Por
que Direitos Humanos
Nilmário
Miranda
O
COMEÇO DE TUDO
A
história dos Direitos Humanos no Brasil
é algo novíssimo. A primeira vez
que a questão apareceu no espaço
público foi em 1956, quando o então
deputado federal Bilac Pinto (UDN/MG) apresentou
um Projeto de Lei à Câmara dos
Deputados criando o Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana (CDDPH). No entanto, somente
em 1964, oito anos depois, o conselho foi aprovado
e sancionado pelo então presidente João
Goulart. Na verdade, o Projeto de Lei foi sancionado
no dia 16 de março de 1964, quinze dias
antes do golpe militar que rasgou a Constituição
e violou os Direitos Humanos sistematicamente.
Em 1968, quando havia muitas denúncias
de tortura, violação de Direitos
Humanos, arbitrariedades contra presos políticos,
repressão a estudantes, o general presidente
Costa e Silva convocou a instalação
do CDDPH e compareceu à solenidade junto
com ministro Gama e Silva, que depois viria
a ser o redator do Ato Institucional nº
5, instituindo o terror de Estado.
O
CDDPH, portando, foi instalado 50 dias antes
do Ato Institucional nº 5, que se constituiu
na total negação dos Direitos
Humanos, cancelando as garantias constitucionais,
como o habeas-corpus, acabando com a inamovibilidade
dos juizes, instituindo a censura à imprensa.
Além
disso, aumentou a facilidade de cassação
dos mandatos e deu prazo de dez dias para que
as pessoas detidas sob acusação
de violar a segurança nacional fossem
apresentadas à Justiça para que
pudessem ser livremente viciadas. Na prática,
institucionalizou a tortura.
No
governo Médici e mesmo no do general
Geisel, os integrantes do CDDPH chegaram a se
reunir em sigilo. Apesar do esforço de
pessoas como Pedroso Horta, Seabra Fagundes,
Dalmo Dallari, Barbosa Lima Sobrinho, Cláudio
Fonteles, Nelson Carneiro, Danton Jobim, Cavalcanti
Neves e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
para tentar usar o espaço, o CDDPH funcionava
ritualisticamente.
Na
verdade, só durante a ditadura é
que os Direitos Humanos se desenvolvem no Brasil.
Por volta de 1975, começa a ser articulado,
no País, o Movimento Feminino pela Anistia.
Formado por mulheres valorosas, mães,
esposas e parentes dos presos, torturados, mortos
e desaparecidos políticos, o Movimento
Feminino pela Anistia denunciou as violações
de Direitos Humanos e ergueu a bandeira da Anistia,
além da punição para os
crimes cometidos pelos agentes do Estado.
Também
a Arquidiocese de São Paulo assumiu a
liderança da luta contra a tortura, em
favor dos Direitos Humanos, dos perseguidos
políticos. Outras igrejas, como a Metodista,
sobretudo do Sul, posicionaram-se muito corajosamente
pelos Direitos Humanos. O reverendo Jaime Wright
(irmão de Paulo Stuart Wright, desaparecido
político desde 1971) também se
destacou. Em todo o País, um grupo de
advogados de presos políticos conquistou
respeito e admiração públicos.
Não raro eram presos e ameaçados
por exercerem dignamente sua profissão.
Havia
também uma entidade chamada Clamor, ligada
à Arquidiocese de São Paulo, que
acolhia os foragidos, os exilados, os clandestinos
do Cone Sul, já que o terror do Estado
tinha alcançado dimensões nunca
vistas na Argentina, no Chile, no Uruguai, no
Paraguai e na Bolívia. Todos recorriam
ao Dom Paulo Evaristo Arns. No Nordeste, Dom
Helder Câmara se agigantou na luta contra
a tirania.
Por
meio da resistência nos próprios
cárceres, os presos políticos
procuravam documentar as atrocidades do regime
militar. Ao chegarem às prisões,
prisioneiros relatavam o que tinham sofrido
ou testemunhado, e os relatórios eram
enviados para fora dos cárceres e do
País. Se sabiam de alguma coisa sobre
presos ou perseguidos, essas pessoas relatavam
quem, quando e onde ocorreram as torturas. O
Estado brasileiro foi até levado ao Tribunal
Bertrand-Russel, um tribunal moral que julgou
e condenou a ditadura no País. Nesse
período da ditadura, a simples menção
ao termo Direitos Humanos já soava como
contestação ao regime.
A
censura à imprensa abafava a repercussão
dos assassinos políticos. Várias
mortes provocaram reações corajosas,
por exemplo, as do padre Henrique (Recife),
do jornalista Luiz Eduardo Rocha Merlino (São
Paulo), e a do estudante Alexandre Vanucchi
Leme (São Paulo). Sem dúvida,
o marco divisório foi a mobilização
produzida em reação à morte
sob tortura do jornalista da Tv Cultura Wladimir
Herzog, em 1975. Naquele momento, a indignação
se sobrepôs ao medo.
A
resistência ao arbítrio alastrou-se
na sociedade civil. ABI, OAB, Central Brasil
Democrático, Centros de Defesa dos Direitos
Humanos, intelectuais, artistas, jornalistas.
Em 1974 e 1978, o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) elegeu deputados e senadores
que denunciaram as violações de
Direitos Humanos mesmo com o risco das cassações
de mandato. Mesmo na Aliança Renovadora
Nacional (Arena), um homem de trajetória
conservadora comoveu o País. Ao assumir
a Presidência da Comissão de Anistia,
Teotônio Vilela visita todos os cárceres,
vê a situação dos presos
e torna-se um símbolo daquele momento
da luta pela Anistia no Brasil. O crescimento
da luta pela Anistia levou à união
de todos os movimentos no Comitê Brasileiro
pela Anistia (CBA).
“A
censura à imprensa abafava a repercussão
dos assassinatos políticos.”
A Anistia veio em 1979, ainda durante o regime
militar, no governo do general João Baptista
Figueiredo. Foi uma Anistia parcial, que excluiu
as vítimas de tortura, os mortos e os
desaparecidos políticos. Se os militares
admitissem que tinha havido tortura, assassinatos
políticos e desaparecimento forçado
de pessoas, naturalmente surgiria enorme movimento
pedindo a punição dos algozes.
E o que é pior: seria uma Anistia recíproca.
Ou seja, até então a Anistia era
um instituto de perdão para as vítimas,
mas o Brasil estabeleceu o perdão também
os agressores. Portanto, foi uma Anistia parcial,
restrita e excludente, mas fundamental naquele
momento para o País. Propiciou a volta
dos exilados, entre eles grandes líderes
políticos que o Brasil jamais esqueceu,
como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luiz Carlos
Prestes, e outros não tão famosos,
mas importantes em seus segmentos e seus Estados.
Vale lembrar também que, antes mesmo
da Anistia, já havia sido extinto o Ato
Institucional nº 5 e a censura direta.
Mas
não há dúvida de que a
volta dos exilados, a abertura das prisões,
o fim clandestinidade, do PC do B, do MR-8,
do PCB e de outras organizações
remanescentes da luta contra a ditadura abriram
o caminho para a reorganização
dos partidos políticos.
Em
1982, já dentro desse novo contexto,
o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA)
faz um último congresso e dali nasce
o Movimento Nacional dos Direitos Humanos. Já
não há mais prisões nem
tortura de opositores políticos, as pessoas
já não são mais perseguidas
em razão da sua opinião, mas nas
prisões continuam os tratamentos cruéis,
degradantes, humilhantes e a tortura. Ainda
em 1982, acontece a primeira eleição
direta para governadores, desde 1965. Governadores
da oposição são eleitos
na maioria dos Estados. O MDB cresce na Câmara
e no Senado. Em 1983, começa o maior
movimento de massa já conhecido na história
do Brasil: o “Diretas Já”,
que resume todo o clamor popular para abreviar
o fim da ditadura. Mas, em 1985, Tancredo Neves
é eleito presidente pelo voto indireto,
e isso marca o fim do regime militar.
Por
essa época, ganha visibilidade e repercute
fora do País o extermínio de crianças
marginalizadas, “os pivetes”, por
esquadrões da morte, compostos por policiais
ou ex-policiais, a soldo de empresários.
Era uma espécie de “limpeza social”.
É
um momento muito de explosão libertária
com o nascimento do movimento operário
no fim da década de 1970, de movimentos
populares urbanos, com enorme variedade, com
uma riqueza extraordinária de temática
e de redes. De movimentos em defesa de minorias,
das mulheres, das crianças e dos adolescentes;
de movimentos anti-racistas, contra toda forma
de descriminação, pelo direito
das pessoas com deficiências, pelas lutas
antimanicomiais e muitos outros. Em todo o País,
emergem veículos da imprensa alternativa
que lutam pelo direito das populações
periféricas, da classe trabalhadora e
pelas liberdades democráticas.
Enquanto
houve ditadura, os direitos civis e políticos,
os chamados direitos democráticos predominavam
no campo dos Direitos Humanos. É quando
começa também um movimento coordenado
e sistemático através da mídia,
especialmente de radialistas, para reduzir o
potencial de contestação dos Direitos
Humanos, ao propalar que os militares desses
direitos eram defensores de bandidos. O objetivo
dessas pessoas era provocar isolamento, subtrair
força e legitimidade aos defensores de
Direitos Humanos, para questionar condutas antidemocráticas
de agentes do próprio Estado, de pessoas
que queriam banalizar o mal e conviver com ele
sem culpa.
É
convocada a Assembléia Nacional Constituinte.
Os movimentos sociais, populares, as esquerdas,
os juristas democráticos, queriam uma
constituinte exclusiva, que se reunisse só
para fazer a Constituição e só
então promover a eleição
da legislação ordinária.
Mas os mesmos que transformaram a eleição
direta em indireta foram contra e atribuíram
ao Congresso eleito em 1986 também a
função constituinte cumulativa
com a legislatura ordinária.
“O
País vinha de 21 anos de ditadura e havia
pessoas
de toda uma geração que não
sabiam o que era democracia e liberdade.”
No
entanto, duas concessões foram fundamentais
para o movimento democrático: as Emendas
Populares e as Audiências Publicas. As
Emendas Populares eram apreciadas como emenda
de um constituinte desde que assinada por certo
número de eleitores. Isso garantiu a
participação popular na elaboração
da Constituição. As Audiências
Públicas abriam espaço para se
ouvir exaustivamente a sociedade civil antes
de cada decisão.
Pessoas
como Dom Mauro Moreli, Dalmo Dallari, Fábio
Comparato e tantos outros se agigantaram à
frente do movimento pró-participação
popular na Constituinte. Era hora de explicar
ao povo qual era o sentido, o papel de uma Constituinte.
O País vinha de 21 anos de ditadura militar
e havia pessoas de toda uma geração
que não sabiam o que era democracia e
liberdade.
Há
enorme movimentação popular no
Brasil, nas ruas, nos sindicatos, nas comunidades
de base, nas associações, nos
movimentos urbanos e rurais. Milhões
de assinaturas de eleitores são coletadas
para incluir emendas que regulamentassem o princípio
da função social da propriedade,
para permitir a reforma agrária e a reforma
urbana; para mudar radicalmente o paradigma
da criança e do adolescente, transformando-os
em sujeitos de direito em condições
peculiares de desenvolvimento. Emendas pelo
direito das mulheres à igualdade jurídica;
emenda para criminalizar o racismo, para instituir
o Sistema Único de Saúde (SUS),
para instituir o direito à participação
política, à organização
e à reunião pacifica dos cidadãos.
Tudo
isso contribuiu para que, apesar dos poucos
representantes populares em meio a maioria conservadora
na Constituinte, houvesse uma Constituição
que estivesse à altura da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Porque foi a
Declaração Universal que provocou
a generalização da proteção
internacional dos Direitos Humanos. Foi dessa
Declaração Universal de 1948 que
decorreram mais de 70 tratados que criaram o
verdadeiro direito internacional público
dos Direitos Humanos e que inspirou normas de
Direitos Humanos incorporadas às constituições
federais à ordem jurídica dos
Estados nacionais.
Daí
vem essa trajetória riquíssima
de avanço dos Direitos Humanos que começa
em 1989 com a ratificação da Convenção
de Tortura e ratificação da Convenção
de Haia dos Direitos da Criança e do
Adolescente (antecipada pelos artigos 204 e
227 da Constituição brasileira).
Em 1990 é aprovado o Estatuto da Criança
e do Adolescente, regulamentando o novo paradigma.
Em
1991, durante a administração
de Luiza Erundina em São Paulo, foi descoberta
a Vala de Perus. A prefeita formou uma comissão
de familiares de desaparecidos políticos
que conseguiu localizar restos mortais de pessoas
assassinadas pela ditadura. Em 1992, os arquivos
do DOPS – recolhidos antes da posse dos
governadores eleitos pelo voto direto em 1982
– foram devolvidos aos Estados de origem,
apesar de terem sido maquiados durante o período
em que ficaram sob a guarda da Polícia
Federal em Brasília.
Em
1992, o Congresso Nacional ratifica o Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
dois instrumentos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Logo em seguida
é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB), que é
a tradução dos Direitos Humanos
para a educação, a criação
do Sistema Único de Saúde (SUS)
e da Lei Orgânica de Assistência
Social (LOAS).
Em
1993 acontece, em Viena, a Conferencia Internacional
dos Direitos Humanos, um marco na história
dos Direitos Humanos no mundo, fruto da atuação
de centenas de ONGs nacionais e internacionais.
A conferencia de Viena consagra a interdependência,
a indivisibilidade e a necessidade da efetiva
implementação dos Direitos Humanos,
apontando elementos práticos para isso.
De volta ao Brasil, a delegação
brasileira reúne-se com outros expoentes
e elabora uma agenda para os Direitos Humanos
no País, encabeçada pela necessidade
de espaços institucionais no Estado e
de um plano nacional de Direitos Humanos.
Entre
1991/1994 são criadas importantes CPIs,
como a CPI do extermínio de criança,
que tinha à frente pessoas como Benedita
da Silva e Rita Camata; a CPI do sistema penitenciário,
que projetou o jurista Hélio Bicudo e
várias outras para tratar da violência
contra a mulher, dos crimes de pistolagem e
da situação degradante do sistema
penitenciário brasileiro. A Comissão
Externa para apoiar familiares dos mortos e
dos desaparecidos políticos propõe
em seu relatório final a instituição
de uma comissão permanente de Direitos
Humanos na Câmara.
Tudo
isso ajudou a criar um ambiente favorável
para que em 1995 fosse possível aprovar
a criação de uma comissão
permanente na Câmara dos Deputados para
tratar desse assunto. E, no dia 31 de janeiro
de 1995, é aprovada, no último
dia da legislatura, a criação
da Comissão de Direitos Humanos na Câmara.
Sou eleito seu primeiro presidente. No dia 8
de março de 1995, na sua segunda reunião,
a comissão se encontra com o ministro
da Justiça, Nelson Jobim, e apresenta
uma agenda ao governo, encabeçada pela
exigência do reconhecimento da responsabilidade
do Estado pelas mortes e pelo desaparecimento
de opositores políticos, o que acontece
em agosto de 1995. No começo do governo
Fernando Henrique Cardoso é instalada
a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, no
Ministério da Justiça, dirigida
pelo eminente advogado José Gregori,
e que, no segundo mandato de FHC sobe de status
para Secretaria de Estado de Direitos Humanos
e tem como secretários pessoas do porte
do embaixador Gilberto Sabóia e do professor
Paulo Sérgio Pinheiro.
Em
1996, surge o Plano Nacional dos Direitos Humanos,
obedecendo a uma orientação do
Congresso de Viena, que recomenda a criação
de planos que abrangessem todos os setores da
vida do Estado. O anúncio desse plano
pelo Ministério da Justiça fez
com que a Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados convocasse a I
Conferencia Nacional dos Direitos Humanos para
debatê-lo. Alguns anos depois, uma das
conferências nacionais de Direitos Humanos
propugna que direitos sociais também
são Direitos Humanos e há a inclusão
dos direitos econômicos, sociais e culturais,
dando origem ao Programa Nacional de Direitos
Humanos II. Essas conferências nacionais
vão dando legitimidade à agenda
de Viena: retirar o foro privilegiado para policiais
militares e crimes dolosos contra a vida, a
tipificação do crime da tortura,
que vem em 1997, o reconhecimento da competência
jurídica da Corte Internacional de Direitos
Humanos, em 1997, o rito sumário da reforma
agrária.
O
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoas Humana,
no qual atuavam a Comissão de Direitos
Humanos da Câmara; a Procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão do Ministério
Público Federal, a OAB, e personalidades
importantes na luta pelos Direitos Humanos organizam
diligências pelo País em casos
como os massacres de Corumbiara e Eldorado dos
Carajás, para combater a tortura e os
grupos de extermínio.
Também
começam a se expandir por todo o País
as Comissões Legislativas de Direitos
Humanos. O Brasil passa a receber, de forma
sistemática, relatores da ONU, que vêm
fiscalizar e monitorar o cumprimento dos tratados
e das convenções de que o País
torna-se parte. Há ainda uma pressão
para evitar relatórios à ONU,
coisa que o Brasil nunca havia feito. Esse,
portanto, foi um período definitivo para
que os Direitos Humanos se tornassem uma política
de Estado no Brasil.
“O Brasil passa a receber, de forma
sistemática,
relatores da ONU, que vêm fiscalizar e
monitorar
o cumprimento dos tratados e das convenções
de que o País torna-se parte.”
OS
DIREITOS HUMANOS
NO GOVERNO LULA
O governo Lula trouxe como proposta a ampliação
do já alcançado até então.
É bom ressaltar que, no âmbito
dos Direitos Humanos, prevaleceu a linha de
que é uma causa suprapartidária,
com o reconhecimento de que Direitos Humanos
é tarefa de todos: da esquerda, da direita,
do centro, do Parlamento, do Judiciário,
da União, dos Estados e Municípios.
Em
meu discurso de posse disse que nosso governo
teria como projeto maior a efetivação
e a universalização dos direitos.
E que Direitos Humanos seriam uma quantidade
de todas as políticas públicas.
Era natural a ênfase nos Direitos Humanos
econômicos, sociais e culturais historicamente
mais denegados. Até pela história
do presidente Lula, pela sua trajetória
de luta sindical, oriundo do campo, da pobreza,
da luta popular, mesmo porque já tínhamos
avançado bastante no que se diz respeito
aos direitos civis e políticos com a
conquista da democracia. A Secretaria Especial
dos Direitos Humanos da Presidência da
República ganhou status ministerial.
Além disso, foram criados as seguintes
secretarias: a Secretaria Especial de Promoção
da Igualdade Política e de Igualdade
Racial, a Secretaria Especial dos Direitos da
Mulher e, posteriormente, a Secretaria Nacional
da Juventude, subordinada à Secretaria-Geral
da Presidência.
O
Ministério das Cidades foi criado para
garantir o direito à moradia adequada,
ao saneamento e à infra-estrutura nas
cidades. Esses direitos fazem parte dos Direitos
Humanos econômicos. O Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome – que antes era uma Secretaria do
Ministério da Previdência –
agora tem a tarefa de garantir que ninguém
seja privado do direito ao alimento, que é
um direito humano básico e vital, garantir
a erradicação do trabalho infantil,
a assistência às vítimas
da exploração sexual comercial
de crianças e adolescentes. O Ministério
do Desenvolvimento Agrário, além
da reforma agrária, também se
incumbe de fortalecer a agricultura familiar
e abriga a Ouvidoria Agrária Nacional
que cuida da violência no campo. O Ministério
de Minas e Energia instituiu o programa “Luz
para Todos”, garantindo que mais de dois
milhões e meio de famílias tenham
acesso à energia elétrica. O Ministério
do Esporte cuida de levar esporte para as unidades
de internação de adolescentes
infratores e criou o programa “Segundo
Tempo”, para que as crianças tenham
uma jornada alternativa à da escola.
O
Ministério da Saúde promove a
universalização do SUS, levando
o programa para as prisões, para as unidades
de internação e estabelece políticas
específicas para adolescentes, HIV-Aids,
gravidez precoce, etc. Os Ministérios
da Justiça, da Educação,
da Cultura, adotaram políticas com a
marca dos Direitos Humanos, estabelecendo parcerias
e sinergias transversais.
O Ministério da Justiça criou
uma secretaria extraordinária, só
para tratar da reforma do Poder Judiciário,
a fim de melhorar o acesso dos pobres à
Justiça. A Secretaria Nacional de Segurança
Pública, que já existia no governo
anterior, passou a ter, entre a segurança
pública e os Direitos Humanos.
O
Ministério da Educação
assumiu também o estatuto da Criança
e do Adolescente, que o governo anterior ignorou.
Aumentou a importância da alfabetização
de adultos e criou um programa espetacular,
o Universidade Para Todos (Prouni), que em 2006
já concedeu mais de 200 mil bolsas parciais
e integrais para estudantes pobres que vêm
da escola pública, sendo 40% deles negros,
indígenas e pessoas com deficiência.
A expansão de vagas na universidade pública
hoje é uma realidade, como também
é uma realidade a retomada das escolas
técnicas federais. E, por fim, a instituição
do Fundeb, que amplia os deveres do Estado na
educação.
O
Ministério das Relações
Exteriores aprofundou e ampliou uma tradição
da nossa política externa de lutar pela
paz e pelos Direitos Humanos num momento de
retrocesso mundial, marcado pela invasão
do Iraque por alguns países, de forma
unilateral, passando por cima da ONU.
No
âmbito da Secretaria de Direitos Humanos,
65 ações e programas são
desenvolvidos além de abrigar grandes
conselhos, como o Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana, o Conanda, que foi presidido
por mim dois anos e que, pela primeira vez,
recebeu o presidente da República em
uma de suas conferências. O Conselho das
Pessoas com Deficiência (Conade), atuando
junto com a Coordenadoria de Pessoa com Deficiência
(Corde), fez do Decreto da Acessibilidade um
avanço enorme no direito das pessoas
com deficiência.
O
Conselho Nacional do Direito do Idoso é
estruturado com mais poder, e sancionado o Estatuto
do Idoso, que consolida esses direitos. E o
Conselho Nacional de Combate à Discriminação
também publica um plano sem precedentes,
o “Brasil sem Homofobia”, intensificando
a luta contra a discriminação
a pessoas por orientação sexual.
Em
Julho de 2005, o governo Lula errou ao retirar
o status ministerial da Secretaria Especial
dos Direitos Humanos, que passou a ser uma subordinada
à Subsecretaria-Geral da Presidência.
Foi um período confuso, com algumas perdas.
Felizmente durou pouco. Cinco meses depois,
através de emenda à Medida Provisória
no Congresso, e graças à atuação
da deputada Iriny Lopes (PT-ES), presidente
da Comissão de Direitos Humanos, o status
ministerial da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos foi resgatado. Paulo Vanucchi foi indicado
ministro dos Direitos Humanos e assume em dezembro
de 2005.
A
Secretaria Especial de Direitos Humanos avançou
também com relação aos
mortos e aos desaparecidos políticos.
Até o governo Lula, mais de duas centenas
e meia de mortos e desaparecidos políticos
tinham sido reconhecidos como vítimas
da violência estatal. Mas muitos ficaram
excluídos, porque a lei restringiu o
reconhecimento aos casos ocorridos em dependência
policial ou assemelhada. A partir de 2003, todos
os casos são admitidos. Até mesmo
os daquelas pessoas que se suicidaram no exterior,
mas que havia um nexo causal com a tortura no
Brasil, e ainda pessoas que morreram em combate,
ou aquelas que morreram em qualquer circunstância
vítimas da violência política.
Os
maiores desafios hoje estão na questão
federativa. Porque a maior parte da violação
dos Direitos Humanos no Brasil se dá
no âmbito das prerrogativas dos Estados,
que têm as polícias civis, as polícias
militares, as penitenciárias, os presídios,
as cadeiras públicas e as unidades de
internação de adolescentes infratores.
O dever de investigar, processar e punir é
dos Estados. Portanto, muitas vezes, há
descontinuidade no avanço da aplicação
dessas políticas. Não há
como a União Federal impor determinada
lógica aos Estados, já que tudo
tem de ser pactuado para que eles cumpram o
que já está na Constituição,
na lei e nos tratados internacionais. Por isso
o esforço para a implementação
dos Direitos Humanos é muito desigual
pelo País. A descentralização
e a desconcentração do poder é
imperiosa num País com o nosso, com sua
extensão e sua diversidade, mas, ao mesmo
tempo, cria essa desigualdade de ritmos na implementação
dos direitos constitucionais.
“O
dever de investigar, processar
e punir é dos Estados.”