Encontro
de Educadores em Direitos Humanos – 1997
Apresentação
A Rede Brasileira de
Educação em Direitos Humanos, fundada em abril de 1995, é uma
entidade civil sem fins lucrativos e sem qualquer vínculos político-partidários
ou religiosos, cuja finalidade consiste em agregar e promover o intercâmbio
entre entidades voltadas para a educação em direitos humanos, através
dos meios já tradicionais, com congressos, seminários e publicações,
aos quais se acrescentam os recursos dos mais recentes meios de comunicação.
Atualmente a Rede
congrega várias organizações não-governamentais em diferentes
estados do Brasil e está associada à Rede Latino-Americana de Educação
em Direitos Humanos, com sede na Colômbia.
Em maio de 1997 a
Rede organizou o 1º Congresso de Educação em Direitos Humanos e
Cidadania na Faculdade de Direito da USP em São Paulo, o qual contou
com a participação de representantes de 13estados brasileiros, além
de conferencistas de outros países, destacando-se, de um total de 1200
inscritos, um grande número de educadores das redes pública e privada.
A avaliação deste evento, sob vários aspectos extremamente positiva,
propiciou uma nova reflexão pelos membros da coordenação, no sentido
da necessidade de uma definição mais clara sobre os princípios,
objetivos e métodos da Rede.
Como parte desta
avaliação, a direção da REDE enviou um questionário aberto para 51
entidades que haviam participado do Congresso Brasileiro de Educação e
cidadania, visando conhecer o grau e o tipo de compreensão sobre a temática,
assim como a expectativa institucionária em relação à Rede e às
perspectivas de intercâmbio e trabalhos conjuntos.
A leitura dos
questionários revelou aspectos relevantes para nosso próprio
conhecimento sobre dúvidas, as ambigüidades e os problemas de cunho
metodológico explicitados pelos militantes ou interessados no campo da
Educação em Direitos Humanos. Tais respostas foram sistematizadas e
serviram de base para uma reflexão conjunta, no sentido de garantir
maior participação no debate.
A primeira conseqüência
dessa reflexão foi a organização de um Encontro de Educadores em
Direitos Humanos em São Paulo, no mês de novembro de 1997, com a
finalidade de discutir e elaborar um documento que contivesse os
principais pontos de consenso em torno de princípios, conceito,
embasamento histórico e teórico sobre a temática, além de uma
primeira abordagem sobre os referenciais metodológicos para a capacitação
de docentes. O Encontro reuniu 23 pessoas, representando as seguintes
entidades:
ß
Rede Brasileira de educação em Direitos Humanos e cidadania – São
Paulo/SP
ß
Centro de defesa dos Direitos Humanos do Espírito Santo/ES
ß
Rede de Telemática Direitos Humanos e Cultura – Natal/RN
ß
P. M. – Recife/PE
ß
Fundação Clemente Mariani – Salvador/BA
ß
Movimento dos Direitos Humanos – Ijuí/RS
ß
Centro de defesa dos Direitos Humanos do Ceará - Fortaleza/CE
ß
Projeto Novamérica – Rio de Janeiro/RJ
ß
GAJOP – Recife/PE
ß
Movimento dos Direitos Humanos – Porto Alegre/RS
ß
Universidade da Paraíba – Conselho dos Direitos Humanos – João
Pessoa/PB
ß
Rede Estadual dos Direitos Humanos – Recife/PE
ß
N. T. C. – Núcleo de Trabalho Comunitário – PUC – São Paulo/SP
ß
Comissão Justiça e Paz de São Paulo – São Paulo/SP
A partir de um texto
base preparado pela professora Mª Victoria Benevides, lido por todos e
discutido em grupos, chegou-se à redação final do documento a seguir.
1.
Introdução:
A educação em
Direitos Humanos – profundamente ligada à educação para a cidadania
– já é uma realidade em vários países da América do Sul e da
Europa. A criação de Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos
certamente foi motivada pelo acúmulo de experiências em vários
estados do país, com o desenvolvimento de cursos e projetos de formação
de professores. O Programa Nacional de Direitos Humanos, sob a
responsabilidade da Presidência da República (1996), assim como o
Programa da Secretaria de Justiça do Estado do São Paulo (1997), são
iniciativas positivas e incentivadoras. Na Universidade de São Paulo
foi criada a Cátedra UNESCO de Educação para a Paz, Direitos Humanos,
democracia e Tolerância. Esta Cátedra (a primeira em língua
portuguesa) está apoiando, já desde o primeiro semestre de 1997, um
curso regular para os alunos de licenciatura, sob responsabilidade da
Faculdade de Educação.
No plano
internacional, vale lembrar que o artigo 13 do Pacto Internacional das
Nações Unidas, relativo aos direitos econômico, sociais e culturais
(1966), reconhece não apenas o direito de todas as pessoas à educação,
mas que esta deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade
humana, na sua dignidade; deve fortalecer o respeito pelos Direitos
Humanos e as liberdades fundamentais; deve capacitar todas as pessoas a
participarem efetivamente de uma sociedade livre.
No Brasil, apesar da
tragédia quotidiana da violência, da discriminação e da opressão,
sobretudo sobre os mais fracos – tanto por parte da criminalidade
comum, quanto por parte do próprio Estado, através de seus órgãos
policiais – é mister reconhecer que, nos últimos anos, tem havido um
avanço considerável na luta dos Direitos Humanos de todos, e não
apenas de uma minoria privilegiada. Isto significa maior conscientização
das violações a tais direitos, maior compreensão do que seja
cidadania democrática e o preconceito da “igualdade de todos em
direitos e dignidade”, maior viabilidade nos meios de comunicação,
maior interesse de certas autoridades em enfrentar a questão, em seus vários
níveis de responsabilidade. Pensando no fortalecimento dessa luta, a
Rede considera importante a divulgação e a conseqüente discussão
deste documento.
2.
Direitos Humanos,
Democracia e Educação:
A violação sistemática
de direitos humanos em nosso país, em todas as áreas, é incompatível
com qualquer projeto de desenvolvimento nacional e de cidadania democrática.
Direitos Humanos são aqueles direitos comuns a todos os seres humanos,
sem distinção alguma de raça, etnia, nacionalidade, sexo, classe
social, religião, opção política, nível de instrução, orientação
sexual e julgamento moral. Decorrem do conhecimento da dignidade intrínseca
a todo ser humano e, embora incluam direitos do cidadão, os Direitos
Humanos extrapolam as condições legais e as fronteiras, as quais
definem a cidadania e a nacionalidade. A ausência da cidadania jurídica
plena, por exemplo, não implica na ausência de direitos humanos.
A discussão sobre
os meios adequados para a defesa e promoção dos direitos humanos
requer – especialmente num país como o nosso – a consciência clara
sobre o papel da educação para a construção de uma sociedade baseada
na justiça social. Educação que, como diria Paulo Freire, é a própria
prática da liberdade.
Entendemos por
Democracia o regime político fundado na soberania popular e no respeito
integral aos direitos humanos. Esta breve definição tem a vantagem de
agregar democracia política e democracia social, ou seja, as liberdades
individuais e os direitos políticos (democracia política nos moldes do
liberalismo) acrescidos dos direitos sociais, exigidos pelas conquistas
históricas do movimento operário e garantidos no Estado do Bem Estar.
O regime democrático é essencial para o reconhecimento e a garantia
concreta dos direitos humanos. E educação é aqui entendida,
basicamente, como a formação do ser humano para desenvolver suas
potencialidades de conhecimento, julgamento e escolha para viver
conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de que o
processo educacional, em si, contribui tanto para conservar quanto para
mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.
Quais as principais
características dos Direitos Humanos?
Direitos Humanos são
históricos (mudaram no tempo e permanecem dinâmicos, em função de
determinadas conjunturas e conquistas históricas, como por exemplo, a
abolição da escravidão ou o reconhecimento dos direitos das
mulheres); são naturais (essenciais à pessoa humana, mesmo na ausência
de legislação específica); são indivisíveis e interdependentes (não
se pode defender apenas os direitos individuais, excluindo os sociais, e
vice-versa, assim como não se pode defender apenas um ou alguns dos
direitos em detrimento dos outros); são reclamáveis (diante do Estado
ou contra instância pública); são universais, pois independem das
fronteiras e leis nacionais para serem reclamados, promovidos,
defendidos e garantidos.
Na tradição
ocidental são bem conhecidas as origens clássicas da democracia, da
cidadania e do direito, no esplendor da polis grega e das cidades-estado
romanas (os romanos traduziram polis por civitas, daí vieram nossos vocábulos
cidade, cidadão, cidadania). Devido ao caráter elitista da idéia
democrática, apenas os homens livres participavam da vida pública e
eram, em conseqüência, considerados cidadãos. Trata-se de uma fase
exclusivamente política da democracia, na qual era negligenciada a
liberdade individual na vida privada. Estavam excluídos da cidadania as
mulheres, os estrangeiros, os comerciantes, os artesãos (estes dois
grupos por não terem, supostamente, o tempo livre necessário para as
tarefas públicas) e, evidentemente, os escravos.
A Segunda fase histórica,
já na Idade Média, pode ser entendida como uma reação
individualista, a partir da Revolução Inglesa (século 17 em diante) e
das revoluções burguesas do século 18. As conquistas da Revolução
Americana e da Revolução Francesa mudaram o mundo ocidental, com uma
nova visão dos direitos do indivíduo e do cidadão. A terceira fase, a
atual, corresponde ao reconhecimento da nova cidadania como conjunto de
deveres e direitos – individuais, sociais, econômicos, políticos e
culturais, pressupondo a vigência de um Estado democrático de Direito.
Essa nova cidadania implica na efetiva participação e num processo de
co-responsabilidade na vida pública., assim como na reivindicação de
uma solidariedade planetária, no que diz respeito aos direitos dos
povos, à partilha do patrimônio cultural, científico e tecnológico
de humanidade, à defesa mundial do meio-ambiente.
O legado da Revolução
Francesa é especialmente importante pelo poder simbólico do
reconhecimento de três valores fundamentais: a liberdade, a igualdade e
a fraternidade.
O primeiro valor
corresponde aos direitos e garantias para o exercício das liberdades
individuais ou coletivas. Tendo como pressuposto óbvio, o fundamento de
todos os demais direitos, direito à vida. Inclui os direitos à
integridade física e psíquica, bem como os direitos e liberdades
concretas para a expressão do pensamento, do culto religioso, do lazer
e de prazer etc.
O valor da igualdade
social corresponde, mais do que igualdade de oportunidades (já prevista
no ideário liberal clássico), ao reconhecimento da igualdade em
dignidade, o que, concretamente, significa reconhecer os direitos
indispensáveis à vida com dignidade, e não apenas à sobrevivência,
ou seja, a garantia de direitos em relação às necessidades básicas
como saúde, educação, habitação, trabalho e salário justo, acesso
à cultura e ao lazer, seguridade e previdência, acesso à justiça. O
valor da solidariedade, que os franceses chamaram de fraternidade,
corresponde à exigência de participação na vida política pública e
de responsabilidade, partilhada por todos, em relação ao bem comum e,
em conseqüência, em relação aos mais carentes e desprotegidos, aos
perseguidos, aos injustiçados, aos discriminados de toda sorte.
Se o valor da
liberdade é razoalvemente bem percebido o mesmo não ocorre com o valor
da igualdade. É evidente que não se supõe a igualdade como
“uniformidade” de todos os seres humanos – com suas óbvias
diferenças de raça, etnia, sexo, ocupação, talentos específicos,
religião e opção política, diferenças de “cultura” no sentido
mais amplo. O contrário da igualdade não é a diferença, mas a
desigualdade, que é socialmente construída, sobretudo numa sociedade tão
marcada pela exploração classista. É preciso ter claro que a
igualdade convive com diferenças – mas estas não são reconhecidas
como desigualdades, isto é, não pode existir uma valorização de
inferior/superior nesta distinção. Em outras palavras, se a diferença
pode ser enriquecedora, a desigualdade pode ser um crime.
É conhecida a relação
muitas vezes vista como dilemática entre igualdade e liberdade. Ora, os
direitos civis e políticos exigem que todos gozem da mesma liberdade,
mas são os direitos sociais que garantirão a redução das
desigualdades de origem, para que a falta de igualdade não acabe
gerando, justamente, a falta de liberdade.
A igualdade democrática
pressupõe: a igualdade diante da lei, isto é, o pressuposto da aplicação
concreta da lei, quer proteja, quer puna, igualmente para todos; a
igualdade do uso da palavras, ou da participação política; a
igualdade de condições sócio-econômicas básicas para garantir a
dignidade humana. Esta terceira igualdade não configura um pressuposto,
mas meios de leis, mas pela correta implementação de políticas públicas,
de programas de ação do Estado. A educação pública, gratuita e de
boa qualidade, é um exemplo.
É necessário
reconhecer que, no Brasil, sempre tivemos a supremacia dos direitos políticos
sobre os direitos sociais. Criamos o sufrágio universal – o que é,
evidentemente, uma conquista – mas, com ele, criou-se também a ilusão
do respeito pelo cidadão. A realização regular e relativamente livre
de eleições convive com o esmagamento da dignidade da pessoa humana,
em todas as suas dimensões.
A ênfase em nossa
atroz estatística de violações de direitos não deve obscurecer
certos avanços. Assim, por exemplo, é importante lembrar que a
Constituição vigente foi promulgada após ampla participação popular
(doze milhões de assinaturas para emendas populares) e sob a égide do
respeito aos direitos humanos e do cidadãos, cujo capítulo é o mais
abrangente de nossa história constitucional.
Uma sociedade livre,
tal como a desejamos para nosso país, requer uma política democrática
de educação, com amplo apoio da sociedade, bem como a superação de
valores autoritários e elitistas que persistem em nossa cultura política
. para a consolidação da cidadania democrático torna-se indispensável
a garantia do acesso à educação para todos.
É evidente que,
neste contexto, avulta a importância da educação em direitos humanos
e para a cidadania democrática. Fala-se tanto no tema, sob orientação
tão diversas, que torna-se necessário esclarecer o que, na perspectiva
aqui adotada, se entende por essa educação.
3.
Educação em Direitos
Humanos e Cidadania
Três dimensões são
indispensáveis e interdependentes para o desenvolvimento da educação
em direitos humanos e para a cidadania democrática:
1.
a dimensão intelectual e a informação. Para formar o cidadão
é preciso começar por informá-lo e introduzi-lo às diferentes áreas
do conhecimento. A falta de insuficiência de informação reforça as
desigualdades, fomenta injustiças e pode levar a uma verdadeira segregação.
No Brasil, aquele que não tem acesso ao ensino, à informação e às
diversas expressões da cultura lato sensu, são, justamente, os mais
marginalizados e excluídos”.
2.
a dimensão ética, vinculada a uma didática dos valores
republicanos e democráticos, que não se aprendem intelectualmente
apenas, mas especialmente através da consciência ética, formada tanto
por sentimentos quanto pela razão; fruto da conquista de corações e
mentes.
3.
a dimensão política, desde a escola primária, no sentido de
enraizar hábitos de tolerância diante do diferente ou divergente,
assim como o aprendizado da cooperação ativa e de subordinação do
interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum.
Quanto ao conteúdo,
a educação em direitos humanos e cidadania consiste no desenvolvimento
dos valores republicanos e dos valores democráticos.
Por valores
republicanos entendem-se:
a.
O respeito às leis, legitimadas pela aprovação soberana do
povo e acima das vontades particulares; o desprestígio das leis, em
nosso país, já se tornou uma banalidade: ou a lei é instrumentalizada
(“para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”) ou a lei só é
respeitada porque temida pela probabilidade e severidade da sanção.
b.
O respeito ao bem público, acima do interesse privado. Em nosso
país, o desrespeito pela coisa pública ou bem comum, é tradicional; o
interesse particular e doméstico é muitas vezes tido como superior ao
interesse coletivo. O grande domínio rural escravagista e o clã
patriarcal moldaram nossos costumes, para a privatização até o poder
público, durante séculos.
c.
O sentido da responsabilidade no exercício do poder, inclusive o
poder implícito na ação dos educadores, sejam professores, sejam
gestores do ensino. Em nosso país, temos vários exemplos do “reino
da irresponsabilidade”, pela inconsciência dos males coletivos que
resultam do descumprimento dos deveres próprios de cada um, nas
diferentes esferas de atuação do cidadão.
Por valores democráticos
entendem-se:
a.
O amor à igualdade e conseqüente horror aos privilégios. Em
nosso país, tão marcado por desigualdades e desequilíbrios de toda
sorte, predomina também o culto à desigualdade cívica, a realidade de
vários “tipos” de cidadão. Há uma desigualdade cívica em relação
ao acesso à justiça, por exemplo, quando esta é “prestada” de
acordo com a classe social, sexo, raça, tanto para punir quanto para
proteger. Só no Brasil existe, por exemplo, uma legislação penal
diferenciada em termos de escolaridade do réu – a “prisão
especial” para portadores de diploma de curso superior. Há,
evidentemente, a desigualdade pela discriminação em relação às
atividades consideradas “menores”, como o trabalho manual. Há,
enfim, todo tipo de desigualdade reforçada pelo péssimo atendimento
dos poderes públicos às camadas mais carentes da sociedade – as que
menos têm voz – no tocante aos serviços essenciais com: educação,
saúde, habitação, saneamento, transporte etc.
b.
A aceitação da vontade da maioria legitimamente formada,
decorrente de eleições ou de outro processo democrático, porém com
constante respeito aos direitos das minorias. Num país como o nosso, as
grandes maiorias – do ponto de vista sócio-econômico – permanecem
alijadas da participação política, apesar de votarem nas eleições.
O desafio democrático para a construção da cidadania é, justamente,
a transformação dessa maioria social em maioria política.
c.
Em conseqüência dos tópicos acima, configura-se como
conclusivo o respeito integral aos Direitos Humanos.
Adotar o compromisso
pedagógica com o desenvolvimento desses valores significa trabalhar com
perspectiva de mudar mentalidades, um trabalho permanente. Apesar de o
educador em direitos humanos não poder contar com retornos imediatos, o
trabalho sistemático na formação dos próprios educadores, tem as
seguintes orientações básicas:
. a
interdisciplinariedade: não se pretende “uma nova disciplina”, mas
uma formação abrangente;
. a compreensão da
íntima relação entre direitos humanos e formas de participação no
trabalho da escola: colaboração, respeito, pluralismo,
responsabilidade, prestação de contas;
. a constatação de
presença ou ausência, de defesa ou de violação de quaisquer direitos
no cotidiano escolar;
. a realidade social
econômico, política e cultural do meio, como referencial básico;
. a compreensão
efetiva da integralidade e indivisibilidade dos direitos fundamentais,
sem pretexto histórico, seu caráter público e reclamável.
A escola como
instituição para o ensino – a educação formal – pode ser um
locus excelente para a educação em direitos humanos. Mas existem
outros espaços para a educação – seja o espaço institucional dos
partidos, das associações profissionais ou dos sindicatos, seja o espaço
dos movimentos sociais e populares, das diversas organizações não-governamentais
atuando na sociedade civil.
É sabido que
existe, no sistema de ensino brasileiro, um “espaço” para a educação
do cidadão – na maioria das vezes como mero ornamento retórico ou,
então, confundida com civismo. Além disso, a “educação para a
cidadania”, presente como objetivo precípuo em todos os programas
oficiais das secretarias, não significa, necessariamente, compromisso
explícito dos diversos governantes nem adesão dos dirigentes
escolares.
Em resumo, esta
educação é um processo dialético que, numa primeira dimensão,
consiste na formação do cidadão para viver os grandes valores
republicanos e democráticos – de certo modo identificados com a tríade
da Revolução Francesa e com as gerações de direitos humanos (do século
18 ao 20), que englobam as liberdades civis, os direitos sociais e os de
solidariedade dita “planetária”. A educação como formação e
consolidação de tais valores torna o ser humano ao mesmo tempo mais
consciente de sua dignidade e da de seus semelhantes – o que garante o
valor da solidariedade – assim como mais apto para exercer a sua
soberania enquanto cidadão.
Ao discutir os
valores democráticos é importante destacar o valor da solidariedade. A
liberdade e a igualdade estão, como se vê, estreitamente ligadas à
tolerância. Mas esta pode permanecer como uma virtude passiva, ou seja,
como mera aceitação da alteridade e das diferenças, mesmo que seja
uma aceitação crítica. A solidariedade é, em si mesma, uma virtude
ativa – por isso muito mais difícil de ser executada -, pois exige
uma ação positiva para o enfrentamento das desigualdades entre os
cidadãos. Não basta educar para a tolerância e para a liberdade, sem
o forte vínculo estabelecido entre igualdade e solidariedade. Esta
implicará no despertar dos sentimentos de indignação e revolta contra
a injustiça e, como proposta pedagógica, deverá impulsionar a
criatividade das iniciativas tendentes a suprimi-la, bem como levar ao
aprendizado da tomada de decisões em função de prioridades sociais.
O principal paradoxo
da democracia persiste: ela não existe sem uma educação apropriada do
povo para fazê-la funcionar, ou seja, sem a formação de cidadãos
democráticos. E a formação de cidadãos democráticos supõe a
preexistência destes como educadores do povo, tanto no Estado quanto na
sociedade civil. Quem educa os educadores? As duas coisas andam juntas,
pois a formação de educadores se dará concomitantemente ao
desenvolvimento das práticas democráticas, a começar pela própria prática
dos educadores, na escola e fora dela.
Concluindo, a educação
em direitos humanos é um processo complexo e, necessariamente, lento.
Aliás, assim foi e ainda é nos países que já tem consolidadas práticas
de cidadania ativa; e, neles, o processo de criação democrática
continua.
4.
Capacitação de Educadores em Direitos Humanos e cidadania
4.1. Fundamentos
Metodológicos
A educação em
direitos humanos e cidadania, ao pretender influir nas mentalidades e
nos comportamentos, deve possibilitar aos indivíduos a consciência dos
seus direitos e deveres, através da reflexão sobre as diferentes práticas
sociais e da explicação histórica dessas práticas para elaboração
de propostas de mudanças. Um Programa de Capacitação de Educadores
nesta temática tem, como pressuposto, que a capacitação é um
processo – sistemático, contínuo e permanente – de construção de
novos saberes, e que busca no cotidiano dessas práticas o seu conteúdo
inicial de análise, ampliando-o a partir de conhecimentos
historicamente acumulados de forma a ultrapassar o senso comum. Neste
sentido, é também através do conhecimento teórico que o educador em
direitos humanos e cidadania poderá explicitar o real e oferecer ao
aluno – sujeito do seu processo de aprendizagem, condições e
instrumental para intervir na realidade.
Esse processo é o
que Woods (1995) chama de prática reflexiva, pois requer a formação
do educador criativo, como aquele que possibilita ao aluno a inovação
e a introdução do novo. O ato criativo traz mudança, mas para que
este processo aconteça é importante o educador estar sintonizado
culturalmente com o contexto sócio-político dos seus alunos e das suas
famílias, para que possa estabelecer relações com o processo de
elaboração do conhecimento de forma inovadora e motivadora. Isto
requer, portanto, um constante olhar sobre a sua prática de educador
enquanto sujeito social e sobre o resultado desta na perspectiva da ação
reflexiva.
Assim, uma Proposta
Metodológica nesta direção deve levar em conta alguns eixos
norteadores, conforme enunciados por Vera Candau et alli (1995):
1 – A vida
cotidianos como referência da ação educativa. Isto requer a
capacidade de interrogar-se sobre o sentido dos acontecimentos que cada
dia impactam nosso tecido vital e nossas consciências. Se se pretende
transformar a realidade, é necessário compreender o cotidiano em toda
a sua complexidade. É uma trama diária de relações, emoções,
perguntas, socialização e produção do conhecimento que se cria e
recria continuamente nessa existência.
2 – Uma educação
política enquanto prática de cidadania ativa requer formar sujeitos
sociais ativos, protagonistas, atores sociais capazes de viver no dia a
dia, nos distintos espaços sociais, uma cidadania consciente, crítica
e militante.
3 – A prática
educativa dialógica, participativa e democrática, no sentido de
superar uma cultura autoritária, presente nas diferentes relações
sociais. O diálogo deve ser o eixo norteador dessa prática e as decisões
individuais devem dar lugar às decisões coletivas, em que todos os
indivíduos sejam agentes ativos e construtores do seu conhecimento.
4 – Compromisso
com uma sociedade que tenha por base a afirmação da dignidade de toda
pessoa humana. O direito a uma vida digna e a ter razões para viver
deve ser defendido por qualquer pessoa, independentemente de qualquer
distinção discriminadora. Este eixo exige um compromisso contínuo com
princípios éticos e práticos que garantam a afirmação e a defesa da
política humana.
4.2.
Objetivos
-
Contribuir para a formação de educadores comprometidos com os
direitos humanos, a democracia e a cidadania, para que possam atuar como
multiplicadores, na perspectiva de construir uma cultura de promoção e
defesa desses direitos.
-
Estimular educadores no aprofundamento permanente, através de
estudos e pesquisas no campo dos direitos humanos e da cidadania, bem
como no aprofundamento constante da avaliação de suas próprias práticas
como educador e cidadão.
-
Fornecer subsídios para a formulação de ações de capacitação
nesta temática para serem desenvolvidas por entidades governamentais e
não-governamental.
4.3.
Conteúdos
-
A realidade social e política nacional e internacional.
-
Direitos humanos e cidadania: conceito, classificação e evolução
histórica.
-
Instrumentos e mecanismos legais de proteção dos direitos
humanos: tratados internacionais, protocolos, pactos, constituições,
leis ordinárias, regulamentos e demais normas.
-
Ética, valores sociais e morais .
-
Direitos humanos e cultura.
-
Violência e exclusão social.
-
Democracia e cultura política.
-
Instituições de proteção e de defesa dos direitos.
-
Movimentos sociais e direitos humanos.
-
Preconceitos, discriminações e suas diferentes formas de
manifestação.
-
Educação em direitos humanos na América Latina e no Brasil.
-
Experiências em direitos humanos e cidadania e os desafios política[ara
o ano 2000.
4.4.
Atividades
As atividades a
serem desenvolvidas durante o processo de capacitação deverão
colaborar para a conscientização dos indivíduos, através da
problematização das questões que permeiam a realidade sócio-político
e cultural.. para tal podemos apontar como atividades básicas: oficinas
pedagógicas, debates, exposições dialogadas, fóruns, seminários,
projeção de vídeos, painéis, trabalhos de campo, manifestações artísticas
em geral.
4.5.
Avaliação
A avaliação será
realizada no decorrer da capacitação através de acompanhamento,
observação e das atividades desenvolvidas e de uma reflexão escrita
elaborada pelos participantes, que lhes possibilite demonstrar os
conhecimentos sistematizados durante o desenvolvimento da ação de
capacitação. Relatórios de trabalho de campo.
4.6.
Carga horária
A carga horária
deverá ser organizada de forma a atender às especificidades e às
necessidades dos grupos e dos locais onde serão realizados os Programas
de Capacitação.
4.7.
Estrutura do curso
A capacitação
poderá ser organizada de diferentes formas: em ciclos, módulos,
intensiva, semestral, anual, presencial ou à distância.
Período de realização – 1998.
|