Por
que Direitos Humanos
Nilmário
Miranda
EDUCAÇÃO
EM DIREITOS HUMANOS:
A CHAVE DE TUDO
Quando recebi o convite do presidente Lula para
ser o ministro de Direitos Humanos, em dezembro
de 2002, reuni vários dirigentes, ativistas
e lideranças históricas em Direitos
Humanos que estavam em Brasília para
comunicar que tinha sido convidado e pedir opinião
sobre por onde começar, qual a prioridade,
já que em Direitos Humanos tudo é
importante, tudo é prioridade. Todos
eles falaram. A última pessoa que perguntei
foi a nossa decana, Margarida Genevois, uma
das pioneiras no Brasil, que tem mais de 50
anos de luta na área. Ela me disse que
não tinha a menor dúvida de que
a prioridade absoluta deveria ser para a educação
em Direitos Humanos, que essa era a chave de
tudo.
No
dia 2 de maio de 2003, fizemos uma portaria
criando o Comitê Nacional de Educação
em Direitos Humanos, que reunia os principais
especialistas da área para fazer o Plano
Nacional de Educação em Direitos
Humanos, que se concretizou em dezembro de 2003.
A partir desse plano, ficou mais fácil
visualizar como a sociedade civil, ONGs, organizações
governamentais, organismos internacionais, universidades,
escola de educação infantil, do
ensino fundamental e médio, mídia
e instituições do sistema de segurança
e justiça podem contribuir para a construção
de uma cultura voltada para o respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana. Esta é
a questão central: a criação
de uma cultura.
Esse
plano foi apresentado pela Secretaria Especial
de Direitos Humanos e pelo MEC, quando o ministro
da Educação ainda era Cristóvam
Buarque. Os ministros que o sucederam, Tarso
Genro e Fernado Haddad, mantiveram essa linha.
O Ministério da Educação
tem o compromisso de promover uma educação
de qualidade para todos, de políticas
democráticas em relação
a todos os setores do sistema de ensino, ouvindo
e planejando as ações com base
nas necessidades que o povo apresenta. Tem ainda
o compromisso claro com os ideais republicanos
e democráticos, promovendo igualdade
e oportunidade para todos. É essencial
o seu compromisso de ampliar a educação
infantil, universalizar e melhorar a qualidade
do ensino fundamental e médio, ampliar
e aperfeiçoar o ensino superior, incluir
pessoas com necessidades educacionais especiais,
promover a profissionalização
de jovens e adultos, erradicar o analfabetismo,
trabalhar sobre os currículos, valorizar
e melhorar a qualidade da formação
inicial e continuada dos professores e demais
educadores. Tudo isso é necessário
para consolidar os Direitos Humanos.
A
Secretaria de Direitos Humanos tem como princípio
combater a descriminação, promover
a igualdade entre as pessoas e afirmar que os
Direitos Humanos são universais, indivisíveis
e interdependentes. Portanto, ela tem o papel
de divulgar os instrumentos internacionais de
Direitos Humanos, tomando providências
para sua incorporação no plano
interno, garantindo o desenvolvimento de ações
e projetos que promovam os Direitos Humanos,
em especial dos grupos mais vulneráveis
em situação de risco.
O
quadro de grave violação de Direitos
Humanos só será alterado se conseguimos
formar cidadãos mais conscientes de seus
direitos, conhecedores dos meios para sua proteção
e voltados para fortalecer o Estado Democrático
de direito e a cultura de paz.
O
Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos foi elaborado com cinco eixos:
fomentar a educação formal e não-formal,
promover a educação universitária
e estimular a formação dos agentes
de segurança e da mídia.
A
história da educação em
Direitos Humanos também é nova
no Brasil. Em 1985, um grupo de brasileiros
foi fazer um curso do Instituto Interamericano
de Direitos Humanos, em San José, na
Costa Rica, ligado à Organização
dos Estados Americanos (OEA). De volta ao Brasil,
esse organizou três grupos: um em Pernambuco,
o Grupo de Juristas Populares (GAJOP), outro
na PUC do Rio de Janeiro e outro com a Comissão
de Justiça e Paz de São Paulo.
Durante
cinco anos, financiados pelo Instituto Interamericano
de Direitos Humanos e com o apoio da Unesco,
dezenas de cursos, seminários, palestras,
oficinas, foram feitos para criar uma cultura
de Direitos Humanos e novas práticas
sociais. Em 1994 houve um grande seminário
no Rio de Janeiro, com a participação
de uma instituição não-governamental
chamada Novamérica, que foi criada em
1991 só para educação em
Direitos Humanos. Daí foi constituída
a rede brasileira de educação
em Direitos Humanos, que teve como principal
coordenadora Margarida Genevois.
Em
1997 foi realizado o I Congresso Brasileiro
de Educação em Direitos Humanos,
e, no mesmo ano, o MEC fez os Parâmetros
Curriculares Nacionais, em que colocou a questão
dos Direitos Humanos. A partir de então,
multiplicaram-se as experiências municipais,
estaduais, universitárias e de pós-graduação.
Mas não havia ainda uma política
pública nacional, coordenada, de educação
em Direitos Humanos.
Desde
a redemocratização do País,
há intensa movimentação
no âmbito dos Direitos Humanos. Conquistas
institucionais, legais, avanço na ordem
jurídica, agendas e projetos impulsionados
por um sem número de organizações.
A despeito dessa mobilização e
movimentação para concretizar
o Estado Democrático de Direito, persiste
um distanciamento entre os marcos normativos
e a realidade da maioria da população
brasileira. O contexto nacional tem-se caracterizado
historicamente por desigualdades e pela exclusão
econômica, social, racial e cultural,
decorrente de um modelo de Estado fundamentado
na concepção neoliberal, no qual
as políticas públicas priorizam
os direitos civis e políticos em detrimento
dos direitos econômicos, sociais, culturais
e coletivos.
O
Brasil tem enorme concentração
de riqueza, e hoje é um dos países
com maior desigualdade de renda do mundo. Isso
está melhorando, felizmente. Esse governo
tem contribuído para isso. Uma informação
do BIRD, em março de 2006, mostra que
o Brasil passou do segundo lugar de pis mais
desigual do mundo, para décimo lugar.
Os indicadores de combate à desigualdade
também melhoraram, mas ainda são
avanços insuficientes. Principalmente
no que se refere aos Direitos Humanos, entendidos
como direitos de todos os seres humanos, sem
distinção de raça, nacionalidade,
etnia, gênero, classe social, cultura,
religião, opção sexual,
opção política ou qualquer
outra forma de discriminação.
São os direitos que asseguram a dignidade
do ser humano, abrangendo, entre outros, direito
à vida com qualidade, à saúde,
à educação, à moradia,
ao lazer, ao meio ambiente saudável,
ao saneamento básico, à segurança
no trabalho e à diversidade cultural.
Essa
concepção de Direitos Humanos
incorpora também a compreensão
de que o povo só vai se apropriar dos
seus direitos se contribuir uma cidadania democrática
ativa, planetária, embasada no espírito
da liberdade, da desigualdade, da diversidade
e na universidade, na individualidade e na interdependência
dos direitos. A democracia deve ser entendida
não como democracia formal, mas alicerçada
na soberania popular e no respeito integral
aos Direitos Humanos. Nesse entendimento, o
processo de construção da cidadania
requer a formação de cidadãos
conscientes de direitos e deveres. E protagonistas
para levarem à prática esses novos
impactos que eles regulamentam. Nesse processo,
a educação em Direitos Humanos
é tanto um direito humano em si mesmo
– a pessoas ter o direito de ter –
como meio indispensável para realizar
outros direitos, trabalhando coletivamente.
“A
democracia deve ser entendida não como
democracia formal, mas alicerçada na
soberania
popular e no respeito integral aos Direitos
Humanos.”
A educação ganha maior importância
quando direcionada ao pleno desenvolvimento
humano e às suas potencialidades e elevação
da auto-estima dos grupos sociais excluídos,
de modo a efetivar a cidadania plena para a
construção de conhecimentos, o
desenvolvimento de valores, crenças,
atitudes, em favor dos Direitos Humanos, na
defesa do meio ambiente e de outros seres vivos.
A
educação, nessa perspectiva, deve
ser direcionada para fortalecer o respeito aos
direitos e às liberdades fundamentais
do ser humano, ao pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do senso de dignidade à prática
da tolerância, do respeito à diversidade
de gênero e cultura, da amizade entre
as nações, aos povos indígenas,
os grupos raciais, étnicos, religiosos
e lingüísticos. É a possibilidade
de todas as pessoas participarem de uma sociedade
livre.
Tudo
isso está baseado na Declaração
Universal, na nossa Constituição,
na Lei de Diretrizes e Base da educação.
O
relatório de Jacques Delors, da Comissão
Internacional sobre Educação para
o Século XXI – considerando o papel
fundamental da educação para os
princípios da liberdade, da paz e justiça
social – estabelece sua presença
ao longo da vida humana, de modo a contribuir
para o enfrentamento dos riscos e dos desafios
de um mundo em transformação.
Através do aprender a conhecer, aprender
a fazer, aprender a ser, aprender a viver junto.
Já
foram realizados Encontros Estaduais de Educação
em Direitos Humanos em todos os Estados do País.
O Comitê Nacional participa de eventos
com o Fórum Social Mundial, o Fórum
de Dirigentes Municipais de Educação
e de dezenas de encontros no País e no
exterior, contribuindo essa teia.
As
pessoas mais importantes, que têm mais
experiência nisso, participaram da organização
do plano e participam do comitê. Advogados,
professores universitários, ativistas,
membros de igrejas que têm atividade voltada
para esse campo, ONGs, deputados, reitores de
universidades. É acompanhado pela Unesco,
pelo MEC, e contra um número enorme de
colaboradores espalhados pelas organizações
e pelas mais variadas instituições.
Direito
ao voto, à manifestação,
à liberdade de pensamento, são
essenciais, mas insuficientes para garantir
os direitos econômicos, sociais e culturais.
As pessoas, hoje, podem gozar de seus direitos
em qualquer lugar do planeta – via Internet,
telefonia celular, cartão de credito,
seguro saúde, transporte rápido.
E ampliou-se o contato entre as raças,
culturais e lugares. Mas, por contraste, contamos
com mais de 1 bilhão de pessoas que não
têm acesso a nada disso, nem aos direitos
mais elementares, como educação,
saúde, e trabalho.
E,
junto com o neoliberalismo, veio o aumento do
desemprego, do subemprego, dos sem-teto, das
migrações internas e da emigração
de povos. E, com isso, a intensificação
da xenofobia e do racismo, do fanatismo e da
intolerância.
O
neoliberalismo se alimenta disto: a globalização
promete bem estar e desenvolvimento e, ao mesmo
tempo, espalha a dor, a miséria e a fome.
Liberta a criatividade e sufoca a maioria. Envolve
o sistema produtivo e destrói o meio
ambiente.
A
globalização, na lógica
do mercado, desequilibra as relações
de poder.
É
importante desenvolver outras globalizações,
como o Mercosul dos Direitos Humanos, como o
Fórum Social Mundial. A globalização
dos Direitos Humanos, da igualdade de gênero,
do meio ambiente, dos direitos dos povos indígenas,
da luta pela paz, da não-violência.
Após
as ditaduras da América Latina, houve
formidável crescimento na afirmação
da cidadania, no que toca a eleições,
livre associação, liberdade de
imprensa e expressão. Mas também
esse foi um dos continentes que menos avançou
na luta contra a desigualdade.
Agora
estamos vendo a Bolívia, pela primeira
vez, um representante indígena assumindo
o poder. Na Venezuela, no Uruguai, no Brasil,
na Argentina, no Chile. Todo esse esforço
para mudar essa lógica neoliberal e avançar
na conquista dos direitos.
Para
isso é fundamental radicalizar a democracia,
para construir a nova ordem, tendo como um dos
seus pilares os Direitos Humanos, que é
um conjunto de princípios universalmente
aprovados, transformados em códigos éticos
e morais.
Hoje
a sociedade civil planetária é
um fato. É capaz de clamores mundiais.
Num só dia, 60 milhões de pessoas
se manifestaram contra a agressão ao
Iraque. A defesa do meio ambiente mobiliza pessoas
do mundo inteiro, a igualdade do direito das
mulheres, o respeito à proteção
das minorias, a ampliação dos
direitos culturais, o resgate da memória
histórica, a reparação
das violações contra a vida, em
locais onde houve muita tortura, assassinatos
e desaparecimentos políticos.
Várias
conferências globais, como a do Rio de
Janeiro, a ECO 92; a do Cairo, para as populações;
a de Copenhague, contra a pobreza; a de Viena,
dos Direitos Humanos; a de Beijing, da mulher,
a de Istambul, de habitação e
espaço urbano, e a de Durban, sobre o
racismo compõem a cidadania ativa mundial.
A
cidadania global constrói redes, movimentos,
grupos. O neoliberalismo desvincula a política
da ética, e pretende uma democracia apenas
formal, porque não existe compromisso
com a mudança social. A política
ética é enfatizar o sentido de
que é público, solitário
e do bem comum, para favorecer o compromisso
coletivo e fortalecer movimentos e organizações
da sociedade civil, combater o consumismo ilimitado
e opulento, atender às necessidades básicas
e combater o individualismo exacerbado, e que
tem como adversário.
É
importante existirem espaços públicos
que independam das instituições
no sistema partidário e na estrutura
do Estado. Autonomia, autogestão, independência,
participação, efetivação
dos direitos econômicos, sociais e culturais
são o substrato das redes.
Educar
os Direitos Humanos, no fundo, é fortalecer
esses grupos, esses movimentos, essas associações.
É quebrar a cultura do silêncio
e da impunidade. É manter viva a memória
dos horrores e da dominação, a
colonização, as ditaduras, as
torturas, os genocídios, os desaparecimentos.
Não é remoer o passado; é
usar o passado como meio de construir o presente
e o futuro.
“É
importante existirem espaços públicos
que
independam das instituições no
sistema partidário
e na estrutura do Estado.”