Por
que Direitos Humanos
Nilmário
Miranda
OS
DIREITOS HUMANOS
GANHAM O LESGILATIVO
A criação da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
em 1995, teve papel fundamental na luta pelos
Direitos Humanos no Brasil. Em 1987, a deputada
federal Benedita da Silva havia apresentado
um projeto de resolução, que foi
arquivado pela mesa. Em 1991, a deputada voltou
a apresentar o mesmo projeto, que foi novamente
arquivado sob a alegação de que
a comissão deveria uma Subcomissão
da Comissão de Justiça e Redação.
Durante
a legislatura de 1991/1995 aconteceram grandes
CPIs e comissões que colocaram os Direitos
Humanos na agenda. Foram criadas CPIs do sistema
penitenciário, da violência contra
a mulher, do extermínio de crianças
adolescentes, da pistolagem, e, na Comissão
de Trabalho, surgiu uma Subcomissão contra
o trabalho escravo. De 1991 a 1994 funcionou
a Comissão Externa de Apoio às
Famílias dos Mortos e dos Desaparecidos
Políticos durante a ditadura, que propôs,
no relatório final, a criação
de uma comissão permanente. Em 1995,
apresentei o projeto de Resolução
231, e, no dia 31 de janeiro, com apoio do presidente
da Casa, Inocêncio de Oliveira, que encerrava
o seu mandato, e do presidente que assumiria
no seu lugar, Luiz Eduardo Magalhães,
e de todos os líderes, foi aprovado o
projeto de revolução que criava
a Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A criação dessa comissão
foi um marco na história dos Direitos
Humanos no nosso País.
Instalada
em março de 1995 e presidida por mim,
a CDH decidiu, por consenso, apresentar uma
agenda ao ministério da Justiça,
Nelson Jobim, em que constava, entre outras,
a reparação e o reconhecimento
dos mortos e dos desaparecidos políticos,
a tipificação do crime da tortura,
o fim do foro privilegiado para crime da Polícia
Militar contra civis, o rito sumário
para as desapropriações para fins
de reforma agrária.
Faltava
ao Parlamento uma comissão permanente
de interlocução com a sociedade,
com os poderes públicos, capaz de atuar
em todas as redes para promover, prevenir, garantir
e defender os Direitos Humanos.
A
CDH veio para aprimorar a legislação
e fiscalizar o poder público, para receber,
avaliar e investigar denúncias de violação
de Direitos Humanos.
É
nesse sentido que a Comissão de Direitos
Humanos começa a realizar intenso trabalho.
Em 1996, sob a presidência do jurista
Hélio Bicudo, foi posto o fim ao foro
privilegiado para crimes dolosos de PMs contra
civis. Em 1997, sob a presidência de Pedro
Wilson, deputado do PT por Goiás, foi
tipificado o crime da tortura. Em 1999, retornei
a sua presidência e promovemos uma audiência
pública que derrubou o ditador geral
da Polícia Federal, João Batista
Campelo, indicado por Fernando Henrique, que
havia participado de tortura durante o regime
militar. Em 2000, sob a presidência de
Marcos Rolim, foram realizados caravanas temáticas
a unidades Febem, instituições
manicomiais e presídios. Em 2001, sob
a presidência de Nelson Pelegrino (PT/BA),
houve o enfrentamento com os grupos de extermínio.
Em 2002, o presidente Orlando Fantazzini, hoje
no PSOL/SP, iniciou uma campanha nacional contra
o baixo nível de programas na TV e realizou
caravanas aos povos indígenas. Em 2003,
por Mário Heringer (PDT/MG), e, em 2005,
teve como presidente Iriny Lopes (PT/ES).
Foi
a CDH que, junto com as entidades de Direitos
Humanos, convocou a I Conferência Nacional
de Direitos Humanos, que se transformou em um
grande evento, forçando o Estado a avançar
e a formular propostas em relação
ao tema. Foi a CDH que impulsionou o Programa
de Proteção à Vítimas
e Testemunhas (Provita) e, junto com a Conferência
Nacional, provocou as modificações
do Programa Nacional de Direitos Humanos –
2ª Edição, que incluiu direitos
econômicos, sociais e culturais. A CDH
reuniu, durante esses anos de existência,
as comissões de Direitos Humanos de Assembléias
Legislativas e Câmaras municipais, inspirando
a criação de dezenas de comissões
de direitos Humanos nos parlamentos estaduais
e municipais. Hoje há essas comissões
em 27 Estados, no Distrito Federal e em dezenas
de Câmaras. Através de audiências
públicas, ministros, secretários
e defensores de Direitos comparecem com indígenas,
sem-terra, sem-teto, famílias de vítimas
de esquadrões da morte, vítimas
de tortura, vítimas de racismo, discriminação
e preconceito para debater as violações
de direitos.
A
CDH também foi fundamental para a assimilação
e a compreensão, pela sociedade, necessidade
da universalidade e exigibilidade dos Direitos
Humanos, realizando estudos, pesquisas e análises
nesse sentido. Realizou ainda diligências
pelo País; levou relatórios à
Comissão de Direitos Humanos da ONU,
Genebra, participou de articulações
internacionais e apoiou a independência
do Timor Leste. Tomou a frente pela ratificação,
pelo Brasil, do Tratado de Roma para a instalação
do Tribunal Penal Internacional. Articulou com
outros países da América Latina
e influenciou a mídia, no que diz respeito
a mudança dos paradigmas dos Direitos
Humanos, acusados injustamente de protegerem
bandidos. Atuou ativamente no Conselho de Defesa
do Direito da Pessoa Humana, em parceria com
a Procuradoria Federal do Direito do Cidadão
e com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos.
O
Ceará projetou pessoas como Mário
Mamede (Secretário adjunto da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos no governo Lula);
como o deputado federal João Alfredo
e a prefeita de Fortaleza, Luiziane Lins, que,
como vereadora e deputada estadual, atuou contra
o turismo sexual.
No
Acre, o então deputado estadual Nilson
Mourão tratou luta sem tréguas
contra o crime organizado que praticamente controlava
o aparelho do Estado antes dos dois governos
de Jorge Viana. A deputada Naluh Gouveia é
uma reconhecida defensora dos Direitos Humanos.
A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia
baiana revelou pessoas como Nelson Pelegrino,
que a presidiu e depois foi presidente da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara Federal;
como Moema Gramacho (hoje prefeita de Lauro
de Freitas), como Yulo Oiticica e Emiliano José.
Em
Minas Gerais, os deputados João Leite,
Maria José (hoje prefeita de Teófilo
Otoni), Edson Rezende, Maria Tereza Lara, Durval
Ângelo são reconhecidos promotores
da cidadania e da luta contra a barbárie.
Do
Rio de Janeiro políticos com trajetória
na área de Direitos Humanos no Parlamento
são muitos: Benedita da Silva, Modesto
Silveira, Fernando Gabeira, Chico Alencar, Carlos
Minc, Alessandro Molon.
O
Rio Grande do Sul tem a mais antiga Comissão
Parlamentar de Direitos Humanos. Foi criada
em 1983, enfrentando o regime militar com Carlos
Araújo. Marcos Rolim, presidente várias
vezes da CDH, publicou o Relatório Azul
e depois foi presidente da CDH da Câmara
Federal. Maria do Rosário presidiu a
CDH da Assembléia gaúcha e, como
deputada federal, foi relatora da famosa CPMI
Contra o Abuso e a Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes.
Em
São Paulo temos parlamentares estaduais,
como Eloi Pietá (posteriormente prefeito
de Guarulhos), Ítalo Cardoso e Renato
Simões e outros que se destacaram como
deputados federais ligados aos Direitos Humanos
como Hélio Bicudo, Luiz Eduardo Greenhalgh,
Orlando Fantazzinni e Marta Suplicy.
“O
desafio daqui para a frente é ampliar
as CDHs nas
Câmaras Municipais e avançar na
constituição de uma
grande rede, interligando as instituições,
entidades,
ONGs, pessoas em torno de agendas comuns.”
Outro Estado onde o crime organizado infiltrou-se
no poder público foi o Espírito
Santo, chegando ao desplante do assassinato
de um advogado (Marcelo Denadai), de um juiz
(Alexandre Martins), de ecologistas e militares
de movimentos sociais. Vários parlamentares
se destacaram como defensores de Direitos Humanos,
enfrentando riscos permanentes, como Iriny Lopes,
Perly Cipriano, Cláudio Vereza, Roberto
Valadão, Rita Camata.
No Pará, onde ser defensor de Direitos
Humanos é assumir enormes riscos –
vide assassinatos dos deputados Paulo Fontelle
e João Batista –, que concentra
o maior número de ameaçadores
e de assassinatos de defensores de Direitos
Humanos, surgem referências como Socorro
Gomes, Babá, Paulo Rocha. A deputada
estadual Araceli Lemos assumiu a difícil
tarefa da CDH da Assembléia Legislativa
no Estado que lidera a estatística macabra
de mortes e ameaças no campo.
Da Paraíba vem a lembrança de
parlamentares como Frei Anastácio e Rodrigo
Soares, deputados estaduais; Luiz Couto, notabilizado
pela luta contra grupos de extermínio,
relator de CPI e vice-presidente da CDH da Câmara
Federal.
No Mato Grosso do Sul temos os deputados Zeca
do PT (depois eleito governador por dois mandatos),
Pedro Teruel. De Pernambuco, Fernando Ferro;
do Maranhão, Domindos Dutra.
No
Mato Grosso, Ságuas Moraes, Gilney Amorim
Viana, quando deputado estadual.
De Goiás veio Pedro Wilson, um dos pioneiros
do MNDH, eleito prefeito de Goiânia, tendo
a CDH da Câmara Federal. O deputado estadual
Mauro Rubem tem sido a referência maior
dos Direitos Humanos em Goiás.
No
Distrito Federal, Érika Kokai destaca-se.
No Paraná, padre Roque como deputado
federal priorizou os Direitos Humanos e depois
foi nomeado secretário de Trabalho do
governo de Roberto Requião. O hoje senador
Flavio Arns, como deputado federal, participou
durante todos os seus mandatos da CDH na Subcomissão
dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
junto com o deputado mineiro Eduardo Barbosa.
A
meu juízo, o desafio daqui para frente
é ampliar as CDHs nas Câmaras Municipais
e avançar na constituição
de uma grande rede, interligando todas as instituições,
entidades, ONGs, pessoas em torno de agendas
comuns.