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Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
I
Moçambique contemporâneo
e Direitos Humanos
Qual
é o grau de reconhecimento dos
direitos humanos em Moçambique?31
Tal
como aconteceu em vários países
africanos, latino-americanos e europeus
do leste, o Estado moçambicano
reconheceu integralmente os direitos humanos,
nos últimos 19 anos. Esse reconhecimento
encontra-se instituído na Constituição
da República de Moçambique,
que inaugurou o sonhado Estado de Direito
Democrático. Desta Constituição
advieram novos e inúmeros dispositivos
jurídicos, instituições
democráticas e sociais, em virtude
da nova fase nacional, cujos fundamentos
éticos são - ou, no mínimo,
deveriam ser - direitos humanos. Vale
sublinhar que antes de ’90, Moçambique
reconhecia o que posso chamar de “direitos
humanos socialistas”, em consequência
da então orientação
marxista-leninista. Porém, esse
reconhecimento não quer referir
que a anterior Constituição
que vigorou até ´90 não
plasmava parte dos direitos civis e políticos.
Apenas esclarecer que a Constituição
que vigorou até 1990 respondia
às exigências e requisitos
do sonhado projecto marxista-leninista,
instalado forçosamente pelas circunstâncias
da guerra fria - este é apenas
um dos factores.
Reconhecimento
de direitos humanos
Os moçambicanos ainda que insatisfeitos
com o grau de desempenho de várias
instituições do aparelho
do Estado, alguns dos resultados da institucionalização
de direitos humanos estão, certamente,
à vista de todos: três eleições
presidenciais e legislativas e até
municipais, legislação supra
e infra-constitucional pró-direitos
humanos, Conselho Constitucional, surgimento
de várias paisagens de agências
cívicas não-governamentais.
Outrossim,
os direitos humanos têm tido reconhecimento
político e social na agenda pública
moçambicana. Bem recentemente,
lembro-me que a Imprensa moçambicana
reportou sobre a vontade político-governamental
e parlamentar para a criação
da Comissão Nacional de Direitos
Humanos. Creio que desta futura comissão
frutificarão novas comissões
provinciais, municipais e distritais de
direitos humanos, para além de
debates e propostas para a criação
de mais institutos especializados em direitos
humanos, a exemplo da família,
mulher, criança, idoso, portadores
de deficiência, educação,
saúde, habitação,
emprego e mais.
Ao
que tudo indica, ainda que hoje provavelmente
seja imperceptível, os moçambicanos,
individual ou colectivamente, estão
a ser socializados para compreenderem
a relevância dos direitos humanos
nas esferas de vida – da doméstica
até à pública. Então,
pode-se dizer que a semente de direitos
humanos está a germinar, mesmo
que haja muitos “poréns”
e caminhos pedregosos por trilhar. Ao
fim, terá valido a pena, certamente.
Moçambique
não tem como não assumir
que a semente de reconhecimento integral
de direitos humanos está a germinar.
Recentemente, a Liga Moçambicana
de Direitos Humanos (LDH) tribunalizou,
em Maputo, um caso de polícia que
havia desumanizado mortalmente cidadãos,
contrariando o direito à vida.
Julgado o caso, o polícia foi condenado
pelo crime que cometeu.32
Aliás, há que referir que
já há mais de dez anos que
a LDH vem denunciando a brutalização
que os cidadãos moçambicanos
sofrem nas mãos de policias e agentes
prisionais. Esta e outras agências
despertaram a sociedade sobre os seus
direitos humanos, razão pela qual
o baleamento mortal da vida de uma pessoa
é reconhecido e discutido socialmente
como crime. Aliás, aponta-se o
direito à vida, bem plasmado no
direito nacional dos direitos humanos
– e a Constituição
é a pedra angular nesse aspecto.
Não
só são violações
ligadas ao direito à vida que têm
sido conduzidas pelas agências não-governamentais
e reconhecidas e julgadas nos tribunais;
mas, igualmente, direitos ao trabalho,
violência doméstica e mais,
embora a sua entrada ao Poder Judiciário
seja contável a dedo. Regra geral,
quem leva a maior parte dos casos da população
desfavorecida ao tribunal são agências
não-governamentais, facultando
uma dinâmica judicial para se adequar
à linguagem e prática de
direitos humanos.
Entretanto,
direitos sociais há que ainda que
violados são dificilmente reportados
e julgados nos tribunais, a exemplo da
falta de vaga escolar (de qualidade) para
a criança (direito humano à
educação), falta de atendimento
médico ou falta de medicamento
de uma simples e perigosa malária
(direito humano à saúde).
Bem dito e contextualizado, vezes sem
conta, o reconhecimento e exercício
de direitos culturais, sociais e económicos
não têm ganho o mesmo espaço
e força que os direitos civis e
políticos no Judiciário,
por causa do discurso ideológico
dos direitos humanos, que, infelizmente,
também adentrou em Moçambique.
O discurso ideológico dos direitos
humanos produziu simultaneamente a crença
do amanhã certo - é obrigatório
que tenhamos eleições em
cada quinquênio; e do futuro incerto
- pode faltar pão em cada quinquênio.
Seja como for, é imperioso que
o Estado moçambicano tenha uma
estrutura de valorização
de políticas públicas, assentes
em direitos humanos. Assim, o reconhecimento
social de direitos humanos florescerá.
Ao lado das instituições
de administração da justiça
teremos agências sociais do Estado
que trabalhem para a redução
da nudez social, que é um símbolo
vivo de ausência de direitos humanos.
Pontapé de saída
Com bastante urgência, os direitos
humanos precisam de reconhecimento em
todas as áreas e instituições
do Estado e da sociedade, no seu todo,
priorizando a sua matriz ética
e relevância social. Mais um exemplo
me vem à memória: posso
afirmar que o debate sobre (a não
ratificação d)o Estatuto
de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional,
recentemente promovido pela Ordem dos
Advogados de Moçambique, é
um dos indicadores para a percepção
de que alguns segmentos da sociedade reconhecem
a viabilidade política, judicial
e social dos direitos humanos.
Porém,
fazendo fé ao Mecanismo Africano
de Revisão de Pares (órgão
da União Africana), a exclusão
social e a partidarizacão do Estado
são um dos cardápios retrógrados
para Mocambique contemporâneo. Nestas
condições parece ser enganador
dizer que há em Moçambique
reconhecimento dos direitos humanos. Estou
a contradizer-me? Claro que não.
Apenas fui obrigado a colocar um porém,
bem no finalzinho do meu exercício
de liberdade de pensamento e direito à
fala...
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Notas:
31 - Araçatuba, 30 de Junho de
2009
32 - Aproveito este gancho
para lembrar que, antes de 1990, os agentes
e autoridades policiais e militares brutalizavam
cidadãos até à morte,
em respaldo à legislação
pró-pena de morte, em nome do Estado
que se apelidava de marxista. Que pena!
Marx nunca fora marxista, nem fundou o
Marxismo, e sempre negou ser chamado como
tal, de acordo com o catedrático
da filosofia do Direito da Universidade
Pompeu Fabra, Barcelona, Francisco Buey
(2006).
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