Livros
Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
II
Capítulo
V
Entrevistas
Custódio
Duma: Advogados moçambicanos têm
baixa compreensão de direitos humanos
O
bantulândia continua em busca de
iguarias de direitos humanos. Mais uma
vez, convida o estimado leitor para se
deliciar em sua mesa. Por isso, na entrevista
que se segue compreende-se que ser advogado
não é sinónimo de
saber temas sobre direitos humanos. Com
efeito, o blog traz, hoje e agora, o já
conhecido advogado em direitos humanos,
o moçambicano Custódio Duma,14
o qual usando do seu direito à
fala denuncia: “Alguns advogados
continuam a pensar que direitos humanos
só servem para defender bandidos
ou beneficiar a oposição
política do país”.
Em sua experiência advocatícia
afirma não conhecer caso algum
em que um cidadão moçambicano
tenha colocado o Estado à barra
do tribunal, exigindo o direito à
alimentação, saúde,
educação, infantário,
habitação ou outros direitos
similares.
Bantulândia
- Qual tem sido o papel do advogado moçambicano
na defesa dos direitos humanos?
Duma - Existe, em Moçambique,
cerca de 600 advogados. Mais de metade
desses advogados residem na capital do
país, Maputo. Há províncias
com um só advogado, como é
o caso de Tete, Niassa, entre outras.
Mesmo assim, cerca de metade desses advogados
não exerce a profissão.
Dos advogados que exercem a profissão,
são pouquíssimos que entendem
de direitos humanos, sendo que quando
me perguntas qual é o papel dos
advogados moçambicanos na defesa
de direitos humanos, na prática,
digo nenhum. Porém, reconheço
o papel dos advogados ligados às
organizações de direitos
humanos e alguns poucos ligados à
Comissão dos Direitos Humanos na
Ordem dos Advogados. O papel desses poucos
tem sido de garantir o acesso à
justiça ao cidadão, uma
justiça efectiva e de qualidade.
Bantulândia
– Diz que são pouquíssimos
os advogados moçambicanos que entendem
de direitos humanos. Então, desses
pouquíssimos, qual é o nível
de conhecimento de direitos humanos?
Duma - É muito
baixo. No geral, é muito baixo,
embora um e outro, principalmente os que
estão ligados às organizações
da sociedade civil, tenham lucidez em
relação à matéria.
Na verdade, o conceito de direitos humanos,
em Moçambique, ainda está
em construção e, em alguns
casos, são os próprios advogados
que o torcem ou o desvirtuam.
Alguns advogados continuam a pensar que
direitos humanos só servem para
defender bandidos ou beneficiar a oposição
política do país. É
triste saber que advogados há que
pensam desta maneira.
Bantulândia
- Por que advogados moçambicanos
pensam que direitos humanos só
servem para defender bandidos e oposição
política?
Duma - Olha, na verdade
essa percepção não
é só de alguns advogados;
é de uma boa parte da sociedade.
Isso acontece porque ainda não
perceberam o verdadeiro conceito de direitos
humanos, que é o básico;
só depois disso é possível
perceber que os acusados de terem cometido
crimes também têm direito
à assistência jurídica.
Bantulândia
- É comum que advogados moçambicanos
utilizem instrumentos internacionais de
direitos humanos ratificados por Moçambique?
Duma - Não é
comum.
Bantulândia
- Por que não é comum?
Duma – Não
sei bem o porquê de não ser
comum que advogados moçambicanos
se utilizem de instrumentos internacionais
de direitos humanos. Contudo, acho que
é por não os conhecerem
bem ou porque eventualmente os juizes
simplesmente podem ignorar os argumentos
construídos pelos advogados, inspirados
nos tais instrumentos.
Bantulândia
- Conhece algum caso em que um cidadão
moçambicano, sem recursos financeiros,
colocou o Estado à barra do Tribunal,
exigindo direito à alimentação,
saúde, educação,
infantário, habitação
ou outros direitos similares?
Duma - Não conheço
caso parecido. Mas, conheço casos
de cidadãos que exigem compensações
por maus tratos de agentes públicos
e detenções ilegais.
Penso que os cidadãos não
intentam acções contra o
Estado exigindo alimentos, habitação,
saúde ou outros direitos, porque
não sabem que isso é possível.
É pura ignorância. Em segundo
lugar, porque a justiça moçambicana
é cara ao cidadão.
Bantulândia
- Como os casos de maus-tratos chegaram
ao Tribunal?
Duma - Os casos que conheço
chegaram ao Tribunal, através das
ONGs de direitos humanos,
concretamente a Liga Moçambicana
dos Direitos Humanos. Pessoalmente, conheço
7 casos, dos quais três tiveram
desfecho favorável aos cidadãos
reclamantes.
Bantulândia
- Qual é o nível de eficiência
da Ordem dos Advogados de Moçambique
ou Fundo de Patrocínio e Assistencia
Jurídica, para que os cidadãos
se utilizem deles?
Duma – Honestamente
falando, eu penso que o nível de
eficiência da Ordem e do IPAG ainda
é baixa. A Ordem só agora
é que está a desenhar o
seu plano estratégico e esperamos
que a resposta a essa matéria seja
positiva. Já o Instituto de Patrocínio
e Assistência Jurídica (IPAJ)
ainda não conseguiu mostrar a razão
de sua existência. Exemplo: semana
passada, em Pemba (Cabo Delgado), os reclusos
responderam ao digno dirigente do IPAJ,
Pedro Nhatitima, que não conheciam
aquele órgão do Estado.
Isto aconteceu numa visita que ele realizou
aquando da reunião nacional do
IPAJ. Esse posicionamento dos reclusos
é repetido por quase todo o país.
Bantulândia
- O professor brasileiro Fábio
Comparato diz que o judiciário
viola os direitos humanos, quando, por
meio da norma legal, manda aprisionar
cidadãos em cadeias com condições
indecentes.
Como advogado, qual é o seu posicionamento?
Duma - Primeiro, concordo
plenamente com a colocação
do professor Comparato. Segundo, o Direito
não deve ser usado para retirar
a dignidade do ser humano. Sempre que
isso estiver para acontecer é melhor
não aplicar esse Direito. Afinal
de contas, o Direito é um meio
à Justiça e não um
fim em si. O fim do Direito deve ser sempre
a Justiça. Portanto, aprisionar
cidadãos em cadeias degradadas,
sem condições higiénicas
e de sociabilidade carcerária de
qualidade é, sim, violar direitos
humanos.
Bantulândia
- O que deve ser feito para se melhorar
os direitos dos reclusos?
Duma - Em primeiro lugar,
é preciso aperfeiçoar a
política pública concernente
e começar a pensar-se em penas
alternativas. Em segundo lugar, é
preciso melhorar, através de investimentos,
as infra-estruturas prisionais que são
uma herança colonial, sem esquecer
de melhorar as condições
dos agentes carcerários.
Mas, também é preciso lembrar
aos juizes que nem sempre é necessário
encarcerar o cidadão. Se fores
a reparar, as prisões em Moçambique
estão repletas de cidadãos
a cumprir penas de 1 a 3 meses, prisões
essas que poderiam ser convertidas em
multa.
Bantulândia
- Conhece algum caso em que um determinado
juiz, em nome de regras mínimas
de tratamento de reclusos, internacionalmente
reconhecidas, tenha mandado um cidadão
cumprir a pena em casa, por as cadeias
locais não terem condições
mínimas de reclusão?
Duma - Salvo minha ignorância,
nunca ouvi falar em caso idêntico.
Entretanto, conheço vários
casos de penas máximas aplicadas
desnecessariamente.
Bantulândia
- Qual é a expectativa que tem
da recém-criada Comissão
Nacional de Direitos Humanos?
Duma - A Comissão
ainda não foi criada. Somente a
Assembléia da República
aprovou a Lei que a cria, mas o Conselho
Constitucional a chumbou por considerá-la
inconstitucional. Ora, a sociedade civil
moçambicana, em tempo oportuno,
já tinha chamado à atenção
sobre os aspectos detectados como inconstitucionais
pelo Conselho Constitucional. Infelizmente,
o Governo e a Assembléia da República
preferiram ser arrogantes e unilaterais
a contribuir para instituições
mais democráticas, mais livres
e mais justas, objectivando a continuação
da construção do Estado
de Direito Democrático em Moçambique.
Bantulândia - Fala,
em linhas gerais, do papel da Liga dos
Direitos Humanos na defesa de direitos
humanos.
Duma – Olha, em
termos gerais, posso afirmar categoricamente
que se a Liga dos Direitos Humanos não
existisse não poderíamos
falar de acesso à justiça
para populações pobres.
A LDH, com fundos dos seus parceiros,
está a realizar o trabalho que
deveria ser feito pelo Estado, através
do Instituto de Patrocínio e Assistência
Jurídica. Falar do papel da LDH
na defesa de direitos humanos lembra-nos
que esta foi uma das primeiras, senão
a primeira a abordar abertamente sobre
esses conteúdos no país,
tanto que muito conhecimento sobre a matéria
no país tem sido produzido a partir
da LDH.
Araçatuba,
4 de Abril de 2009
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Nota:
14
- Custódio Duma é advogado
e defensor de direitos humanos.Actualmente
é vice-presidente da Liga Moçambicana
dos Direitos Humanos. Ex-intercambista
em direitos humanos pela Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo e Conectas Direitos Humanos (2005-2006),
com financiamento da Open Iniciative Southern
Africa.
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