JACQUES DECOUR
Pseudônimo
literário de Daniel Decourdemanche. Nascido em 1910.
Professor
agregado da Universidade. Professor de Alemão no Liceu Pollin.
Escritor. Fundador, durante a ocupação, do Comité Nacional dos
Escritores e da revista clandestina “Lettres Françaises”.
Preso
pela polícia de Vicky, é torturado e fuzilado pelos nazis no dia
30 de Maio de 1942, em Mont-Valérien.
sábado, 30 de maio de 1942
6h e 45m
Meus queridos pais
Esperavam há muito uma carta minha. Mas não
pensavam receber uma assim. Eu também não contava dar-vos este
desgosto. Estai certos de que permaneci até o fim digno de vós,
do nosso país que amamos.
Ora vede, podia muito bem morrer na guerra,
ou mesmo no bombardeamento desta noite. Contudo, não lamento ter
dado um sentido a este fim. Sabeis bem que não cometi nenhum
crime, não tendes que vos envergonhar de mim, eu soube cumprir o
meu dever de Francês. Não acho que a minha morte seja uma catástrofe;
pensem que neste momento milhares de soldados de todos os países
morrem todos os dias por um vendaval que me leva também.
Sabeis que eu esperava há dois meses o que me acontece esta manhã, por
isso tive tempo para me preparar, mas, como não
tenho religião, não caí na meditação sobre a morte;
considero-me um pouco como uma folha que cai da
árvore para adubar a terra.
A qualidade da terra dependerá da qualidade
das folhas. Quero referir-me à juventude francesa, na qual
deposito toda a minha esperança.
Meus queridos pais, ficarei certamente em
Suresnes, podeis, se quiserdes, pedir minhas transferência para
Montmartre.
Haveis de me perdoar dar-vos este desgosto.
A minha única preocupação desde há três meses é o vosso
sofrimento. Neste momento, é deixar-vos assim sem o vosso filho
que vos causou mais desgostos do que alegrias. Mas, olhai, ele está
contente, apesar de tudo, com a vida que viveu e que foi tão
bela.
E agora, algumas recomendações. Pude mandar
um bilhete àquela que amo. Se a virdes, espero
que seja em breve, daí-lhe o vosso amor; é o meu
desejo mais caro. Gostaria também que pudessem
ajudar os pais dela, que estão em dificuldades.
Pedi-lhes perdão por mim, por assim os abandonar.
Consola-me a idéia de que irão substituir um pouco
o seu “anjo da guarda”.
Daí-lhes as coisas que estão em minha casa
e pertencem à filha: volumes da “pléiade”, as “Fables”
de Fontaine, Tristan, as “Quatre-Saisons”, os “Petits-Poussins”,
as duas aquarelas (Vernon e Issire).
Tenho muitas vezes imaginado, nestes últimos
tempos, as belas refeições que faríamos quando eu estivesse em
liberdade – haveis de as fazer sem mim, em família, mas sem
tristeza, peço-vos. Não quero que o vosso pensamento se prenda
com as coisas boas que teriam podido acontecer-me, mas com todas
as que realmente vivemos. Nestes dois meses de isolamento, sem
leitura, reconstituí todas as minhas viagens, todas as minhas
experiências, todas as minhas refeições, fiz mesmo um plano
para um romance. Não deixei nunca de pensar em vós e desejo que
tenhais, se for preciso, muita paciência e coragem e,
principalmente, nenhum rancor.
Digam as minhas irmãs que as amo, assim
como a infatigável Denis?????l???r????Ir?e que tanto se dedicou a mim e à linda
mamã de Michel e de J. Denis.
No dia 17, tive uma ótima refeição com
Sylvain, e recordei-me as muitas vezes com prazer, assim como o
excelente jantar de consoada em cada de Pierre e de Renée. É que
as questões alimentares ganharam importância. Falem a Sylvain e
Pierre de todo o afecto que sinto por eles e também por Jean, o
meu melhor camarada, a quem agradeço muito todos os momentos que
passamos juntos.
Se eu tivesse ido a casa dele no dia 17,
teria igualmente acabado por vir para aqui, não há, pois, nada a
lamentar!
Vou escrever uma palavra para Brigitte no
fim desta carta, peço-vos que lha transmitam. Deus sabe quanto
pensei nela. Há dois anos que não vê o pai.
Se tiverem oportunidade, mandem dizer pelo
meu substituto aos meus alunos do primeiro ano
que pensei muito na última cena de Egmont, e na
carta de Th. – ki... o pai – modéstia à parte.
São oito horas, aproxima-se o momento de
partir.
Comi, fumei, tomei café. Não tenho nada
mais a tratar.
Meus queridos pais, beijo-vos com todo o meu
afecto. Estou perto de vós e a vossa recordação não me
abandona.
O vosso
Daniel
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