O PRESIDENTE
DA REPÚBLICA
Faço saber que o
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
Dos Crimes de
"Lavagem" ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores
Art. 1º Ocultar ou
dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito
de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II - de terrorismo;
III - de contrabando ou
tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV - de extorsão
mediante seqüestro;
V - contra a Administração
Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a
prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema
financeiro nacional;
VII - praticado por
organização criminosa.
Pena: reclusão de três
a dez anos e multa.
§ 1º Incorre na mesma
pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos
ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos
neste artigo:
I - os converte em
ativos lícitos;
II - os adquire,
recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito,
movimenta ou transfere;
III - importa ou
exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2º Incorre, ainda,
na mesma pena quem:
I - utiliza, na
atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe
serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste
artigo;
II - participa de
grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua
atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes
previstos nesta Lei.
§ 3º A tentativa é
punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
§ 4º A pena será
aumentada de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a VI
do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma habitual ou
por intermédio de organização criminosa.
§ 5º A pena será
reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime
aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena
restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar
espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à
localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
CAPÍTULO II
Disposições
Processuais Especiais
Art. 2º O processo e
julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
I – obedecem às
disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com
reclusão, da competência do juiz singular;
II - independem do
processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo
anterior, ainda que praticados em outro país;
III - são da competência
da Justiça Federal:
a) quando praticados
contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em
detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas;
b) quando o crime
antecedente for de competência da Justiça Federal.
§ 1º A denúncia será
instruída com indícios suficientes da existência do crime
antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que
desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime.
§ 2º No processo por
crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Código
de Processo Penal.
Art. 3º Os crimes
disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade
provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
Art. 4º O juiz, de ofício,
a requerimento do Ministério Público, ou representação da
autoridade policial, ouvido o Ministério Público em vinte e quatro
horas, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do
inquérito ou da ação penal, a apreensão ou o seqüestro de bens,
direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, objeto dos
crimes previstos nesta Lei, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144
do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de
Processo Penal.
§ 1º As medidas
assecuratórias previstas neste artigo serão levantadas se a ação
penal não for iniciada no prazo de cento e vinte dias, contados da
data em que ficar concluída a diligência.
§ 2º O juiz
determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou
seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem.
§ 3º Nenhum pedido de
restituição será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado,
podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação
de bens, direitos ou valores, nos casos do art. 366 do Código de
Processo Penal.
§ 4º A ordem de prisão
de pessoas ou da apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou
valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público,
quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações.
Art. 5º Quando as
circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério Público,
nomeará pessoa qualificada para a administração dos bens, direitos
ou valores apreendidos ou seqüestrados, mediante termo de
compromisso.
Art. 6º O
administrador dos bens:
I - fará jus a uma
remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita com o produto
dos bens objeto da administração;
II - prestará, por
determinação judicial, informações periódicas da situação dos
bens sob sua administração, bem como explicações e detalhamentos
sobre investimentos e reinvestimentos realizados.
Parágrafo único. Os
atos relativos à administração dos bens apreendidos ou seqüestrados
serão levados ao conhecimento do Ministério Público, que requererá
o que entender cabível.
CAPÍTULO III
Dos Efeitos da Condenação
Art. 7º São efeitos
da condenação, além dos previstos no Código Penal:
I - a perda, em favor
da União, dos bens, direitos e valores objeto de crime previsto nesta
Lei, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II - a interdição do
exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de
diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das
pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena
privativa de liberdade aplicada.
CAPÍTULO IV
Dos Bens, Direitos ou
Valores Oriundos de Crimes Praticados no Estrangeiro
Art. 8º O juiz
determinará, na hipótese de existência de tratado ou convenção
internacional e por solicitação de autoridade estrangeira
competente, a apreensão ou o seqüestro de bens, direitos ou valores
oriundos de crimes descritos no art. 1º, praticados no estrangeiro.
§ 1º Aplica-se o
disposto neste artigo, independentemente de tratado ou convenção
internacional, quando o governo do país da autoridade solicitante
prometer reciprocidade ao Brasil.
§ 2º Na falta de
tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores apreendidos ou
seqüestrados por solicitação de autoridade estrangeira competente
ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre
o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o
direito do lesado ou de terceiro de boa-fé.
CAPÍTULO V
Das Pessoas Sujeitas À
Lei
Art. 9º Sujeitam-se às
obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas jurídicas que
tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal
ou acessória, cumulativamente ou não:
I - a captação,
intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em
moeda nacional ou estrangeira;
II – a compra e venda
de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento
cambial;
III - a custódia,
emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação
ou administração de títulos ou valores mobiliários.
Parágrafo único.
Sujeitam-se às mesmas obrigações:
I - as bolsas de
valores e bolsas de mercadorias ou futuros;
II - as seguradoras, as
corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou
de capitalização;
III - as
administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito,
bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou
serviços;
IV - as administradoras
ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico,
magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos;
V - as empresas de
arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial
(factoring);
VI - as sociedades que
efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis,
mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição,
mediante sorteio ou método assemelhado;
VII - as filiais ou
representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil qualquer
das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;
VIII - as demais
entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão
regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de
seguros;
IX - as pessoas físicas
ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como
agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer
forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer
das atividades referidas neste artigo;
X - as pessoas jurídicas
que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda
de imóveis;
XI - as pessoas físicas
ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos,
objetos de arte e antigüidades.
CAPÍTULO VI
Da Identificação dos
Clientes e Manutenção de Registros
Art. 10. As pessoas
referidas no art. 9º:
I - identificarão seus
clientes e manterão cadastro atualizado, nos termos de instruções
emanadas das autoridades competentes;
II - manterão registro
de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e
valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo
passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado
pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta
expedidas;
III - deverão atender,
no prazo fixado pelo órgão judicial competente, as requisições
formuladas pelo Conselho criado pelo art. 14, que se processarão em
segredo de justiça.
§ 1º Na hipótese de
o cliente constituir-se em pessoa jurídica, a identificação
referida no inciso I deste artigo deverá abranger as pessoas físicas
autorizadas a representá-la, bem como seus proprietários.
§ 2º Os cadastros e
registros referidos nos incisos I e II deste artigo deverão ser
conservados durante o período mínimo de cinco anos a partir do
encerramento da conta ou da conclusão da transação, prazo este que
poderá ser ampliado pela autoridade competente.
§ 3º O registro
referido no inciso II deste artigo será efetuado também quando a
pessoa física ou jurídica, seus entes ligados, houver realizado, em
um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa,
conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite
fixado pela autoridade competente.
CAPÍTULO VII
Da Comunicação de
Operações Financeiras
Art. 11. As pessoas
referidas no art. 9º:
I - dispensarão
especial atenção às operações que, nos termos de instruções
emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios
indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se;
II - deverão
comunicar, abstendo-se de dar aos clientes ciência de tal ato, no
prazo de vinte e quatro horas, às autoridades competentes:
a) todas as transações
constantes do inciso II do art. 10 que ultrapassarem limite fixado,
para esse fim, pela mesma autoridade e na forma e condições por ela
estabelecidas;
b) a proposta ou a
realização de transação prevista no inciso I deste artigo.
§ 1º As autoridades
competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo,
elaborarão relação de operações que, por suas características,
no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização,
instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou
legal, possam configurar a hipótese nele prevista.
§ 2º As comunicações
de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não acarretarão
responsabilidade civil ou administrativa.
§ 3º As pessoas para
as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador farão
as comunicações mencionadas neste artigo ao Conselho de Controle das
Atividades Financeiras - COAF e na forma por ele estabelecida.
CAPÍTULO VIII
Da Responsabilidade
Administrativa
Art. 12. Às pessoas
referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas,
que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão
aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as
seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa pecuniária
variável, de um por cento até o dobro do valor da operação, ou até
duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido
pela realização da operação, ou, ainda, multa de até R$
200.000,00 (duzentos mil reais);
III - inabilitação
temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo
de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;
IV - cassação da
autorização para operação ou funcionamento.
§ 1º A pena de advertência
será aplicada por irregularidade no cumprimento das instruções
referidas nos incisos I e II do art. 10.
§ 2º A multa será
aplicada sempre que as pessoas referidas no art. 9º, por negligência
ou dolo:
I – deixarem de sanar
as irregularidades objeto de advertência, no prazo assinalado pela
autoridade competente;
II – não realizarem
a identificação ou o registro previstos nos incisos I e II do art.
10;
III - deixarem de
atender, no prazo, a requisição formulada nos termos do inciso III
do art. 10;
IV - descumprirem a
vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o art.
11.
§ 3º A inabilitação
temporária será aplicada quando forem verificadas infrações graves
quanto ao cumprimento das obrigações constantes desta Lei ou quando
ocorrer reincidência específica, devidamente caracterizada em
transgressões anteriormente punidas com multa.
§ 4º A cassação da
autorização será aplicada nos casos de reincidência específica de
infrações anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do
caput deste artigo.
Art. 13. O procedimento
para a aplicação das sanções previstas neste Capítulo será
regulado por decreto, assegurados o contraditório e a ampla defesa.
CAPÍTULO IX
Do Conselho de Controle
de Atividades Financeiras
Art. 14. É criado, no
âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar,
aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as
ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei,
sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.
§ 1º As instruções
referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º,
para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador,
serão expedidas pelo COAF, competindo-lhe, para esses casos, a definição
das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no
art. 12.
§ 2º O COAF deverá,
ainda, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de
informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate
à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.
Art. 15. O COAF
comunicará às autoridades competentes para a instauração dos
procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes
previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de
qualquer outro ilícito.
Art. 16. O COAF será
composto por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida
competência, designados em ato do Ministro de Estado da Fazenda,
dentre os integrantes do quadro de pessoal efetivo do Banco Central do
Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de
Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da
Secretaria da Receita Federal, de órgão de inteligência do Poder
Executivo, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério das
Relações Exteriores, atendendo, nesses três últimos casos, à
indicação dos respectivos Ministros de Estado.
§ 1º O Presidente do
Conselho será nomeado pelo Presidente da República, por indicação
do Ministro de Estado da Fazenda.
§ 2º Das decisões do
COAF relativas às aplicações de penas administrativas caberá
recurso ao Ministro de Estado da Fazenda.
Art. 17. O COAF terá
organização e funcionamento definidos em estatuto aprovado por
decreto do Poder Executivo.
Art. 18. Esta Lei entra
em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 3 de março
de 1998; 177º da Independência e 110º da República.