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Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
I
Moçambique contemporâneo
e Direitos Humanos
Moçambicanos:
habitantes ou cidadãos?24
Em
meio ao debate moçambicano, vítima
da nudez intelectual e preconceito político-ideológico,
posso parecer herético e reaccionário-opositor,
se afirmar que, no nosso país,
superabundam habitantes que cidadãos.
Meu argumento básico surge da supernotável
diferença comportamental entre
habitantes e cidadãos. Moçambique
tem um pouco mais de 20 milhões
de habitantes. Isso não pressupõe
que tenha, em essência, igual número
de cidadãos, porém. Este
texto tenta falar dos comportamentos vegetacionais
dos habitantes moçambicanos diametralmente
opostos ao agir ético de cidadãos.
Primeira
descida
Desçamos, com calma! Até
hoje, ainda que não recorra à
frescura dos rigores da divinizada academia
secular, nada me torna proibitivo afirmar
que habitante tem, em princípio,
ligação intrínseca
com um dado biológico: nasce, cresce,
alimenta-se, reproduz e morre. E, não
fica por aí. Acumula, igualmente,
comportamentos vegetacionais: vegeta,
maquina pensamentos retrógrados
e, por consequência, executa-os,
inescrupulosamente.
Contudo, cidadão, para além
dos atributos biológicos de habitante
(menos, regra geral, o de vegetar e o
de maquinar pensamentos retrógrados
e, por consequência, executá-los
inescrupulosamente), tem consciência
de seus direitos e deveres, participando
racionalmente, numa base ética,
das decisões e do desenvolvimento
de seu meio familiar, interpessoal, comunitário,
nacional e internacional.
Antes
de avançar, acho por bem do debate
lançar algumas perguntas
Posto isto e a título exemplificativo-indagatório,
um deputado toscanejador e bocejador,
em plena sessão parlamentar, que
até chega a esquecer o seu círculo
eleitoral, é deputado-habitante
ou deputado-cidadão? Tripulantes
que, propositadamente, deixam a música
ao som alto, causando problemas ao sistema
nervoso dos passageiros, são tripulantes-habitantes
ou tripulantes-cidadãos? As atitudes
de dilapidação do Estado,
praticadas pela maioria dos governantes
de Moçambique, desde o ano da Independência
Nacional, até aos dias que correm,
mostram que eram ou são governantes-habitantes
ou governantes-cidadãos? Justiça
e Juizes que, em plena sessão de
julgamentos, julgam os réus, numa
base preconceituosa e injustiçam
os pobres e fracos, são juizes-habitantes
ou juizes-cidadãos? Presidente
da República que, para deslocar-se,
em missão de trabalho, até
75 quilómetros de sua residência
oficial, aluga helicópteros, gastando
uma milhares de dólares (já
é conhecido o grande défice
orçamental de Moçambique),
é presidente-habitante ou presidente-cidadão?
Um casal de namorados que, sempre e sempre,
em fins-de-semana ou tempo de passeio,
encontra-se apenas para estar em um restaurante
ou lanchonete para comer, alcoolizar-se
ou tomar bebidas suculentas, e nunca vai,
em nome da cidadania intelectual e cultural,
a uma exposição artística,
museu, publicação de um
livro ou nunca lê é casal
de namorados-habitantes ou namorados-cidadãos?
Continuo a apelar à calma!
Por
que são habitantes?
Há, no parágrafo supramencionado,
seis perguntas, inevitavelmente. A cada
pergunta aplica-se a mesma resposta: não
são cidadãos, para os propósitos
deste texto. O deputado, os tripulantes,
os governantes, os juizes, o presidente
da República e os namorados são
habitantes, certamente, por não
reunirem os requisitos atitudinais e comportamentais
de um cidadão (para se ser cidadão
não basta ter nascido e ter uma
casa de alvenaria, viaturas, perfumes,
gravatas, nível superior, escritório,
cadeira giratória e mais; é
preciso, no mínimo, ter valores
espirituais e éticos, respeitar
o semelhante na mesma proporção
que desejamos ser respeitados; respeitar
os bens colectivos e as leis republicanas,
defendendo sempre o bem-estar de todos
e tudo que pauta pela ética; investir
no conhecimento e na leitura de fenómenos
sociais e naturais, visitar e apreciar
as casas artísticas, livreiras,
espirituais e museus). Abaixo, estende-se
alguma fala sobre comportamentos vegetacionais
de habitantes.
Detenha-se nas definições
“habitante” e “cidadão”
e compare seus comportamentos, no dia-a-dia.
Ao fazer isso, é muito fácil
concluir que aquelas seis categorias exemplificativas
são encostáveis à
figura de habitantes e não de cidadãos
(regra geral, países que congregam
mais habitantes que cidadãos são
mais pobres ou empobrecidos do que os
que congregam cidadãos. Os habitantes,
sempre que ensaiam pensar, pensam curto.
Coloco abaixo cinco exemplos:
Exemplo 1: Vejam os Planos de Acção
para a Redução da Pobreza
Absoluta, em Moçambique, que são
desenhados para um quinquénio,
apenas. O que mudam, realisticamente?
Exemplo 2: Vejam a miserabilidade e nudez
cívica, patriótica e intelectual
da maioria deputados “eleitos”
pelos seus partidos – no parlamento
moçambicano só vegetam,
bocejando e toscanejando.
Exemplo 3: Vejam a arrogância do
Partido no Poder, que nega a inclusão
de outros partidos ou outros segmentos
sociais no estrutura de poder governativo
e na macro-esfera do Estado - a não
ser quando a lei assim o obriga: Conselho
Constitucional, Conselho de Estado, Assembleia
da República...
Exemplo 4: Vejam os professores que fazem
reprovar alunos brilhantes só porque
leram ou lêem mais que eles ou professores
que fazem reprovar alunas que negam oferecer-lhes
os seus corpos para prazeres turístico-sexuais,
em meio à depravação
moral.
Exemplo 5: Um órgão de comunicação
social, furtando-se de contratar bons
jornalistas, para melhor desempenharem
a profissão, recruta cantoras play
back e outros pré-intelectuais
e inconvenientes profissionais, só
vem qualificar a minha tese: esse é
um órgão de comunicação
social-habitante, porque contrata pessoas
intelectualmente inexistentes. Jornalismo
é conhecimento racional e filosófico,
que se aprende e se apreende por longos
anos de infância, adolescência,
juventude e vida adulta. Ninguém
é jornalista só porque anda
com microfone, gravador e bloco ou porque
nos padrões nacionais e internacionais
é belo/a. Jornalista é um
ser pensante - ofereço minha cabeça
para ser degolado, em Natal próximo,
caso seja errante, neste começo
de século. Os cinco exemplos mostram
o quão habitante é o nosso
poder político, classe alta e média.
Seis
perguntas em resposta
Continuemos pelo deputado. Se o deputado
toscaneja e boceja, bastas vezes, em plena
sessão parlamentar, significa que
não está a responder às
exigências de um parlamentar: debater
ideias sobre a vida nacional, regional
e internacional, confrontar colegas sobre
os destinos de Moçambique, numa
base argumentativa e ética, propor
e produzir leis, fiscalizar a acção
governamental e mais.
O bocejar e o toscanejar são um
escândalo no poder legislativo e
denunciam o estágio habitante do
deputado, que se ocupa desse comportamento
vegetacional - em suma, o deputado-habitante
não pode tomar decisões
racionais, com vistas ao desenvolvimento
do país, porque está preso
a uma condição vegetacional:
a de habitante. Pode-se estar próximo
da resposta realística, se se disser
que o deputado assenta no Parlamento,
para justificar a sua desempregabilidade,
salário e regalias e não
com a agenda de Moçambique actual.
Esse deputado está, de facto, a
cingir-se de comportamentos vegetacionais
de um habitante. É perigoso, para
a sanidade política, legislativa
e social moçambicana, que tenhamos
deputados-habitantes. Moçambique,
para que se chame liberdade, tal como
o hino nacional deixa propagar, precisa
de se libertar desse tipo de deputados.
Moçambique necessita de deputados-cidadãos,
para caminhar à liberdade.
Tripulantes
Os tripulantes dos famosos chapa 100 (autocarro
ou micro-autocarro privado para transporte
de passageiros), são dos exemplos
do que este texto já retratou de
comportamentos vegetacionais. Sempre que
lhes convir, emitem som alto nos autocarros
ou micro-autocarros, provocando problemas
ao sistema nervoso - há quem sempre
reclama pela saúde que vai sofrendo,
porque à medida que os aparelhos
emitem o som, através de suas grandes
colunas, montadas depois da compra daqueles
transportes de passageiros. Mais: Um outro
comportamento que torna os nossos tripulantes
de habitantes é o de ingerir bebidas
alcoólicas, em plena viagem. Este
comportamento denuncia a irresponsabilidade
humana e profissional dos nossos tripulantes,
ao não respeitar a actividade pública
que exercem: fazer transportar passageiros,
mais do que um emprego, é um acto
de civismo e responsabilidade cidadã
e social. Em nosso Moçambique é
extremamente difícil deparar-se
com motoqueiros e ciclistas que andem
com capacetes: ao não ser portador
de capacete mostram simplesmente que são
motoqueiros-habitantes e ciclistas-habitantes.
O comportamento dos tripulantes, motoqueiros
e ciclistas indica, sem reservas, que
ainda se encontram num estágio
habitante, faltando-lhes séculos
para catapultar a situação
de cidadãos. Ser cidadão
não é um dado, como um habitante
(bastou nascer para ser contado pelas
estatísticas); ser cidadão
é um construído ético
e racional, que leva seu tempo e investimento.
Quantos anos levaremos, no nosso anónimo
Moçambique, para termos tripulantes-cidadãos,
motoqueiros-cidadãos e ciclistas-cidadãos?
Penso que já disse o básico.
Pouparei palavras, então. Não
estenderei alguma fala sobre os governantes,
os juizes, o presidente da República,
os namorados e tripulantes.
Outros
habitantes
O que torna as seis categorias em habitantes
é a forma como gerem o seu dado
biológico – nascem, crescem...
Uma das características de um habitante,
em nosso meio, é a sua vida em
simulacro: tem valores éticos degradados
e é bastante subdesenvolvimentista,
na forma como encara as coisas e o mundo
que o rodeia. O habitante não fica
indignado com a sua indignidade ética,
porque encontra-se assombrado pelo prazer
do imediatismo e do consumo degradante.
O habitante sempre está a comprar
mais aparelhos de som de alta qualidade,
carros e roupas igualmente ostensivas
para a família, mas em momento
algum lembra-se de comprar materiais espirituais,
como uma gramática e demais livros
para ele e os seus filhos, acompanhando
o conhecimento e fazendo planos dignificantes
e não cosméticos e de pouca
duração. Nestas condições,
é muito difícil que ele
e suas crianças se tornem cidadãos.
Aparentemente o são, porque tem
carros, aparelhos, tem bom salário
e as crianças estudam em colégios
caros; mas, em essência, ele e as
crianças são vegetadores,
porque lhes falta a componente de sanidade
ética, espiritual e cultura do
intelecto. Regra geral, num dia de chuva,
um habitante, à semelhança
dos já caracterizados, conduz seu
carro a uma (alta) velocidade; e vai,
propositadamente, aspergindo água
em transeuntes. Desrespeito e provocação
são uma das características
dos habitantes.
Conclusão
Assim, em face ao descrito, deixo uma
proposta: comecemos, hoje, a industrializar
bugalhos-habitantes; amanhã, longínquo,
transformar-se-ão em alhos cidadânicos,
certamente. Deste modo, Moçambique
vai tornar-se liberdade. Hoje, Moçambique
é antónimo de liberdade.
O que é indesejável. O desejo
é que Moçambique seja liberdade.
Liberdade significa aceitarmos ser dominados
pela ética e respeitarmos o nosso
próximo na mesma proporção
que desejamos ser respeitados e cumprir
as leis republicanas, construindo e solidificando
aquilo que o filósofo Emmanuel
Kant apelidara de “República
Moral”.
Neste começo de século,
o maior desafio de Moçambique actual
é “montar” uma indústria
de transformação de um pouco
mais de 20 milhões de habitantes
em igual número de cidadãos.
Quem fará isso, se dos órgãos
de soberania até ao simples vendedor
de rua, passando pela academia, partidos
políticos, comunicação
social e desembocando à igreja,
andam, de um modo geral, vegetando em
seus “currais”, como se de
suínos se tratasse?
P.S.
As manifestações ocorridas
em Moçambique em 5 de Fevereiro
de 2008 e de 1 a 3 de Setembro de 2010
são uma demonstração
viva de alguns indícios de cidadania.
Porém, é uma cidadania estomacal,
ainda. A cidadania estomacal reflete posições
do triângulo de Marx-Engeles-Marx,
segundo os quais a humanidade deve comer,
ter habitação, ter roupa,
antes de pensar na arte, ciência,
política e religião. Será
que não é possível
o contrário?
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Notas:
24
- Araçatuba, Setembro de 2008
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