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REPRESENTAÇÕES NA COMUNICAÇÃO DE LUTAS PELA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA  OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO PROCESSO ORGANIZATIVO DOS GRUPOS E MOVIMENTOS POPULARES.

 

José Barbosa da Silva[1]

 

Historicamente, o Brasil tem sido um país marcado por segregações e desigualdades sociais[2] e a política nacional tem sido hábil em seus esforços de preservação deste estado de coisas[3]. Mesmo que ao longo dos tempos possa-se ler nas Constituições brasileiras que: “Perante a lei todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”[4], a estrutura da sociedade brasileira, por séculos, têm se empenhado em instituir mulheres, negros, pobres e crianças como desiguais perante os homens ricos e brancos. Aos primeiros, que são mais de 80% da população nacional, as condições oferecidas  asseguram-lhes mais obrigações do que direitos e aos últimos, além de toda sorte de privilégios, garante-se-lhes mais direitos do que deveres[5].

Ao longo da história, várias lutas pontuais demarcaram a resistência dos setores explorados à aceitação pura e simples de sua condição de subalternos. Graças a estas lutas algumas conquistas no plano da construção da cidadania foram efetivadas no Brasil[6]. Essas conquistas não se deram de modo pacífico, ao contrário do que nos mencionam a grande maioria dos livros de história do Brasil[7]. São incontáveis as manifestações repressivas implementadas contra setores da sociedade que se organizaram em prol de melhorias de condições de vida ou do gozo de alguns direitos assegurados por lei à classe trabalhadora[8]. Na Paraíba, em agosto de 1984, Margarida Maria Alves foi assassinada simplesmente por defender o cumprimento de leis trabalhistas, asseguradas aos trabalhadores rurais. Em 1999, quase final do Século XX, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulga um documento que indica a continuidade da violência ainda praticada  no Brasil, contra os trabalhadores rurais[9].

Em todos os momentos da história, como suporte da dominação ou mesmo da resistência, a comunicação, enquanto processo de difusão de informações, esteve presente. Ela foi exercitada através de estratégias e ferramentas disponíveis ou desenvolvidas pelos grupos que dela faziam uso. Nas comunidades não pertencentes aos setores dominantes,  de tradição oral e sem o domínio da comunicação escrita, a exemplo dos quilombos e de Canudos,  ela foi efetivada a partir da recriação e ressignificação de danças, símbolos  e práticas religiosas[10]. E, nos espaços aonde o domínio da cultura escrita já se fazia presente, a exemplo de sindicatos de operários urbanos, ela valeu-se da criação de boletins, jornais, panfletos e de outros materiais impressos[11]. E, mais recentemente, da utilização de difusoras, do rádio, do vídeo e da televisão[12] 

Mas, é somente  a partir dos anos de 1970, que, no Brasil, o uso de materiais de comunicação é intensificado pelos setores populares. Eles são utilizados quase sempre como forma de otimizar os esforços de mobilização e de luta dos diversos setores da sociedade civil, na defesa dos direitos da pessoa humana. Incluindo-se: a luta por melhores condições de vida, pela igualdade entre raças, igualdade entre homens e mulheres, respeito à individualidade, preferências sexuais, pela liberdade de pensamento, de organização social, manifestações políticas, etc.

Para compreender a dimensão do impacto provocado pelas informações veiculadas através dos meios de comunicação social e da preocupação com o controle destas nas sociedades modernas, basta que nos reportemos aos estudos de Ramiro Beltrán e de Elizabeth Cardona (1982),  que nos põem a par do monopólio da informação, tanto por parte dos governos, como por parte de interesses privados[13]. E, contra isto,  alçam da III Conferência do CELAM, em Puebla, 1979, a seguinte afirmação: “Os meios de comunicação social converteram-se em veículo de propaganda do materialismo reinante, pragmático e consumista, criando em nosso povo falsas expectativas, necessidades fictícias, graves frustrações e um afã competitivo malsão.”

Na mesma direção, Caldas (1986: 77-78) nos relata os cuidados tomados com os meios de comunicação pelos Estados latino americanos. Quando faziam desabar as frágeis democracias do continente, em meados da década de 1960, subjugando os meios de comunicação ao mais absoluto controle, fechando alguns jornais, estações de rádio, de televisão ou retirando do ar a sua programação.

Mas os esforços no sentido do controle da informação, por parte de governos e de setores privados, não limitam-se apenas a períodos de ditaduras ou de “regimes de exceção”, eles existem a todo o tempo, em todos os países, mesmo naqueles que consideram-se exemplares em sua democracia[14]. No Brasil, acerca disto, nos são ilustrativas as revelações de Mario Conti (1999): “Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor”[15].

Sendo a informação nas sociedades contemporâneas um instrumento de poder, para uma maior compreensão do universo que a cerca, deve ser lembrado que ela é veiculada numa sociedade  desigual, constituída de grupos e classes sociais distintos, onde muitas vezes o diálogo não é possível, por se tratar de classes sociais antagônicas por definição. Neste cenário, a comunicação é tanto uma ação de interação entre os homens, como um instrumento de barganha e luta política. Concordamos com Sodré, quando ele diz que “a finalidade aparente da informação é ordenar (ou reordenar) a experiência social do cidadão” (Sodré, 1985: 19). E acrescentamos, seguindo a linha de raciocínio de Lima, que para conquistar uma postura crítica, “o homem necessita estar engajado num permanente processo dialético de transformação da realidade por meio da reflexão e da ação” (Lima,1981:119).

É da consciência, em maior ou menor grau, do papel que a comunicação exerce nas sociedades humanas, que organizações e grupos populares adquirem equipamentos para a produção e difusão de informações[16]. Desejam muitas vezes competir com os meios de comunicação de massa, ditos a “serviço das classes dominantes”. No entanto, a grande maioria destes não domina a gramática que norteia a codificação das mensagens , específica a cada um dos meios. E, destarte, não obtêm os resultados ou impactos esperados. Daí, muitos, em curtíssimo prazo, abdicam dos equipamentos, esquecendo-os em armários ou  utilizando-os em funções distintas das inicialmente previstas.

Ainda que muitas experiências de utilização de meios de comunicação por setores do meio popular possam ser verificadas no país, sobretudo a partir de 1970, não há como obscurecer que a participação destes setores no campo da comunicação social implica conhecimentos técnicos e decisão política. A própria escolha do meio está vinculada a conjunturas e metas a que se deseja alcançar[17].Se decidem influir na opinião pública através do uso de meios de comunicação, faz-se necessário o domínio dos signos e códigos que norteiam a codificação de mensagens específicas a cada meio; bem como, conhecer padrões estéticos, valores e habilidades de decodificação do público ao qual a mensagem se destina[18].

Numa informação veiculada através da mídia, o conteúdo da mensagem não é só a seqüênciação das palavras que compõem  o texto (visual ou falado), é também a embalagem com que esta mensagem se apresenta. Assim, num jornal,  a parte gráfica, a cor, o tipo e tamanho da letra, bem como a sua diagramação, constituem também a mensagem. Esta premissa é válida também para mensagens sonoras ou audiovisuais: a trilha sonora, o tamanho dos parágrafos, o tempo de exposição de cada imagem, as cores, a seqüência em que são apresentadas, bem como a freqüência com que aparecem, são elementos intrínsecos à compreensão e à significação que lhes é atribuída.

No entanto, o não domínio pleno desta gramática de formulação de mensagens não são suficientes para impedir a utilização dos meios de comunicação pelos movimentos populares em suas lutas. Estudos indicam que a cada período de cerceamento das liberdades, sobretudo de expressão, canais para estes fins são criados[19]. Dependendo do grau de enfrentamento entre classes, interesses de classes ou de grupos, a capacidade popular de desenvolver mecanismos no campo da comunicação surpreende: Faixas, peças teatrais, cordéis,  informação “boca-a-boca”, pinturas, boletins, cartazes, panfletos, jornais, surgem do dia para a noite. Donde pode deduzir-se que é no percurso das lutas que as necessidades vão sendo gestadas, exigindo intervenções que alteram a realidade dos envolvidos, provocando estímulos à criatividade, à tomada de decisões, estimulando aprendizagens e mecanismos de mobilização. Neste processo, “a consciência, julgada por alguns como prerrogativa da mobilização das massas, será, na verdade, decorrência do processo de mobilização e não o contrário.” (Silva, 1993:39).

No plano da comunicação interpessoal, a simples participação das pessoas em reuniões onde elas possam manifestar o seu ponto de vista já constituem espaços educativos por excelência. Neste sentido, é muito ilustrativo o seguinte depoimento:

“Antes eu vivia trancada, sentia as coisas, mas não falava. Eu queria dizer, mas parecia que não tinha palavras. Eu era como uma muda. Hoje não, depois que eu entrei para o movimento, parece que houve uma despertação comigo. Hoje eu falo, participo dos encontros. Eu aprendi a ter uma nova vida.”[20]

 

Sendo a própria fala um instrumento de luta, Emir Sader analisa: “A linguagem faz parte das instituições culturais com que nos encontramos ao ser socializados. È na verdade a primeira delas e que dá o molde primordial através do qual daremos a forma a qualquer de nossos impulsos. Ela é condição tanto no sentido de que nos condiciona, nos inscreve num sistema já dado quanto no sentido de que constitui um meio para alcançarmos outras realidades, ainda não dadas”.(Sader, 1988:57).

A fala, ou o direito à expressão, pode ser vista como a primeira conquista no longo caminho de construção da cidadania. Desqualificar a fala das crianças, das mulheres, dos negros, dos homossexuais e dos pobres foi uma estratégia freqüente nos 500 anos da história brasileira. O direito à livre expressão era uma premissa do Estado, da Igreja e de setores financeiramente abastados da sociedade. A expressão “você sabe com quem está falando?” foi senha utilizada muitas vezes para calar a voz dos pobres e dos que se encontravam fora das redes do poder.

Neste sentido, o tão criticado “populismo pedagógico”, vivenciado, nas décadas de 1970 e de 1980, nas CEBs e em experiências de educação popular, representa uma reviravolta e deu a sua contribuição rumo a permitir  voz aos “sem voz”.[21]  Se não surtiu os efeitos, em termos de uma transformação social mais ampla, pelo menos desenvolveu  autoconfiança em pessoas ou grupos que antes estavam orientados a desacreditarem de si e de suas possibilidades de exercitarem sua cidadania  no mundo. Ainda nesta direção, muito contribuíram as idéias de Paulo Freire que em sua vida inteira defendeu o princípio da dialogicidade e a idéia de que nenhuma educação faz sentido, senão aquela que ajude o ser humano em seu processo de humanização.

No processo de “humanização do homem” a conquista da autoconfiança para o uso da palavra por aqueles que se diziam incapazes, é,  em si, um avanço. Mas isto é só um passo. Vale reconhecer  que a comunicação não é um fenômeno de via única. Sabemos, ela insere-se a contextos, sofrendo intervenções múltiplas.

Quando trata-se de lutas sociais, na busca de assegurar cidadania para todos ou para determinados segmentos,  mesmo tendo havido crescimento nos setores populares, no que toca a comunicação pessoal e intergrupal, no plano da luta política, surgirão novos desafios: terão que lidar com estruturas de poder, com choques de interesses, lutas de classe,  com populações distintas em valores, culturas,  por vezes desunidas e pouco interessadas em mudar esse estado de coisas.

O “sujeito” constituinte das lutas sociais, originalmente, quase sempre é um todo disperso. A configuração de uma  identidade comum é gestada durante o processo da organização popular. Isto porque todo processo de identidade é uma representação e tende a ser estabelecida a partir de referenciais reducionistas, evidenciados em circunstâncias determinadas, mas negados noutros. A respeito disso Maura Penna afirma: “(...) a identidade é localizada como uma construção do pensamento, sendo em relação à complexidade do real, uma construção redutora, na qual estão envolvidos processos de simplificação e focalização, sofrendo direcionamentos dados pelos interesses e referenciais diversos socialmente disponíveis[22].

Mesmo com as dificuldades de construção de uma identidade de classe, de grupo ou de etnia, se fôssemos considerar as particularidades dos membros de cada um destes segmentos, num determinado momento de conflito, de explicação de posições ou interesses antagônicos, onde surja como necessidade a demarcação nós/eles, a construção de uma identidade fundamentada no interesse comum passaria a ser uma necessidade.

Nas experiências de trabalho desenvolvidas por ONGs, sindicatos ou organizações que visam representar categorias, etnias ou interesses específicos, há esforços  em desenvolver estratégias que reforcem a identidade destes grupos e de seus componentes, enquanto partícipes de um mesmo projeto social.

O processo de formação de uma identidade comum tanto parte da consideração das semelhanças como procura romper preconceitos e concepções de mundo que impeçam ou atrapalhem, na prática, a criação desta identidade.

Mas para que uma luta se estabeleça, não basta tão somente o “recorte” da  “identidade”. É preciso politizar uma dada situação, colocando-a em crise. Neste sentido, Karner(1987) alerta: “Muitas pesquisas já demonstraram que a miséria absoluta, ou seja a pauperização dos países subdesenvolvidos conduz antes à apatia e ao individualismo”. E Nascimento(1988), seguindo raciocínio semelhante, afirma: “(...) as carências só adquirem valor social quando saem do plano do objetivo para o subjetivo. É necessário que elas sejam percebidas, e mais, apreendidas como injustas. A fome sozinha não conduz a nenhuma prática social e muito menos a uma prática organizada, contestadora,  rei-vindicante”.

Às vezes, acredita-se que a organização de grupos que se  formam no meio popular já são prenúncios de uma sociedade democrática, são sementes de um projeto novo de sociedade, de maior democracia, de cidadania assumida, reivindicada, vivida.

Na verdade, essas organizações populares têm-se mostrado mais como uma reação a circunstâncias criadas pela conjuntura ou pela própria estrutura das sociedades, em que elas surgem e não indicam, necessariamente, a busca de uma nova sociedade nem a presença de algum projeto neste sentido. São movimentos que não buscam a transformação da sociedade como um todo, mas buscam o enfrentamento localizado de problemas postos a uma determinada comunidade. Falta de moradia, piso salarial e falta de terra ou de crédito para o homem do campo são questões que mobilizam setores carentes. Fazem-no, não necessariamente numa visão ampla do problema de associa-lo a um modelo econômico e a decisões políticas, mas numa busca a soluções imediatistas para ele.



[1] Professor mestre do Departamento de Metodologia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba.

[2] Neste sentido é bastante ilustrativo o estudo de Caio Prado Júnior (1984), que analisa a história econômica do Brasil e revela que, desde a colônia,  o modelo de desenvolvimento brasileiro é excludente e voltado a interesses internacionais.

[3] Vários são os estudos que indicam a predileção da política brasileira  pela edição de medidas em favor de suas elites econômicas em detrimento dos demais setores da sociedade. Medidas estas que vão desde a repressão a organizações livres e populares, a isenção de elites ao pagamento de impostos,  a  dispositivos que eximem estes últimos de julgamento e punição criminal quando praticam atos de violência. Apontam nesta direção: os estudos de Paulo Nosella (1980): “Porque mataram Santo Dias; a  produção do Ciclo de Estudos: Seminário Sonegação, Fraude e evasão Fiscal (São Paulo, julho/97); a contribuição de José de Souza Martins (1991): “Expropriação e Violência”; Os estudos de Emília Moreira (1997): “Por um pedaço de chão”; a “História da classe operária no Brasil”, de Maria Valéria Rezende (1978). Entre outros. 

[4] Conforme reza o Artigo 5º da Constituição Brasileira ,de 1988.

[5] Quantos homens e mulheres da classe trabalhadora foram assassinados ao lutarem por seus direitos, sem que nenhuma punição tenha sido praticada contra mandantes ou assassinos?. Quantos crimes contra a população foram impunemente praticados por homens do próprio governo em nome da defesa dos interesses nacionais? basta lembrar os tempos da ditadura militar. Vale destaque ainda o artigo: “O encobrimento do Brasil: É pau- Brasil!” de José Murilo de Carvalho, na Revista Pauta, nº 1, dez/99, INESC/Brasília/DF.

[6] A este respeito, ver GONH, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros São Paulo, Loyola, 1995.

[7] Sobre isso nos afirma Hiram (1999: 289): “A grande maioria dos livros de História do Brasil procura ocultar a violência, sobretudo das autoridades, contra reivindicações das camadas populares, visando projetar a imagem do Brasil cordial. Essa visão da história oficial criou-se no século XIX quando, em meio à formação do Estado Nacional, se desenvolveu a idéia de não-violência na sociedade brasileira, ao contrário da violência imperante nas demais sociedades latino americanas, onde a guerra pela independência e o caudilismo predominavam”.

[8] A repressão se dá em vários níveis, desde a medidas legais que buscam inibir processos organizativos da sociedade civil, a repressão armada a manifestações públicas, a prisões de líderes grevistas, de líderes de movimentos em prol de uma reforma agrária, à  não concessão de canais de comunicação social a organizações do meio popular.

[9] Trata-se da publicação: Conflitos no campo: Brasil 98. Goiânia, CPT, 1999. Um excelente retrato das estatísticas e formas de violência ainda praticadas no Brasil pelo latifúndio e pelo Estado contra os trabalhadores rurais: expulsão, despejo jurídico, ameaça de expulsão, ameaça de despejo, destruição de casas, destruição de roças, destruição de pertences, assassinatos, tentativa de assassinatos, ameaça de morte, agressões físicas, lesões corporais, torturas e prisões.

[10] Sobre Canudos, apesar da perplexidade das ciências sociais acerca da dimensão social do fenômeno religioso, sabe-se da força do beato Antônio Conselheiro, descrito por Euclides da Cunha como uma figura a expressar em suas falas e invectivas toda uma estrutura de exclusão social, constituindo Belo Monte como um “ambiente adequado para tentar realizar seus sonhos de justiça, de liberdade, de paz, de fraternidade”. A este respeito ver Calado (1994: 52-56).

[11] Já em 1895, Silvério Fontes funda o Centro Socialista de Santos e dirige o quinzenário “A questão social”. Em 1900, funda-se o jornal “Avanti”, publicado pela Liga Democrática Italiana. E os anarquistas, ainda nos primeiros anos do século, lançam o jornal “La Barricata”.

[12] Vale conferir os estudos de Regina Festa e Carlos Eduardo Lins da Silva (1986) sobre a comunicação popular e alternativa no Brasil.

[13] Os autores trazem uma reflexão acerca da dominação dos Estados Unidos sobre a América Latina tanto em seus aspectos econômicos, como políticos e comunicacionais. Evidenciam ainda a atuação das agências de notícias que decidem quais fatos devem ser notícia ou não nos países do Sul.

[14] O primeiro documento legal sobre os serviços radiotelegráficos e radiotelefônicos  no Brasil data de 10 de julho de 1917, quando o então presidente Venceslau Brás assinaria o Decreto nº 3.296. O teor geral deste documento já prenunciava um aspecto muito importante: nossa política de comunicações seria uma atribuição de exclusiva competência do governo federal. Só ele, ou através de concessão, poderia exercer serviços ligados à comunicação. (Ver Caldas, 1986: 82-92).

[15] Os vínculos do poder com a mídia e o caráter problemático que isto trás para com a democracia é analisado por Albino Rubim: “A mídia configura a contemporaneidade e consubstancia um lugar significativo de gravitação do poder. Conseqüência imediata: eles inscrevem-se no circuito político da atualidade e permitem a emergência de alterações significativas no campo político... A viabilização e radicalidade da democracia exigem por conseguinte, uma compreensão atualizada destes enlaces entre política e comunicação.”(Rubin, 1999: 155).

[16] Desde 1980, tem crescido o número de sindicatos, ONGs, e organizações populares que  adquiriram equipamentos para a produção de informações visual ou audiovisual: mimeógrafos,  câmeras fotográficas, filmadoras, videocassete, televisores, na esperança de produzirem seus próprios boletins e vídeos.

[17] Sobre a escolha do meio, Djalma Patrício (1998: 88-93) tenta demonstrar, ao longo da história, como nesta escolha pesam o ponto de vista do líder do grupo ou do poder: “Lênin entendeu a importancia que tinham os cartazes de rua... Adolf Hitler considerava a imprensa escrita sem muita importância... Mao Tsé-Tung deu muita importância ao sistema educativo de massa...”.

[18] No que toca a esta habilidade de codificação em muito pouco nos ajudam os autores de trabalhos sobre comunicação apegados a esquemas e às teorias dos manuais, desvinculados de contextos. Necessário se faz a consideração da lógica de compreensão presente em cada universo social e local, que não pode ser compreendido fora de sua lógica de valores, aspirações e conjunturas   econômico-sócio-político-histórico-cultural. Como enriquecimento para a nossa reflexão,  Dino Preti, nos oferece uma contribuição, no texto: “A linguagem da tv: o impasse entre o falado e o escrito”, onde ele revela: “procura-se nivelar os padrões, em busca de uma linguagem comum, que possibilite uma compreensão natural, considerando-se as variedades geográficas ou socioculturais dos telespectadores. A busca deste padrão estatístico comum gira em torno de um fator preponderante em comunicação: o entendimento do destinatário. A compreensão imediata pressupõe, sem dúvida,  por parte do falante, um processo de seleção adequada na língua oral da comunidade, fonte imediata do estilo das falas da TV. Essa associação, no entanto, não é fácil, se atentarmos para o fato de que a linguagem de  quase toda a programação é, na sua orígem, uma linguagem escrita.” (Preti, In: Novaes, 1999: 232-233).

[19] A este respeito ver GRINBER, Márximo Simpson (org). A comunicação alternativa na América Latina. Petrópolis, Vozes, 1987.

[20] Depoimento de uma trabalhadora rural, no município de Sapé-PB, em 1986. In: SILVA, José Barbosa da. Assessoria e movimento popular: um estudo do Serviço de Educação Popular (SEDUP). Dissertação de mestrado. João Pessoa, 1992. (mimeo).

[21] Duas obras nos ajudam a melhor compreender a teoria e a prática das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil, uma: Igreja católica e política no Brasil, de Scott Mainwaring (1989) e a outra: A gênese das CEBS no Brasil: elementos explicativos, de Faustino Luis Couto Teixeira (1988).

[22] PENNA, Maura. Identidade e movimentos sociais: homogeneidade ou aliança. In: Política e trabalho, caderno nº 7, pp 60/61. UFPB, abril de 1989.

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Muitas vezes, estes movimentos identificam, no modelo econômico e nas decisões políticas, a causa de seus problemas. Todavia, acabam desmobilizando-se a cada saída imediatista, de caráter conservador, apontada por aqueles que são os principais responsáveis por esta situação: a classe dominante e o próprio Estado[1].

Não obstante, não devemos esquecer o forte teor político-educativo que estes movimentos assumem, ainda mais quando permitem ao homem comum a consciência de ser um cidadão e de ter direitos. A pobreza, o desamparo social e a negação dos direitos, problemas que, graças à ideologia dominante, são apontados como questões pessoais, passam a ser enfrentados de forma coletiva e podem produzir, em seu desenrolar, uma compreensão mais abrangente do complexo das questões sociais.

Ainda sobre a utilização de meios de comunicação no processo organizativo dos grupos, é preciso levar em consideração que estes meios não fazem as organizações nem os movimentos populares, inserem-se a eles, reforçando-os, redimensionando-os. Ao valerem-se da comunicação enquanto instrumento, frente aos avanços mundialmente ocorridos no plano da difusão de informações, os grupos vêm-se desafiados à desenvolverem habilidades à escrita e à combinação de signos visuais, sonoros, bem como ao domínio das novas tecnologias de informação. A comunicação, por todos os elementos que a envolvem, constitui-se num desafio.

Sendo ela utilizada como instrumento, numa luta que visa, entre outras coisas, ter a seu favor a opinião pública, ela assume outra característica: a de ato pedagógico, com todas as implicações cobradas pelo termo. Não esquecendo-se disto, ela pode revestir-se com os mais variados perfis: interpretativa, panfletária, técnica, opinativa, informativa, comunitária, participativa ou não. O importante é a organicidade da informação aos propósitos pelos quais ela fora produzida.

No tocante à opinião pública, sabe-se, ela não existe em si, ela é um produto, resultado de tradições, culturas e de informações veiculadas. Se a opinião pública é decisiva para a mudança ou adoção de políticas públicas,  a informação constitui-se numa arma política, de tal força que muitos a consideram o quarto poder.

Neste sentido, a simples presença na mídia das várias visões de mundo, das circunstâncias sócio econômicas a que se encontram as pessoas, seus valores e razões existenciais, somado à manipulação da informação por parte de setores e movimentos populares e a possibilidade de expressão dos vários segmentos que constituem a sociedade brasileira, através dos meios de comunicação. Adicionado à utopia de que é possível melhorar as condições de vida, para todos, ampliando as possibilidades de barganha em prol dos direitos humanos,[2] sem distinção de qualquer natureza, tal reza o artigo 5º, da atual Constituição Brasileira,  constituir-se-ia num avanço ruma à construção de uma sociedade cidadã.

É certo que os desafios não cessam. A tarefa de humanizar o homem é um ato diário, onde o uso da persuasão, do argumento, de construção de justiça, de liberdade, igualdade, se fazem presentes. Mas não podemos esquecer que além de visar a opinião ou a atitude do outro, esta luta começa em nós mesmos, no que Lourdes Manzine-Covre chama de revolução interna.

E, no mais, “(...) Essas reflexões nos têm permitido avançar com as comunidades e seus êxitos, sempre relativo; têm permitido melhorar suas vidas de maneira concreta. Neste processo valoriza-se a vida em suas variadas manifestações, o que significa viver com mais dignidade, mais modéstia, com mais independência, com mais alegria, com mais plenitude. Em uma palavra, procuramos nos humanizar cada dia mais, na teoria e na prática”(Faundez, 1993:119).

 

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[1] Não está eliminada aqui a parcela de culpa dos setores dominados, que, frente aos fatos, optam pelo camionho mais curto: o do conformismo e da acomodação.

[2] Direitos humanos compreendidos aqui segundo Dallari: “(...) as pessoas humanas são todas iguais por natureza e todas valem a mesma coisa, mas cada uma tem suas preferências, suas particularidades e seu modo próprio de apreciar os acontecimentos. Por causa dessas diferenças as pessoas nem sempre estão de acordo e é preciso que existam regras regulando os comportamentos, estabelecendo o que cada um deve ou não fazer, o que é permitido e o que é proibido”.(Dallari, 1981: 7-8).

 
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