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DEMOCRACIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS. EM TORNO DA NOÇÃO DE ESTADO DE DIREITO

Eduardo R. Rabenhorst1

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À GUISA DE INTRODUÇÃO:

 

A noção de “Estado de direito” enseja polêmicas infindáveis no âmbito da teoria jurídica. Afinal de contas, quais são as propriedades (formais e materiais) exigidas de uma ordem política para que ela possa vir a ser chamada de “Estado de direito”? Um sistema político que impõe uma legalidade autoritária, por exemplo, pode ser considerado um “Estado de direito” ou este título é válido exclusivamente para os regimes democráticos ?

Devemos lembrar que para alguns partidários do positivismo jurídico, principalmente Hans Kelsen, a própria expressão “Estado de direito” (Rechtsstaat) é contraditória ou redundante, já que não existe qualquer possibilidade de se conceber o direito fora do Estado. De acordo com a famosa Teoria pura do direito, Estado e direito se confundiriam na tarefa de regulamentar o emprego da força nas relações entre os homens. Assim, segundo Kelsen, ao contrário do que costumamos imaginar, não há duas esferas separadas, o Estado de um lado e o direito do outro, mas tão somente uma única ordem jurídico-estatal composta por vários estágios que estão interligados de forma estática e dinâmica, de maneira que ? ?3???cada norma emanada da ordem estatal encontra sua validade não em um conteúdo, mas na mera conformidade com uma norma do tipo superior2.

Na perspectiva de Kelsen, portanto, o termo “Estado de direito” é tautológico, ou o que é bem pior, contraditório. Tautológico porque não existe um Estado que não seja, por definição, “de direito”. Contraditório porque o termo em questão sugere que o Estado pode estar submetido a uma ordem jurídica não estatal, ou seja, a um direito natural ou metafísico que não é passível de ser admitido por uma teoria jurídica científica. Coerente com esta argumentação, Kelsen, a despeito de suas indubitáveis convicções democráticas, foi forçado a concluir que do ponto de vista da ciência do direito, ponto de vista formal obviamente, o III Reich seria um Estado de direito.

Em franca oposição a tal ponto de vista encontram-se os autores que acreditam que a noção de “Estado de direito” não pode ser vista simplesmente a partir do ponto de vista da coerência de uma pretensa pirâmide normativa. Para eles, o equívoco de Kelsen consiste em supor uma identidade conceitual entre o direito e o Estado, quando na verdade o primeiro é uma esfera de regulamentação que existe mesmo na ausência do segundo. Para estes autores, o Estado não ? ?3???passa de uma invenção recente que consiste na criação de um corpo político administrativo especializado (parlamento, governo, tribunais, etc.) que monopoliza o exercício desta regulamentação. Dessa forma, a emergência do Estado está restrita às sociedades nas quais se instalou - de forma “natural” por meio de um processo de diferenciação das várias esferas normativas ou artificialmente por via da imposição do modelo político europeu às outras culturas - um acesso desigual aos meios de produção ou de reprodução.

O Estado de direito, por sua vez, teria surgido após a queda do modelo absolutista quando o liberalismo econômico passou a exigir segurança jurídica para desenvolver suas atividades com base nos princípios da liberdade e da propriedade. Neste sentido, para os opositores de Kelsen, a decisão do insigne jurista austríaco de tomar o conceito de “Estado de direito” em um sentido “genético”, ou seja, como se tratasse de um conceito acerca da gênese do direito, pode ser coerente com os pressupostos da Teoria pura do direito, mas ela é arbitrária do ponto de vista histórico. Afinal, o termo alemão Rechtsstaat sempre? ?3??? foi entendido no sentido do “Estado liberal de direito”, ou seja, na acepção do modelo político que restringe a atuação do Estado à proteção das liberdades individuais, controlando a legalidade de seus atos e assegurando a elaboração de normas jurídicas segundo procedimentos democráticos.

Obviamente, Kelsen está ciente deste significado. Contudo, ele acredita que o mesmo é incompatível com uma teoria positivista do direito, pois essa ultima não pode admitir que as liberdades individuais ou, o que significa o mesmo, que a ideologia liberal figure como uma espécie de conteúdo prévio do direito3.

O que a tradição jurídica européia continental chama de “Estado de direito” é, com apenas pequenas distinções que veremos adiante, basicamente a mesma coisa que a tradição jurídica anglo-saxônica chama de rule of law (domínio da lei), ou seja: (1) a garantia de proibição do exercício arbitrário do poder; (2) a exigência de normas públicas claras e consistentes; (3) a existência de tribunais acessíveis e estruturados para ouvir e determinar as diversas reivindicações legais.

Contudo, é importante observarmos que os juristas anglo-americanos quase ? ?3??? nunca utilizam a expressão “Estado” no mesmo sentido dos juristas continentais (os norte-americanos, por exemplo, fazem uso do termo Estado apenas em referência às unidades políticas que formam a Federação). Assim, o que na tradição do civil law é chamado de Estado, recebe nos países que adotaram o sistema de commom law o nome de “governo”. Por isso, ao contrário do que ocorre com a expressão “Estado de direito”, o termo rule of law não apresenta qualquer indício de contradição ou de redundância, pois o que ele evoca é claramente uma limitação ao exercício do poder político, ou seja, a “eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a conseqüente garantia de direitos dos indivíduos perante estes poderes”.4

A idéia de rule of law está intimamente conectada com a própria história das liberdades políticas e das garantias individuais, principalmente no âmbito penal. Na Inglaterra o marco inicial desta história é a promulgação da Magna Carta por João Sem Terra em 1215, primeira tentativa de se estabelecer em termos jurídicos uma limitação do exercício do poder político. Firmada nas planícies de Runnymede, não muito longe de onde se situa ? ?3???atualmente o castelo de Windsor, a Magna Carta selou o compromisso entre João Sem Terra e os barões ingleses de que nenhum homem - nem mesmo o rei - estaria acima da lei. No mais, ela concedeu a “todos os homens livres” (na época uma pequena parcela da população inglesa) o direito ao “devido processo legal”, ou seja, o princípio de que ninguém poderia ser detido ou destituído de seus bens sem julgamento prévio.  Este princípio, como sabemos, exerceu uma influência notável em outros documentos jurídicos importantes de limitação do exercício do poder régio no contexto anglo-saxão, como a Petition of Rights de 1628, o Acta de Habeas Corpus de 1679, a Bill of Rights de 1689 e a própria Constituição dos Estados Unidos da América.

            A Constituição norte-americana é outro marco decisivo na elaboração do conceito de rule of law. Com efeito, os revolucionários americanos não apenas afirmaram o valor normativo ? ?3???superior do texto constitucional (higher law), instituindo assim a própria concepção de um Estado constitucional democrático, como também consignaram as propriedades procedimentais e substanciais que caracterizam o “domínio da lei”.

Estas propriedades substanciais estão contidas em sete das dez Emendas que compõem a célebre “Declaração americana de direitos”: a Primeira Emenda garante a liberdade de expressão, de religião, o direito de reunião pacífica e o direito de peticionar ao governo; a Quarta Emenda proíbe a devassa injustificada do lar e a revista injustificada do indivíduo; a Quinta e a Sexta Emendas asseguram os direitos fundamentais em matéria penal e o “devido processo legal” (o acusado não pode ser compelido a produzir uma prova contra ele mesmo, deve ser informado da natureza e causa da acusação, não pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo delito e etc.); A Oitava Emenda proíbe a fiança excessiva e as penas cruéis ou singulares; A Nona e a Décima Emendas asseguram aos Estados federados a ao povo todos os poderes e liberdades não enumeradas na Constituição5.

É interessante lembrarmos que a tradição do commom law, ao contrário de sua congênere continental, assume de pronto que os indiví? ?3???duos possuem direitos independentes do Estado. Na Magna Carta, os barões reunidos em Runnymede deixaram claro que o rei não lhes outorgava direitos novos, mas apenas honraria o compromisso de não mais privá-los dos direitos concedidos por Deus. A Constituição americana segue o mesmo caminho, pois ela afirma que a liberdade individual vem das “leis da natureza” e que “todos os homens são criados iguais, que são agraciados por seu Criador com certos direitos inalienáveis, que entre esses direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Neste sentido, conforme sublinhou A.. Passarin d’Entrèves, a rule of law possui um “conteúdo positivo” expresso em termos de valores fundamentais que remetem em última análise à idéia de dignidade humana6. 

 

 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE “ESTADO DE DIREITO”:

           

A tradição anglo-saxônica do rule of law, conforme acabamos de ver, não se contenta em atribuir uma dimensão meramente formal à idéia de “Estado de direito”, mas ela inclui também uma dimensão substancial. Com efeito, a rule of law não apenas submete o exercício do poder ao direito, concebendo diversos mecanismos de controle dos atos governamentais, mas ela concede aos indivíduos direitos inalienáveis anteriores à própria ordem estatal. Neste sentido, é importante ressaltarmos que o princípio do “devido processo legal” indica algo muito mais precioso do que podemos imaginar a primeira vista: não se trata apenas da idéia de que os indivíduos devem ser tratados segundo aquilo que a lei lhes reserva ou atribui (igualdade perante a lei), mas fundamentalmente que eles sejam tratados segundo procedimentos justos e eqüitativos7

            Nos países que pertencem à tradição do civil law, ao contrário, a noção de “Estado de direito” foi concebida inicialmente em uma dimensão meramente formal, confundindo-se com o próprio princípio da legalidade. Este princípio, como sabemos, estabelece que todos os atos emanados dos órgãos do Estado devem estar habilitados juridicamente, isto é, devem es? ?3???tar fundados e motivados em uma hierarquia de normas públicas, claras, abstratas e gerais.

Esta submissão do poder estatal à hierarquia das normas sofreu uma inflexão com o advento do chamado Estado de bem-estar social. Este novo modelo, oriundo das revoluções sociais do século XX, passou a atribuir novas responsabilidades à ordem estatal, principalmente a de assumir o desenvolvimento econômico e social criando mecanismos de proteção contra os efeitos colaterais da economia de mercado.

            Nos últimos anos, porém, a tradição continental da Rechtsstaat passou a incorporar a dimensão substancial da rule of law, incluindo dispositivos de garantia dos direitos fundamentais8. Esta nova modalidade de “Estado de direito” vem recebendo o nome de “Estado constitucional”. A principal distinção entre o “Estado constitucional” e as antigas noções de Rechtsstaat e de État de droit, encontra-se no fato de que o primeiro não se limita aos aspectos formais da legalidade do exercício do poder, mas ele inclui normas substanciais expressas nos chamad? ?3???os “princípios constitucionais” e nas normas relativas aos direitos fundamentais.

 

1 Professor Doutor do Departamento de Direito Público do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB.

2 Ver a propósito Hans Kelsen, Teoria pura do direito, São Paulo, Martins Fontes, 1985.

3 Para uma análise crítica da posição kelseniana ver Michel Troper, Pour une théorie juridique de l’ État, Paris, PUF, 1994, cap. IX.

4 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, Estado de Direito, Lisboa, Gradiva, 1999.

5 Ver a propósito AndreW D. Weinberger, Liberdades e garantias. A declaração dos direitos, Rio de

janeiro, Forense, 1965.

6 Ver a propósito ª Passerin d’Entrèves. La notion de l’Etat. Paris, Sirey, 1969.

7 Ver a propósito Noberto Bobbio. Igualdade e Liberdade, Rio de Janeiro, Ediouro, 1997.

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8 Sobre as transformações da noção de “Estado de Direito” vale a pena a leitura de Nelson Saldanha, Estado de direito, liberdade e garantias, São Paulo, Sugestões Literárias, 1980. Ver também Lars D. Eriksson, “ Tendências conflictivas em el derecho moderno” , in Aulius Aarnio, Ernesto G. Valdés e Jyrki Ussitalo ( compiladores), La normatividad del derecho, Barcelona, Gedisa, 1997

 

“ESTADO CONSTITUCIONAL” E DEMOCRACIA: 

 

O “Estado constitucional” está intimamente conectado com a idéia de democracia, mas ao mesmo tempo impõe limites a esse regime. De fato, a mera submissão do poder ao direito nada informa acerca do conteúdo das normas jurídicas de um Estado. Por isso, para muitos autores, principalmente Luigi Ferrajoli, não é possível utilizarmos rigorosamente os termos “Estado de direito” ou “Estado constitucional” sem que sejam assegurados dois pressupostos básicos: (1) a  garantia de que as normas jurídicas gozam de legitimidade; e (2) a garantia de que as normas são aplicadas pelas autoridades judiciárias de acordo com determinados critérios.

A primeira garantia exige que as normas de um “Estado de direito” sejam estáveis, prospectivas, gerais, claras, públicas e produzidas segundo procedimentos democráticos e através de um Poder legislativo que represente a vontade popular. A propósito, conforme observa J. Canotilho, por mais que inúmeros juristas procurem separar constitucionalismo e democracia, a única maneira não metafísica de fundamentar os princípios basilares do “Estado constitucional” é através da idéia de soberania popular9.

Contudo, em um “Estado constitucional” não é o direito que está submetido à democracia, mas é a democracia que está submetida ao direito ou mais precisamente aos direitos fundamentais. De fato, se o “Estado constitucional” incorpora normas substanciais relacionadas com estes direitos, tais normas, evidentemente, não podem estar submetidas à vontade da maioria, mas conforme assinalou oportunamente Luigi Ferrajoli, elas estabelecem uma esfera do “não decidível” que inverte a tradicional relação entre o direito e a polí? ?3???tica. Por conseguinte, escreve Ferrajoli, “já não é o direito que pode ser concebido como instrumento da política, mas pelo contrário a política é que deve ser assumida como instrumento de realização do direito”.10

A idéia do insigne jurista italiano implica em uma revisão completa das tradicionais teorias da validade do direito e da democracia. Esta revisão foi proposta pelo próprio Luigi Ferrajoli em sua obra Direito e Razão. Teoria do garantismo penal na Itália em 1989. De acordo com esta teoria profundamente inovadora, a legalidade em um Estado constitucional possui uma dimensão formal relacionada com as formas dos atos normativos (validade formal ou existência), mas também uma dimensão substancial referente ao seu conteúdo (validade substancial).

A segunda garantia de uso rigoroso do termo “Estado de direito”, por sua vez, está relacionada com o próprio aspecto dinâmico do direito. Ela exige que as normas sejam aplicadas por tribunais imparciais, acessíveis aos cidadãos, que motivem suas sentenças no próprio direito e que atuem ? ?3??? contra os desvios do poder controlando a constitucionalidade das leis e dos desvios dos atos administrativos. Daí deriva que o judiciário em um “Estado de direito” não é o mero órgão aplicador do direito, mas ele possui uma responsabilidade política.

           

AS DIFICULDADES DE EFETIVAÇÃO DE UM PLENO “ESTADO DE DIREITO”. O CASO BRASILEIRO.

 

A maior parte das Constituições ocidentais, inclusive a brasileira, contempla as garantias que acabamos de assinalar. O problema, contudo, é que tais garantias figuram apenas em um âmbito formal. Vejamos porquê.

             Comecemos pelo aspecto estático do direito. A propósito, não é difícil percebermos que existe hoje um problema fundamental que coloca sob suspeita a caracterização de muitos sistemas constitucionais  como efetivos “Estados de direito”. Tal problema, conforme bem observou Norberto Bobbio em um? ?3??? famoso ensaio sobre o futuro da democracia11, relaciona-se com a própria maneira como esse regime é entendido no mundo contemporâneo. Afinal, será que as normas produzidas nas democracias contemporâneas representam efetivamente a vontade popular?

Para tanto, acredita Bobbio, seria necessário o cumprimento de algumas das promessas formuladas pelos sistemas democráticos. O problema, no entanto, é que todas estas promessas foram notoriamente descumpridas:

Em primeiro lugar a promessa de soberania popular, desmentida pelo crescimento da burocracia encarregada de gerir a coisa pública;

Em seguida, a promessa de uma maior autonomia dos indivíduos no âmbito da vida política, contrariada: (a) pela constatação de que os protagonistas da política são as oligarquias, isto é, os grupos, as organizações, os sindicatos, etc; e (b) pela complexidade dos problemas que exigem um conhecimento técnico acessível unicamente aos especialistas12;

? ?3???Em terceiro lugar a promessa de que os indivíduos seriam co-gestores da política, descumprida pela apatia imposta pela mídia e pela propaganda política13 ;

Por fim, a promessa de erradicação do poder invisível desmentida pela persistência de organizações secretas interferindo na vida política (a máfia, a maçonaria, etc.).

O descumprimento destas promessas trouxe resultados profundamente indesejáveis para os regimes políticos democráticos. Afinal, a democracia não se converteu em uma simples alternância das elites oligárquicas no poder como suspeita Danilo Zolo? Neste caso, quando comparecemos ao processo eletivo não estamos apenas legitimando este poder? Tais questionamentos, transpostos para o plano do Brasil contemporâneo, trazem conseqüências ainda mais desagradáveis, já que a escolha da representação democrática é entendida neste país não como um direito, mas como um dever. Afinal, não somos obrigados a legitimar um regime que, em última análise, reprime nossa própria autonomia?

Existe ainda, no caso brasileiro, um problema suplementar e que diz respeito ao que pode ser chamado ? ?3???de aspecto “dinâmico” do direito. De fato, não é difícil perceber que no Brasil a aplicação das leis é feita com base em uma extravagante discricionariedade. Em todo caso, a célebre frase "Aos meus amigos, tudo; aos meus inimigos, a lei" atribuída a Getúlio Vargas, parece ser uma espécie de máxima fundamental do sistema jurídico brasileiro. Na prática, ela significa, por um lado, que as elites estão imunes ao direito em seu aspecto punitivo; por outro, que os desfavorecidos não têm acesso às prestações positivas do Estado.

Por incrível que pareça, essa assimetria existente entre os (sobre)cidadãos e os (sub)cidadãos  não figura apenas no plano das relações sociais como costumam imaginar os antropólogos, mas ela está consignada em várias passagens da Constituição brasileira. Não somos um dos poucos, senão o único país a admitir uma prisão especial para aqueles que freqüentaram a universidade?

Um outro problema básico que ameaça a caracterização do Estado brasileiro como um efetivo “Estado de direito”, relaciona-se com a falta (ou ineficácia) dos mecanismos  que visam assegurar os limites à própria democracia e ao princípio da maioria. Afinal, a Constituição pátria esta? ?3???belece em seu art. 60 várias “cláusulas pétreas” que não podem ser emendadas, mas ela não prevê o mesmo para os direitos sociais e econômicos que continuam sendo vistos como direitos secundários que não podem ser efetivados enquanto não existirem recursos suficientes para tanto (interessante é notar que os governos se recusam a introduzir a idéia de um orçamento participativo e a fixar, na Constituição, um percentual mínimo para a implementação de políticas públicas vinculadas à saúde, educação, trabalho, etc.). Por isso os direitos sociais e econômicos, dispostos constitucionalmente, vêm sendo sistematicamente barganhados por uma pretensa estabilização financeira e a redução do déficit fiscal...

Os problemas que acabamos de assinalar mostram o quanto é difícil caracterizar o Estado brasileiro como um efetivo Estado de direito. Para tanto, seriam necessárias não apenas mudanças constitucionais e legais, mas uma modificação profunda nas atitudes. Nesta ótica, podemos concluir afirmando que a instauração no nosso país de um “Estado de direito” em sentido substancial, exige não apenas modificações constitucionais e legais, mas uma mudança profunda nas atitudes. Só assim será possível resgatarmos a esperança e a utopia de cumprimento das promessas das belas promessas da democracia.


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9 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho, Estado de direito, op. Cit., p. 29-30.

10 “ O estado constitucional de direito hoje: o modelo e sua discrepância com a realidade” , Conferência proferida no seminário “ A Crise do poder judicial na crise do estado de direito: Itália-Espanha, uma reflexão comparada” e divulgado eletronicamente com tradução de Eduardo Maia Costa em http://www.smmp. pt/estado.htm

11 ? ?3??? Ver Noberto Bobbio. O futuro da democracia. Uma defesa das regras do jogo.  Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

12 Ver a propósito John Markoff, “ Globalização e democracia: conexões conturbadas” , in João Rodrigues Barroso ( Coordenador). Globalização e identidade nacional, São Paulo, Atlas, pp. 65-97.

13 Ver a propósito Manuel Castells. “ A política informacional e a crise das democracias” , in O Poder da identidade, Rio de Janeiro, paz e Terra, 1999.

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