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AS REPRESENTAÇÕES NA COMUNICAÇÃO 
DAS LUTAS POPULARES

 

João de Lima Gomes[1]

 

Antes de mais nada agradeço ao convite da professora Nazaré Zenaide para aqui montar uma sessão temática com um assunto tão convidativo como esse da representação na comunicação das lutas populares, e também ladeado por pessoas que vivenciam processos de criação, estudam e atuam com meios pedagógicos audiovisuais. Naturalmente que isso já encaminha e afunila para os meios audiovisuais no contexto da comunicação como um todo.

Tal como ocorreu ontem, é um  recorte ocidental o trazido para discussão  já que é grande a dificuldade de localizar e estudar a temática num espaço geográfico mais amplo. Então é já um olhar parcial da problemática a ser enfocada, e também com uma ênfase no estudo da temática a partir de uma geografia da Europa e das Américas.

Para efeitos de uma teorização em tal escala, é preciso não esquecer que as bases das pesquisas que conformaram um primeiro esforço  teórico advêm da situação de guerra no contexto europeu – da Primeira e da Segunda Guerra – e também das américas.

São muitos os relatos de pesquisas patrocinadas pelas forças armadas dos EUA. A  intenção era saber o estado da população face a uma situação real  de guerra. A marinha americana financiou pesquisas em universidades americanas e isso marcou muito esses primeiros estudos.

Então uma demanda crescente foi a dos estudos que, financiados pelas forças armadas, já deixavam o objeto comunicação um tanto “amarrado”, sobretudo quando entendemos que a premissa era a criação de um estado de ânimo na população para adesão a uma provável campanha massificadora sobre o ideal de guerra.

No plano das mensagens, também a decifração de códigos militares fizeram com que fosse produzido também um arrazoado significativo de materiais que circulavam por meios técnicos indispensáveis no esforço de guerra.

Além do estímulo demandado por um viés nitidamente político e centralizador, houve iniciativa também dos conglomerados de broadcast. Aí houve um interesse especial já que se tratava de uma orientação para conhecimento do mercado .

As grandes redes de radiodifusão estavam interessadas no comportamento dos americanos frente aos meios massivos. A CBS, NBC financiaram projetos grandes em institutos de pesquisas.

Estas pesquisas têm relação direta com um fator da  demanda de mercado de bens de comsumo no contexto americano. Esse foi um forte condicionante que a própria economia de mercado acionou e é natural que tal como a demanda por mudança de atitutes da população frente a uma situação real de guerra,  houvesse a necessidade de atingir o mercado de consumo, escutar através de métodos estatísticos qual era a inclinação da população em face a mercadorias que a base produtiva estava lançando.

Autores como Merton, Lasswell e Lazarsfeld podem ser agrupados como iniciadores deste primeiro esforço de compreensão do comportamento das massas frente aos “novos” objetos.

Eles têm em comum o olhar sobre um arcabouço político de democracia que lhes parece modelar, baseado num critério de representação popular e harmonia social bastante peculiar. Quando criticados sobre problemas da inserção da comunicação no todo social avançaram para o conceito de disfunção, livrando a comunicação de responsabilidades maiores na medida em que os consertos possíveis poderiam ser operados no plano das mensagens comunicativas .

            Com “A violação das massas pela propaganda política”, lançado na ex-URSS, os russos também demonstram interesses em entender a estratégia de comunicação vinculando-a a uma estratégia de guerra. Não é portanto somente um apanágio dos americanos, a preocupação com a comunicação de guerra.

            Embora que no caso da então União Soviética o modo de produção fosse distinto, houve um esforço de pesquisas vinculando estes meios com a arte, que num curto período histórico trouxe progressos notáveis. Isso posto nestes grandes cenários, serve apenas para demonstrar que o  impulso inicial das pesquisas foi marcadamente político.

No caso americano, esse início e seu desenvolvimento denotam que hoje refinaram-se os aparatos de medição da opinião no que concerne a mudanças de atitude, especialmente em períodos eleitorais, e há uma grande possibilidade de acertos de previsões eleitorais, graças ao avanço da estatística e desses instrumentos que agora são quase instantâneos na medição de atitudes. Naturalmente que aí se considera o dado como o principal.

É curioso que um autor como Lazarsfeld, que nos anos trinta havia começado a fazer pesquisas qualitativas, foi para os EUA (tinha pesquisado o desemprego no seu país), e é um autor de referência quando se trata  da pesquisa de comunicação no contexto colocado acima. O próprio Theodor Adorno, que trabalhou com pesquisas e pesquisadores americanos, foi bastante crítico em relação à abordagem em que enfoca o dado como o elemento mais relevante do problema pesquisado.

            Pois bem, esse é um dado genérico. Acontece que no mesmo momento histórico, numa premissa que não é necessariamente a da comunicação de guerra nem a conquista do mercado, mas numa investigação a partir do próprio objeto, ou objetos como   o jornal, o rádio, o cinema, a tv, surgiram estudos importantes no cenário europeu.

Esses estudos tiravam da natureza interna dos meios as ilações com relação a atitudes da massa, mas não se preocupando com refinamentos estatísticos de coletas de dados junto à população, nem precisando correr  cegamente atrás do dado. Era um esforço de  permear o objeto, questionando seu aparecimento histórico, seu lastro cultural principalmente. Ver qual a herança desses objetos em relação a uma tradição cultural.

Em alguns autores de Frankfurt, como o próprio Adorno, as referências à massa são feitas a partir de uma amarração conceitual de Indústria Cultural..

No caso de Walter Benjamin, que não pode ser considerado a rigor um frankfurtiano,  as idéias sobre rádio e a popularidade do meio ainda hoje não foram colocadas em prática. Eram idéias de um rádio não grotesco, mas um rádio como instrumento poderoso de popularização do conhecimento científico.

Em relação ao cinema, achava que era um meio que facultava inclusive a participação do popular no interior de uma obra-prima fílmica. Seus exemplos,  Chaplin e  Vertov,  são autores que até fins dos anos trinta já tinham alcançado as massas numa direção da representação social, de um simbolismo universal e de forte conteúdo social. A idéia, depois de Vertov, em fazer um cinema de esclarecimento, não alienante, foi aliás  continuada teoricamente por um autor do porte do Bauldry.

Eu chamo a atenção para o fato dos autores europeus trabalharem os meios  num viés diferente da sociologia americana, de tendência que era então marcadamente funcionalista.

Com um só rótulo você não consegue abarcar toda uma gama de autores europeus que estudam, nesse período, o fenômeno. É, no entanto, muito mais saborosa a leitura desses autores. Poderíamos citar genericamente o termo Teoria Crítica, mas isso responderia a apenas uma das ramagens das quais brotaram as primeiras teorias dos meios, especialmente antes e depois da guerra, com uma lacuna  no período de ascensão de regimes totalitários, onde a tônica passa a ser outra e a realidade é a da exclusão da fala e a centralização de pólos de emissão massiva de mensagens. Aí sim, propícias para a criação de um estado de massificação.

Eu diria que as tendências que mais chegaram até nós, pelo menos  no caso brasileiro, até fins dos anos 60, foram esses dois grandes fluxos – embora outros também sejam importantes.

Só depois passaram  a ser considerados como decisivos para o entendimento da comunicação contemporânea autores que trazem novos enfoques teóricos, como Canclinni, Barbero, Ismar Soares, etc. Estes autores estão hoje presentes em diversos níveis e departamentos de ensino e produção de  pesquisas da comunicação no país e na América Latina.

Mas por ora basta esses dois grandes blocos, e como a conversa  aqui na mesa, a partir dos convidados, gira em torno do audiovisual, vou usar os exemplos do cinema para ilustrar, numa perspectiva  mais próxima da gente, o que poderemos entender como uma situação de presença da fala dos excluídos, dos marginalizados numa situação de disputa com outros bens simbólicos da cultura brasileira e da América Latina.

No contexto do cinema, entre os dois grandes gêneros narrativos que são o cinema ficcional e o documentário, fiz uma opção pelo segundo, enfatizando que a idéia da representação das lutas sociais, da polifonia dos personagens (em sua maioria atores naturais), e do compromisso ético desse tipo de cinema, diz mais para o tema da representação na comunicação das lutas sociais do que o de outro gênero. 

Para não ir muito longe, lembro o caso de alguns delimitadores desse tipo de preocupação que encontro nos filmes Aruanda, de Linduarte Noronha, Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho e Conterrâneos Velhos de Guerra, de Vladimir Carvalho.

O primeiro significa também um recorte histórico brasileiro, pois inaugura o moderno cinema documentário no país, denúncia gritante da situação de exclusão social da população negra de ex-quilombolas, que até fins dos anos sessenta viviam em completo isolamento, na Serra do Talhado, interior da Paraíba.

O Cabra Marcado...,  é um filme sobre o paroxismo da violência no campo contra a organização política dos humildes camponeses que a partir das Ligas Camponesas de Sapé começaram um processo de luta no meio rural que até hoje repercute. Além da tragédia que se abateu na vida pessoal de Elizabeth Teixeira, protagonista do documentário,  o golpe foi  duplo pela condição de mulher e líder sindical.           

O outro exemplo seria o Conterrâneos..., uma vez que a projeção de uma cidade para homens iguais que seria o ideal de Oscar  Niemeyer – ele fala isso no filme – acabou se transformando num exemplo de exclusão de  massas  de trabalhadores urbanos que construíram a cidade de Brasília. 

É preciso deixar claro que falamos sobre esses filmes porque, de alguma forma, esses filmes disputaram em condições de desigualdade espaços na mídia brasileira com os materiais simbólicos que são, em grande maioria, voltados para a indústira de entretenimento.

O Cabra Marcado..., por exemplo, foi distribuído pela Globo Vídeo, com chamadas comerciais inclusive, e emissões em vários canais educativos. O Conterâneos...  já foi exibido mais de seis vezes no canal CINEMAX. Quanto a Aruanda, a Globo local preparou uma emissão para a semana em que ele completará 40 anos da primeira exibição em João Pessoa, em 19 de setembro.

Pois bem, é para mostrar que mesmo a Indústria Cultural, como a gente entende hoje, tem suas contradições e, às vezes, vocaliza esse tipo de mensagem num espaço que, como já disse, disputa em desvantagem com os outros bens da indústria de divertimento.

Eu trouxe exemplo de uma seqüência do Conterrâneos... no qual os personagens falam sobre a expulsão de seus barracos de uma área considerada nobre em Brasília, no plano piloto, em 1986. Eles falam e aí apresenta-se  muito forte a cidadania,  a clareza com que defendem a terra onde querem morar.

 

[Preparou-se a exibição da seqüência da destruição de uma favela, com o uso de força policial e destruição de barracos dos moradores, seguindo-se o debate].



[1] Mestrado pelo CTR- Escola de Comunicação e Artes/USP; Coordenador do Núcleo de Documentação Cinematográfica – NUDOC/UFPB

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