Apresentação
“Pior
que a discriminação em si, é ser
discriminado por aqueles dos quais esperávamos justiça!”
(Esopo)
Ao
iniciar o século XXI, somos obrigados a constatar uma dramática
realidade: os homossexuais continuam sendo as principais vítimas do
preconceito e violência dentro da sociedade brasileira.
Ainda são ouvidas com frequência
de norte a sul do país, frases com expressões chulas do tipo:
“Viado tem mais é que morrer!”,
“Prefiro ter um filho ladrão do
que bicha!”, “Melhor uma
filha puta do que sapatão!”
Só
para ano de 2000, estão
aqui documentados 130 assassinatos de gays, travestis e lésbicas e 261
casos de discriminação anti-homossexual: números que revelam
uma situação de extrema violência e intolerância contra mais
de 10% da população brasileira, constituída por homossexuais, números
que com certeza estão muito aquém da realidade, pois nossas fontes não
cobrem a totalidade do território nacional.
Lastimavelmente,
a homofobia – este ódio doentio à homossexualidade – tem raízes
profundas no Brasil, e as denúncias aqui divulgadas comprovam
meridianamente que as travestis, gays,
lésbicas e transexuais constituem
a minoria social mais
vulnerável em nossa sociedade. Fragilidade
que tem sua origem na falta de apoio dentro do próprio lar:
enquanto crianças e adolescentes negros, judeus,
deficientes físicos, são ensinados por seus pais e
familiares, a como enfrentar o preconceito e a hostilidade da sociedade
global, desenvolvendo seu orgulho étnico ou racial e
sua auto-estima, para os jovens
homossexuais ocorre exatamente o contrário:
é dentro de casa e por parte dos parentes mais próximos que
primeiro, e de forma mais cruel, se
manifesta a crueldade da discriminação. Os jovens homossexuais que têm
a felicidade de não serem insultados,
agredidos, apartados e expulsos de casa, vêem-se forçados a manter
na clandestinidade sua verdadeira essência existencial,
impedidos de abrir seu coração e compartilhar sua vida íntima com
seus entes mais próximos. Permanece
entre nós o abominável complô
do silêncio contra “o
amor que ainda não ousa dizer o nome”, perpetuando a ditadura da
intolerância heterossexista, que
rotula e aparta os amantes do mesmo sexo como se fôssemos anormais,
doentes e marginais.
A
leitura deste dossiê comprova mais uma vez o que vimos denunciando
nestas duas últimas décadas: a homofobia perpassa todos os segmentos
de nossa sociedade, dos mais letrados à arraia miúda, expressando-se
num gradiente de violência que vai do insulto, ameaças, golpes,
discriminação em todos os locais e esferas sociais, chegando aos
assassinatos – frequentes e brutais, praticados no mais das vezes com
requintes de crueldade.
Tamanho é o ódio contra os gays em nosso país, que até os
inocentes animais veados são executados por conta de sua associação
preconceituosa à homossexualidade: dois veados confinados em viveiros
no Zoológico de Brasília foram abatidos num período de nove dias.
“Tudo indica que por prazer”, afirmou o diretor do Zoológico, Raul
Gonzalez, ao descartar a hipótese de terem
sido mortos por um morador vizinho para comê-los, pois há
muitos outros animais comestíveis, como capivaras, que foram poupados.
Quem matou o veado-catingueiro e o cervo-dama teve de pular grades do
zoológico e viveiro, de madrugada.”
O
curioso é que não foi esta a primeira vez que veados são mortos em
zoológicos brasileiros por “prazer”
[o mais correto seria dizer, “por ódio! “]: já em 1992, nos
zoológicos de Salvador (Bahia) e Cascavel (Paraná), diversos
veados (“cervos do pantanal”) foram mortos a pedradas e pauladas por
visitantes desconhecidos, que transferiram
para os indefesos animais o mesmo ódio mortal da população contra os
gays. O número “24”, tradicionalmente identificado no popular
“jogo do bicho” ao
animal veado, tornou-se tão maldito e indesejado no Brasil, que em
muitas escolas e agremiações diversas, omite-se o “24” nas listas
de identificação dos presentes a fim de poupar o infeliz azarado de
ser vítima de toda sorte de constrangimentos
Lastimavelmente,
não há como negar: os principais culpados pela divulgação do mais virulento discurso homofóbico e pela consequente
legitimação da intolerância e violência anti-homossexual em
nosso país, continuam
sendo pessoas ligadas às seitas que se dizem evangélicas, alguns
bispos católicos, e cada vez mais, jovens com discurso
néo-nazista, seja no meio universitário, seja na periferia das
grandes cidades. Atualmente, a Internet tem sido um dos veículos mais
utilizados para a divulgação de mensagens homofóbicas, muito mais
frequentes e radicais do que as dirigidas contra negros, judeus e demais
grupos discriminados. Que o leitor avalie a gravidade de algumas destas
declarações, e certamente há de concordar que os seus autores deveriam ser incriminados como
co-responsáveis pela violência e crimes praticados contra gays,
travestis e lésbicas, e enquadrados na categoria de crimes hediondos,
tal qual ocorre com a discriminação racial.
Eis
alguns exemplos: no início do terceiro milênio, o arcebispo de
Fortaleza, Dom José Antônio Aparecido Tosi, ao ser indagado sobre a
campanha deflagrada pelo Grupo Gay de Alagoas, que sugeria
à Igreja Católica
a inclusão dos homossexuais na lista do pedido
de perdão do Vaticano pela opressão contra as minorias sociais,
declarou: “O homossexualismo é um defeito da natureza humana, como é
o orgulho, a tendência ao roubo, a cleptomania, o homicídio, ou
qualquer coisa assim”. Anos anteriores, outros bispos foram ainda mais
longe, como o Arcebispo de Florianópolis, ao declarar que “gays são
gente pela metade, se é que são gente!”
O
líder evangélico J.Ibrahim, autor do livro O
Santo Amigo da Bíblia, defendeu que
“o homossexualismo não é apenas uma perversão diabólica.
Pior do que isto: é uma
peste imoral, contaminosa e destruidora, pela qual Deus destruiu duas
cidades: Sodoma e Gomorra. O mais triste é que a história se repete e
o mundo está voltando às mesmas condições daquelas duas cidades. E
como antigamente, também hoje está
caminhando para a mesma destruição. Os homossexuais, tais como
os líderes das igrejas, infiltraram-se na política, economia, educação,
comunicação, etc. E agora esta gente, que apresenta a mais baixa
prostituição do mundo, está sentada ao lado dos pastores e seus cúmplices
lutando pelas mesmas causas e ocupando os mesmos cargos... É importante
deixar bem claro que quando
se fala em discriminação social contra negros, etnia, etc, não inclui
o homossexualismo. Negro é uma raça, mas o homossexualismo é sodomia,
perversão e prostituição. Incluir os negros junto com estes
pervertidos é a maior desonra que se pode fazer
a este povo de Deus.”
Numa
entrevista ao Jornal do Brasil,
o auto-intitulado “ex-cafajeste” e atual pastor protestante
Jece Valadão, declarou: “O
sexo entre homens agride o corpo, a morada do Espírito. O Espírito
Santo não gosta de habitar uma casa fedorenta, cheia de lixo, como fica
o corpo do homossexual.” Por seu turno, um jovem protestante, Fábio Góes,
defendeu na Internet que “o indivíduo homossexual tem em si aquela doença que o
leva a usar seus órgãos
sexuais para outros fins que
lhe são destinados. Poderiam os gays talvez serem
considerados como os mongolóides que têm capacidade
para pensar e raciocinar, mas de forma diferente,
o que torna esses seres anômalos
distantes da sociedade.” Em outro email enviado ao Presidente
do GGB, foi ainda mais agressivo: “gostaria
que os skinheads aí da Bahia botassem fogo nesse Grupo Gay da Bahia,
muito especialmente no líder dessa gang. O Sr. Luís Mott não é uma
bicha louca, e sim uma bicha débil mental ao lançar aquela relação
(dos 100 homossexuais mais famosos da história do Brasil). Isso só
prova que ser gay é doença e, como forma de escape, a cada dia que
passa vocês estão querendo arranjar um comparsa para mostrarem que não
são animais irracionais, mas estão provando exatamente o contrário.
Torço para que a turma dos skinheads não demore a exterminar de vez as
bichas-malucas que infestam esse mundo, ou que a AIDS leve essa bicha
velha do Luiz Mott o quanto antes, pois não vai fazer falta alguma para
o Brasil e tampouco para o mundo.”
Também
os espíritas têm divulgado discurso altamente homofóbico, não
obstante a inegável efeminação e provável homossexualidade de
conhecidos líderes kardecistas. A escritora espírita Therezinha
Oliveira, no texto “Pode o
Homossexual Freqüentar o Centro Espírita?” defende que
“cabe aos dirigentes das casas espíritas agir com tato para vedar a
participação de pessoas que se dediquem a práticas homossexuais nos
trabalhos do centro espiritista, principalmente nas tarefas vinculadas
à mediunidade e à doutrinação. No que tange ao mediunato, muito
grave seria permitir que uma pessoa em desarmonia sexual se lançasse ao
intercâmbio mediúnico”. Por sua vez, outro teórico do espiritismo,
Carlos de Brito Imbassay, numa abordagem naturalística do tema,
escreve: ”O homossexualismo como prática costumeira em detrimento do
heterossexualismo é pernicioso
porque contraria a lei natural dos seres vivos. Só as lesmas é que são
bissexuadas. Em seu livro Vampirismo,
diz o filósofo J. Herculano:
“O homossexualismo, nos dois sexos, por sua intensidade nas
civilizações antigas e sua revivescência brutal em nosso tempo, é a
mais grave das anormalidades que hoje se pretende declarar normais. E é
precisamente nesse campo, o mais visado pelo vampirismo - desde os íncubos
e súcubos da Idade Média até os nossos dias, que incidem hoje os
destemperos criminosos dos libertinos diplomados.”
Também
certos judeus ortodoxos do Brasil vêm demonstrando
grave homofobia através da Internet ao agredirem moralmente o
moderador da Lista de Judeus Gays
do Brasil. Eis as mensagens de alguns deles: “Gostaria de
esclarecer que nós homens não temos nada contra os VIADOS, só que não
gostamos que eles estejam perto. Não sou contra BAITOLAS mas se quiser
divulgar suas idéias homossexuais que vá para a praia de Botafogo
rodar bolsinha! Isso é coisa de GAY! Você diz, “quem é que vai
tacar a primeira pedra”, pois bem,
taco a primeira, a segunda e quantas mais forem necessárias para
que você deixe de dar por ai. Deus não criou o homem para ele virar de
costas e abaixar a calça. Não tenho nada pessoal contra você só acho que ficar divulgando sites de judeus viados é o
mesmo que divulgar notícias anti-semitas.”
Na
ótica destes representantes do catolicismo, protestantismo, judaísmo e
espiritismo, os homossexuais equiparam-se aos doentes afetados pelo mongolismo e cleptomania, portadores de peste imoral e de um
corpo fedorento, libertinos, vampiros, anti-semitas, etc. Tais condenações,
divulgadas nos púlpitos, na grande imprensa, em programas de televisão,
na Internet, devem invadir
e povoar o imaginário de quantos a recebem, moldando e fornecendo munição
legitimadora da ideologia anti-homossexual, de tal sorte que ao
insultar, ameaçar, discriminar, agredir e matar uma travesti, um gay ou
uma lésbica, o assassino simplesmente está cumprindo o veredicto
destes corifeus da homofobia: excluindo
do convívio social estes corpos fedorentos, libertinos,
verdadeira peste moral que se não forem destruídos, provocarão a ira
divina, levando Deus a castigar todo nosso povo como fez outrora às
infames cidades dos sodomitas.
Além
destas mensagens de inspiração religiosa altamente homofóbicas que
reforçam e legitimam o preconceito e discriminação anti-homossexual,
lastimavelmente, esta mesma sanha tem espestado
os mais diversos setores da sociedade. Inclusive
militantes de outras minorias sociais: a auto-intitulada FRENTE
REVOLUCIONÁRIA NEGRA 20 DE NOVEMBRO enviou esta mensagem ao Grupo Gay
da Bahia: “Pertencemos a uma organização revolucionária negra, que
luta pela total separação de raças e pela criação de uma Nação
negra independente do Brasil... Lutamos contra toda forma de
degeneração, inclusive ao incentivo do Homossexualismo. Vocês
homossexuais representam uma ameaça total ao povo
negro. É uma vergonha que a Bahia, berço da colonização
africana neste país, esteja infestada de gays, lésbicas e toda a sorte
de anormais e tarados sexuais. Inclusive o notório pederasta Luiz Mott,
acusou o grande líder ZUMBI, de pederastia. Isso é uma total mentira e
afronta ao povo negro. Chegará a hora que o povo negro desta falida
“nação”, chamada Brasil, despertará. E através da revolução
vamos esmagar todos os GLS, a burguesia branca, os branquelos
nazi-fascistas, judeus e negros que traíram a nossa raça. Vamos
transformar esses país num inferno racial para todos os nossos
inimigos, inclusive vocês, gays, lésbicas e simpatizantes da Bahia.
AGUARDEM NOSSA HORA CHEGARÁ!
Inclusive avise aos membros do QUIMBANDA DUDU, o grupo gay negro
da Bahia, principalmente os seus líderes, que o poder negro é uma
realidade, e em breve estaremos no poder. Não vamos tolerar o homossexualismo e toda forma de
comportamento sexual anormal. Para vocês a extinção total é o único
remédio.”
Não
resta a menor dúvida que a ideologia néo-nazista
tem seus adeptos em amplos e
variegados setores de nossa sociedade:
em julho passado a polícia desarticulou a Facção da Raça
Rubro-Negra Nazista da Baixada Fluminense, cujo ideário incluía o
massacre dos homossexuais. O principal líder do Movimento Integralista
Brasileiro, Anésio de Lara
Campos Júnior, 70 anos, acusou os programas de TV de estimularem o
homossexualismo. O
assassinato do adestrador de cães Edson Néris da Silva por um grupo de
skinheads auto-intitulados Carecas do ABC, na Praça da República,
despertou as autoridades paulistas para o ressurgimento de uma
forte organização neonazista que emprega a violência contra
homossexuais, negros, nordestinos e judeus. “É certo que existem pelo
menos três grupos expressivos agindo em São Paulo. São articulados e
têm preparo para-militar”, diz o procurador Carlos Cardoso, assessor
de Direitos Humanos do Ministério Público paulista, encarregado de
organizar a força-tarefa
para identificar e desmantelar grupos neonazistas. O promotor Marcelo
Milani,artífice fundamental na condenação por 21 anos dos assassinos
do gay linchado na Praça da República, declarou
ignorar que os neonazistas continuavam tão organizados:
“Pensei que agiam mais pela Internet” diz, lembrando que o caso de Néris
demonstra que aumentou o nível de intolerância dos neonazistas.
“Nesse caso foi um homossexual. Amanhã, quem será? Eles julgam,
condenam e executam”. Ele
disse que o brutal assassinato do adestrador de cães acordou as
autoridades paulistas para a necessidade de um plano que resulte no
desmantelamento desses grupos.”
No
Rio, o movimento dos skinheads também assume postura abertamente homofóbica:
“Não gostamos dos gays porque ser homossexual é ir contra a natureza
humana. Se tivesse um filho gay, renegaria”. Em Curitiba, no mês de
agosto, diversos cartazes foram colados em postes na zona central,
com a frase: “Faça seu
dia feliz, acabe com o
Homossexualismo”, estampando um revólver e assinados pelo grupo Resistência
88. Em Belo Horizonte, uma das líderes da Associação Lésbica de
Minas Gerais foi ameaçada de morte por um grupo de cinco rapazes que
deixaram na sede do sindicato onde trabalhava,
um pacote com uma suástica contendo uma bomba e um bilhete com a
mensagem: “Na próxima vez vai ser para matar!” O ainda
controvertido episódio da bomba
deixada na sede da Associação Parada GLTB de São Paulo,
independentemente de quem tenha sido o responsável por tal atentado,
seguiu a mesma estratégia e usou os mesmos símbolos empregados pelos
grupos néo-nazistas.
Infelizmente,
verdade seja dita, tais
ameaças algumas vezes concretizaram-se em vias de fato: no ano de 2000
três sedes de grupos homossexuais sofreram diferentes graus de
vandalismo: em setembro último, em Maceió, a sede do Grupo Gay de
Alagoas foi pichada com a
mensagem: Violências sim, Veados
não. Vão embora!. Mais graves atos de vandalismo sofreram as
Associações de Gays, Lésbicas
e Travestis de Goiás e do Amazonas: a primeira foi invadida e seus
arquivos e computadores roubados, enquanto a segunda teve todo seu
patrimônio destruído por um incêndio criminoso.
Tais
exemplos, conforme dissemos alhures, representam apenas a ponta de um
icebergue de sangue e ódio
– posto não dispormos ainda no país de estatísticas oficiais
de crimes de ódio e desgraçadamente, apenas uma pequenina
parcela de homossexuais registram queixa na delegacia quando vítimas de
delitos homofóbicos. Assim sendo, conjeturamos que nossos dados não
cheguem nem a 10% da totalidade das violações dos direitos dos
homossexuais ocorridos no Brasil no ano passado -
posto que, somente no Rio de Janeiro,
entre julho de 1999 e dezembro de 2000, o Disque
Defesa Homossexual registrou 500 casos referentes à intolerância
homofóbica1
– enquanto nós, escorados sobretudo em noticiário divulgado na
imprensa, localizamos um total de 130 assassinatos e 261 casos de violação
dos direitos humanos. Para efeito de auxiliar o leitor a antever a
gravidade e diversidade das violações dos direitos humanos dos
homossexuais no Brasil, agrupamos tais ocorrências em nove sub-tipos, a
saber:
1.
Agressões e Torturas: 50 casos
2.
Ameaças e Golpes: 16 casos
3.
Discriminação em Órgãos Governamentais: 15 casos
4.
Discriminação Econômica, contra a Livre Movimentação, Privacidade e
Trabalho: 29 casos
5.
Discriminação Familiar, Escolar, Científica
e Religiosa: 33
casos
6.
Difamação e Discriminação na Mídia: 22 casos
7.
Insulto e Preconceito Anti-Homossexual: 25 casos
8.
Lesbofobia: Violência anti-Lésbica: 8 casos
9.
Travestifobia: Violência anti-Travestis:
63 casos
Como
se observa, as travestis constituem em termos absolutos e relativos o
grupo mais vulnerável à violência anti-homossexual, pois com uma
população oscilante entre 10 a 20
mil indivíduos, documentamos 63 casos de discriminação travestifóbica,
incluindo agressões físicas, discriminações à sua integridade física
e liberdade de movimento. Consideramos também que os 50 registros de
agressões e tortura contra gays são extremamente preocupantes, pois
confirmam o alto grau de violência física que se abate contra este
segmento populacional. Vários dos 130 homossexuais assassinados em
2000, cujos nomes aparecem arrolados
no final deste livro, sofreram previamente
agressões e torturas, sendo que alguns dos que sobreviveram a
tais violências físicas, por pouco não engrossavam a lista dos óbitos.
Portanto,
já que o próprio governo federal, em seu Programa Nacional de Direitos
Humanos, reconheceu finalmente que os homossexuais estão entre os
grupos mais vulneráveis de nossa sociedade, é urgentíssimo que as
autoridades governamentais cumpram nossa Carta Magna e investiguem,
julguem e punam os crimes sexuais com o mesmo rigor como tem tratado os
crimes raciais.
Ao
divulgarmos a seguir esta brutal relação de graves violações dos
direitos humanos dos homossexuais no Brasil registrados em 2000, quatro
são nossos objetivos:
1]
documentar e denunciar o quão
violenta é a discriminação anti-homossexual em nosso meio;
2]
sensibilizar o poder público para
investigar, prender, julgar e punir exemplarmente os que violam os
direitos humanos dos homossexuais,
e que a discriminação sexual seja
tratada com o mesmo rigor do racismo;
3]
sensibilizar a sociedade e as entidades de defesa dos direitos
humanos a serem mais solidárias
com os homossexuais, defendendo-os quando vítimas de qualquer tipo de
violência;
4]
mobilizar os gays, travestis, transexuais
e lésbicas para que
se protejam mais contra a violação de seus direitos humanos,
evitando situações de risco, denunciando e lutando pelo exercício
da cidadania plena dos
homossexuais do Brasil.
A homofobia precisa ser
permanentemente combatida
Pronunciamento
da Deputada Federal Maria do Carmo Lara-PT/MG,
Câmara dos
Deputados, Sessão do dia 07/02/2001.
Senhor
Presidente,
Senhoras
e Senhores Deputados!
No
domingo, 6 de fevereiro de 2000, o adestrador de cães Edson Néris da
Silva tentou cruzar a praça da República, no centro de São Paulo, ao
lado do seu companheiro Dario Pereira Netto. Passeavam de mãos dadas,
quando um grupo de jovens com cabeças raspadas avançou sobre os dois
dando chutes e pauladas. Como que por milagre, Dario conseguiu fugir.
Ficou escondido até os agressores se dispersarem e voltou para socorrer
o seu companheiro. Edson, 35 anos, teve hemorragia interna e morreu.
Pouco depois, a polícia prendeu 30 skinheads que portavam soco inglês
e correntes de aço, num bar das imediações. Doze eram menores e 18
foram indiciados por homicídio e formação de quadrilha. Os assassinos
faziam parte dos conhecidos “Carecas do ABC”, movimento criado nos
anos 80 que prega o nacionalismo exacerbado para supostamente “dar
mais dignidade aos brasileiros”. No entanto, Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados, o que se constata é que os alvos
preferidos dos Carecas do ABC são homossexuais em bares e boates. Hoje,
um ano depois, os grupos homossexuais de todo o Brasil se mobilizam de
forma a denunciar, em cada casa legislativa do país, a violência de
que têm sido vítimas, simplesmente por possuírem o desejo e a
capacidade de amarem pessoas do mesmo sexo. Notem bem, estamos falando
de uma capacidade de amar, algo tão particular e que, numa inversão
total de valores, vem despertando tanto ódio e tanta intolerância que
não poderíamos deixar de manifestar a nossa indignação e apoio aos
grupos de defesa dos direitos humanos que se dedicam à causa dos
homossexuais.
A
violência contra os homossexuais no Brasil, Senhor Presidente, está
cada vez maior. Segundo o
antropólogo da Universidade Federal da Bahia e presidente do Grupo Gay
da Bahia, Professor Luiz Mott, “enquanto na década de 1980 matava-se
em média um homossexual por semana, na década de 1990 esse número
subiu para um homicídio a cada três dias e, agora, no início do
terceiro milênio, essa média
agrava-se ainda mais: um homossexual é assassinado a cada dois dias.
Crimes, em sua maior parte, praticados com requintes de crueldade,
motivados pelos machismo e homofobia - o ódio patológico aos
homossexuais”.
O
Prof Luiz Mott ressalta, porém, que, devido à vergonhosa falta de
estatísticas oficiais sobre o assunto, essa deve ser somente a ponta de
um enorme iceberg, uma vez que esses dados foram coletados na imprensa,
nas denúncias de grupos que lidam com a questão ou mesmo de cidadãos
indefesos que se valem do anonimato e denunciam a violência nos poucos
serviços de acato de denúncias existentes no Brasil.
A
Organização Mundial de Saúde, bem como os Conselhos Nacionais de
Psicologia e Medicina já
reconhecem que a homossexualidade não é uma doença, não podendo,
portanto ser tratada em consultórios ou em “retiros” como insistem
em fazer os grupos conservadores fundamentalistas que, com essa atitude,
nos moldes dos campos de concentração nazistas, acabam criando zumbis
assexuados, seres infelizes e com sua personalidade definitivamente
transformada e orientada para desejos que não são seus.Isso quando a
repressão não acontece dentro da própria família, como no caso de
uma carta publicada na Revista “Veja”, logo após o assassinato da
Praça da República. Nela, um pai de família, de Vitória, Espírito
Santo, relata: “Tenho dois filhos, um com 14 e outro com 26. Este último
certo dia me disse que tinha um grupo de amigos gays e estava pensando
em ser gay também. Mandamos nosso filho menor ir brincar na casa do
vizinho. Em seguida, trancamos nosso filho no quarto e demos-lhe uma
surra como nunca havíamos dado”. A pergunta que se faz é: é assim
que pretendemos combater a violência de que os homossexuais têm sido vítima?
É assim que resgataremos a dignidade e incluiremos os homossexuais na
sociedade?
Ontem,
Senhor Presidente, na Praça da República, em São Paulo, a comunidade
homossexual de São Paulo reuniu-se para lembrar a morte trágica de
Edson Néris. Os grupos que lideram essa manifestação clamam por justiça.
O julgamento dos “Carecas do ABC”, em São Paulo, será na próxima
terça-feira, dia 13, e as atenções de toda a população homossexual
estarão voltadas para a cidade. Manifestamos aqui, desta tribuna,
Senhor Presidente, nossa solidariedade à comunidade homossexual
brasileira e é preciso que esta Casa, através da Comissão de Direitos
Humanos, manifeste à opinião pública brasileira o repúdio a toda e
qualquer forma de homofobia para que, desta forma, nunca mais atrocidade
como esta ocorra em nosso país e que deixemos de carregar o título de
“campeão de assassinatos contra os homossexuais no mundo”.
Os
homossexuais lutam por instrumentos legais que garantam seu direito de
amar, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo, cujo projeto de
lei encontra-se pronto para ser votado nesta Casa, ou seu direito de ir
e vir, como as leis municipais e estaduais que impõem penalidades aos
que os discriminarem. Belo Horizonte aprovou sua lei contra a discriminação
dos gays recentemente. Juiz de Fora é pioneira no estado e exemplo para
todo o país, garantindo abertamente esse direito aos homossexuais.
A
luta dos grupos homossexuais por dignidade, pelo respeito ao seu jeito
de ser, às suas diferenças não é uma luta somente dos homossexuais,
mas sim de todos aqueles que defendem os direitos humanos, pois, cada
pessoa tem direito à preservação de sua individualidade, de suas
particularidades.
Portanto,
Senhor Presidente, basta de assassinatos dos homossexuais brasileiros. E
que se faça justiça colocando na cadeia os assassinos que, via de
regra, empregam nesses atos requintes de crueldade como foi o caso de
Edson Néris da Silva.
Era
o que tinha a dizer! Muito Obrigada!
Deputada
Federal Maria do Carmo Lara
PT/MG
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