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Participação
e controle social na garantia dos direitos
humanos
Módulo
II – Conselhos dos Direitos no Brasil
Em nossa história política,
a participação e o controle
social1
têm adquirido significados distintos
na luta pela concretização dos
direitos de cidadania. Como direito e prática
política, tais conceitos possuem relação
de interdependência, embora, para fins
didáticos, serão abordados distintamente.
Controle Social
Apresentaremos duas formas de abordagem do
conceito de controle social.
O primeiro, exercido pelo Estado sobre os
indivíduos e grupos. Historicamente
assumiu várias modalidades e conteúdos,
considerando as especificidades dos modos
de produção e os regimes políticos.
A história ocidental exemplifica como
“Controle Social” o exercício
do Estado nas suas funções clássicas
de dominação. O segundo, refere-se
à participação social
na elaboração e fiscalização
de políticas públicas em contextos
democráticos. O controle do Estado
sobre os indivíduos ocorre tanto por
mecanismos jurídicos e políticos
quanto por processos culturais e educativos.
Dos castigos, dos mitos e dos processos de
socialização até a justiça
e a segurança, atravessam dispositivos
de controle do Estado. Enquanto em um contexto
autoritário, observa-se a redução
da participação e o aumento
de mecanismos de controle, em regime democrático,
o processo se inverte. No caso atual do Brasil,
a Constituição de 1988 assegura
juridicamente a participação
e o controle social como mecanismos de democratização
dos direitos civis e políticos. Nesse
sentido, o termo controle social está
intrinsecamente articulado a democracia representativa,
que assegura mecanismos de participação
da população na formulação,
deliberação e fiscalização
das políticas públicas. Conferências
e Conselhos, por exemplo, são formas
de participação social e mecanismos
conquistados para exercer o controle social.
Participação
Participação pode ser compreendida
como um processo no qual homens e mulheres
se descobrem como sujeitos políticos,
exercendo os direitos políticos, ou
seja, uma prática que está diretamente
relacionada à consciência dos
cidadãos e cidadãs, ao exercício
de cidadania, às possibilidades de
contribuir com processos de mudanças
e conquistas. O resultado do usufruto do direito
à participação deve,
portanto, estar relacionado ao poder conquistado,
à consciência adquirida, ao lugar
onde se exerce e ao poder atribuído
a esta participação.
“A participação é
requisito de realização do próprio
ser humano e para seu desenvolvimento social
requer participação nas definições
e decisões da vida social.” (SOUZA,
1991, p. 83). A participação
sempre esteve comprometida com aquilo que
Marx e Engels apontam como pressupostos da
existência humana: “o primeiro
pressuposto de toda a existência humana
e, portanto, de toda a história, é
que os homens e mulheres devem estar em condições
de viver para poder fazer história.
E para viver é preciso antes de tudo
comer, beber, ter habitação,
vestir-se e algumas coisas mais”.2
Vamos fazer uma rápida viagem pela
realidade sóciopolítica brasileira
no último século e verificar
três formas básicas de compreender
a participação que se fizeram
presentes.
A participação comunitária
– surge no início do século
XX, compondo a ideologia e a prática
dos centros comunitários norte-americanos.
Nesse contexto, “comunidade” significa
“agrupamento de pessoas que coabitam
em um mesmo meio ambiente, ou seja, compartilham
o que se deveria chamar de condições
ecológicas de existência, independente
dos fatores estruturais ou conjunturais que
lhes dão origem” (CARVALHO, 1995
p.16). No Brasil desenvolvimentista dos anos
50, as contradições geradas
pelo crescimento econômico tornaram-se
cada vez mais evidentes: aumento da inflação,
arrocho salarial, movimentos reivindicatórios
da classe operária por melhores condições
de vida e trabalho, entre outros. Por outro
lado, o processo de industrialização
neste período, exigia uma nova estrutura
do mercado de trabalho, uma política
de modernização, com ênfase
na formação técnica e
profissional competente e na especialização
da mão-de-obra. Nesse cenário,
a participação consistia em
envolver as comunidades na realização
de atividades em que o trabalho da população
teria uma direção desejável
para o sistema, quer dizer, deixava intocada
a estrutura de classes e as relações
de produção e de dominação.
Nas décadas de 1950 e 1960, a participação
comunitária foi utilizada como dispositivo
de controle do Estado em relação
aos aglomerados urbanos, como mecanismo de
controle social. A medida em que o modelo
neoliberal colocou exigências para o
Estado, no sentido de reduzir a sua participação
na garantia dos direitos e responsabilidades
sociais, ocorreu a reedição
das antigas práticas de colaboração
da sociedade na execução das
políticas sociais por meio do voluntariado
com apelo à solidariedade dos cidadãos.3
A participação popular
– significa a crítica e a radicalização
das práticas políticas opositoras
ao sistema dominante face ao agravamento das
desigualdades sociais. Surge ao final da década
de 1960 e se firma na década de 1970,
com a entrada dos novos movimentos sociais,
fundamentais para o processo de redemocratização
da sociedade e do Estado brasileiro. No período
da ditadura militar em 1964, a participação
popular caracterizou-se como estratégia
da oposição e expressou a reação
da população no regime ditatorial
existente naquele momento.
Este período recente da história
política brasileira, entre 1964 e 1984,
como disse Chico Buarque, foi “uma página
infeliz de nossa história”.4
Denominado de “os anos do terror”,
o golpe militar inaugurou, em 31 de março
de 1964, o período da Ditadura Militar,
também conhecido como os anos de chumbo:
colocou, por um lado, as lutas políticas
na clandestinidade, e por outro, aprofundou
a política da arbitrariedade, usurpou
as liberdades, prendeu, torturou e matou centenas
de militantes que se dedicavam à causa
da defesa e da promoção dos
direitos sociais, políticos e econômicos.
Foi o período dos atos de exceção,
quando o controle era exclusivo do Estado
sobre a sociedade. Os direitos políticos
foram suspensos. Em contrapartida, é
desta época o surgimento de novos movimentos
sociais na luta por melhores condições
de vida. Aqui, a categoria “comunidade”
é substituída pela categoria
“povo” que significa, de acordo
com Carvalho (1995 p.21), um determinado segmento
da população excluído,
marginalizado ou subalternizado no seu acesso
aos bens e aos serviços essenciais.
Trata-se de uma população excluída
social, econômica e politicamente das
decisões do Estado.
Apesar do terror do Estado e da ausência
de democracia, os movimentos sociais resistiram
e continuaram as lutas por liberdade e por
democracia.
Vários movimentos e organizações
surgiram na década de 1970, em atos
de resistência ao terror do Estado,
em defesa da redemocratização
do País e de melhores condições
de vida, como:
-
O movimento contra a alta
do custo de vida, liderado especialmente
pelas mulheres nas periferias, com o apoio
das organizações eclesiais
de base.
-
O movimento pela anistia
dos presos e exilados políticos,
a Comissão de Justiça e Paz
da arquidiocese de São Paulo.
-
No final da década
de 1970, o movimento dos trabalhadores por
melhores salários e contra o desemprego,
culminou com as grandes mobilizações
do movimento sindical no ABC (região
em volta da cidade de São Paulo formada
pelas cidades de Santo André, São
Bernardo e São Caetano) o surgimento
de lideranças dos trabalhadores.
A
saturação da política
repressiva do Estado e da ditadura militar,
por um lado, e a mobilização
contra a ditadura e por liberdade política,
de outro, provocou o chamado processo de abertura,
que teve nas mobilizações pelas
eleições diretas para presidente
da república o seu marco político.
A
ditadura militar instituiu o processo de eleição
indireta, por meio de um colégio eleitoral
onde apenas os deputados e senadores podiam
votar no candidato a presidente da república.
A campanha por eleições diretas,
conhecida como campanha pelas “Diretas
Já” foi responsável pela
mobilização de milhões
de pessoas que foram para as ruas e praças
manifestarem-se a favor da eleição
direta para presidente da república.
A campanha foi derrotada na votação
histórica que manteve o colégio
eleitoral, mas foi vitoriosa à medida
que Tancredo Neves, em 1985, foi o último
presidente eleito de forma indireta. O povo
foi às ruas e resgatou seu direito
a votar para presidente e representantes em
todos os níveis.
A
participação social
– é a nova modalidade de participação
instituída na década de 1980,
cuja categoria central não é
mais “comunidade”, nem “povo”,
mas a “sociedade”. A participação
da sociedade organizada ocorreu em todos os
níveis de pressão por liberdade
e democracia. Nas manifestações
de rua, na organização de agrupamentos
sociais, nas eleições, na organização
dos trabalhadores urbanos e rurais, na organização
e luta das mulheres contra a discriminação
e pela conquista de direitos, dos negros,
dos estudantes, enfim, do empresariado, dos
políticos, nas mais variadas formas
de manifestações. O processo
de abertura abriu espaço para uma diversidade
de interesses e de projetos colocados na arena
social e política. Teve sua sustentação
na grande mobilização pelas
“Diretas Já” e na mobilização
social dos diversos segmentos da sociedade
civil organizada por inclusão, ampliação
e universalização dos direitos
no processo Constituinte.
A
década de 1980 foi, portanto, marcada
por grandes mobilizações e profundas
modificações na democratização
do País. Isto gerou conquistas e uma
delas foi a criação, em 1983,
do primeiro conselho da condição
feminina, no âmbito estadual, em São
Paulo que estimulou a criação
de órgãos similares em todo
o País, até mesmo no âmbito
nacional. Estes conselhos foram espaços
de conquista de cidadania, de participação
e de controle social. No entanto, tinham caráter
apenas consultivo e, em alguns casos, de assessoria
às políticas públicas
para enfrentamento da discriminação
praticada contra as mulheres.
O
poder centralizado desde 1930, deu lugar ao
processo de participação, descentralização
e redesenho do Pacto Federativo aprovados
na Constituição Federal de 1988,
que desenhou a unidade nacional com as subnacionais,
com repasse de recursos e autonomia decisória
para Estados e municípios, dando novo
significado ao controle social e à
participação da sociedade civil
nas decisões políticas.
Com
a nova Constituição, os mecanismos
de participação e de representação
institucionalizam-se e os órgãos
com esta finalidade passam a ser não
mais espaços de consulta, mas normativos,
definidores de parâmetros e deliberadores
de políticas. É o que veremos
em nossa próxima aula, que abordará
o tema: “A constituição
de 1988, a democracia participativa e o surgimento
dos conselhos”. Até lá.
REFERÊNCIAS
SOUZA,
Rodriane de Oliveira. (Participação
e controle social). In: SALES, Mione Apolinário;
MATOS, Maurílio Castro; LEAL, Maria
Cristina (Org.). Política social, família
e juventude: uma questão de direitos.
São Paulo: Cortez, 2004, p. 167-187.
SOUZA,
Maria Luiza. Desenvolvimento de comunidade
e participação. 3o ed. São
Paulo: Cortez, 1991.
MARX,
Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã
(Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1996.
Sugestão de leitura:
SOUZA, Rodriane de Oliveira. Participação
e controle social. In: SALES, Mione Apolinário;
MATOS, Maurílio Castro; LEAL, Maria
Cristina (Org.). Política social, família
e juventude: uma questão de direitos.
São Paulo: Cortez, 2004, p. 167-187.
Notas
1.
Para uma melhor compreensão e aprofundamento
dos significados de controle social e participação,
sugerimos a leitura do artigo Participação
e controle social, Rodriane de Oliveira SOUZA,
utilizado para esta apresentação.
In: SALES, Mione Apolinário; MATOS,
Maurílio Castro; LEAL, Maria Cristina
(Org.). (Política social, família
e juventude): uma questão de direitos.
São Paulo: Cortez, 2004, p. 167-187.
2. MARX, Karl ENGELS, Friedrich.
A ideologia alemã (Feuerbach).
3.
Este processo tem semelhanças ao que
acontece nos dias atuais, conseqüência
da política neo-liberal de “Estado
Mínimo”.
4. Música “Vai
Passar” – Autor: Chico Buarque
de Holanda.
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