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Centro de Direitos Humanos e Memória Popular

CDHMP – Natal/RN 

RELATÓRIO DE PESQUISA 

Percepção dos Comunitários da “Cidade da Esperança” Sobre Violência e Criminalidade

  Natal (RN), Setembro de 1992 

1 – Introdução  

O Centro de Direitos Humanos e Memória Popular – CDHMP, Natal, RN, com o propósito de ampliar seus estudos sobre a Violência e a Segurança Pública, partiu para uma experiência junto a um bairro da cidade chamado “Cidade da Esperança”. Para melhor direcionar uma pesquisa de opinião, integrou-se com o “MOLEC” – Movimento de Lazer, Esporte e Cultura, formado por militantes do Movimento Popular, Artístico, Desportivo e Cultural e com o Grupo de Jovens “Força e Participação”, ambos do referido bairro.

No trato da Violência e Segurança Pública, o CDHMP vinha desenvolvendo atividades na temática de violência desde 1989, assessorando e acompanhando os caos de violência policial, formulação de denúncias e promoção de um programa de desenvolvimento do exercício da cidadania através de seminários e debates.

Entender a opinião da população em face da omissão e/ou ação do Estado, também passou a ser uma das metas. Outro aspecto que complementa a abordagem é a necessária relação com o Estado como forma de intervir no processo de planejamento e no controle democrático do Sistema de Justiça e Segurança Pública. A intervenção como meta, se dará portanto, com critérios científicos e embasados em diagnósticos efetivados pelo Centro.

A questão da Violência vem sendo objeto de estudo prioritário pelo MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) em todas as regiões do país. A nível de Nordeste, criou-se em 1990, por iniciativa das entidades da região em refletir coletivamente o conteúdo programático do Movimento – a questão da Violência – o GT (Grupo de Trabalho) “Violência”. Em 1991, o referido GT, deu lugar à Comissão Contra a Violência que assumiu o caráter reflexivo da temática da Violência enquanto instância do Movimento. Outras comissões foram criadas pelo MNDH em várias regiões do país. As comissões regionais são formadas por representantes dos Centros de Direitos Humanos de cada Estado. No Nordeste, sediado em Recife/PE e é formada por 5 (cinco) representantes das seguintes entidades: Centro Sergipano de Educação Popular/SE; GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – Olinda/PE; Comissão de Justiça e Paz de Salvador/BA; Sociedade de Assessoria ao Movimento Popular e Sindical/PB; Centro de Direitos Humanos e Memória Popular/RN; Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos de Fortaleza/CE.

Segundo relato da Comissão Contra a Violência do MNDH,

“O quadro da violência no Nordeste é dramático, quer no campo, quer nas cidades e é, certamente um desafio para o Movimento enfrentá-lo, enquanto obstáculo à consolidação da cidadania nesta região historicamente desprezada pelo Poder Público. Os índices sociais nordestinos são gritantemente negativos, repercutindo intensamente no agravamento da violência institucionalizada contra os segmentos marginalizados da população”. (MNDH: 1992, 14).

“Trabalhar a questão da violência para o Movimento Regional é um desafio. É uma caminhada longa que deve revelar o Regional como uma instância da sociedade a ter credibilidade, enquanto agente político de interlocução junto ao Estado. Para isso, é imprescindível que se identifique e se supere certos entraves existentes. Essa é uma questão importante e necessária no sentido de levar o Movimento para um processo crucial na sua luta pelos Direitos Humanos. Enfrentar a violência é sobretudo, encontrar meios e procedimentos políticos que a controlem democraticamente, desmistificando-a e colocando-a como um problema público dos nossos dias, cuja historicidade reside em trabalhá-la na perspectiva dos interesses da grande maioria da população do campo e da cidade, construindo-se o espaço democrático de segurança”. (MNDH: 1992, 16).

A decisão do VII Encontro Nacional de Direitos Humanos, realizado em Brasília/DF, em janeiro de 1992, veio corroborar com o plano já existente de aprofundar e sistematizar informações sobre a violência em Natal e consequentemente criar um banco de dados de notícias publicadas na imprensa oficial – local – relacionadas com a violência criminalizada, no intuito de subsidiar estudos e análises a partir da visualização da violência no estado do RN. Neste, foi referendado como Eixo de Luta do MNDH, a questão da Violência sendo encarada sob a ótica da ação e omissão do Estado.

Para dar início ao processo investigatório, sobre a opinião da população, ou seja, a forma como é percebido o fenômeno da violência foi feita uma opção de estratégia de abordagem já adotada em Olinda, pelo GAJOP-PE, isto é, ao procedimento de pesquisa amostral por bairro. Na pesquisa, tem-se o interesse não apenas nas opiniões sobre a violência, mas também no relacionamento destas com as características dos habitantes do bairro.

O bairro “Cidade da Esperança” tem a característica de ter sido o primeiro no plano de construção de habitação popular da década de setenta, no governo do Sr. Aluízio Alves, e contou com o financiamento do convênio MEC-USAID através da FUNDHAP (Fundação de Habitação Popular). A implementação do bairro foi gradativa, apresentando setores diferenciados não apenas pela data de construção como pelo tipo de financiamento.

Oficialmente, o bairro foi criado pelo Decreto Lei n.º 1643/67, com uma área total de 182,90 ha. A população estimada atual está por volta de 22.000 habitantes.

O bairro situa-se numa área periférica da cidade do Natal, tendo nos seus limites verdadeiras favelas que cresceram nos últimos cinco anos e já estão conhecidas como a favela do “Urubu” – nas proximidades do forno do lixo. Destaca-se também, o bairro “Cidade Nova”, que surgiu desodernadamente de um núcleo inicial típico de favelas.

Em termos de “movimento de bairros, tem-se referência de que a participação da comunidade vem se expressando através de grupos de jovens, de mães e do Conselho Comunitário cuja origem antecedeu a instalação do Centro Social Urbano (CSU) construído na política do governo militar, com base na divulgada “participação social” – um avanço na tentativa de trabalhar as associações de bairros como laboratórios políticos na busca de atrelamento.

O MOLEC surgiu em 1989, a partir da aglutinação de jovens ligados ao Movimento Cultural alternativo, existente desde 1983, desempenhando atividades nas áreas de teatro, música e esporte. A Igreja através da Paróquia de N. Sr.a da Esperança se articula com o grupo dando apoio em algumas atividades específicas. A articulação com o CDHMP, vem-se processando através dos debates, seminários, contatos com lideranças e assessoramento aos trabalhos de conscientização política. O Grupo de Jovens “Força e Participação”, é formado como o nome já diz por jovens residentes no próprio bairro que atuam nas atividades de evangelização promovidas pela Paróquia de Nossa Senhora da Esperança.

As dificuldades para efetuar a pesquisa decorreram não apenas por se constituir uma etapa experimental, como também pelo fato da compreensão política do fenômeno da violência ser ainda serviço por parte do Estado, como bem demonstrou depoimentos e omissões na pesquisa.

A estruturação da pesquisa e o apoio logístico necessário foi de responsabilidade do CDHMP. A aplicação dos questionários e a tabulação, ficou sob a responsabilidade do MOLEC com o apoio do Grupo de Jovens “Força e Participação”. O trabalho de análise foi desenvolvido pelo GT Contra-Violência do CDHMP com representantes do MOLEC.

2 – Procedimentos Metodológicos

A pesquisa procurou estratificar a população por sexo e faixa etária, tendo como referência um zoneamento urbano já utilizado pelo grupo MOLEC e que corresponde a estrutura física do bairro.

Setor I:

Corresponde ao quarteirão formado pelas avenidas Rio Grande do Sul à Perimetral Leste e Cap. Mor Gouveia à Perimetral Sul;

Setor II:

Corresponde ao quarteirão formado pelas avenidas: Paraíba à Cap. Mor Gouveia e Rua Adolfo Gordo à Av. Rio Grande do Sul;

Setor III:

Corresponde ao quarteirão formado pelas avenidas: Rio Grande do Norte à Rio Grande do Sul e da Av. Paraíba à Perimetral Sul;

Setor IV:

Corresponde ao quarteirão formado pelas avenidas: Pernambuco à Perimetral Sul e Av. Rio Grande do Norte à Rua Adolfo Gordo;

Setor V:

Corresponde ao quarteirão formado pelas avenidas: Adolfo Gordo à Av. Interventor Mário Câmara e da Av. Cap. Mor Gouveia à Rua Manoel de Castro.

Para o critério de seleção doa entrevistados, foi tomado como princípio norteador a necessidade de se diferenciar a opinião dos jovens da dos adultos. Para isso recorreu-se à estratégia de três questionários em cada rua, sendo um jovem (independente de sexo, com até 29 anos de idade), um homem e uma mulher, no total de 165 questionários como demonstra o quadro 01 – “Metodologia Aplicada”. A escolha das ruas em cada setor foi feita por sorteio até atingir o total da amostragem.

Realizados esses procedimentos, o resultado da amostragem se caracteriza nas tabelas 1.1. O percentual encontrado na categoria jovem abrangeu 32,5% sendo que 17,8% do sexo masculino e 14,7% do sexo feminino. Os 67,5% restantes na categoria adulto fica representado, para o total do bairro em igual proporção para homens e mulheres.

O maior percentual de jovens ficou contemplado nos setores I e III 24,5%, proporção aliás que se repete para os adultos 22,5%. O Setor I com menor densidade de jovens 11,3% e de adultos 14,6%.

3 – Caracterização da população do bairro da Cidade da Esperança

 

3.1 – Grau de Instrução

o bairro da Cidade da Esperança, dispõe de uma estrutura de ensino de 1º Grau vinculada ao poder público no total de 05 (cinco) escolas atendendo a uma clientela de 5.006 alunos matriculados no ano de 1992. O ensino público do 2º Grau é oferecido através da Escola Estadual Lauro de Castro, atendendo a 891 alunos matriculados. Estas escolas atendem a alunos que residem no próprio bairro da Cidade da Esperança e adjacências. Há outras escolas de iniciativa privada que dividem a infra-estrutura, na parte específica de Jardins de Infância e 1º Grau menor (até 4ª série primária).

A amostragem indica um alto percentual da população do bairro cursando ou tendo concluído 1º Grau, 50,8%. No segundo grau, 37,6. Com nível superior, constatou-se, 3;6%.

O maior percentual de jovens com 1º e 2º graus concluído ou em fase de conclusão, se dá no setor III, onde aponta para 7,9% do universo entrevistado (com relação ao total da amostra). Na categoria “adulto”, o setor II, aponta com maior percentual: 92,0% de entrevistados no setor, encontram-se no 1º e 2º graus. Dos entrevistados, 8,0% afirmaram não terem frequentado a escola – não foi apreciado nesse item se nessa condição eram alfabetizados ou não – e todos estavam na categoria “adulto”. O setor que registrou o maior índice de entrevistados que não frequentaram a escola, foi o setor V, com 16,7% em relação ao próprio setor.

 

3.2 – Situação de Trabalho

a situação de trabalho dos comunitários da Cidade da Esperança traduz o mesmo perfil das dimensões das relações sociais de produção existentes nos bairros periféricos de Natal. Funcionários lotados em serviços públicos e iniciativa privada, autônomos, biscateiros, donas de casa, estudantes, desempregados e aposentados apresentam a situação de trabalho desses comunitários. Com características típicas de um bairro residencial, Cidade da Esperança presencia apenas uma fábrica de beneficiamento de castanha. Não há no bairro nenhuma atividade industrial de médio ou grande porte. No campo comercial, apresentam-se padarias, movelarias, oficinas de ferreiro, oficinas mecânicas de autos, mercearias, alguns supermercados, bares, restaurantes e hospedarias devido ao fluxo de transeuntes que ali trafegam em razão do Terminal Interestadual e Intermunicipal de passageiros de Natal, localizado na comunidade.

Pelos dados obtidos a partir da tabulação, levando em conta as categorias “Jovem e Adulto”, constatamos que os empregados, entendendo-se como aqueles que trabalham de forma sistemática dentro das convenções trabalhistas – funcionários públicos, empregados em formas de empresa privada – representam 47,3% do total da amostra. Os que identificaram-se como “não trabalham”, representando 33,4% da amostra, foram classificados pelo questionário dentre as seguintes “ocupações”: Estudantes e Donas-de-casa. Consideram-se autônomos – “aqueles que trabalhavam por conta própria”, 15,8% e 10,8% indicou o percentual de aposentados. Os que responderam o questionário como “desempregados”, totalizaram 8,5%.

Na categoria “Jovem”, constatamos que 12,1% trabalham e 21,1% apenas estudam.

 

3.3 – Religião

a preferência dos entrevistados pela religião Protestante – entendendo-se aqui, evangélicos – ficou em 7,8%. A partir desses dados constatamos a existência de um tráfego de pessoas de religião protestante locomovendo-se de bairros vizinhos para a Cidade da Esperança nos dias de culto, ou de outros eventos religiosos, por possuir esse bairro um grande número de templos evangélicos.

No setor II, a categoria jovem, apresentou o maior percentual de preferência pela religião Católica, 30,8% e a categoria de adulto em 53,8% em relação ao total do setor.

Ainda por setor, a maior preferência registrada pela religião protestante se deu nos setores III e IV, onde ambos apresentaram o mesmo ponto percentual, 12,8% em relação ao total da amostragem do setor. Nesses dois setores, a categoria adulto predomina com 4,2% em relação a categoria jovem, 1,8% com relação ao total da amostragem.

A opção pelos Espiritismo ou pela Umbanda, constantes no questionário, não obtiveram nenhuma opção e 9,0% do total da amostra responderam “não ter religião”. Todos os setores, com exceção do setor I, fazem limites com o templo Católico – Igreja de Nossa Senhora da Esperança, enquanto os templos Protestantes situam-se dentro dos próprios setores residenciais.

 

3.4 – Tempo de residência no Bairro

nesse tópico, procuramos identificar o tempo de residência dos comunitários da Cidade da Esperança dentro de 04 (quatro) faixas: a primeira, até 05 anos; a segunda, de 06 a 10 anos; a terceira de 11 a 20 anos e a quarta, com mais de 20 anos. Criado oficialmente em 1967, mas já com algumas unidades residenciais construídas e inauguradas em 1966, identificamos a partir dos dados coletados, em relação ao total da amostragem, Cidade da Esperança é uma comunidade onde 51,0% dos entrevistados residem a mais de 10 anos, ou seja, na faixa de 11 a 20 anos. Os residentes com mais de 20 anos totalizaram o índice de 24,2%. Os residentes até 05 anos, totalizam os 9,07 pontos percentuais.

O setor V possui o maior percentual de residentes com mais de 20 anos. A maioria dos jovens entrevistados, encontram-se com tempo de residência com mais de 10 anos, na faixa de 11 a 20 anos.

 

4 – Dados da Pesquisa de Opinião dos Moradores do Bairro da Cidade da Esperança

 

4.1 – Insegurança da Segurança

Estamos abandonados. Hoje, dar um passeio à noite se transformou num ato de perigo, reclamos o aposentado Antônio Sales Neto, 72, (...) Morando no local há mais de 18 anos, lembra com saudades das noites de insônia que podia passear pelas ruas escuras e desertas. Se fizer isso hoje, fatalmente serei assaltado, e como ando sem dinheiro, com raiva, os marginais poderão até me matar, disse.” (Diário de Natal, 09.09.1992).

Assaltos, assassinatos de menores, brigas envolvendo o que os jornais de Natal já consideram por brigas de gangues e desovas nas imediações do bairro, têm demonstrado o grau de violência que se acirra na Cidade da Esperança.

O jornal “Tribuna do Norte” de 01 de outubro de 1992, noticia a morte do estudante Antônio Marcos Barbosa de Oliveira, de 17 anos:

“GANGUES RIVAIS BRIGAM E PROVOCAM UMA MORTE

Uma briga entre gangues rivais na zona oeste de Natal, acabou em morte na Cidade da Esperança. Poucos momentos após assistir a uma missa, na Igreja do bairro, o estudante Antônio Marques Barbosa de Oliveira, 17 anos, foi assassinado com dois tiros nas costas disparados por dois rapazes que ocupavam uma motocicleta (...). O pai dele, Genival Querino de Oliveira, suboficial da reserva da Marinha, acredita que o crime tenha sido praticado por vingança: no sábado à noite, durante um comício, jovens residentes no denominado “Beco da Vaca”, perderam uma briga para os rivais da Cidade da Esperança e durante a fuga, teriam prometido ajustar as contas “um por um” dos “inimigos”. O primeiro foi Antônio”. (Tribuna do Norte, 01.07.1992).

No mesmo mês outro menor, Lázaro Francisco da Silva, 16, considerado pela imprensa como delinquente, foi assassinado com dois golpes de canivete na esquina da rua Interventor Mário Câmara. (TN, 15.09.1992). Apesar de não ser residente do bairro (segundo a imprensa, o menor morava no bairro de Lagoa Nova), as razões do assassinato levam a uma questão de fundo seríssimo, ou seja, o desenrolar de novas ocorrências dentro de um mesmo prisma de conflitos interpessoais com destaque na categoria “Jovem” como bem se depreende do contexto da notícia:

“(...) O mais recente delito que praticara (Lázaro Francisco da Silva), foi a tentativa de homicídio contra um rapaz de pouco mais de 20 anos, morador da Cidade da Esperança. Acompanhado com mais dois colegas, “Nego Lázaro” foi até o Ginásio de Esportes assistir um jogo de futebol infantil. Ao serem vistos por outra gangue de rapazes, foram cercados e para conseguir fugir Lázaro sacou de um revólver calibre 38, que costuma carregar na cintura, sob a camisa e acertou o jovem Ubiratan Viena de Melo, líder dos inimigos que foi socorrido para o hospital e não morreu.” (TN 15.09.1992).

a Cidade da Esperança dispõe de um Distrito Policial – o 8º Distrito e a 2ª Companhia de Polícia Militar. Segundo o Diário de Natal, na matéria “Insegurança toma conta da Cidade da Esperança”, tem-se a referência da morte de um outro jovem e das condições de funcionamento destes órgãos:

“(...) No início do mês, a morte de um jovem de 17 anos, assassinado na boate Ciclone, motivou um grupo de moradores a procurar o Secretário de Segurança e Justiça, Manoel de Medeiros Brito, cobrando providências. Apesar da 2ª Companhia Militar estar localizada no bairro, não vem funcionando e a Delegacia de Polícia só faz receber queixas”. (DN 09.09.1992).

Os dados da pesquisa revelam um percentual de 66,7% que afirmam ter pouca segurança e 27,3% afirmam que não dispõem de nenhuma. Um alto índice de insegurança portanto, que se reproduz nos adultos e nos jovens. É uma população ameaçada pela violência e declara-se insegura. É uma situação social onde o medo, a passividade e a insegurança torna-se explícita no cotidiano popular da comunidade.

Ao serem questionados se já foram vítimas de algum ato de violência a maioria, 84,3% responderam que não. Enquanto que 14,5%, confirmaram já terem sido vítimas. Nesse item, por problemas metodológicos, não apuramos as várias respostas de que foram vítimas. Contemplamos a resposta mais imediata, sem enfocar a violência institucionalizada. Poderíamos até afirmar como provável explicação que a violência no cotidiano das relações interpessoais estão ainda cheias de vícios distantes de um conceito mais digno de cidadania e que é distante ainda de uma dimensão mais política do fenômeno que extrapole a esfera do medo.

Mesmo com essa informação, 79,4% dos entrevistados opinaram confirmando a existência de bandidos agindo livremente no bairro, deixando no cotidiano real dos comunitários a sensação de medo quando 66,7% da população responderam que vivem com pouca segurança. Esse número confirma o clima de impunidade existente no bairro. Mesmo sediado no próprio bairro um Distrito Policial (8ª DP) e também a 2ª Companhia de Polícia Militar, a população assume-se insegura e afirma ainda a má eficiência desses órgãos.

Questionados sobre o tipo de violência mais frequente na comunidade, 55,2% dos comunitários apontaram como sendo assalto/roubo, seguindo em 2º lugar a violência no trânsito em 15,2% e brigas de rua em 3º lugar, com 14,0%.

Embora sem ter sido dado, no questionário, um significado específico para o termo “bandido” foi utilizado o sentido que perpassa no senso comum, ou seja, “qualquer agente de violência no âmbito dos conflitos interpessoais (assalto, roubo, furto, homicídio)”. Fica portanto excluído, a ação dos agentes de Violência que possam pertencer aos órgãos do Sistema de Justiça e Segurança Pública.

4.2 – Atuação dos Órgãos de Segurança Pública

A partir dos dados coletados, o julgamento dos órgãos de Segurança, se deteve na atuação das Polícias, por ser este, o órgão mais visualizado na prestação de serviços no âmbito da Justiça e Segurança Pública.

Do universo coletado, a maioria 63,0% não confia a atuação da Polícia. Este dado é conseq            uência das relações conflituosas envolvendo a população e seus Agentes de Segurança. Esses conflitos derivam-se das práticas arbitrárias, uma constante na atuação policial, gerando um “autoritarismo nas relações sociais, pessoais e públicas”. “... São muito violentos e não sabem trabalhar”, “Não dá segurança alguma”, “... São iguais aos marginais”. Estas são algumas das opiniões que demonstram no combate à criminalidade. Suas práticas são igualadas às dos “bandidos” – “... A polícia é marginal e faz parte da corrupção, pois abusa do poder que tem”.

Dos entrevistados, 85,4% discordam da atuação da Polícia de invadir casas em busca de informações e 92,7% opinaram serem contra o espancamento de pessoas em busca de informações. Quanto ao fato de prender pessoas por não portarem documento, 72,1% possicionaram-se contra essa prática.

Os 31,0% dos entrevistados que confiam na Polícia, justificaram suas respostas afirmando que “... acaba com as desordens” e que “já teve algum problema que foi resolvido através da intervenção da Polícia”.

Tratando-se da atuação da Polícia Civil, detentora de uma função Judiciária no processo investigatório, a maioria dos entrevistados, 31,0% opinaram sua atuação como sendo “regular”, enquanto que 44,2% “desconhecem sua atuação”.

Com relação a Polícia Militar, detentora de uma ação mais ostensiva e “agindo na rua”, 34,0% dos entrevistados opinaram como sendo sua atuação “regular”, enquanto que 32,1% “desconhecem sua atuação”.

Consequência dessa relação conflituosa é que 80,6% dos entrevistados não procuram a delegacia do bairro para possíveis soluções de problemas ligados à segurança. Dos 19,4% que procuraram a delegacia do bairro, 12,7% foram bem atendidos, mas não afirmaram sobre o resultado de suas expectativas.

Quando indagamos a responderem sobre o que fazer para combater a violência, surgiram algumas respostas enfocando o aspecto social, econômico e político. Foram as seguintes: “... Seria aumentar a oferta de emprego” e “... Dar maior atenção a vida social e educacional da pessoa”.

Com relação aos agentes de Segurança do Estado, , os entrevistados privilegiaram na Polícia, o alvo das opiniões. Aponta para uma “mudança de mentalidade dos policiais”. Defendem mais autoridade para o policial. Para combater o alto grau de criminalidade, defendem “aumentar o número de policiais nas ruas”. Quanto a infra-estrutura dos prédios, consideram “pouco” o número de Delegacias existentes e sugerem “aumentar o número delas” e ainda “... ampliar a penitenciária”. Quanto aos instrumentos de trabalho utilizados no combate à criminalidade “defendem aumentar o armamento dos policiais”.

Entretanto, percebe-se que há uma grande tendência da população para opiniões que convergem para o aumento da quantidade do efetivo policial como forma de melhorar sua eficiência mesmo quando 63,0% dos entrevistados, mais da metade, não confia na “Instituição Policial”.

Quanto às CAUSAS APONTADAS COMO RAZÃO QUE LEVA AO CRIME, “Pobreza/Desemprego” foi a opção apontada por 49,0% dos entrevistados. Em segundo lugar ficaram “as drogas” com 14,0%. A preocupação com as condições sociais e econômicas básicas, traduzidas nas respostas às entrevistas, indica que para combater a violência e a criminalidade, tem que apoiar-se numa visão mais complexa e mais profunda de como vive a maioria do povo brasileiro.

Perguntados se o GOVERNO ESTÁ RESOLVENDO O PROBLEMA DA CRIMINALIDADE, 91,0% dos entrevistados responderam que não.

4.4 – Esquadrão da Morte

Em Natal, a ação do Esquadrão da Morte não se dá de forma explícita. Os homicídios registrados, não assumem características o suficiente para serem atribuídos a esse tipo de crime organizado. O que existe são alguns grupos organizados de pistoleiros que atuam no assalto e no roubo de automóveis com mais frequência na região Oeste do Estado. Na capital, a ação de forma ainda muito esporádica relacionada determinadas desovas, com características semelhantes, são atribuídas a “imagem do justiceiro”, conhecido como “Mão Branca”.

Mesmo 48,5% dos entrevistados terem opinado contra a “Pena de Morte”, a maioria dos comunitários da Cidade da Esperança, 63,0% discordam da atuação do Esquadrão da Morte. Alguns justificam afirmando sua preocupação com o “livre arbítrio que pode matar inocentes”. Matando só culpados, teria assim a legitimidade necessária. Outros responderam identificando no “Esquadrão”, um aparato a serviço de uma classe contra outra – “... é só para matar os pobres”. Há os que reconhecem que “não é a forma mais correta de combate a criminalidade” e ainda atribuem a “Justiça a responsabilidade de julgar” – “... deve pagar de acordo com a Justiça... afinal, violência gera violência”.

Os que justificam sua ação, 34,4% reconhecem no “Esquadrão”, “... um tranquilizador da população e combatente do crime”. Uns recorrem a Lei do Talião: dente por dente, olho por olho – “... devem matar esses bandidos para pagar pelo que fazem”. Outros atribuem a solução, da superpopulação carcerária – “... Não há cadeia para abrigar toda população carcerária, por isso bandido tem que morrer”. Diante da preocupação com um grande número de bandidos agindo e aumentando a violência, “... somente matando para que a violência e a quantidade de crime diminua”. A legitimidade por parte da população da ação dos “Justiceiros e o do Esquadrão da Morte”, tornam-se mais perceptíveis quando esses só matam apenas criminosos”.

4.5 – A Esfera Judiciária

A maioria dos entrevistados, 45,4% confia na Justiça, justificando sua opinião afirmando que através dela, já foi resolvido algum problema na família. Os 40,6% que não confia, afirma que na Justiça “quem manda é o dinheiro”. É um órgão de classe, – “... está voltada para as classes mais sociais, mais altas”, “... Está ao lado dos ricos”. “... É excludente” – Responderam os comunitários. Para outros, “é falha pois nem sempre ela comete Justiça”. Há ainda aqueles que sentem-se distantes e afirmam o desconhecimento de sua existência: “... desconheço sua existência”. Consequência desses fatores é que 78,0% dos entrevistados não procurou a Justiça para possíveis soluções de problemas a ela relacionada.

5.0 - Conclusão

numa visão global, construiu-se ao longo de um ano, um diagnóstico sobre a realidade sócio-política e econômica do bairro da Cidade da Esperança, dando destaque para a questão da percepção dos comunitários sobre a “Violência e a Criminalidade”.

Constatamos que trata-se de uma comunidade insegura, permeada de acontecimentos violentos como os já citados nesse trabalho: briga de gangues, assaltos, violência no trânsito.

No que diz respeito ao combate à criminalidade, percebe-se a fragilidade do Estado e sua fragilidade no trato da Política de Justiça e Segurança Pública. Essa por sua vez, interfere profundamente nas explosões de natureza emocional da população. Embora não confiando na Polícia, acreditam ser esta a responsável mais visível pelo combate à criminalidade.

O interesse maior agora está, a partir desse diagnóstico, continuar as atividades na comunidade das Cidade da Criança, partindo do desenvolvimento de um programa de formação da construção da cidadania, tendo como enfoque privilegiado, a questão da Segurança Pública, que apontará para intervenções concernentes à reivindicações do papel do Estado no trato da Política de Segurança Pública.

6.0 – Documentos de Apoio

Jornais Locais:

-         Tribuna do Norte (dias 10.05.92; 01.07.92; 15.09.92 e 01.10.92)

-         Diário de Natal (dia 09.09.92)

Textos:

-         Coleção Oxente – Regional NE – MNDH

 Ano I  -  N.º 01  - Setembro de 1992.

 

 

CDHMP – Natal/RN

 

Diretoria:

ROBERTO DE OLIVEIRA MONTE – Presidente

ELIAS CABRAL MACIEL – Vice-presidente

JANILSON SIQUEIRA – Secretário

MARIA DAS GRAÇAS SILVA – Tesoureira

 

 

GRUPO DE TRABALHO DE PESQUISA

CDHMP

GT Contra Violência

Mário Sérgio Lima Correia

Luiz Gonzaga Dantas

Ana Amélia N. Fernandes (colaboração especial)

MOLEC

Maria Amélia de Lima Freire

José Cláudio Galvão

Tarcísio Garcia Pereira

José Robson Bezerra

Fátima Maria de Oliveira

Heronilza Ferreira do Nascimento

FORÇA E PARTICIPAÇÃO

Paulo Oliveira de Tasso

Miriam Costa

Ana Catarina do Nascimento

   

 

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