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Direitos Humanos
Direitos
Humanos
Direitos
Humanos em Moçambique
Josué
Bila
Parte
I – Artigos
Capítulo
I
Moçambique contemporâneo
e Direitos Humanos
Judiciário
moçambicano e direitos humanos1
Muitos
moçambicanos dificilmente encaminham
casos ao tribunal – e raramente
se lembram de sua existência -,
quando órgãos estatais,
sectores empresariais privados, organizações
não-governamentais e pessoas singulares
violam os seus direitos humanos.
Irrelevância do judiciário
e direitos humanos? Claro que não.
Esse comportamento dos moçambicanos
é uma provável resposta
às mazelas judiciais e ao sentimento
de frustração social, decorrentes
de expectativas nunca - ou quase nunca
- satisfeitas.
Tentando
revolver o judiciário
Vários problemas do judiciário
são apontados pelos documentos
do Tribunal Supremo. Dados de 2007, igualmente
reportados pelo relatório norte
americano de direitos humanos, indicam
que dos 128 distritos judiciais, 93 possuem
tribunais em funcionamento, faltando juízes
e pessoal qualificado. O ex-presidente
do Tribunal Supremo, Mário Mangaze,
sublinhou que Moçambique apenas
possui 36 por cento de juízes e
procuradores de que necessita, para uma
administração de Justiça
efectiva e eficiente. Neste momento, o
país africano conta apenas com
221 juízes, ou seja, um juiz para
90.500 habitantes. Os problemas são
graves ainda: de 221 juízes, 183
possuem diplomas legais exigidos por lei,
após o ano de 2000. Em dados do
mesmo ano, o Supremo Tribunal indica ainda
que apenas 7 por cento dos 1.429 funcionários
dos tribunais tinham concluído
o ensino superior. Arrola-se ainda os
salários baixos, a corrupção,
os atrasos na deliberação
de casos e as omissões no tratamento
de casos (de violação de
direitos humanos).
Convém
ressaltar, antes, que o marasmo do judiciário
moçambicano é um indicativo
de deficiência estrutural e fragilidade
organizacional do Estado como um todo,
afectando, por conseguinte, os direitos
humanos. Assim, da deficiência estrutural
e fragilidade organizacional do Estado,
extraio o compromisso político,
a implementação de políticas
públicas, o nível económico
e a actuação da sociedade
civil que são de muito baixa qualidade
e intensidade. No mínimo, é
razoável colocar que o judiciário
não pode se desenvolver institucionalmente
sozinho, respondendo às violações
de direitos humanos, tendo em conta que
os seus problemas derivam de sua instância
maior: o Estado.
Por
isso, nestas condições é
difícil, embora não impossível,
que cidadãos recorram aos tribunais
para exigirem a reposição
dos direitos violados. Alia-se ainda a
falta ou fraca cultura jurídica
e a falta de capacidade financeira da
população, para pagar um
advogado e todo um conjunto de serviços
daí decorrentes. O Instituto de
Patrocínio e Assistência
Jurídica (IPAJ) é um órgão
do Estado e um dos seus objectivos é
assistir juridicamente aos segmentos populacionais
carentes e sem advogados particulares,
quando os seus direitos são violados.
Contrariamente aos seus propósitos,
o IPAJ hibernou em seus mantos de incumprimento
do mandato legal de advogar casos-queixa
de pessoas e comunidades carentes, que
tanto necessitam de justiça. É,
no mínimo, responsável argumentar
que o IPAJ não percebeu que a justicialização
e a consequente aplicação
de remédios aos casos de violação
de direitos humanos é mais necessária
onde há mais violação
de direitos humanos.
Em
Estado de Direito Democrático,
o judiciário independente é
relevante para a almejada convivência
pacífica entre as pessoas e instituições,
buscando inspirar-se sempre nas lógicas
jurídico-constitucionais, basicamente
influenciadas pelo Direito Internacional
dos Direitos Humanos. Em outro prisma,
não é menos verdade que
qualquer judiciário independente
julgue, com rigor e isenção,
violações de direitos humanos,
trazendo à lume a sua credibilidade,
junto à população.
Isto só é possível
se as autoridades estatais e governamentais
olharem o Judiciário – e
não exclusivamente, porque existe,
por exemplo, as Comissões de Petições
e de Legalidade e Direitos Humanos da
Assembléia da República
e a futura Comissão Nacional de
Direitos Humanos – como lugar onde
os cidadãos possam ter confiança
na obtenção de remédios
às violações de direitos
humanos.
Infelizmente,
em Moçambique, o judiciário
mostra grandíssima debilidade de
julgar casos de violação
de direitos humanos, revelando que a sua
função primária,
como apontado acima, não foi cumprida.
Reconhecendo
que a fraca expansão de foros judiciais
institucionalmente organizados é
um facto irrefutável, admite-se
também que os pouquíssimos
tribunais existentes são, na maioria,
incapazes de julgar casos de direitos
humanos, pelo facto de os juízes
e funcionários sofrerem de desconhecimento
de direitos humanos, baixo nível
académico e carácter transgressor
aos princípios éticos. Regra
geral, as nossas escolas de Direito (e
não só) não têm,
em suas grades curriculares, matérias
de direitos humanos, excepto fragmentos
introduzidos recentemente nas faculdades
de Direito de duas univerdades designadamente
Eduardo Mondlane e Católica, para
dar uma noção extremamente
elementar. Aliás, não podemos
esquecer que a mais antiga Faculdade de
Direito da Universidade Eduardo Mondlane
e os tribunais foram muito influenciados,
depois da independência nacional,
pelos paradigmas de orientação
marxista-leninista e da falta de uma cultura
cívic0-jurídica em direitos
humanos, na sociedade moçambicana.
Posso ainda acrescentar uma doença
crónica que acompanha os problemas
já levantados: o preconceito e
o equívoco segundo os quais os
direitos humanos são exclusivamente
áreas de organizações
não-governamentais e não
assunto de Estado e de sociedade solidária
e fraterna, promotores de justiça
social.
Fazendo
fé aos dados de 2007 do relatório
do Ministério da Justiça,
cerca de 90 por cento de juízes
moçambicanos não têm
a Constituição da República
em seus gabinetes de trabalho. Um outro
dado não menos importante é
da minha experiência jornalística
enquanto antigo redactor-principal da
revista Democracia e Direitos Humanos:
maior parte dos magistrados padecem de
fraquíssimo conhecimento sobre
a existência de instrumentos internacionais
direitos humanos, sem contar que nem sabem
correlacionar o direito interno com o
direito internacional (dos direitos humanos).
Aproveito esse gancho para afirmar que
uma esmagadora maioria dos cerca de 600
advogados nada sabe de direitos humanos,
significando que estes dificilmente levantam
debates em foros judiciais, na Associação
de Advogados de Moçambique e não
só. É impossível,
por assim dizer, que hajam efectivos remédios
às violações de direitos
humanos sofridas por moçambicanos,
se os operadores de Direito ignoram o
paradigma ético contemporâneo
- direitos humanos.
Resumidamente,
o judiciário sofre de fraca expansão
de foros judiciais institucionalmente
organizados; pouquíssimo pessoal
em quantidade e qualidade; falta ou quase
falta de conhecimento de direitos humanos
pelos juízes e funcionários;
juízes e funcionários com
caráter transgressor (isto pode
ser uma referência à corrupção,
à violação do direito
ao acesso à justiça e ao
julgamento justo); fraquíssima
força judicial, que pode ser um
indicativo de interferência do poder
executivo e dos economicamente fortes
às decisões do judiciário.
As
consequências das mazelas do judiciário
em direitos humanos, que afinal de contas
são uma declaração
dos marasmos do Estado moçambicano
contemporâneo, denotam a incapacidade
dos tribunais em apontar ou identificar
violadores e vítima(s) de violações
de direitos humanos, para uma possível
reparação. Não obstante
os esforços de organizações
da sociedade civil na denúncia
e criminalização de casos
de violações de direitos
humanos, os resultados não podem
ir além da fronteira onde as referidas
mazelas do Estado se encontram instaladas.
Também
é relevante para este artigo, ainda
que em forma de nota de rodapé,
dizer que, na actualidade, os tribunais
não foram instalados e nem os juízes
e funcionários socializados para
atender às demandas de violações
de direitos humanos de moçambicanos
simples e rurais, mas, sim, para responder
às exigências da população
urbana de classes média e alta,
respectivamente. O próprio linguajar
e as formalidades jurídicas portuguesas,
latinas e romanas não ajudam ao
nosso camponês, vendedor de rua,
operário de fábrica, entre
outros, a compreenderem a dinâmica
jurídica em direitos humanos.
Que
se pode fazer?
Portanto, depois desta descrição
sobre as mazelas do nosso judiciário,
importa referir que o Estado moçambicano
precisa de ser flexível na criação
processual de sua capacidade estrutural
e organizacional, olhando o judiciário
como lugar-espelho de resolução
e observância das normas de direitos
humanos. Há ainda a necessidade
de extrair gradualmente a deficiência
estrutural e fragilidade organizacional
do Estado, para, sem ilusões de
perfeição, um cada vez maior
compromisso político-governamental,
implementação de políticas
públicas, nível económico
e actuação da sociedade
civil qualitativa e intensa. Creio que
com estes e outros pontos observados,
o judiciário, enquanto membro de
um corpo (Estado moçambicano) doentio,
será positivamente resgatado e
curado de suas doenças apontadas
acima, rumo à protecção,
reparação e implementação
de direitos humanos. Ao lado disso, as
escolas locais de formação
em Direito devem repensar nas suas grades
curriculares, por forma a programar a
inclusão da cadeira de direitos
humanos, pelo menos seis semestres, proporcionando
debates progressistas e abertos para a
compreenão da dignidade humana.
Penso que, nas condições
históricas actuais de Moçambique,
o judiciário deve buscar pela transparência
e carácter ético de seus
magistrados e funcionários. Talvez
com algum melhoramento, os moçambicanos
poderão encaminhar casos de violações
de direitos humanos aos tribunais, recebendo
efectivos remédios.
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Nota:
1
- São Paulo, férias de Janeiro
de 2010
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