6. Alguns exemplos paradigmáticos da atuação do MNDH
As
referências históricas anteriores parecem suficientes para que se
compreenda a diversidade - e o acúmulo histórico - da atuação do
Movimento e das entidades que lutam pelos direitos humanos no Brasil.
Essa luta caracteriza-se por intervenções muitas vezes simultâneas,
em âmbitos diferentes e utilizando várias formas de mobilização e
pressão.
Não
é preciso insistir nas dificuldades enfrentadas. Basta destacar a
dificuldade representada pelo enfrentamento de uma cultura autoritária,
presente nas relações sociais brasileiras desde o início da história
do país. Apesar dessa realidade e da compreensão de que a correlação
de forças, em nível de opinião pública, ainda desfavorece, no
Brasil, uma cultura democrática baseada nos direitos humanos, há um
considerável acervo político, acumulado, no dia-a-dia, por centenas de
militantes e organizações.
A
partir dessa constatação, é importante, agora, elencar alguns
exemplos paradigmáticos da atuação do MNDH e de suas entidades
filiadas, em termos de conquistas e avanços, em anos mais ou menos
recentes.
6.1.
A responsabilização do Estado no caso dos mortos e desaparecidos políticos
As
entidades de direitos humanos, entre outras da sociedade civil
brasileira, já haviam tido um papel determinante na mobilização sócio-política
que resultou na anistia de 1979. Depois disto, continuou a luta para que
o Estado reconhecesse a sua responsabilidade na atuação de seus
agentes que resultou em centenas de casos de mortes e desaparecimentos
políticos. A Lei 9.140, sancionada em 4 de dezembro de 1995, pelo
Presidente Fernando Henrique Cardoso, é a medida mais recente,
resultante, de um lado, da continuidade desse processo de pressão e, de
outro, da abertura governamental para enfrentar o problema, na medida do
possível, ou seja, da correlação de forças existente no sistema de
poder.
A
partir dessa lei, foi formada comissão, com participantes da sociedade
civil (entre os quais Suzana Keniger Lisboa, da comissão de familiares
de desaparecidos, a qual, com os grupos Tortura Nunca Mais, integra a
rede do MNDH). Essa comissão definiu os casos para pagamento de
indenizações aos familiares por parte do Estado. A luta, agora,
centra-se na extensão da medida nos casos em que os opositores e
resistentes à ditadura foram executados sumariamente, fora de dependências
policiais.
6.2.
Indenização em um caso de tortura cometida por policiais federais
Pela primeira
vez na história do Brasil, pelo que consta, o governo federal assumiu a
responsabilidade de seus agentes diante de um caso de tortura em dependência
policial. Isto aconteceu este
ano, diante do assassinato sob torturas de um preso, acusado de narcotráfico,
numa repartição da Polícia Federal, em Fortaleza (CE). Projeto de lei
do Presidente da República, prevendo indenização para a família, já
foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Os fatores dessa medida foram
os mesmos: pressão organizada das ONGs e sensibilidade política do
Executivo.
6.3. Abertura
de espaços institucionais
Um
dos fenômenos mais importantes na história recente da luta pelos
direitos humanos no Brasil é a abertura e ampliação de espaços
institucionais, nesse campo. Por todo o país, multiplica-se a atuação
de Comissões, Conselhos e Comitês de Direitos Humanos em Câmaras
Municipais, Prefeituras, Assembléias Legislativas, Governos Estaduais e
no âmbito dos Três Poderes da República. Esses organismos, em geral,
ou são paritários ou têm participação majoritária do governo.
Amplia-se a tendência de que as entidades da sociedade civil sejam,
neles, majoritárias. É o caso do Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (CONDEPE), de São Paulo, em que 80% dos 20 conselheiros são
de ONGs filiadas ao MNDH, o mesmo ocorrendo com os 20% restantes, que
representam o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
6.4.
Projeto de lei sobre trabalho escravo
O
MNDH está participando da mobilização social em torno da tramitação,
no Congresso, do projeto de lei que tipifica o crime de trabalho escravo
no Brasil. Trata-se de um dos problemas mais graves de direitos humanos
no país, com um número impreciso (em torno de 30 mil) crianças e
adolescentes explorados como mão-de-obra barata em carvoarias e
canaviais, sobretudo nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e
Centro-Oeste.
6.5. Campanha
contra a Impunidade no Espírito Santo
Trata-se
de uma das intervenções políticas mais bem articuladas e sucedidas do
MNDH, em parceria com outras organizações da sociedade civil do Estado
do Espírito Santo. A Campanha vem sendo realizada desde 1993, no âmbito
do Fórum Campo/Cidade, a partir de um seminário sobre reforma agrária
e urbana.
Mais
de 40 entidades integram o Fórum, entre as quais o MNDH, o MST, a CPT,
Igrejas e Pastorais, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, o
CIMI, Sindicatos de Trabalhadores Rurais e Urbanos, a CUT e o Movimento
de Moradia.
O
mote da criação da Campanha contra a Impunidade foi o aumento no número
de homicídios de autoria desconhecida, envolvendo agentes policiais, em
particular os integrantes de um grupo parapolicial conhecido como
“Scuderie Le Cocq”.
Com apoio do MNDH, o governo federal e e as autoridades judiciárias
federais passaram a acompanhar atentamente o caso, sempre com a
participação e acompanhamento da sociedade civil.
Cinco
inquéritos de maior repercussão foram escolhidos como casos exemplares
da atuação da Scuderie, associada ao jogo do bicho e outras atividades
criminosas. Foi formada uma Comissão Processante, integrada por
advogados da OAB/ES e do MNDH. Com base no material recolhido, inclusive
com subsídios do Banco de Dados sobre Violência Criminalizada, do MNDH,
foi preparado um amplo e completo dossiê.
O
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do Ministério da
Justiça, criou uma sub-comissão estadual de inquérito no Espírito
Santo, integrada por juristas e militantes de direitos humanos, entre os
quais Oscar Gatica, pelo MNDH e Osmar Barcellos, pela OAB. No
desenvolvimento dos trabalhos, esses dois militantes passaram a sofrer
ameaças de morte.
Como
resultado desse esforço conjunto, a Scuderie Le Cocq acaba de ser
considerada como ilegal e clandestina, pelo Ministério Público
Federal. Em reconhecimento à luta, a Universidade Federal do Espírito
Santo concedeu ao MNDH/Regional Leste 1, no ano passado, na pessoa do
militante Oscar Gatica, o seu 1º Prêmio de Direitos Humanos. O mesmo
dirigente foi indicado, no ano passado, para receber o 1º Prêmio
Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, que foi
entregue ao Cardeal D. Paulo Evaristo Arns.
No
Espírito Santo, nesse mesmo contexto, a Universidade criou um Centro de
Referência em Direitos Humanos (em que também
participa o MNDH) e tramita, na Assembléia Legislativa, o
projeto que institui o Conselho Estadual de Direitos Humanos.
6.6. Apoio
e Proteção a Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas da Violência
Uma
experiência nessa área, nascida no Gabinete de Assessoria Jurídica às
Organizações Populares (GAJOP), de Recife (PE), uma das entidades
filiadas ao MNDH, começa a ganhar dimensão nacional. Trata-se da rede
de pessoas, instituições e entidades que garantem proteção às
pessoas ameaçadas de morte por terem sido testemunhas de crimes e, em
cuja situação, haja evidências de ameaças à integridade física,
dessas pessoas e/ou de seus familiares. Essa rede traduz-se, hoje, no
Programa de Apoio e Proteção a Testemunhas, Vítimas e Familiares de Vítimas
da Violência (Provita), apoiada pelo Governo do Estado de Pernambuco e
Governo Federal. Com base na parceria com o Gajop, o Ministério da
Justiça irá, agora, implantá-la inicialmente em cinco outros Estados
(Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Espírito Santo).
O
Provita tem também o apoio da Anistia Internacional. No momento, as 42
pessoas protegidas assistiram a crimes praticados por quadrilhas (57%),
a assassinatos cometidos por policiais militares (20%) e civis (15%),
assim como à atuação de grupos de extermínio (9%). Os locais de
proteção incluem conventos e templos de várias religiões. A rede
articula-se com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, assim
como com o Ministério Público e a Prefeitura da Cidade do Recife.
Com
o Poder Legislativo, a parceria dá-se na elaboração e tramitação de
projetos de lei de proteção a testemunhas e também na possibilidade
de apoio financeiro, através do orçamento estadual. Com o Ministério
Público, acaba de ser assinado convênio de cooperação técnica,
entre a Procuradoria Geral de Justiça e o GAJOP, com a interveniência
do MNDH. O Poder Judiciário, por sua vez, comprometeu-se a divulgar o
Provita e a agilizar os procedimentos judiciais relativos aos seus
beneficiários. A Prefeitura dispõe-se a colaborar nas áreas de saúde,
educação, jurídica e de eventos.
Em
termos da sociedade civil, o Provita aprofunda parcerias com outras ONGs,
como a Ação Católica Operária, o CENDHEC e o SOS Criança.
No
plano federal, a parceria começa a acontecer com o Ministério da Justiça,
que terá um papel muito importante na nacionalização do Provita.
6.7.
A criação da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo
A
instituição de uma Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, por
decreto do governador Mário Covas, resulta de uma ampla mobilização
que envolveu intervenções políticas das entidades filiadas ao
Movimento Nacional de Direitos Humanos/Regional Sul 1 e que integram o
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE). O
detalhamento do projeto da Ouvidoria, encaminhado ao Governo do Estado,
foi feito na Comissão Permanente de Justiça, Segurança e Questão
Carcerária, desse Conselho.
O
primeiro e atual Ouvidor, sociólogo Benedito Domingos Mariano, é um
dos militantes fundadores do MNDH. Ele define a Ouvidoria (primeira
iniciativa, no país, de instituir a figura do ombudsman na
estrutura estatal de segurança pública) como “o espaço
institucional da sociedade civil no setor de segurança pública” e
como “símbolo de identidade das democracias estáveis”.
O
acompanhamento da sociedade civil à Ouvidoria é garantido pelo
trabalho do Conselho Consultivo, integrado por representantes de ONGs de
direitos humanos e do CONDEPE. O Conselho Consultivo já elaborou o
anteprojeto que tramitará na Assembléia Legislativa para garantir
autonomia e independência institucional à Ouvidoria, cujo titular terá
um mandato. É a segunda etapa da história dessa instituição, que
também integra as metas do Programa Nacional de Direitos Humanos e que
já começa a ser criada noutros Estados.
De
março a maio de 1996, a Ouvidoria paulista recebeu 1208 chamadas e denúncias
da população, das quais 563 foram transformadas em procedimentos
investigatórios pelas Polícias Civil e Militar. Foram selecionados 36
casos exemplares de violação à integridade física dos cidadãos,
para acompanhamento prioritário. Um serviço telefônico, conhecido
como “Disque Ouvidoria”, já está em funcionamento.
6.8.
Banco de Dados do MNDH sobre Violência Criminalizada
Com
a implantação, em 1992, no Regional Nordeste, do Banco de Dados sobre
Violência Criminalizada, o MNDH tornou-se a primeira articulação de
ONGs do país a implementar um projeto informatizado para a coleta de
dados estatísticos sobre a violência, com vistas à formulação de
propostas de políticas públicas na área da segurança. Outras
instituições públicas já possuíam experiências nesse sentido, em nível
local.
Nesses
quatro anos, o Banco vem sistematizando dados, coletados na imprensa,
sobre as ocorrências de homicídios. A planilha utilizada registra uma
série de variáveis sobre os crimes, desde os motivos e circunstâncias,
até a indicação das armas utilizadas, locais das ocorrências e tipo
de violência que concorreu ao homicídio. Dos Estados brasileiros,
apenas o Amapá, Rondônia e Maranhão ainda não estão integrados às
centrais estaduais do Banco de Dados, embora essa integração vá ser
completada em breve. Em 14 Estados, os primeiros resultados do Banco de
Dados já foram analisados e os resultados tiveram impacto junto à
opinião pública e às autoridades. Um desses relatórios abrange os
Estados nordestinos: “A dupla face da violência”, de Luciano
Oliveira, de Pernambuco. O primeiro estudo em nível nacional, a partir
das pesquisas do Banco, é o texto “Pensando sobre o Crime: notas
introdutórias sobre homicídios e criminalidade no Brasil”, de Luiz
Rattón, lançado no 9º Encontro Nacional do MNDH, no início deste
ano, em Brasília.
6.9. Uma intervenção por brasileiros presos no Paraguai
A
defesa dos direitos dos brasileiros empobrecidos, presos no Paraguai,
tem sido uma das prioridades da atuação do Centro de Direitos Humanos
de Foz do Iguaçu (PR), filiado ao MNDH, através do Regional Sul 2.
Desde 1991, os responsáveis pelo Centro têm feito esforços para
descobrir saídas diante da dramática situação de cerca de 140
brasileiros, em média, presos nas penitenciárias de Alto Paraná e
Canandeyú, em Ciudad del Este, no país vizinho.
O
CDH constatou, nesses presídios, brasileiros presos há mais de cinco
anos, acusados de crimes cujas penas mínimas, em alguns casos, eram
menores que o tempo de prisão já cumprido. No início das gestões,
nenhum preso era assistido juridicamente pelo Consulado Geral do Brasil
em Ciudad del Este. O Centro conseguiu articular-se com outras
entidades, mobilizar a imprensa e sensibilizar o governo brasileiro,
fazendo-o garantir recursos para a defesa dos presos.
Noutras
visitas realizadas este ano, o CDH constatou o drama de menores
encarcerados junto com maiores de idade, outros presos em greve de fome
e, em geral, condições prisionais desumanas, como, aliás, também
ocorre no Brasil. Na região do Alto Paraná, o Centro verificou a
colaboração de fazendeiros brasileiros, latifundiários no Paraguai,
contra trabalhadores rurais brasileiros que migraram para esse país, em
busca de trabalho. Em abril, os representantes do CDH, advogado Samuel
Gomes dos Santos e pastor presbiteriano Romeu Olmar Klich, estiveram em
Assunção, mantendo contatos com autoridades dos Três Poderes, assim
como com ONGs e dirigentes de Igrejas.
Graças
à articulação entre o CDH de Foz de Iguaçu, a sede nacional do MNDH
em Brasília e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
essa Casa constituiu uma Comissão Externa sobre Violações de Direitos
Humanos contra Brasileiros no Paraguai. Acompanhada pelo MNDH, OAB e
Associação dos Magistrados, essa Comissão visitou o Paraguai em 13 e
14 de maio desse ano.
Foram
visitados os presos brasileiros em Ciudad del Este, onde também foram
mantidos contatos com o Consulado do Brasil, com o Colégio de Abogados
de Alto Paraná e com juízes da Corte de Apelación. Em Assunção, a
Comissão foi recebida pelo embaixador do Brasil, Márcio de Oliveira
Dias. Esteve também com o Colégio de Abogados do Paraguai, com a
Associação de Magistrados e com várias Comissões da Câmara dos
Deputados. Por consenso, foi aprovada proposta do deputado federal Pedro
Wilson Guimarães (PT/GO), ex-coordenador nacional do MNDH, no sentido
de se constituir um Fórum Permanente de Direitos Humanos, binacional,
para tratar das conseqüências sociais do processo de implantação do
Mercosul.
6.10.
Entidades do Acre na luta contra a violência policial
No
Estado do Acre, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação
Popular e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Diocese de Rio
Branco, ambos filiados ao Movimento, lideram a resistência da sociedade
civil estadual contra o agravamento da violência da polícia. A partir
de junho deste ano, a escalada de violência aumentou,
consideravelmente, com o assassinato de um subtenente da PM, cuja família,
de sobrenome Pascoal, é muito poderosa e controla o aparato policial
militar do Estado.
Após
o assassinato, segundo relato dos CDHs, a família Pascoal empenhou-se
na captura dos suspeitos, utilizando, para isto, recursos arbitrários e
violentos, incluindo seqüestros, torturas e execuções extrajudiciais.
O
Estado em que Chico Mendes foi assassinado, é um dos mais organizados
em termos de movimentos sociais e populares. É também um dos
recordistas brasileiros em matéria de violência. Segundo os registros
do Banco de Dados do MNDH, entre 2 de janeiro de 1994 e 16 de junho de
1996, foram assassinadas 333 pessoas no Acre, numa média de 11,5
pessoas por mês. Entre os mortos, 85% não tinham qualquer envolvimento
com ações ilícitas. Na capital, Rio Branco, com 220 mil habitantes,
foram praticadas, de janeiro a junho deste ano, 11 chacinas ou
“desovas” (execuções sumárias grupais).
6.11.
No Pará, luta contra a impunidade
A
luta contra a impunidade dos mandantes e executores de crimes contra
trabalhadores rurais e urbanos é uma das prioridades da atuação das
entidades de direitos humanos do Estado do Pará, entre as quais a
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDH). Essa e outras
organizações da sociedade civil estão na linha de frente, por
exemplo, diante do massacre de 19 trabalhadores rurais sem terra, em
Eldorado do Carajás, no Sul do Pará, em 17 de abril de 1996, quando
organizou, com a CESE, duas visitas de líderes ecumênicos à área do
massacre e ao acampamento dos sem terra, na Fazenda Macaxeira (a segunda
visita foi de caráter
internacional, liderada pelo Conselho Mundial de Igrejas, com
representantes de vários países e um membro do Partido Verde e do
parlamento alemão). Neste
episódio ficou muito visível a presença e o papel da SPDH,
a partir de seus escritórios de Belém e Marabá por sua
articulação eficaz, com apoio da CESE, junto às Igrejas e ONGs
locais. Também a destacar
a presença direta do MNDH, por intermédio de um de seus secretários
nacionais, que procurou adotar as primeiras medidas e denúncias, logo
após o conflito.
Entre
as ações organizativas do MNDH, através de suas entidades filiadas no
Pará, destacam-se: a criação do Fórum contra a Violência, com a
participação de organizações não governamentais e também do
governo estadual; a participação por meio da SPDH no Seminário-Consulta
Carajás: Desenvolvimento ou Destruição (articulado pela CESE e ONGs
locais); a mobilização social para a criação do Conselho Estadual de
Segurança Pública (que inclui a SPDH e o Centro de Defesa do Menor,
também filiado ao Movimento) e para a instituição da Ouvidoria da Polícia
e a criação - com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua -
de Núcleos Municipais e Locais de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
As
entidades paraenses promoveram, igualmente, com apoio do MNDH e de todos
os seus oito Regionais, uma mobilização internacional bem sucedida em
favor da libertação e absolvição do brasileiro Sebastião Hoyos,
preso injustamente na Suíça e, depois de muitos anos de luta,
libertado e absolvido.
6.12.
D. Maria: um caso de legítima defesa
Por
ter matado, em legítima defesa, o pistoleiro que acabara de matar seu
marido, na zona rural de São Mateus, interior do Maranhão, em 1990, d.
Maria foi presa e processada. Seu caso, que ganhou repercussão
internacional, foi acompanhado passo a passo pela Sociedade Maranhense
de Defesa dos Direitos Humanos, filiada ao MNDH e por outras entidades
desse Estado. Graças à pressão nacional e externa, d. Maria foi
absolvida no ano passado. Mais de mil pessoas assistiram ao seu
julgamento.
6.13.
Em Santa Catarina, CDHs apóiam pequenos agricultores
Na
rica diversidade de ações pelos direitos humanos, em todo o país, os
nove Centros de Direitos Humanos do Estado de Santa Catarina, filiados
ao Movimento Nacional, destacam-se por uma ação muito especial: o
incentivo à formação de Associações de Pequenos Agricultores, desde
1989. Paralelamente, começam também a ser organizadas, graças ao
incentivo dos CDHs, as Associações dos Amigos da Natureza, que
trabalham, como acontece, por exemplo, no município de Salete (SC), na
preservação do meio ambiente, na prevenção do uso de agrotóxicos,
substituídos pela adubação orgânica e na mobilização para
conseguir a instalação da telefonia rural.
6.14.
Formação conjunta: uma experiência histórica em Goiás
O
Programa de Formação Conjunta (PCF), desenvolvido de 1987 a 1994, em
Goiás, pelo Instituto Brasil Central (IBRACE), Instituto de Formação
e Assessoria Sindical (IFAS) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi
uma experiência histórica, em termos de formação, na caminhada do
Movimento Nacional de Direitos Humanos. Com o apoio do Movimento de
Leigos para a América Latina (MLAL), da Itália, o PCF desenvolveu
dezenas de cursos de formação para lideranças rurais e urbanas, com a
participação de estudantes universitários, como estagiários. Hoje,
60% desses/as estagiários/as que passaram pelo Programa assessoram, já
como profissionais, movimentos populares do Centro-Oeste e também
participam, como técnicos, de administrações públicas democráticas.
O
Programa de Direitos Humanos da PUC de Goiânia (a partir de 1983) e o
IBRACE (fundado um ano depois) colaboraram decisivamente para a fundação
da Federação dos Inquilinos e Posseiros de Goiânia, embrião do
Movimento Nacional de Luta pela Moradia, com sede na capital goiana e
também assessorado pelo IBRACE.
6.15.
D. Heriberto: um bispo dos direitos humanos
Quando
ainda era padre em Jataí (GO), Heriberto Hermes queria fundar uma
Comissão de Direitos Humanos na diocese em que trabalhava. Procurou o
MNDH, através da CPT e do IBRACE. Participou do encontro do Regional
Centro-Oeste, em Tocantinópolis (TO), em 1986. Ao voltar à sua cidade,
incentivou a criação do CDH da Diocese de Jataí/Mineiros e da Câmara
de Direitos Humanos de Mineiros. Em 1993, foi nomeado bispo de Cristalândia,
no Estado do Tocantins. Uma de suas providências foi a de novamente
convidar o Instituto Brasil Central para assessorá-lo na criação de
mais uma entidade, a Comissão de Direitos Humanos de Cristalândia,
dotada de autonomia diante da Igreja. Da atuação dessa nova ONG, já
surgiu outra entidade: o Centro de Direitos Humanos de Palmas, capital
do Tocantins.
6.16.
Teodoro e Dirley: um CDH nascido da resistência ao arbítrio
Em
17 de janeiro de 1986, ao atravessarem a favela Heliópolis, zona sul de
São Paulo, para jogarem futebol numa quadra, cinco rapazes são presos
pela ROTA, uma unidade de elite da Polícia Militar e levados ao 26º
Distrito Policial. Três foram liberados, em seguida, sem maiores
explicações.
Dois
- Teodoro Hoffman e Dirley da Silva - foram assassinados por policiais.
Da resistência a esse ato de arbítrio, nasceu o Comitê Teodoro e
Dirley de Direitos Humanos, filiado ao MNDH/Regional Sul 1. Uma das
militantes engajadas na apuração do crime, Isabel Peres, do Centro
Oscar Romero, sofre ameaças de morte.
A
resistência, porém, ganha forças, graças à mobilização da
sociedade civil organizada. As ossadas dos dois jovens foram encontradas
50 dias depois da execução, numa estrada vicinal de São Bernardo do
Campo. Anos depois, os cinco policiais militares envolvidos foram
condenados a 32 anos de reclusão.
6.17.
Violência policial: desafio enfrentado pelo CDH de Manaus
O
enfrentamento da violência policial, apoiada pelo próprio Secretário
de Segurança do governo estadual, Klinger Costa, é uma das ações
prioritárias do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Manaus (AM),
ligado à CNBB e filiado ao Movimento. Por desobediência às ordens do
Poder Judiciário, apoio pouco disfarçado aos grupos de extermínio e
acobertamento de torturas, além da efetivação de prisões sem ordem
judicial, o Secretário acaba de ser denunciado ao Ministério Público,
em conjunto, pelo CDH e pela OAB do Amazonas.
Manaus
já se tornou uma das cidades mais violentas do país, segundo os
registros das entidades de direitos humanos. O SOS Criança recebe uma média
de 25 denúncias diárias de violências contra crianças e
adolescentes, cometidas dentro e fora de suas casas. Noutro âmbito, o
principal grupo parapolicial de extermínio na cidade é conhecido como
a “Firma”.
6.18.
Em Rondônia, CDH e Governo fazem convênio pela saúde da mulher
A
formação e a promoção da saúde da mulher rural são o objetivo
central do convênio que o Centro de Direitos Humanos de Ji-Paraná, em
Rondônia, assinou, em agosto de 1995, com o governo estadual, através
do Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro). Além de
suas atividades específicas como entidade de direitos humanos, o CDH
produz material sobre a saúde da mulher, incluindo temas como a prevenção
do câncer e a menopausa. Ministra também cursos para os agentes de saúde
da Diocese de Ji-Paraná.
6.19.
Comissão Justiça e Paz de Salvador ajuda a organizar Núcleos de
Direitos Humanos
Fundada
em 1982, no mesmo ano de fundação do MNDH, a Comissão Justiça e Paz
da Arquidiocese de Salvador (BA) apresenta, em sua caminhada, um
considerável legado em matéria de luta contra a violência e organização
popular em torno dos direitos humanos.
Um
dos primeiros Núcleos de Direitos Humanos, formados a partir de uma ação
de resistência à violência policial, foi organizado em 1994, na
comunidade do Jardim Cajazeiras, da Forania 8 (subdivisão geográfica
arquidiocesana). Os moradores organizaram-se, com apoio da CJP, depois
da chacina de três rapazes, executados por um grupo de extermínio.
Um
outro Núcleo nasceu, depois, no bairro de Sussuarana Velha, com base
noutro fato de violência: o assassinato de uma empregada doméstica
pelo filho de sua patroa, um policial militar que a espancou até à
morte, acusando-a de ter roubado R$ 100,00. Mais um Núcleo, na Estrada
Velha do Aeroporto, reúne nove comunidades circunvizinhas.
A
Comissão Justiça e Paz realiza também um trabalho na zona rural da
Grande Salvador, articulada com associações e sindicatos de
trabalhadores rurais, empregados da indústria açucareira e sem terra.
Ainda em Salvador, a Comissão assessora a comunidade de pescadores do
bairro de Gamboa de Baixo, cujos moradores estão ameaçados de expulsão
para que, na área em que vivem, sejam implantados projetos turísticos.
6.20.
Centro Santo Dias: know how no enfrentamento da violência do Estado
No
universo de entidades filiadas ao MNDH, o Centro Santo Dias de Direitos
Humanos, uma ONG autônoma, ligada pastoralmente à Arquidiocese de São
Paulo, especializou-se no atendimento de casos de violência cometidas
por policiais militares. Fundado em 1980, o Centro acompanha
sistematicamente, através de seus advogados, 100 processos envolvendo
Pms, inclusive homicídios, torturas e outras ações violentas. Como
resultado desse trabalho, o Estado foi obrigado a pagar cerca de 58 de
indenizações às vítimas e/ou aos seus familiares, como é o caso de
Ana Dias, viúva do metalúrgico Santo Dias da Silva, assassinado a
tiros, pelas costas, por um policial militar, quando participava de uma
greve numa fábrica da região sul paulista.
Quatro
casos encaminhados pelo Centro à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, da OEA, ilustram o quadro específico de violência diante do
qual essa entidade atua:
1º)
O metalúrgico Oséias Antônio dos Santos, pai de quatro filhos
menores, sem qualquer antecedente criminal, foi executado por dois
policiais militares, diante da esposa e dos filhos, em São Paulo, em 16
de março de 1982. Entre os matadores, o capitão Conte Lopes, da ROTA
(grupo de elite da PM), eleito, mais tarde, deputado estadual e autor,
segundo ele mesmo conta em público, com orgulho, de cerca de 200 homicídios.
Dias depois da execução sumária de Oséias, a Polícia reconhece ter
cometido um “erro”: o metalúrgico não era a pessoa que estavam
procurando. A família procurou o Centro que abriu processo na Justiça
Militar. Até hoje, o Poder Judiciário aguarda a manifestação do
Poder Judiciário para processar Conte Lopes que, como deputado, tem
imunidade parlamentar;
2º)
Clarival Xavier Cotrim, 22 anos, negro, foi executado sumariamente, em
20 de abril de 1982, em São Paulo, por seis policiais militares, após
ser detido arbitrariamente, sem ordem judicial e sem qualquer motivo.
Depois de preso, foi levado para São Mateus, na Zona Leste, onde foi
assassinado. A própria promotoria da Justiça Militar reconheceu, em
1983, que “a execução foi consumada em situação que impossibilitou
a defesa, pois a vítima estava totalmente dominada e à mercê dos seus
carrascos”. No entanto, até hoje não aconteceu o julgamento dos Pms,
que estava marcado para 2 de maio de 1991 e passou a ser sucessivamente
adiado, sem motivos;
3º)
Celso Bonfim de Lima, 18 anos, era funcionário de um restaurante e foi
baleado, pelas costas, no interior do estabelecimento, por PMs, em 29 de
abril de 1983. Fora autorizado pelo patrão a pernoitar no local, pois
morava longe. Foi acordado de madrugada por policiais que lhe mandaram
colocar as mãos na cabeça. Quando ia abrir a porta, foi alvejado pelas
costas. Ficou tetraplégico e incapaz para o trabalho. O julgamento dos
PMs só aconteceu em 1993. Só um dos militares foi condenado, assim
mesmo à pena de dois anos, com direito a sursis;
4º)
Wanderley Gallati foi morto a coronhadas na cabeça, em 26 de agosto de
1993, numadas ruas de São Paulo, por um PM, depois de colidido seu
carro com outro. O PM assassino foi promovido a oficial, o que retardou
o julgamento do caso. O júri ocorreu em 1991 e o PM foi absolvido
“por falta de provas”, apesar do depoimento em contrário de cinco
testemunhas oculares, que foram inclusive impedidos de prestar socorro a
Wanderley.
6.21.
A Via Sacra da Pastoral de Direitos Humanos de Belo Horizonte contra o
“esquadrão do torniquete”
No
início de 1990, a Comissão Pastoral de Direitos Humanos de Belo
Horizonte foi procurada por moradores da região norte da capital
mineira, preocupadas com a atuação do esquadrão da morte denominado
“esquadrão do torniquete”. O grupo parapolicial começara a atuar
durante o Carnaval de 1990.
Em
pouco menos de oito meses, foram assassinadas, pelos seus integrantes,
algo em torno de 27 a 32 pessoas. A maioria das vítimas era formada por
trabalhadores de 20 a 30 anos. Era o caso, por exemplo, de César, 24
anos, um rapaz tranqüilo, muito ligado à família e aos amigos,
residente em Contagem, na Grande Belo Horizonte. Nunca havia tido
envolvimento nem com a polícia, nem com drogas ou outros vícios.
A
partir das denúncias, a Pastoral (filiada ao MNDH através do Regional
Leste 2 começou o que seus militantes chamam de verdadeira Via Sacra em
busca da justiça. Foram visitadas autoridades e meios de comunicação.
Em parceria com Sindicatos e outros movimentos, fundou o Movimento SOS
Vida, em 26 de julho de 1990. Vários membros do esquadrão foram
levados ao banco dos réus.
6.22.
No Ceará, CDH luta pela valorização da escola pública
A
defesa do ensino público e gratuito é uma das atividades prioritárias
do Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza, a mais nova entidade
filiada ao MNDH, no Estado do Ceará. Fundado em 1994, o Centro atua na
região do Grande Bom Jardim, com cinco bairros, na área mais pobre da
capital cearense, com cerca de 112 mil habitantes. O Ceará tem 14
entidades de direitos humanos, seis das quais filiadas ao Movimento.
O
Centro de Defesa da Vida atua através de dois Programas: 1. Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente e 2. Formação para a Cidadania.
No primeiro, funcionam o Núcleo de Auto-Gestão de Direitos (que mantém
um grupo de estudos e acompanhamento do Estatuto da Criança e do
Adolescente, numa área em que há muita violência contra as crianças)
e o Fórum de Valorização da Escola Pública. Este Fórum é integrado
por diretores e professores das escolas públicas do Grande Bom Jardim.
Em parceria com o Centro, essas escolas e o Fórum promovem uma
atividade permanente de complementação escolar para os alunos. No
segundo, são realizados cursos de capacitação para lideranças,
oficinas de educação política e palestras sobre direitos humanos nas
comunidades.
O
Centro atende a uma média de 20 a 30 pessoas por dia, no Balcão de
Atendimento ao Cidadão e trabalha em parceria com 18 associações de
moradores, 16 comunidades eclesiais de base, dois grêmios estudantis e
dois grupos culturais.
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