Internacionais de Direitos Humanos
Sistema Nacional de Direitos Humanos
Sistemas Estaduais de Direitos Humanos
Sistemas Municipais de Direitos Humanos
História dos Direitos Humanos no Brasil - Projeto DHnet
MNDH
Militantes Brasileiros de Direitos Humanos
Projeto Brasil Nunca Mais
Direito a Memória e a Verdade
Banco de Dados  Base de Dados Direitos Humanos
Tecido Cultural Ponto de Cultura Rio Grande do Norte
1935 Multimídia Memória Histórica Potiguar