Centro de Direitos Humanos e Memória
Popular
CDHMP – Natal/RN
RELATÓRIO DE PESQUISA
Percepção
dos Comunitários da “Cidade da Esperança” Sobre
Violência e Criminalidade
Natal
(RN), Setembro de 1992
1 – Introdução
O Centro de
Direitos Humanos e Memória Popular – CDHMP, Natal, RN, com o propósito
de ampliar seus estudos sobre a Violência e a Segurança Pública,
partiu para uma experiência junto a um bairro da cidade chamado
“Cidade da Esperança”. Para melhor direcionar uma pesquisa de opinião,
integrou-se com o “MOLEC” – Movimento de Lazer, Esporte e Cultura,
formado por militantes do Movimento Popular, Artístico, Desportivo e
Cultural e com o Grupo de Jovens “Força e Participação”, ambos do
referido bairro.
No trato da Violência
e Segurança Pública, o CDHMP vinha desenvolvendo atividades na temática
de violência desde 1989, assessorando e acompanhando os caos de violência
policial, formulação de denúncias e promoção de um programa de
desenvolvimento do exercício da cidadania através de seminários e
debates.
Entender a opinião da
população em face da omissão e/ou ação do Estado, também passou a
ser uma das metas. Outro aspecto que complementa a abordagem é a necessária
relação com o Estado como forma de intervir no processo de
planejamento e no controle democrático do Sistema de Justiça e Segurança
Pública. A intervenção como meta, se dará portanto, com critérios
científicos e embasados em diagnósticos efetivados pelo Centro.
A questão da Violência
vem sendo objeto de estudo prioritário pelo MNDH (Movimento Nacional de
Direitos Humanos) em todas as regiões do país. A nível de Nordeste,
criou-se em 1990, por iniciativa das entidades da região em refletir
coletivamente o conteúdo programático do Movimento – a questão da
Violência – o GT (Grupo de Trabalho) “Violência”. Em 1991, o
referido GT, deu lugar à Comissão Contra a Violência que assumiu o
caráter reflexivo da temática da Violência enquanto instância do
Movimento. Outras comissões foram criadas pelo MNDH em várias regiões
do país. As comissões regionais são formadas por representantes dos
Centros de Direitos Humanos de cada Estado. No Nordeste, sediado em
Recife/PE e é formada por 5 (cinco) representantes das seguintes
entidades: Centro Sergipano de Educação Popular/SE; GAJOP – Gabinete
de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – Olinda/PE;
Comissão de Justiça e Paz de Salvador/BA; Sociedade de Assessoria ao
Movimento Popular e Sindical/PB; Centro de Direitos Humanos e Memória
Popular/RN; Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos de
Fortaleza/CE.
Segundo relato da
Comissão Contra a Violência do MNDH,
“O quadro da violência
no Nordeste é dramático, quer no campo, quer nas cidades e é,
certamente um desafio para o Movimento enfrentá-lo, enquanto obstáculo
à consolidação da cidadania nesta região historicamente desprezada
pelo Poder Público. Os índices sociais nordestinos são gritantemente
negativos, repercutindo intensamente no agravamento da violência
institucionalizada contra os segmentos marginalizados da população”.
(MNDH: 1992, 14).
“Trabalhar a questão
da violência para o Movimento Regional é um desafio. É uma caminhada
longa que deve revelar o Regional como uma instância da sociedade a ter
credibilidade, enquanto agente político de interlocução junto ao
Estado. Para isso, é imprescindível que se identifique e se supere
certos entraves existentes. Essa é uma questão importante e necessária
no sentido de levar o Movimento para um processo crucial na sua luta
pelos Direitos Humanos. Enfrentar a violência é sobretudo, encontrar
meios e procedimentos políticos que a controlem democraticamente,
desmistificando-a e colocando-a como um problema público dos nossos
dias, cuja historicidade reside em trabalhá-la na perspectiva dos
interesses da grande maioria da população do campo e da cidade,
construindo-se o espaço democrático de segurança”. (MNDH: 1992,
16).
A decisão do VII
Encontro Nacional de Direitos Humanos, realizado em Brasília/DF, em
janeiro de 1992, veio corroborar com o plano já existente de aprofundar
e sistematizar informações sobre a violência em Natal e
consequentemente criar um banco de dados de notícias publicadas na
imprensa oficial – local – relacionadas com a violência
criminalizada, no intuito de subsidiar estudos e análises a partir da
visualização da violência no estado do RN. Neste, foi referendado
como Eixo de Luta do MNDH, a questão da Violência sendo encarada sob a
ótica da ação e omissão do Estado.
Para dar início ao
processo investigatório, sobre a opinião da população, ou seja, a
forma como é percebido o fenômeno da violência foi feita uma opção
de estratégia de abordagem já adotada em Olinda, pelo GAJOP-PE, isto
é, ao procedimento de pesquisa amostral por bairro. Na pesquisa, tem-se
o interesse não apenas nas opiniões sobre a violência, mas também no
relacionamento destas com as características dos habitantes do bairro.
O bairro “Cidade da
Esperança” tem a característica de ter sido o primeiro no plano de
construção de habitação popular da década de setenta, no governo do
Sr. Aluízio Alves, e contou com o financiamento do convênio MEC-USAID
através da FUNDHAP (Fundação de Habitação Popular). A implementação
do bairro foi gradativa, apresentando setores diferenciados não apenas
pela data de construção como pelo tipo de financiamento.
Oficialmente, o bairro
foi criado pelo Decreto Lei n.º 1643/67, com uma área total de 182,90
ha. A população estimada atual está por volta de 22.000 habitantes.
O bairro situa-se numa
área periférica da cidade do Natal, tendo nos seus limites verdadeiras
favelas que cresceram nos últimos cinco anos e já estão conhecidas
como a favela do “Urubu” – nas proximidades do forno do lixo.
Destaca-se também, o bairro “Cidade Nova”, que surgiu
desodernadamente de um núcleo inicial típico de favelas.
Em termos de
“movimento de bairros, tem-se referência de que a participação da
comunidade vem se expressando através de grupos de jovens, de mães e
do Conselho Comunitário cuja origem antecedeu a instalação do Centro
Social Urbano (CSU) construído na política do governo militar, com
base na divulgada “participação social” – um avanço na
tentativa de trabalhar as associações de bairros como laboratórios
políticos na busca de atrelamento.
O MOLEC surgiu em 1989,
a partir da aglutinação de jovens ligados ao Movimento Cultural
alternativo, existente desde 1983, desempenhando atividades nas áreas
de teatro, música e esporte. A Igreja através da Paróquia de N. Sr.a
da Esperança se articula com o grupo dando apoio em algumas atividades
específicas. A articulação com o CDHMP, vem-se processando através
dos debates, seminários, contatos com lideranças e assessoramento aos
trabalhos de conscientização política. O Grupo de Jovens “Força e
Participação”, é formado como o nome já diz por jovens residentes
no próprio bairro que atuam nas atividades de evangelização
promovidas pela Paróquia de Nossa Senhora da Esperança.
As dificuldades para
efetuar a pesquisa decorreram não apenas por se constituir uma etapa
experimental, como também pelo fato da compreensão política do fenômeno
da violência ser ainda serviço por parte do Estado, como bem
demonstrou depoimentos e omissões na pesquisa.
A estruturação da
pesquisa e o apoio logístico necessário foi de responsabilidade do
CDHMP. A aplicação dos questionários e a tabulação, ficou sob a
responsabilidade do MOLEC com o apoio do Grupo de Jovens “Força e
Participação”. O trabalho de análise foi desenvolvido pelo GT
Contra-Violência do CDHMP com representantes do MOLEC.
2 – Procedimentos Metodológicos
A pesquisa procurou
estratificar a população por sexo e faixa etária, tendo como referência
um zoneamento urbano já utilizado pelo grupo MOLEC e que corresponde a
estrutura física do bairro.
Setor I:
Corresponde ao quarteirão
formado pelas avenidas Rio Grande do Sul à Perimetral Leste e Cap. Mor
Gouveia à Perimetral Sul;
Setor II:
Corresponde ao quarteirão
formado pelas avenidas: Paraíba à Cap. Mor Gouveia e Rua Adolfo Gordo
à Av. Rio Grande do Sul;
Setor III:
Corresponde ao quarteirão
formado pelas avenidas: Rio Grande do Norte à Rio Grande do Sul e da
Av. Paraíba à Perimetral Sul;
Setor IV:
Corresponde ao quarteirão
formado pelas avenidas: Pernambuco à Perimetral Sul e Av. Rio Grande do
Norte à Rua Adolfo Gordo;
Setor V:
Corresponde ao quarteirão
formado pelas avenidas: Adolfo Gordo à Av. Interventor Mário Câmara e
da Av. Cap. Mor Gouveia à Rua Manoel de Castro.
Para o critério de
seleção doa entrevistados, foi tomado como princípio norteador a
necessidade de se diferenciar a opinião dos jovens da dos adultos. Para
isso recorreu-se à estratégia de três questionários em cada rua,
sendo um jovem (independente de sexo, com até 29 anos de idade), um
homem e uma mulher, no total de 165 questionários como demonstra o
quadro 01 – “Metodologia Aplicada”. A escolha das ruas em cada
setor foi feita por sorteio até atingir o total da amostragem.
Realizados esses
procedimentos, o resultado da amostragem se caracteriza nas tabelas 1.1.
O percentual encontrado na categoria jovem abrangeu 32,5% sendo que
17,8% do sexo masculino e 14,7% do sexo feminino. Os 67,5% restantes na
categoria adulto fica representado, para o total do bairro em igual
proporção para homens e mulheres.
O maior percentual de
jovens ficou contemplado nos setores I e III 24,5%, proporção aliás
que se repete para os adultos 22,5%. O Setor I com menor densidade de
jovens 11,3% e de adultos 14,6%.
3 – Caracterização da população do
bairro da Cidade da Esperança
3.1
– Grau de Instrução
o bairro da Cidade da
Esperança, dispõe de uma estrutura de ensino de 1º Grau vinculada ao
poder público no total de 05 (cinco) escolas atendendo a uma clientela
de 5.006 alunos matriculados no ano de 1992. O ensino público do 2º
Grau é oferecido através da Escola Estadual Lauro de Castro, atendendo
a 891 alunos matriculados. Estas escolas atendem a alunos que residem no
próprio bairro da Cidade da Esperança e adjacências. Há outras
escolas de iniciativa privada que dividem a infra-estrutura, na parte
específica de Jardins de Infância e 1º Grau menor (até 4ª série
primária).
A amostragem indica um
alto percentual da população do bairro cursando ou tendo concluído 1º
Grau, 50,8%. No segundo grau, 37,6. Com nível superior, constatou-se,
3;6%.
O maior percentual de
jovens com 1º e 2º graus concluído ou em fase de conclusão, se dá
no setor III, onde aponta para 7,9% do universo entrevistado (com relação
ao total da amostra). Na categoria “adulto”, o setor II, aponta com
maior percentual: 92,0% de entrevistados no setor, encontram-se no 1º e
2º graus. Dos entrevistados, 8,0% afirmaram não terem frequentado a
escola – não foi apreciado nesse item se nessa condição eram
alfabetizados ou não – e todos estavam na categoria “adulto”. O
setor que registrou o maior índice de entrevistados que não
frequentaram a escola, foi o setor V, com 16,7% em relação ao próprio
setor.
3.2
– Situação de Trabalho
a situação de
trabalho dos comunitários da Cidade da Esperança traduz o mesmo perfil
das dimensões das relações sociais de produção existentes nos
bairros periféricos de Natal. Funcionários lotados em serviços públicos
e iniciativa privada, autônomos, biscateiros, donas de casa,
estudantes, desempregados e aposentados apresentam a situação de
trabalho desses comunitários. Com características típicas de um
bairro residencial, Cidade da Esperança presencia apenas uma fábrica
de beneficiamento de castanha. Não há no bairro nenhuma atividade
industrial de médio ou grande porte. No campo comercial, apresentam-se
padarias, movelarias, oficinas de ferreiro, oficinas mecânicas de
autos, mercearias, alguns supermercados, bares, restaurantes e
hospedarias devido ao fluxo de transeuntes que ali trafegam em razão do
Terminal Interestadual e Intermunicipal de passageiros de Natal,
localizado na comunidade.
Pelos dados obtidos a
partir da tabulação, levando em conta as categorias “Jovem e
Adulto”, constatamos que os empregados, entendendo-se como aqueles que
trabalham de forma sistemática dentro das convenções trabalhistas –
funcionários públicos, empregados em formas de empresa privada –
representam 47,3% do total da amostra. Os que identificaram-se como “não
trabalham”, representando 33,4% da amostra, foram classificados pelo
questionário dentre as seguintes “ocupações”: Estudantes e
Donas-de-casa. Consideram-se autônomos – “aqueles que trabalhavam
por conta própria”, 15,8% e 10,8% indicou o percentual de
aposentados. Os que responderam o questionário como
“desempregados”, totalizaram 8,5%.
Na categoria
“Jovem”, constatamos que 12,1% trabalham e 21,1% apenas estudam.
3.3
– Religião
a preferência dos
entrevistados pela religião Protestante – entendendo-se aqui, evangélicos
– ficou em 7,8%. A partir desses dados constatamos a existência de um
tráfego de pessoas de religião protestante locomovendo-se de bairros
vizinhos para a Cidade da Esperança nos dias de culto, ou de outros
eventos religiosos, por possuir esse bairro um grande número de templos
evangélicos.
No setor II, a
categoria jovem, apresentou o maior percentual de preferência pela
religião Católica, 30,8% e a categoria de adulto em 53,8% em relação
ao total do setor.
Ainda por setor, a
maior preferência registrada pela religião protestante se deu nos
setores III e IV, onde ambos apresentaram o mesmo ponto percentual,
12,8% em relação ao total da amostragem do setor. Nesses dois setores,
a categoria adulto predomina com 4,2% em relação a categoria jovem,
1,8% com relação ao total da amostragem.
A opção pelos
Espiritismo ou pela Umbanda, constantes no questionário, não obtiveram
nenhuma opção e 9,0% do total da amostra responderam “não ter
religião”. Todos os setores, com exceção do setor I, fazem limites
com o templo Católico – Igreja de Nossa Senhora da Esperança,
enquanto os templos Protestantes situam-se dentro dos próprios setores
residenciais.
3.4
– Tempo de residência no Bairro
nesse tópico,
procuramos identificar o tempo de residência dos comunitários da
Cidade da Esperança dentro de 04 (quatro) faixas: a primeira, até 05
anos; a segunda, de 06 a 10 anos; a terceira de 11 a 20 anos e a quarta,
com mais de 20 anos. Criado oficialmente em 1967, mas já com algumas
unidades residenciais construídas e inauguradas em 1966, identificamos
a partir dos dados coletados, em relação ao total da amostragem,
Cidade da Esperança é uma comunidade onde 51,0% dos entrevistados
residem a mais de 10 anos, ou seja, na faixa de 11 a 20 anos. Os
residentes com mais de 20 anos totalizaram o índice de 24,2%. Os
residentes até 05 anos, totalizam os 9,07 pontos percentuais.
O setor V possui o
maior percentual de residentes com mais de 20 anos. A maioria dos jovens
entrevistados, encontram-se com tempo de residência com mais de 10
anos, na faixa de 11 a 20 anos.
4 – Dados da
Pesquisa de Opinião dos Moradores do Bairro da Cidade da Esperança
4.1
– Insegurança da Segurança
“Estamos
abandonados. Hoje, dar um passeio à noite se transformou num ato de
perigo, reclamos o aposentado Antônio Sales Neto, 72, (...) Morando
no local há mais de 18 anos, lembra com saudades das noites de insônia
que podia passear pelas ruas escuras e desertas. Se
fizer isso hoje, fatalmente serei assaltado, e como ando sem dinheiro,
com raiva, os marginais poderão até me matar, disse.” (Diário
de Natal, 09.09.1992).
Assaltos,
assassinatos de menores, brigas envolvendo o que os jornais de Natal já
consideram por brigas de gangues e desovas nas imediações do bairro, têm
demonstrado o grau de violência que se acirra na Cidade da Esperança.
O jornal “Tribuna do
Norte” de 01 de outubro de 1992, noticia a morte do estudante Antônio
Marcos Barbosa de Oliveira, de 17 anos:
“GANGUES RIVAIS
BRIGAM E PROVOCAM UMA MORTE
Uma briga entre gangues
rivais na zona oeste de Natal, acabou em morte na Cidade da Esperança.
Poucos momentos após assistir a uma missa, na Igreja do bairro, o
estudante Antônio Marques Barbosa de Oliveira, 17 anos, foi assassinado
com dois tiros nas costas disparados por dois rapazes que ocupavam uma
motocicleta (...). O pai dele, Genival Querino de Oliveira, suboficial
da reserva da Marinha, acredita que o crime tenha sido praticado por
vingança: no sábado à noite, durante um comício, jovens residentes
no denominado “Beco da Vaca”, perderam uma briga para os rivais da
Cidade da Esperança e durante a fuga, teriam prometido ajustar as
contas “um por um” dos “inimigos”. O primeiro foi Antônio”.
(Tribuna do Norte, 01.07.1992).
No mesmo mês outro
menor, Lázaro Francisco da Silva, 16, considerado pela imprensa como
delinquente, foi assassinado com dois golpes de canivete na esquina da
rua Interventor Mário Câmara. (TN, 15.09.1992). Apesar de não ser
residente do bairro (segundo a imprensa, o menor morava no bairro de
Lagoa Nova), as razões do assassinato levam a uma questão de fundo seríssimo,
ou seja, o desenrolar de novas ocorrências dentro de um mesmo prisma de
conflitos interpessoais com destaque na categoria “Jovem” como bem
se depreende do contexto da notícia:
“(...) O mais recente
delito que praticara (Lázaro Francisco da Silva), foi a tentativa de
homicídio contra um rapaz de pouco mais de 20 anos, morador da Cidade
da Esperança. Acompanhado com mais dois colegas, “Nego Lázaro” foi
até o Ginásio de Esportes assistir um jogo de futebol infantil. Ao
serem vistos por outra gangue de rapazes, foram cercados e para
conseguir fugir Lázaro sacou de um revólver calibre 38, que costuma
carregar na cintura, sob a camisa e acertou o jovem Ubiratan Viena de
Melo, líder dos inimigos que foi socorrido para o hospital e não
morreu.” (TN 15.09.1992).
a Cidade da Esperança
dispõe de um Distrito Policial – o 8º Distrito e a 2ª Companhia de
Polícia Militar. Segundo o Diário de Natal, na matéria “Insegurança
toma conta da Cidade da Esperança”, tem-se a referência da morte de
um outro jovem e das condições de funcionamento destes órgãos:
“(...) No início do
mês, a morte de um jovem de 17 anos, assassinado na boate Ciclone,
motivou um grupo de moradores a procurar o Secretário de Segurança e
Justiça, Manoel de Medeiros Brito, cobrando providências. Apesar da 2ª
Companhia Militar estar localizada no bairro, não vem funcionando e a
Delegacia de Polícia só faz receber queixas”. (DN 09.09.1992).
Os dados da pesquisa
revelam um percentual de 66,7% que afirmam ter pouca segurança e 27,3%
afirmam que não dispõem de nenhuma. Um alto índice de insegurança
portanto, que se reproduz nos adultos e nos jovens. É uma população
ameaçada pela violência e declara-se insegura. É uma situação
social onde o medo, a passividade e a insegurança torna-se explícita
no cotidiano popular da comunidade.
Ao serem questionados
se já foram vítimas de algum ato de violência a maioria, 84,3%
responderam que não. Enquanto que 14,5%, confirmaram já terem sido vítimas.
Nesse item, por problemas metodológicos, não apuramos as várias
respostas de que foram vítimas. Contemplamos a resposta mais imediata,
sem enfocar a violência institucionalizada. Poderíamos até afirmar
como provável explicação que a violência no cotidiano das relações
interpessoais estão ainda cheias de vícios distantes de um conceito
mais digno de cidadania e que é distante ainda de uma dimensão mais
política do fenômeno que extrapole a esfera do medo.
Mesmo com essa informação,
79,4% dos entrevistados opinaram confirmando a existência de bandidos
agindo livremente no bairro, deixando no cotidiano real dos comunitários
a sensação de medo quando 66,7% da população responderam que vivem
com pouca segurança. Esse número confirma o clima de impunidade
existente no bairro. Mesmo sediado no próprio bairro um Distrito
Policial (8ª DP) e também a 2ª Companhia de Polícia Militar, a
população assume-se insegura e afirma ainda a má eficiência desses
órgãos.
Questionados sobre o
tipo de violência mais frequente na comunidade, 55,2% dos comunitários
apontaram como sendo assalto/roubo, seguindo em 2º lugar a violência
no trânsito em 15,2% e brigas de rua em 3º lugar, com 14,0%.
Embora sem ter sido
dado, no questionário, um significado específico para o termo
“bandido” foi utilizado o sentido que perpassa no senso comum, ou
seja, “qualquer agente de violência no âmbito dos conflitos
interpessoais (assalto, roubo, furto, homicídio)”. Fica portanto
excluído, a ação dos agentes de Violência que possam pertencer aos
órgãos do Sistema de Justiça e Segurança Pública.
4.2
– Atuação dos Órgãos de Segurança Pública
A partir dos dados
coletados, o julgamento dos órgãos de Segurança, se deteve na atuação
das Polícias, por ser este, o órgão mais visualizado na prestação
de serviços no âmbito da Justiça e Segurança Pública.
Do universo coletado, a
maioria 63,0% não confia a atuação da Polícia. Este dado é conseq
uência das relações conflituosas envolvendo a população e
seus Agentes de Segurança. Esses conflitos derivam-se das práticas
arbitrárias, uma constante na atuação policial, gerando um
“autoritarismo nas relações sociais, pessoais e públicas”. “...
São muito violentos e não sabem trabalhar”, “Não dá segurança
alguma”, “... São iguais aos marginais”. Estas são algumas das
opiniões que demonstram no combate à criminalidade. Suas práticas são
igualadas às dos “bandidos” – “... A polícia é marginal e faz
parte da corrupção, pois abusa do poder que tem”.
Dos entrevistados,
85,4% discordam da atuação da Polícia de invadir casas em busca de
informações e 92,7% opinaram serem contra o espancamento de pessoas em
busca de informações. Quanto ao fato de prender pessoas por não
portarem documento, 72,1% possicionaram-se contra essa prática.
Os 31,0% dos
entrevistados que confiam na Polícia, justificaram suas respostas
afirmando que “... acaba com as desordens” e que “já teve algum
problema que foi resolvido através da intervenção da Polícia”.
Tratando-se da atuação
da Polícia Civil, detentora de uma função Judiciária no processo
investigatório, a maioria dos entrevistados, 31,0% opinaram sua atuação
como sendo “regular”, enquanto que 44,2% “desconhecem sua atuação”.
Com relação a Polícia
Militar, detentora de uma ação mais ostensiva e “agindo na rua”,
34,0% dos entrevistados opinaram como sendo sua atuação “regular”,
enquanto que 32,1% “desconhecem sua atuação”.
Consequência dessa
relação conflituosa é que 80,6% dos entrevistados não procuram a
delegacia do bairro para possíveis soluções de problemas ligados à
segurança. Dos 19,4% que procuraram a delegacia do bairro, 12,7% foram
bem atendidos, mas não afirmaram sobre o resultado de suas
expectativas.
Quando indagamos a
responderem sobre o que fazer para combater a violência, surgiram
algumas respostas enfocando o aspecto social, econômico e político.
Foram as seguintes: “... Seria aumentar a oferta de emprego” e
“... Dar maior atenção a vida social e educacional da pessoa”.
Com relação aos
agentes de Segurança do Estado, , os entrevistados privilegiaram na Polícia,
o alvo das opiniões. Aponta para uma “mudança de mentalidade dos
policiais”. Defendem mais autoridade para o policial. Para combater o
alto grau de criminalidade, defendem “aumentar o número de policiais
nas ruas”. Quanto a infra-estrutura dos prédios, consideram
“pouco” o número de Delegacias existentes e sugerem “aumentar o número
delas” e ainda “... ampliar a penitenciária”. Quanto aos
instrumentos de trabalho utilizados no combate à criminalidade
“defendem aumentar o armamento dos policiais”.
Entretanto, percebe-se
que há uma grande tendência da população para opiniões que
convergem para o aumento da quantidade do efetivo policial como forma de
melhorar sua eficiência mesmo quando 63,0% dos entrevistados, mais da
metade, não confia na “Instituição Policial”.
Quanto às CAUSAS
APONTADAS COMO RAZÃO QUE LEVA AO CRIME, “Pobreza/Desemprego” foi a
opção apontada por 49,0% dos entrevistados. Em segundo lugar ficaram
“as drogas” com 14,0%. A preocupação com as condições sociais e
econômicas básicas, traduzidas nas respostas às entrevistas, indica
que para combater a violência e a criminalidade, tem que apoiar-se numa
visão mais complexa e mais profunda de como vive a maioria do povo
brasileiro.
Perguntados se o
GOVERNO ESTÁ RESOLVENDO O PROBLEMA DA CRIMINALIDADE, 91,0% dos
entrevistados responderam que não.
4.4
– Esquadrão da Morte
Em Natal, a ação do
Esquadrão da Morte não se dá de forma explícita. Os homicídios
registrados, não assumem características o suficiente para serem
atribuídos a esse tipo de crime organizado. O que existe são alguns
grupos organizados de pistoleiros que atuam no assalto e no roubo de
automóveis com mais frequência na região Oeste do Estado. Na capital,
a ação de forma ainda muito esporádica relacionada determinadas
desovas, com características semelhantes, são atribuídas a “imagem
do justiceiro”, conhecido como “Mão Branca”.
Mesmo 48,5% dos
entrevistados terem opinado contra a “Pena de Morte”, a maioria dos
comunitários da Cidade da Esperança, 63,0% discordam da atuação do
Esquadrão da Morte. Alguns justificam afirmando sua preocupação com o
“livre arbítrio que pode matar inocentes”. Matando só culpados,
teria assim a legitimidade necessária. Outros responderam identificando
no “Esquadrão”, um aparato a serviço de uma classe contra outra
– “... é só para matar os pobres”. Há os que reconhecem que
“não é a forma mais correta de combate a criminalidade” e ainda
atribuem a “Justiça a responsabilidade de julgar” – “... deve
pagar de acordo com a Justiça... afinal, violência gera violência”.
Os que justificam sua ação,
34,4% reconhecem no “Esquadrão”, “... um tranquilizador da população
e combatente do crime”. Uns recorrem a Lei do Talião: dente por
dente, olho por olho – “... devem matar esses bandidos para pagar
pelo que fazem”. Outros atribuem a solução, da superpopulação
carcerária – “... Não há cadeia para abrigar toda população
carcerária, por isso bandido tem que morrer”. Diante da preocupação
com um grande número de bandidos agindo e aumentando a violência,
“... somente matando para que a violência e a quantidade de crime
diminua”. A legitimidade por parte da população da ação dos
“Justiceiros e o do Esquadrão da Morte”, tornam-se mais perceptíveis
quando esses só matam apenas criminosos”.
4.5
– A Esfera Judiciária
A maioria dos
entrevistados, 45,4% confia na Justiça, justificando sua opinião
afirmando que através dela, já foi resolvido algum problema na família.
Os 40,6% que não confia, afirma que na Justiça “quem manda é o
dinheiro”. É um órgão de classe, – “... está voltada para as
classes mais sociais, mais altas”, “... Está ao lado dos ricos”.
“... É excludente” – Responderam os comunitários. Para outros,
“é falha pois nem sempre ela comete Justiça”. Há ainda aqueles
que sentem-se distantes e afirmam o desconhecimento de sua existência:
“... desconheço sua existência”. Consequência desses fatores é
que 78,0% dos entrevistados não procurou a Justiça para possíveis
soluções de problemas a ela relacionada.
5.0 - Conclusão
numa visão global,
construiu-se ao longo de um ano, um diagnóstico sobre a realidade sócio-política
e econômica do bairro da Cidade da Esperança, dando destaque para a
questão da percepção dos comunitários sobre a “Violência e a
Criminalidade”.
Constatamos que
trata-se de uma comunidade insegura, permeada de acontecimentos
violentos como os já citados nesse trabalho: briga de gangues,
assaltos, violência no trânsito.
No que diz respeito ao
combate à criminalidade, percebe-se a fragilidade do Estado e sua
fragilidade no trato da Política de Justiça e Segurança Pública.
Essa por sua vez, interfere profundamente nas explosões de natureza
emocional da população. Embora não confiando na Polícia, acreditam
ser esta a responsável mais visível pelo combate à criminalidade.
O interesse maior agora
está, a partir desse diagnóstico, continuar as atividades na
comunidade das Cidade da Criança, partindo do desenvolvimento de um
programa de formação da construção da cidadania, tendo como enfoque
privilegiado, a questão da Segurança Pública, que apontará para
intervenções concernentes à reivindicações do papel do Estado no
trato da Política de Segurança Pública.
6.0 – Documentos de Apoio
Jornais Locais:
-
Tribuna do Norte (dias 10.05.92; 01.07.92; 15.09.92 e 01.10.92)
-
Diário de Natal (dia 09.09.92)
Textos:
-
Coleção Oxente – Regional NE – MNDH
Ano
I -
N.º 01 - Setembro
de 1992.
CDHMP
– Natal/RN
Diretoria:
ROBERTO
DE OLIVEIRA MONTE – Presidente
ELIAS
CABRAL MACIEL – Vice-presidente
JANILSON
SIQUEIRA – Secretário
MARIA
DAS GRAÇAS SILVA – Tesoureira
GRUPO
DE TRABALHO DE PESQUISA
CDHMP
GT Contra Violência
Mário Sérgio Lima
Correia
Luiz Gonzaga Dantas
Ana Amélia N.
Fernandes (colaboração especial)
MOLEC
Maria Amélia de Lima
Freire
José Cláudio Galvão
Tarcísio Garcia
Pereira
José Robson Bezerra
Fátima Maria de
Oliveira
Heronilza Ferreira do
Nascimento
FORÇA E PARTICIPAÇÃO
Paulo Oliveira de Tasso
Miriam Costa
Ana Catarina do
Nascimento
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