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Direitos Humanos em Moçambique
Josué Bila

 

Parte I – Artigos
Capítulo I

Moçambique contemporâneo e Direitos Humanos

Moçambique: Direitos Humanos e Políticas Públicas16

A institucionalização aberta de direitos humanos em Moçambique, em 1990, transformou o país africano num palco de debates sobre direitos e liberdades individuais, ainda que essa discussão fosse fragmentada e retalhada, por causa da experiência nova e conhecimentos limitados da maior parte de autoridades e agentes do Estado e da sociedade civil.17

Nessa esteira, a referida discussão, fragmentada e retalhada, condicionou a que o catálogo de direitos humanos, em larga escala, fosse ligado à Polícia, vítimas de abusos policiais, cadeias e tribunais e não visto como temática de políticas públicas.

Para começar a exercer o meu direito à opinião, coloco as seguintes perguntas:

1 - Quem ousa apontar que a recente morte indefesa de 12 reclusos, por asfixia, nas celas da Polícia moçambicana, em Nampula, é resultado da falta de políticas públicas (nas instituições de Administração da Justiça)?

2 – Por que as vítimas das balas da Polícia são supervisibilizadas nos espaços mediáticos, ligando-as aos direitos humanos e os outros, por falta de cuidados hospitalares ou saneamento básico, são, bastas vezes, invisibilizados na temática de direitos humanos e políticas públicas?

3 – Por que agentes policiais já responderam em tribunal, em razão de terem torturado cidadãos e nunca agentes e autoridades do sector de educação foram colocados à barra do tribunal, por falta de vaga escolar para uma criança?

4 - Qual é a importância de direitos humanos e políticas públicas?

Discurso policializante e judicializante

Ora, em Moçambique, a proteçção, defesa e implementação de direitos humanos foi tradicional e publicamente vítima do discurso policializante e judicializante, defensor das liberdades individuais, quando violadas pelo Estado. Dificilmente, os direitos humanos, num passado recente, eram debatidos em prisma de políticas públicas, para o direito à Vida, Educação, Saúde, Saneamento, Alimentação, Habitação, Emprego e outros. Como resultado, o discurso policializante e judicializante é o que mais abunda no imaginário dos moçambicanos, até ao ponto de qualquer pesquisa em direitos humanos apontar, em larga escala percentual, respostas que os ligam aos criminosos, tortura e instituições de Administração da Justiça.

Posso afirmar que duplos critérios na avaliação de direitos humanos aleijaram a perspectiva de políticas públicas. Primeiro, o surgimento de organizações não-governamentais de direitos humanos e a sua consequente dependência e ligação umbilical aos financiadores das ONG’s e países ocidentais obrigou a que adoptassem, em grande medida, o discurso policializante e judicializante, usado, historicamente, pela Amnistia Internacional, por exemplo. Isso aconteceu, dentre vários factores, como mecanismo de perpetuação de parcerias e apoios financeiros. Segundo, Moçambique, com a Constituição de 90’ – respeitadora dos direitos e liberdades dos cidadãos -, acabava de revogar as leis sobre tortura, pena de morte e outras similares. As ONG’s moçambicanas aproveitaram o inaugurado momento histórico para denunciar a violação de direitos humanos, ligados à protecção da vida e da liberdade, expurgando e alimentando o debate público, por meio dos média. Sem sombra de dúvidas, tudo isso contribuiu, em grande escala, para que os direitos humanos não fossem vistos e nem discutidos como tema de políticas públicas, mas, sim, assunto de Polícia, pessoas vítimas de agentes da Polícia, Tribunal, Criminosos e ONG’s, salvo raras e honrosas excepções.

Por que direitos humanos e políticas públicas?

A temática de direitos humanos dá argumentos e fundamentos éticos à vida digna, que qualquer pessoa deva ter em sociedade, independentemente de sua nação, posição social, credo, cor de pele, género ou outros atributos. É sugestivo pensar que para que os argumentos éticos de direitos humanos se materializem são necessárias políticas públicas, em todas e quaisquer áreas, que irão orientar a política do governo/Estado, para a obtenção de resultados satisfatórios à justiça social e criação da riqueza. Não há como não acreditar que direitos humanos e políticas públicas, quando executados dentro de princípios éticos de funcionamento do Estado, irão diminuir gradualmente as mazelas sociais a que os moçambicanos se encontram.

Assim colocado, torna-se urgente que Moçambique defenda, promova e implemente direitos humanos, numa visão de políticas públicas, discutidas e desenhadas pelos actores estatais, governamentais e vários segmentos da Sociedade Civil. A união discussional e planificadora dos moçambicanos, para a resolução de seus problemas comuns, reduzirá a idéia de que direitos humanos é assunto de ONG’s, polícia e criminosos, e políticas públicas coisa do Estado-Governo. Na discussão, nem um e nem outro deve apropriar-se de algo, embora, em última instância, as autoridades governamentais tenham obrigações e responsabilidades acrescidas sobre a Sociedade Civil, no que tange ao cumprimento material de direitos humanos e políticas públicas.

Para a nossa infelicidade histórico-social, o Estado moçambicano é uma paisagem de contrariedades. Como o Estado desenhará e implementará políticas públicas com um compromisso titubeante perante a pobreza espiritual e material dos moçambicanos? Os Planos de Acção Para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA’s) não têm uma qualidade de documento de políticas públicas e nem são desenhados para esse efeito, a não ser para reduzir a pobreza em termos estatísticos. O exemplo da educação é elucidativo: há mais crianças, com acesso ao ensino primário, indiscutivelmente; porém, a maioria delas termina o ensino primário sem saber ler e escrever. Se, ao menos, soubessem escrever uma simples receita de um prato básico-popular, mesmo que não seja detalhada, ficar-se-ia grato pela “escrita estomacal”. Uma outra insensatez do Estado moçambicano é a falta de coerência para com a Agenda 2025. Este documento, para a sua elaboração, mobilizou recursos humanos, materiais e financeiros de Moçambique e, hoje, ninguém das autoridades governamentais, eleitas em 2004, ousa referenciá-lo. Ele está engavetado e servirá para os historiadores e pesquisadores. Ninguém justificará e nem será responsabilizado pelo não uso dele, quando abarcou e representou sensibilidades moçambicanas. Sem dúvidas, a Agenda 2025 seria um documento que inspiraria políticas públicas exequíveis para o progresso moçambicano. Outra malandragem político-parlamentar-diplomático está no facto de o Estado moçambicano não ter ainda ratificado, por exemplo, o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais e nem ainda conseguiu organizar e programar políticas públicas para a erradicação da exclusão social, denunciada recentemente pelo Mecanismo Africano de Revisão de Pares da União Africana e por demais institutos.

Por todas essas mazelas, Moçambique deve respirar um outro ambiente de progressos. Por isso, a proposta de dar atenção às políticas públicas e direitos humanos é, na militância cívica, legítima e coerente. São as políticas públicas que respondem os sonhos éticos de direitos humanos. O Estado é obrigado a garantir e materializar positivamente os direitos dos seus cidadãos. Será a materialização de políticas públicas, dentro de princípios de direitos humanos, que esclarecerá que as pessoas, ao lado de morarem numa casa habitacional condigna, educação de qualidade, alimentação adequada, saúde, saneamento básico e outros direitos sociais, têm direito à segurança e tranquilidade públicas, liberdade, vida, protecção contra a tortura, liberdade de expressão e religiosa, direitos reclusórios, eleger e ser eleito, respeito de agentes e autoridades estatais e demais direitos, catalogados no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

E agora?

O desafio para a discussão e alargamento da perspectiva de direitos humanos nas políticas públicas, em Moçambique, é duplo. Primeiro, as autoridades estatais precisam de remover a sua arrogância e negligência para com as causas nacionais, construindo um novo modelo de justiça social, baseado em direitos humanos e políticas públicas. Segundo, o Estado precisa de se adequar a um modelo de direitos humanos e políticas públicas em todas suas áreas, evitando acomodar-se, em cada época, a qualquer modelo de desenvolvimento, chantagem e mesmice dos doadores. É necessário um paradigma comum - direitos humanos e políticas públicas - aceite por todos. E o papel e envolvimento de todos moçambicanos é fundamental, por mais que seja necessário verterem suor, para desbaratarem aqueles que agirem contra o paradigma de direitos humanos e políticas públicas. E quem está disposto a verter suor pelos direitos humanos e políticas públicas, hoje e agora?! Certamente que serão moçambicanos que não pensam com o estômago...

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Notas:

16 - São Paulo, 25 de Março de 2009

17 - Em abono à verdade, há que referir que o nível de ignorância intelectual e fundamentalmente académica em direitos humanos (em sua perspectiva universal e interdependente), depois de 1990 - e por que não hoje -, foi, dentre vários factores, consequência de anos de adopção monopartidária de uma agenda marxista-leninista, para além da herança colonial portuguesa e à tradição moçambicana. Ao mesmo tempo, o país vivia uma guerra fratricida ideologicamente patrocinada pelas agendas da guerra fria e pela matriz da arrogância política das autoridades moçambicanas. Tudo isto dificilmente poderia ancorar uma agenda de debate aberto e democrático sobre direitos humanos. Convém refletir, aqui, que o facto de a Constituição que precedeu a de ’90 ter tido um viés parcialmente marxista não significa que nela não houvesse previsão de direitos civis e políticos, ao lado de económicos, sociais e culturais.

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