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Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
II
EUA, UE e direitos humanos
Retórica
estadunidense de direitos humanos em Moçambique1
Os
Estados Unidos da América relataram
recentemente sobre a situação
dos direitos humanos em Moçambique,
ajudando aos cidadãos e instituições
da sociedade moçambicana a disporem
de informações que o governo
de Moçambique dificilmente pode
dar. Ademais, não há sombra
de dúvidas de que o relatório
arrolou realidades objectivamente factuais.
Porém, sem tirar o mérito
que o documento dispõe, algumas
das violações de direitos
humanos protagonizadas, dentro e fora,
pelo país estadunidense mandam
dizer que não tem moral e ética
suficientes para emitir um posicionamento
sobre direitos humanos, particularmente
em Moçambique. Não se trata
de negar a realidade reportada e nem de
“ódio ao imperador”.Trata-se
apenas de auto-defesa contra prevaricadores
e arrogantes que, ontem e hoje, cooperam,
sem cessar, para a continuidade de nossa
nudez social...
Alguns
pedaços da história
No
espaço onde Moçambique se
localiza, à semelhança das
ex-colónias africanas, asiáticas
e americanas que sofreram a macabra dominação
colonial, foi fundado um movimento anti-colonialista
chamado Frente de Libertação
de Moçambique (FRELIMO), a 25 de
Junho de 1962.
A
FRELIMO, para fazer face ao colonialismo
português com vista ao alcance da
independência do país, procurou
apoio no mundo ocidental, nomeadamente
EUA e alguns países da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
Contudo, o seu pedido foi rejeitado, porque
os dois estiveram do lado do colonizador,
Portugal.
Após
essa tentativa frustrada, segundo notas
do jornalista inglês Joseph Hanlon
(1996), a FRELIMO viu-se forçada,
na década de ‘60, a virar-se
para a antiga União Soviética
e a China em busca de apoio.
Logo
à partida, os EUA revelaram à
FRELIMO, a Moçambique e ao mundo
que negam a autodeterminação
de alguns países. Seus interesses,
por mais manifestamente desumanos que
sejam, pesam sobre os objectivos político-morais
de uns na luta pelos seus legítimos
direitos.
Como
se isso não bastasse, Hanlon, baseado
em Moçambique durante muito tempo,
lembra que, quando Ronald Reagan é
eleito presidente dos EUA, em 1980, tornou
imediatamente claro que não ia
haver nenhuma transferência de riqueza
dos ricos para os pobres.
Algumas
agravantes daí decorrentes, segundo
o mesmo autor, indicam que "em 1981,
houve uma brusca subida de
taxas de juro" que "acelerou
a saída de capitais provenientes
de África para pagar a dívida
crescente aos EUA" .
Tanto
a posição inicial norte-americana
de negar apoio à FRELIMO para a
autodeterminação do povo
moçambicano, bem como a declaração
de Reagan são, sem reservas, uma
clara violação de direitos
humanos. A declaração de
não transferência de riqueza
é um sinal bem claro de falta de
uma atitude ética de distribuição
da riqueza internacional para as populações
oprimidas e excluídas.
Como
se esse esforço de prejudicar Moçambique
não bastasse, nos anos seguintes,
a administração Reagan encorajou
o apoio à Resistência Nacional
de Moçambique - RENAMO (um grupo
militar que em nome da implantação
da democracia multipartidária em
Moçambique matou vidas humanas,
desestruturou famílias, destruiu
infra-estruturas econômicas, sociais,
culturais e não só) através
do
ex-regime minoritário da África
do Sul, o Apartheid, e a algumas pessoas
e grupos privados nos EUA. Todas estas
gincanas revelam, repetimos, uma clara
violação de direitos humanos.
Numa
guerra violenta travada em solo moçambicano
durante 16 anos (1977-1992), na qual os
EUA tiveram uma declarada culpa política
e moral, dados do governo de Moçambique
indicam que cerca de um milhão
de pessoas perdeu a vida. Outros números
indicam que a guerra fez cerca de cinco
milhões e um milhão e meio
de deslocados dentro e fora do país,
respectivamente. Em termos de infra-estruturas
sociais e económicas, num total
de 5886 escolas, foram destruídas
3498, o equivalente a 60 por cento.
A
RENAMO, sob apoio declarado do ocidente,
conhecendo o projecto do governo da FRELIMO,
não poupou essas duas áreas
fundamentais de direitos humanos - educação
e saúde. Dados oficiais
confirmam que, até 1975, a RENAMO
tinha destruído 500 postos de Saúde,
num total de 1195.
Os
efeitos da guerra foram tão destrutivos
até ao ponto de 28 por cento da
rede viária encontrar-se profundamente
degradada, oferecendo segundo dados governamentais,
vias classificadas de intransitáveis.
Outra informação calcula
que cerca de 35 por cento de estradas
estava degradado, oferecendo a possibilidade
de trânsito em condições
difíceis, para além de que
a ponte sobre o rio Zambeze, elo de ligação
Norte-Sul, ter sido destruída .
Há volumosas informações
sobre o assunto, mas por já, ficamos
aqui.
Dados
comparativos sobre quem viola o quê
Tal
como apontamos acima, o relatório
norte americano traz dados objectivamente
factuais, razão pela qual é
digno de ser “aplaudido”.
Contudo, as seguintes informações
confirmarão o quão violador
dos direitos humanos é o país
de Jorge Bush, comparativamente ao de
Armando Guebuza, em algumas áreas.
O
Departamento de Estado norte-americano,
apoiando-se em dados do relatório
da Liga Moçambicana de Direitos
Humanos (LDH) 2003, diz que a Polícia
da República de Moçambique
(PRM) continua a manter "esquadrões
de morte" que são responsáveis
por execuções sumárias,
acções essas que são
protagonizadas na praia da Costa do Sol
em Maputo-cidade e em duas zonas da província
de Maputo, a saber, Matola e Boane.
Em
2003, enquanto a LDH apresentava o seu
relatório, a Amnistia Internacional
(AI) registrava 65 pessoas executadas
nos EUA, elevando para 885 o número
total de presos executados, desde que
o Supremo Tribunal Americano suspendeu
uma moratória das execuções,
em 1976.
A
AI relata ainda que os EUA continuam a
violar direitos humanos na forma como
usam a pena de morte, nomeadamente ao
executar cidadãos com menos de
18 anos de idade à altura do crime.
O Texas, ainda de acordo com informações
daquela organização internacional
de defesa dos direitos humanos, foi responsável
por 24 execuções ocorridas
nos EUA, em 2003.
O
extenso relatório dos EUA diz que
na Cadeia de Máxima Segurança
da Beira, no centro de Moçambique,
os guardas prisionais assassinaram quatro
presos, a saber, Mjdane Pedro, Tom Daimone,
Thima Machava e Faustino Silva. O primeiro
foi baleado mortalmente por supostamente
ter sido encontrado a evadir-se do presídio
e os restantes por desobediência
às autoridades prisionais.
Contrabalanceando
os números. Nos Estados de Georgia
e Texas, as autoridades executaram dois
cidadãos (Willie Brown e James
Colburn) que tinham longos antecedentes
de doenças mentais, incluindo diagnósticos
de esquizofrenia. A AI vai mais longe
ao registrar a morte macabra de Scott
Hain, a 3 de Abril de 2003, em Oklahama,
por um crime que tinha cometido quando
tinha 17 anos. Esta sentença de
morte foi considerada de injusta em muitos
círculos sociais norte-americanos.
Há
ainda violação da Convenção
de Viena sobre Relações
Consulares das Nações Unidas,
que exige que os Estados informem os cidadãos
estrangeiros do direito de assistência
consular na altura de detenção.
O relatório da AI relata que os
EUA, numa dada altura, negaram o direito
de assistência consular a 100 estrangeiros.
Violou, assim, o princípio dezasseis,
ponto segundo, da Resolução
43/173, adoptado pela Assembléia
Geral das Nações Unidas
a 9 de Dezembro de 1988, vulgarmente conhecido
por Conjunto de Princípios para
a Protecção de todas as
Pessoas Sujeitas a qualquer forma de detenção
ou prisão.
O
relatório dos EUA sobre Moçambique
expõe, por outro lado, a violação
do Código do Processo Penal, por
o prazo que vai da detenção,
passando pela acusação e
indo desembocar ao julgamento ser constantemente
excedido, fazendo com que muitos detidos
permaneçam períodos longos
nas cadeias, antes de comparecerem ao
Juiz.
Subindo
novamente para o país de Bush:
O que sucedeu nos EUA depois dos ataques
terroristas de 11 de Setembro de 2001
demonstra que é, de facto, no melhor(!?)
pano onde cai a nodoa. Porquê? AI
regista que, por causa do 11 de Setembro,
centenas de cidadãos pertencentes
a 40 países foram detidos por tempo
indefinido, sem acusação,
julgamento ou acesso a familiares e advogados,
na base naval americana em Guantánamo,
em Cuba, por alegadamente estarem ligados
com a Al-Qaeda.
A
luta contra o terrorismo levou a que crianças
com cerca de 13 anos de idade fossem igualmente
detidas com todos os prejuízos
psico-morais advenientes desse procedimento
anti-direitos humanos. "Durante o
ano de 2003, continuaram a aumentar preocupações
relativamente ao impacto psíquico
do regime de isolamento e de detenção
indefinida nos detidos do Guantánamo,
tanto nos adultos como nas crianças",
reporta AI.
Em
relação a esta violação
flagrante de direitos inalienáveis
das pessoas, a Cruz Vermelha Internacional
também denunciou publicamente,
em todo o mundo, aquelas atitudes.
Tentando
finalizar
Meu objectivo, ao escrever este texto,
está dissociado de um nacionalismo
estéril, que nega qualquer realidade
de violação de direitos
humanos reportada por um país estrangeiro
- EUA. Até porque Moçambique
e os moçambicanos fazem parte da
sociedade cosmopolita, e qualquer violação
interna de direitos humanos fere a consciência
da humanidade, porque os moçambicanos,
de um lado, e direitos humanos, de outro,
não são assuntos exclusivos
de nenhuma jurisdição nacional.
Porém,
os moçambicanos e Moçambique
desgostam de cinismo e arrogância
dos EUA, quando discursa e manda recados
sobre direitos humanos, com viés
ideológico para perpetuar seus
interesses.
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Nota:
1
- Artigo original publicado no extinto
jornal Embondeiro. Maputo. 30 de Marco
de 2005, pags 4-5
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