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Direitos Humanos em Moçambique
Josué Bila

 

Parte I – Artigos
Capítulo IV

Debatendo fora da caixinha

Da cidadania diaspórica ao nacionalismo bacoco2

O debate de idéias, em Moçambique – meu país de única e exclusiva nacionalidade -, parece ser vítima do novo e lento processo de socialização cívica e intelectual, fruto de uma cidadania historicamente tímida e de um nacionalismo algo improdutivo. Assim, no país africano, perfilam e superabundam multifacetados nacionalismos e cidadanias. Tenho, por ora, o prazer de vos apresentar apenas uma de cada: cidadania diaspórica e nacionalismo bacoco.

Cidadania diaspórica e nacionalismo bacoco

Antes de entrar em possíveis pormenores, permitam-me pensar que cidadania diaspórica é a capacidade que os cidadãos nacionais, que se encontram a viver fora (de Moçambique) por motivos vários, têm de prestar atenção à vida do país, visando debater idéias e emitir seus pareceres para a justiça social e a consequente materialização dos direitos humanos, usando múltiplas contribuições, e-mails grupais, abaixo-assinados, blogues, jornais e demais canais.

Contrariamente, o nacionalismo bacoco é caracterizado pela visão preconceituosa e desqualificadora das idéias discutidas pela cidadania diaspórica, alegadamente por os seus debatedores e proponentes estarem viciados da urbanidade e experiências cidadãs dos países onde actualmente vivem, bem diferentes das de Moçambique. O nacionalismo bacoco não precisa reunir elementos filosófico-intelectuais para debater e refutar os posicionamentos da cidadania diaspórica; mas sim, basta-lhe a sua linguagem reducionista e provinciano-satírica, esvaziando o sentido real da problematização dos temas. Mais abaixo, colocarei três exemplos do dia.

Ainda descrevendo

Um dos defeitos do nacionalismo bacoco é perpetuar a idéia de que um moçambicano residindo além-fronteiras só exige carácter ético e exemplar das autoridades do Estado no que concerne à justiça social e direitos humanos, por pura emoção diaspórica de estar a viver entre “aranha-céus sociais, económicos, culturais e políticos”, longe de sua realidade-mãe. Perpetua-se a idéia de que o objectivo do debatedor e proponente de um pacto de direitos humanos e justiça social é apenas falacioso, objectivando fazer um copy-and-past da realidade actualmente vivida por ele.

Por assim dizer, o nacionalismo bacoco constitui um perigo para a convivência das opiniões diferentes e divergentes, marcando com cicatrizes os direitos de cidadania de expressão e, quiçá, de imprensa – isto tudo cria um mal-estar à saúde dos gémios universais: democracia e direitos humanos.

Infelizmente, o espírito taxador, os adjectivos e substantivos depreciativos e a sátira institucional ao debate trazido pela cidadania diaspórica está na moda. Estes trigémios estão assentes no pensamento de que a cidadania diaspórica está, por exemplo, propondo uma política pública ao direito humano à educação, saúde, habitação e demais direitos e temas sociais, sob influência de contextos potencialmente inigualáveis com os de Moçambique, como se os moçambicanos fossem uma ilha destinada aos rancores da nudez social. Em momento algum, os cidadãos moçambicanos na diáspora impercebem a diferença entre as sociedades onde vivem e Moçambique, relativamente ao tempo de construção do Estado e organização de sua estrutura política, económica, social e cultural. Porém, sem refutar outras causas empobrecedoras de Moçambique, têm acesso aos documentos de organismos vários – Centro de Integridade Pública, Mecanismo Africano de Revisão de Pares (órgão da União Africana) e Transparência Internacional, só para citar alguns - sobre a crescente exclusão social e intransparência na gestão da coisa pública. Posto isto, sugere-se que com uma excelente aplicação dos recursos e uma cidadania inclusiva, muito provavelmente chegaríamos aos patamares sociais, económicos e políticos em pouco tempo.

O debate da cidadania diaspórica é relativa à construção de um Moçambique arraigado em valores de ética e gestão transparente da coisa pública; e que o pouco e o muito dos recursos do Estado sejam canalizados aos potenciais sujeitos de direitos humanos: os moçambicanos. Infelizmente, não faltam ataques do nacionalismo bacoco à cidadania diaspórica, minimizando algumas das violações dos direitos humanos ou outro problema debatido, apenas porque quem as denuncia ou escreve está fora da realidade-mãe. Outra infelicidade do nacionalismo bacoco é desconhecer ou esquecer o passado recente da cidadania diaspórica, que foi debatedora de questões nacionais dentro de Moçambique - da política à cultura, passando pela economia, desembocando aos direitos humanos. Ou seja, a cidadania diaspórica está apenas a dar continuidade do que já vinha fazendo dentro de Moçambique. Lá regressará, quando o tempo proposto e previsto terminar, ainda que reconheça as mazelas do clímax social por qual passará ao desembarcar em qualquer aeroporto que se encontra no espaço onde Moçambique se localiza.

A cidadania diaspórica, ao propor o direito dos direitos humanos, fá-lo com o intuito de fazer perceber às autoridades estatais e a sociedade, no seu todo, que Moçambique precisa de políticas públicas, assentes em direitos humanos e transparência pública, para a materialização dos objectivos de democracia e justiça social, em resposta ao instituído na nossa Carta magna. Aliás, vale lembrar que essa é a vontade ética da comunidade internacional, acoplando que a primazia da dignidade humana dos moçambicanos é defendida pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, do qual se inspirou a nossa Constituição contemporânea.

Agora vos apresento três exemplos-trechos do que apelido de nacionalismo bacoco.

Sabino Matsinhe e Júlio Mutisse, depois de terem lido o meu artigo intitulado “direito à residência: um panfleto constitucional ilusório?”, publicado e comentado aqui http://comunidademocambicana.blogspot.com/2009/07/direito-residencia-um-panfleto.html, escrevem o seguinte ao bloguista Reflectindo:

1. Júlio Mutisse disse... “O que questionaria ao Josué Bila que está no Brasil que experiências pode nos dar da realização deste desiderato a partir do ponto onde observa o país. É que, é muitas vezes fácil lançar estas coisas de LÁ FORA, do que olhar a volta onde estamos e, com base nas experiências desse local, sugerirmos caminhos possíveis pra o nosso país.Reflectindo, sei que é um homem viajado e preocupado com o país, dentro da conjuntura conhecida, inclusive com ameaças de doadores de diminuírem a ajuda ao país (ajuda de que o país continua a depender em grande medida), que alternativas ou condições julga existirem para que o país ponha em prática uma política de habitação? E ao pôr em prática essa política, o que é que se deve sacrificar: a saúde? a educação? (que são as prioridades)”.

2. Sabino Matsinhe disse: “Reflectindo, o ideal de habitação digna que pinta no seu texto julga ser susceptível de atingir em Moçambique ou em África hoje? Não estará a confundir Moçambique e África com o país nórdico onde vive?Pensa que os "cidadãos" moçambicanos pagam suficiente imposto para capacitar o "seu" Estado a cumprir o "sonho" que Reflectindo tão magistralmente pinta?Isto é o que dá viver fora do país sem ligações profundas com a pátria... Começã-se a fazer exigências incomportáveis para o país real.Iremos lá chegar, caro Reflectindo. Só que não nesta nossa geração. E não será por causa dos que "estão no poder", como Maria Helena sugere. Este país tem distorções estruturais que não serão resolvidas com mera demagogia”.

Leiam também o que Arão Valoi escreve aqui http://br.dir.groups.yahoo.com/group/mocambiqueonline/message/11181, respondendo a um meu artigo, que o escrevi e publicado dentro de Moçambique, no jornal ZAMBEZE, Dhnet e blog de Milton Machel, intitulado “Do jornalismo provinciano e faz-tudo ao jornalismo responsável”. Um trecho que me interessa, para este propósito, é este:

3. “O Josué acabou "refugiando- se" ao Brasil, donde começa a mandar estas bombas, justamente porque viu que cá os problemas eram enormes e se calhar o mais correcto, como não entendesse a sua própria realidade, fosse deixar”.
Como muito bem disse, o referido texto publiquei-o em Moçambique, antes de vir ao Brasil, pela segunda vez consecutiva; porém, releiam para perceber a interpretação que se dá quando supostamente um texto foi escrito na diáspora.

Fechando, mas abrindo...

Infelizmente, não raras vezes, o nacionalismo bacoco satiriza e ridiculariza determinadas formas de pensar por somente o debate vir da diáspora. Se a cidadania diaspórica exige do Estado o direito à habitação condigna e outros direitos, por exemplo, para que os moçambicanos vivam dentro de “mínimos direitos”, então, a proposta e a indagação são revolvidas negativamente, deixando-se a oportunidade de debater expositiva e intelectualmente, com argumentos cívicos e filosóficos, fazedores da elegância da esfera pública.

Apesar do fechamento do nacionalismo bacoco em debater o que a cidadania diaspórica propõe, esta, entretanto, deve debater continuamente, em nome de justiça social e direitos humanos, e lutar para que a “República Moral”, sonhada por Emmanuel de Kant, seja o alvo de todos os moçambicanos de, em e para Moçambique, independentemente de viverem fora dele ou não.

P.S. 1- Permitam-me terminar à moda do camarada, intelectual e ideólogo da FRELIMO, Sérgio Vieira: um abraço aos democratas!

2 - Nutro um grande respeito e consideração pela cidadania de idéias de Mutisse e Valói. Sei que ao responderem estas minhas indignações racionais, poderão esboçar bons argumentos. Quanto a Matsinhe nada posso dizer; desconheço a sua matriz racional.

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Nota:

2 - São Paulo, 30 de Agosto de 2009

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